IRAQUE CONFISSÕES RELIGIOSAS Cristãos (0,8%) Muçulmanos (99%) Sem Religião (0,1%) População 1 : 32.665.000 Superfície: 435,244 km 2 Refugiados (internos)*: 188,555 Refugiados (externos)**: 409,181 Deslocados: 993,188 * Refugiados estrangeiros a viver neste país. ** Cidadãos deste país a viver no estrangeiro. Desde 2005, o Iraque tem sido governado por uma Constituição que proclama o Islamismo como a «religião oficial» e que estipula que «nenhuma lei pode ser aprovada se estiver em contradição com a lei islâmica» (Artigo 2.1a). A Constituição acrescenta que o Estado defende os direitos religiosos e garante os direitos administrativos, políticos, culturais e educativos dos diferentes grupos étnicos iraquianos. Afirma igualmente os direitos à liberdade de crença e prática religiosa de todos os indivíduos, como por exemplo os Cristãos, os Yezidis e os Sabeus-mandeus (Artigos 2.1b e 2.2). A Constituição reconhece duas línguas oficiais: o árabe e o curdo, e proclama «o direito dos iraquianos de instruírem os seus filhos na sua língua materna, como por exemplo o turco, o sírio e o arménio, em estabelecimentos educativos públicos» (Artigo 4). Estas línguas são também autorizadas nas zonas administrativas locais. O Iraque tem cerca de 32,6 milhões de habitantes. A maioria são xiitas árabes (60%), enquanto cerca de 38% são muçulmanos sunitas (divididos entre árabes e curdos), com os 1 http://data.un.org/countryprofile.aspx?crname=iraq
restantes 2% constituídos por cristãos e yezidis. A população cristã diminuiu acentuadamente e agora pensa-se que não tem mais de 350 mil membros. A representação extremamente baixa de cristãos no Parlamento federal após as eleições de 2005 (apenas três lugares em 275) significa que não têm possibilidade de influenciar o voto em relação à elaboração das leis. Além disso, uma vez que a filiação religiosa continua a ser um aspecto do estatuto civil e que aparece publicamente em todos os documentos de identificação de cada cidadão, os Cristãos são facilmente identificáveis, o que significa que são vítimas de grandes injustiças e de tratamento desigual. Considera-se automaticamente que as crianças seguem a mesma religião do pai. Mas se o pai se converteu do Islamismo ao Cristianismo, a criança é sempre registada oficialmente como muçulmana. O representante da maior comunidade cristã no Iraque, o Patriarca caldeu (católico) Louis Raphael I Sako de Bagdade disse: «O único critério para a coexistência é a cidadania. Sou um cidadão, independentemente da minha religião, seja cristão ou muçulmano. Para que isto aconteça, é necessário separar religião e política. Se os Muçulmanos aceitassem, por exemplo, retirar todas as referências religiosas da Constituição, da sua política e também do ordenamento das relações entre cidadãos, deixaria de haver quaisquer problemas. Da mesma forma, no passaporte não deveria ser necessário escrever cristão ou muçulmano, porque isto cria problemas ( ). Há também legislação que limita o papel político e social dos Cristãos.» 2 De acordo com o Arcebispo caldeu Bashar Warda de Erbil, no Curdistão iraquiano, «a liberdade religiosa é garantida pela Constituição, mas a liberdade de consciência não o é. A lei islâmica considera outras religiões, mas não existe o direito de mudar de religião, excepto quando se trata de uma conversão ao Islamismo. Mas os Cristãos continuam a sofrer por serem Cristãos, mesmo que a situação no Curdistão esteja claramente melhor do que noutras partes do país.» 3 Um sacerdote da região relata que «é, sem dúvida, mais difícil praticar a nossa fé cristã hoje em dia do que era há cinquenta anos atrás.» 4 O Governo autónomo do Curdistão tem de obedecer à Constituição iraquiana, mas a sua autonomia dá-lhe algum espaço de manobra. Por isso, os Cristãos estão comparativamente mais bem representados no Parlamento regional, com cinco lugares em 111 (enquanto apenas representam no máximo 2 ou 3% da população do Curdistão). O Governo curdo tornou esta 2 Oasis, 20 de Novembro de 2013 3 La Vie, 11 de Abril de 2013 4 Ibidem
