1 O Evangelho de Lucas Bruno Glaab 0 - Introdução O evangelho de Lc vem da memória popular das comunidades e se divide em 4 blocos: 1) Ministério de Jesus em Jerusalém, paixão, morte e ressurreição (19,29-24,57). 2) Ministério na Galiléia (3,1-9,50). 3) Viagem para Jerusalém (9,51-19,28). 4) Infância de Jesus (1,4-2,52). Introdução (1,1-4) Objetivo: confirmar a fé Destinatário: Teófilo Amigo de Deus -simbolo O que? A vida de Jesus. Fontes: consultas, tradições, testemunhos 1 - Comparando Lc com Mc e Mt Lc tem 424 v. que se encontram também em Mc (Mc 680 v). Lc tem 235 v. que estão também em Mt (Mt 1068 v). Lc tem 548 v. só dele (Lc 1149 v). Lc recebeu de Mc: Lc 4,31-6,11 Mc 1,21-3,6. Lc 8,4-9,50 Mc 4,1-25. Lc 18,15-43 Mc 10,13-34.46-52. Lc 19,29-21,38 Mc 11,1-13,37. Lc tem em comum com Mt: Lc 4,2-13 Mt 4,2-11 > Quelle: fonte comum Lc 6,20-49 Mt 5,1-7.27 Só de Lc (50% do texto): Lc 1-2: Infância de Jesus. Lc 9,51-19,28: Viagem para Jerusalém.. 2 - Quem e onde? Lc cita muito as cidades (40xx): 3,1-3; 9,51; 13,34, etc. Fala muito de contrastes sociais: 4,14ss; 6,20-26; 16,19-21, etc. Fala muito de povo e multidões (39xx): 5,15.29-30; 6,18-19, etc. Cita muito a mulher: 7,1-17.37-50; 8,1-3.43-56, etc. Dirige-se aos desanimados: 24,13-35.
2 As comunidades do evangelho de Lc, com toda probabilidade, são pequenas comunidades localizadas nas periferias das grandes cidades, onde o contraste social era muito forte e onde a exploração e a marginalização da mulher era grave. 1 3 - A situação da época de Lc O mundo das comunidades de Lc é duplamente dominado: a) A cultura grega: dominava ideologicamente. O homem livre não trabalhava, era rico e se dedicava a administrar, ao estudo e ao lazer. Construía ginásios, teatros, banhos público, cultivava o belo. O escravo lhe fazia todo serviço. Era propriedade do homem livre. A cultura grega incentivava as cidades. Os livres moravam nelas. Os gregos adoravam diversas divindades. Cada cidade tinha seus deuses. Estes deuses estavam distantes do povo. b) Império Romano: dominava politicamente. Mantinha a escravidão, os tributos. Tinha exército poderoso de 500 mil homens. Respeitava as tradições dos povos, mas impunham seu imperador como deus. O povo reagia: - alguns eram coniventes e diziam ser impossível mudar algo. - outros se faziam indiferentes. - outros se refugiavam nas coisas do céu. - ainda outros nas religiões mistéricas. - os de mentalidade grega dividiam o mundo em bem e mal. O corpo é bom, o corpo é mau. Estes, ou fugiam do mundo, ou se entregavam aos prazeres desordenados. Todas estas religiões e pensamentos tinham um fundo comum: esquecer a realidade, conforma-se diante das estruturas no mundo e buscar consolo em outros mundos. 2 4 - Os redatores e as intenções Muitos dos cristãos de Lc tinham participado destas religiões antes mencionadas. Aderir a Jesus requer romper com todo este mundo. Isto importava em crise, pois tais religiões evitavam conflitos com o Império Romano, o que não se dava com o cristianismo. Alguns cristãos esperavam o fim do mundo, julgando não haver necessidade de lutar por mais nada. Outros pensavam que o cristianismo não tinha mais futuro, que seria apenas um belo sonho. Isto tudo era uma ameaça ao cristianismo nascente. Lc quer fazer frente a tudo isto. Mas como? Lc se vale dos testemunhos de alguns discípulos qualificados, apóstolos, apostilas, etc. Vale-se, também do evangelho de Mc, de algumas cartas de Paulo. Desta forma nasceu o evangelho de Lc com o objetivo de apresentar Jesus diante de toda a situação acima referida. Seu redator final é conhecido por Lc. O texto vem dos anos 80-90. 1 MOSCONI, Luis. Leitura segundo Lucas. Belo Horizonte, Cebi, 1991. p.32. 2 Op. Cit. p.37.
3 I - O EVANGELHO DE LUCAS Lc retomou Mc, mais o testemunho de alguns discípulos ou apóstolos, alguns escritos avulsos e a fonte (Quelle) e tentou escrever o evangelho para responder aos problemas de suas comunidades formadas basicamente por fiéis vindos do paganismo. Coloca por escrito a fé vivda nas comunidades. Queria consolidar a veracidade da caminhada das comunidades e proclamar aos pagãos os fundamentos da fé. Basicamente Lc quer responder as seguintes questões: - Quem é Jesus? - O que é ser discípulo de Jesus em sua realidade? 1 - Quem é Jesus? Muitos olham para Jesus com os esquemas do paganismo. Lc tem que corrigir isto. Assim, apresenta Jesus como: 1.1 - Jesus salvador do mundo Muitas religiões buscam a salvação, também os judeus. Lc quer mostrar Jesus como salvador do mundo pela: - Expulsão de demônios (4,33-37.41; 7,21; 8,26-39; 9,37-43, etc. O demônio pode ser visto como o sistema de Leis, sinagoga (4,31-37), Império (8,26-31) - Dirigindo-se a todos os excluídos: Zaqueu (19,1-10), Samaritanos (17,11-17), Leproso (10,33-37), a todas as nações (24,47). Não é só dos judeus, mas de todas as pessoas (3,38 = Adão pai de todos, contrário a Mt que parte de Abraão, pai dos judeus Mt 1,1-2), é para todos os povos. 1.2 - Jesus é libertador dos pobres A salvação começa pelos excluídos (4,31-41; 5,12-14.18-20.30-32; 7,22, etc. Seu programa é ação voltada aos útlimos (4,14-21). 26). Atende à mulher (13,10-13). Proclama felizes o pobres (6,20-23) e acusa os ricos (6,24- Sua ação foi para: - pobres 14,15-23; 16,19-31. - pecadores 5,27-32; 15,1-2; 19,9-14 - samaritanos 9,55551-56; 17,11-19 - mulheres 4,38-39; 7,11-17.36-50; 8,1-3.43-56; 10,38-42. Aqui se percebe que Jesus se choca com a sociedade greco-romana.
