Título. A Libertação das letras. Autora. Maria João Torres. Ilustrador. Paulo Silva ISBN

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2 Título A Libertação das letras Autora Maria João Torres Ilustrador Paulo Silva ISBN Editora Litere-se

3 A libertação das letras Não! Não! Outra vez não! gritou Estrela. A mãe, ao ouvir os gritos de sua filha uma jovem adolescente correu para o quarto e viu que Estrela tinha acordado em sobressalto. Mas por que razão isto está a acontecer? perguntou Estrela à mãe. Vais ter que explicar melhor, Estrela. Não sei de que estás a falar. respondeu a mãe. Durante largos minutos, Estrela falou, falou até que a mãe, com um olhar preocupado, lhe disse: Não precisas de estar tão assustada, filha. Estás a ter pesadelos que certamente irão desaparecer. Queres ver como a realidade é diferente? questionou a mãe.

4 Estrela acompanhou a mãe até à sala, onde se encontrava uma estante muito alta e repleta de livros. Estás a ver? Não há nada de diferente. Mas, para que fiques mais descansada, e com a certeza de que tudo não passa de um pesadelo, vou retirar um destes livros e folheá-lo. Com os olhos bem abertos, Estrela começou a esboçar um sorriso enquanto a mãe folheava o livro pois pôde verificar que, afinal, ela tinha razão. Já refeita da angústia com que acordou, Estrela saiu felicíssima de casa e apanhou o autocarro para a escola. Quando lá chegou, abriu os seus livros escolares e, atenta, ouviu tudo o que a professora disse. O dia passou sem percalços e assim que retornou a casa, dirigiu-se à estante da sala, retirou um livro e sentou-se no sofá a lê-lo. Absorvida na leitura, Estrela ouviu um sussurrar mas não deu grande importância. Só quando sentiu o bafejar das letras ao seu ouvido é que reparou que elas tinham saído da página que acabara de ler e que a mesma se encontrava em branco. Decidida, Estrela começou a folhear o livro e constatou que o mesmo sucedera com todas as páginas que tinha lido. Não havia uma única letra nessas páginas. Elas vagueavam pela sala, como se estivessem à procura de alguma coisa.

5 Devo ter adormecido quando comecei a ler a história sobre um menino que se tinha perdido por entre os corredores de uma extensa biblioteca e estou, novamente, a ter o mesmo pesadelo. Isto não é real. As letras continuam inscritas no livro e o melhor será acordar para saber o que fez o menino para encontrar a saída da biblioteca. Ah! Estás aí, Estrela! exclamou a mãe com um olhar muito intrigado. O livro deve ser muito interessante, pois estás tão embrenhada na sua leitura que não me ouviste chamar-te. Ao mesmo tempo que olhou para a mãe, Estrela viu as letras retomarem o seu lugar nas páginas do livro. Estranho! Parece tão real o que acabei de ver que só não acredito porque sei que estou a sonhar. - Estás a ouvir-me, Estrela? questionou a mãe perante a sua inércia. Anda! O jantar está na mesa. Quando a mãe lhe tocou na mão para a fazer levantar do sofá, Estrela apercebeu-se que afinal sempre esteve acordada e que os pesadelos que tinha tido foram um meio que as letras arranjaram para iniciar um primeiro contacto com ela. Contudo, decide não contar nada até perceber o porquê das letras quererem sair dos livros. E assim foi. Durante o jantar ninguém ouviu uma única palavra de Estrela. A conversa esteve sempre animada mas porque o irmão não parava de contar o que tinha feito na escola. Quando o jantar terminou, Estrela pediu licença para se levantar. Os pais, apesar de admirados com o seu silêncio, responderam afirmativamente. Já no quarto, e novamente com o livro na mão, continuou a leitura da história. Leu uma página, depois outra, e assim sucessivamente até que algo inesperado aconteceu. Apenas as letras s, a, l e outro a saíram do livro, juntando-se e formando a palavra sala. Por que razão terão as letras formado esta palavra? Será que tenho que ir para a sala? Mas agora estão lá os meus pais a ver televisão. Vou ter que esperar que se deitem.