região autónoma num refúgio para minorias perseguidas, sobretudo os Cristãos, que de facto participam ou participaram no Governo. Por exemplo, Sarkis Aghajan, o ministro da Economia e Finanças do primeiro Governo regional do Curdistão, que foi eleito em 2006, é cristão assírio. Os Yezidis têm dois ministros no Governo autónomo. Em Erbil há inclusivamente um bairro inteiro reservado aos cristãos. Ankawa é um bairro autónomo. Os não-cristãos não podem instalar-se aqui, a não ser que sejam originários deste lugar. A 11 de Junho de 2012, o Governo regional do Curdistão decretou a neutralidade religiosa das escolas. Enquanto as principais religiões irão a partir de agora ficar em pé de igualdade, os ensinamentos nas escolas serão regidos por exames que vão ser necessários para obter o diploma. O conhecimento dos preceitos islâmicos, que até agora foram essenciais para obter um diploma, já não são necessários. Apesar disso, o Curdistão é uma entidade política que ainda está em construção, na qual os partidos que governam, legitimados durante décadas pela «luta de libertação», estão a tornarse cada vez mais ferozmente contestados, nomeadamente por uma oposição que defende o Islamismo político. O aumento de poder desta última força complica ainda mais a cena política curda e traduz-se na prática no desenvolvimento de uma forma preocupante de intolerância religiosa. A 11 de Junho de 2014, o Estado Islâmico do Iraque e do Levante (EIIL) tomou de assalto Mossul. Nos dias que se seguiram, os militantes wahabitas tomaram vilas e cidades, avançando para sul em direcção a Bagdade, numa aparente tentativa de criar um califado que se estende do Iraque ao norte da Síria, onde nos meses anteriores garantiu a tomada do território. Para todos os grupos religiosos, incluindo os muçulmanos moderados, o EIIL representou a ameaça mais grave. Enquanto comunidade maioritária no Iraque, os xiitas eram quem mais tinha a temer. A 15 de Junho, o EIIL alegou que tinha massacrado centenas de xiitas das forças de segurança do Iraque que tinha em cativeiro. 5 Os líderes cristãos falaram da ameaça do EIIL às suas comunidades. O Arcebispo caldeu Amel Nona de Mossul descreveu a forma como, à medida que o EIIL avançava, os últimos cristãos fugiam de uma cidade que apenas onze anos antes tinha 35 mil fiéis. 6 O Bispo Auxiliar Saad Syrop de Bagdade disse à ACN News, a 18 de Junho, que temia uma guerra aberta com consequências potencialmente danosas para a própria sobrevivência do Cristianismo no Iraque. 7 O número de cristãos tem estado a cair a pique no Iraque, sobretudo após a queda do presidente Saddam Hussein, em 2003. Cerca de 1,2 milhões de cristãos viviam no Iraque durante a década de noventa, mas durante a última década muitos emigraram depois das suas comunidades terem sido vítimas de uma série de ataques contínuos. Na Primavera de 2014, o Patriarca Caldeu Louis Raphael I Sako, a maior comunidade cristã no Iraque, dizia que a 5 New York Times, 15 de Junho de 2014 6 ACN News, 11/6/14 7 ACN News, 18/6/18