4 1.3 - Jesus é o Senhor Na época em que o imperador é apresentado como Senhor do mundo, ou melhor, como único senhor do mundo, Lc apresenta Jesus como o Senhor. - Jesus é Senhor (2,11) nascido entre os últimos. - Os senhores deste mundo (3,1-3) são relativizados (3,15-20). - Herodes é raposa (13,32). - Jesus enfrenta o imperador (20,20-26; 23,1-2). - Jesus é o senhor (23,3). - Os pobres e excluídos reconhecem Jesus como o Senhor (2,15-20 - pastores e 5,12 - lepros). 1.4 - Jesus revela a misericódia de Deus Os deuses são distantes do povo, o Deus dos fariseus também. O deus de Jesus é próximo e cheio de misericórdia. - Deus misericordios para com os fracos (1,50-55.) - É Pai (11,2). - Jesus recebe os pecadores (7,36-50; 18,13s). - Jesus recebe os pagãos (7,1-10). - Misericórdia com os pecadores (15,2-32). 1.5 - Jesus, homem do povo As divindades pagãs estão longe do povo, nos montes altos (Olimpo). Javé dos fariseus e saduceus, também (templo). Muitos cristãos olhavam do mesmo modo para Jesus. Lc mostra Jesus no meio do povão: - nasce entre os últimos (l,26-31; 2,1-11). - Jesus é visita de Deus ao povão (1,68-78). - andava entre o povão (4,40; 5,1.3.15.29; 6,17; 8,40; 9,37). 1.6 - Jesus, profeta de Deus Lc apresenta Jesuus como profeta (7,16): Lc 4,17ss Is 61,1ss Lc 6,24-26 Is 5,8-25 Lc 7,22 Is 35, 5-6 Lc 6,20-26 Is 65,13-14 Lc 2,34 Jr 15,10 Jesus como o novo Elias:
5 Lc 7,12-15 1Rs 17,17-24 Lc 9,24 2Rs 1,10-12 Lc 9,6l-62 1Rs 19,19-21 Lc 22,42-44 1Rs 19,4-7 Lc 24,50-51 2Rs 2,11 Tanto Is 1,10ss como 58,1ss, como também Elias (1Rs 21,17-24) são profetas a favor dos pobres. O mesmo se dá com Jesus. 2 - O que é ser discípulo? Para os gregos o que importa é saber e conhecer. O fazer não tem importância. Lc quer persuadir seus fiéis a seguir e não apenas conhecer. Tudo o que se disse sobre Jesus é para a- prender a segui-lo. 2.1 - Caminhar com Jesus (9,57) Jesus, na sua caminhada para Jerusalém (9,51-19,27) revela aos discípulos as exigências do seguimento: - como seguir (9,57-62). - Marta e Maria (10,38-42). - astúcia dos seguidores (13,22-30). - decisão dos seguidores (14,25-35). - os dez leprosos (17,11-19). - cegueira (18,35-43). O caminho com Jesus se aprende deguindo, não se pode olhar para trás. É um seguir até a cruz (9,22). Seguir é romper com o modo de pensar comum. O homem rico (18,22-23) não consegue, pois seu pensar é o comum. Seguir Jesus é redefinir a vida como Pedro, Tiago e João (5,11), como Levi (5,28). Seguir Jesus é rumar para Jerusalém, enfrentar o poder (19,46). 2.2 - Permanecer firme Há uma espera do fim do mundo entre o povo (2Ts 2,1-3; 3,11ss). Isto deixa as pessoas sem assumir nada. Espera-se a mudança total, ou intervenção divina (At 1,6-8). Lc quer corrigir tal visão alienante. Amplia Mc 13. Lc narra a parábola dos talentos (19,12-28). Com isto quer encorajar os discípulos a se engajarem e não cruzar os braços esperando o fim. Lc acrescenta: Pensavam que o Reino de Deus ia se manifestar imediatamente (19,11). A mesma parábola em Mc 13,33-36 e Mt 25,14-30 não traz esta frase. O mesmo se diga de Lc 21,8-11 (não se deixar enganar). Com isto Lc combate falsos profetas que anunciam o fim e pede aos discípulos para permanecerem firmes. Comparando a mesma narração com seus paralelos (Mc 13,5-8 e Mt 24,4-8) se percebe bem a intenção de Lc.
O povo não deve ficar angustiado esperando a irrupção do Reino, nem procurar sinais misteriosos. O Reino de Deus já está presente onde se leva em frente a ação de Jesus (17,20s). O Reino de Deus já está presente (11,20) desmistifica a falsa esperança de fim próximo e responsabiliza os cristãos a não cruzarem os braços. Com estes textos Lc chama os profetas do fim do mundo de mentirosos e encoraja os fiéis a assumirem a história. 6