6 Estrela ainda tentou continuar a ler a história, mas o sono foi chegando, chegando, e quando estava quase a fechar os olhos, as letras da palavra sala começaram a rodopiar de tal forma que o vento que formaram despertou Estrela. Está bem! Está bem! Vou ver se os meus pais já se deitaram. disse Estrela, em voz alta. Não acredito, agora já falo com as letras. Será que estou a ficar doente? Estrela dirigiu-se para a sala e constatou que já todos tinham ido dormir. Sentou-se no sofá e assim que abriu o livro, várias letras saltaram das páginas e formaram a palavra obrigada. Logo de seguida, surgiram mais letras que, ao juntarem-se perguntaram à Estrela se ela as poderia ajudar. Convicta de que as letras estavam a comunicar com ela, Estrela decidiu perguntar-lhes o porquê de precisarem da sua ajuda. Todas as letras, que compunham o livro, saíram e organizaram-se de modo a explicar que o facto de viverem eternamente no mesmo livro não lhes permitia fazer parte de outras histórias e que por isso se sentiam numa prisão. O mesmo se passava com as letras dos outros livros. Estrela não estava a compreender como era possível sentirem-se numa prisão e, lembrando-se do a, letra privilegiada do alfabeto, colocou-lhes a seguinte questão:

7 Como é que, por exemplo, a letra a se pode sentir presa, se faz parte de todos os livros e consequentemente das suas histórias? As letras começaram a deslocar-se pela sala, e, num esforço conjunto, alinharam-se e formaram um texto que respondesse à questão colocada. Nesse texto podia ler-se que, a letra a está confinada ao livro onde foi inscrita e, encontrando-se este fechado, não podia viajar. Não podia ser parte integrante de outros livros, de outros romances, novelas, poemas Agora já entendi! Só não sei o que fazer para que não se sintam presas. Felizes por Estrela ter compreendido o dilema delas, as letras começaram a andar de um lado para o outro e, só depois de muitos atropelos é que conseguiram juntar-se e revelar que a única forma de ela as poder ajudar seria através da proliferação da ideia de que, a conservação dos livros está dependente do modo como eles são arrumados, ou seja, têm que ficar entreabertos. Mas, então, não será melhor contar a verdade? Dizer que vocês se sentem aprisionadas? questionou Estrela. Já refeitas da euforia, as letras formaram um conjunto de palavras que, por sua vez, deram origem à resposta que, para Estrela, era expectável. Pois! Ninguém iria acreditar em mim. E mesmo que acreditassem, não entenderiam o facto de vocês se sentirem aprisionadas. Certamente que iriam manter os livros fechados em prateleiras ou arrumados em caixas. reconheceu Estrela. Ao ouvirem Estrela, as letras depreenderam que ela iria fazer tudo o que estivesse ao seu alcance para as ajudar a libertarem-se. Cansada, pois já estava a amanhecer e as emoções tinham sido muitas, Estrela despediu-se das letras e dirigiu-se para o seu quarto. Assim que se deitou, adormeceu profundamente. Quando tocou o despertador, levantou-se e dirigiu-se para o computador. Escreveu, de forma elaborada e argumentada, um texto onde explicou que, para manter um livro conservado, este deve ser arrumado entreaberto. Em seguida acedeu à Internet, enviou o texto para jornais, revistas e publicou-o no facebook.

8 Não foram necessários muitos dias para começar a ver, nos diferentes locais onde se encontram livros, que os mesmos estavam arrumados entreabertos. Estrela sentia-se radiante por saber que tinha ajudado as suas amigas letras a alcançarem a liberdade e por ter descoberto que o poder da argumentação pode conseguir milagres.