hemorragia do número de fiéis era um desastre para a Igreja. Numa entrevista a 25 de Abril, disse: «A migração diária de cristãos do Iraque é terrível e muito preocupante.» E acrescentou: «A Igreja enfrenta um desastre e se a situação continuar por este caminho, os nossos números nos próximos dez anos vão ser pouco mais de uns milhares.» O patriarca considerou que o êxodo se devia ao agravar da segurança e ao extremismo religioso, e descreveu as ameaças de morte contra os Cristãos e a apreensão forçada das suas propriedades. 8 Nos dois anos a partir de meados de 2012, os Cristãos continuaram a viver actos de violência e intimidação, mas os incidentes não foram tão numerosos nem, em geral, tão graves como no pico da insurgência pós-saddam de 2006-8. A 16 de Setembro de 2012, a Catedral caldeia de Kirkuk foi alvo de um ataque à bomba. A bomba explodiu do lado de fora da porta após a Missa vespertina, causando danos materiais. 9 Em Janeiro seguinte, foi descoberto o corpo de uma professora católica caldeia de Mossul. Tinham-lhe cortado a garganta. 10 Na véspera de Natal desse mesmo ano, trinta e quatro pessoas morreram numa série de ataques a bairros cristãos em Bagdade. 11 A 29 de Janeiro de 2014, militantes armados entraram em fúria em Bagdade, matando três pessoas no distrito maioritariamente cristão de Camp Sarah. 12 A violência resultante deste confronto entre xiitas e sunitas colocou os Cristãos numa posição difícil. O Monsenhor Pascal Gollnisch, director-geral da organização francesa Oeuvre d Orient, explicou: «Os Cristãos são apanhados no fogo cruzado entre os dois principais adversários, os sunitas e os xiitas. Os sunitas estavam mais protegidos no tempo de Saddam Hussein, enquanto os xiitas eram marginalizados. Agora os xiitas tomaram o poder. Além da presença de grupos violentos que são responsáveis pelos ataques, os Cristãos são explorados pelos grupos de todos os lados da divisão sectária e política. Além disso, há inúmeros movimentos anti-cristãos.» 13 Finalmente, a comunidade muçulmana sunita, que está em minoria no Iraque, queixa-se de estar a ser empurrada para fora, após a vitória da maioria xiita na sequência da derrota do regime de Saddam Hussein. Grande parte do conflito no Iraque resulta de um confronto cada vez mais profundo entre sunitas e xiitas, com frequentes explosões de bombas e outro tipo de violência. Enquanto o presidente do Iraque, Jabal Talabani, um curdo sunita, vive fora do país por razões de saúde, o primeiro-ministro Nouri El-Maliki tem liberdade para mostrar favoritismo pela comunidade xiita. El-Malaki, que é xiita, oferece aos seus correligionários posições de topo no Governo e nas finanças. Isto levou, alegadamente, a uma radicalização entre muçulmanos sunitas, com um regresso da Al Qaeda. Durante o ano de 2013, a violência 8 Arab News/AFP, sexta-feira, 25 de Abril de 2014 «Christians face disaster in Iraq» 9 Zenit, 18/9/2012 10 Reconquête, Fevereiro de 2013 11 Reuters, 25/12/13 12 Reuters, 29/01/14 13 Zenit, 13 de Janeiro de 2012
sectária entre xiitas e sunitas alcançou níveis recorde, causando a morte a 6.650 pessoas nas duas comunidades. 14 Embora a violência específica contra os Cristãos tenha diminuído nos dois anos a partir de meados de 2012, a situação em relação à liberdade religiosa piorou manifestamente durante o período em análise. No momento em que escrevemos, a ameaça do EIIL é muito grave. A Constituição de 2005 não foi clara sobre o lugar da religião na lei e no Governo. Isto faz parte de uma luta crescente em que os extremistas religiosos, sejam eles sunitas ou xiitas, procuram ganhar ascendência à custa de outros grupos religiosos. O êxodo de cristãos, que não revela sinais de diminuir, representa um voto de não-confiança da parte dos que têm mais a perder caso o país mude da democracia para algo semelhante a uma teocracia. A perspectiva é, por isso, extremamente sombria, a não ser que se adoptem mudanças drásticas, promovendo a causa da segurança e da liberdade não apenas para os grupos religiosos poderosos, mas também para as minorias. 14 RFI, 27/12/13