Sabe, eu tenho um novo amigo aqui na escola. Ele vê as coisas de maneira diferente do jeito que a gente vê.
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- Ayrton da Silva Amado
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1 Pedro enxerga tudo
2 Sabe, eu tenho um novo amigo aqui na escola. Ele vê as coisas de maneira diferente do jeito que a gente vê. Ele vê igual, mas de maneira diferente. Confuso né? Mas eu vou explicar. Primeiro, vou me apresentar: Meu nome é Marcela. Gosto de brincar de boneca, de casinha, de videogame, de andar de bicicleta e muitas outras coisas...
3 E ah, o meu amigo se chama Pedro. E ele veio para a escola, já tem um tempo. Antes, ele estudava num lugar que chama de associação, uma espécie de escola, sei lá. A professora Flávia disse que ele é deficiente visual. Minha turma o chama de cego. Ele não liga pra isso, só reclama quando falam que é ceguinho. Não sei se ele já nasceu assim, ou se aconteceu alguma tragédia, ou é desde que ele era bem pequeno, afinal, ele não se lembra de um dia ter enxergado. Pedro tem outros jeito de ver as coisas.
4 Um dia, ele disse pra mim: - Marcela, eu vejo as coisas de outro modo. Por exemplo: muitas coisas têm cheiro e eu descubro o que elas são. Muitas coisas têm gosto, e eu sinto com a minha língua. E muitas coisas fazem barulho, e eu gosto de ouvir. Posso tocar nas coisas e descobrir suas formas. Sinto calor e frio, molhado e seco, leve e pesado. - Marcela, é assim que eu vejo tudo, mas de um modo diferente. Pedro, falou tanta coisa que eu acabei entendendo a maneira como ele via as coisas.
5 E ele pode ler livros com as pontas dos dedos, pode escrever as coisas com uns ferrinhos. - O que é isso Pedro? - É Braille. - Braille? O que é isso? - Braille é um jeito que um homem lá na França inventou para que as pessoas que não enxergam possam ler e escrever. É o seguinte: você escreve com lápis ou uma caneta. E eu com essa coisa chamada punção, e essa outra chamada reglete. - Você foi para a França aprender isso? - Não, sua boba! O Louis Braille é que era da França. Eu vou lhe contar a história dele, Marcela: quando ele era assim, mais ou menos do nosso tamanho, sofreu um acidente e ficou cego. Ele queria muito continuar estudando, mas na época não tinha escola para cegos. Ele não desistiu: quando ficou maior, inventou esses pontinhos, com os quais os cegos do mundo inteiro conseguem ler e escrever. E em homenagem a ele, esses pontinhos receberam o nome de Braille.
6 Eu e Pedro, conversamos bastante, e outro dia, Pedro me contou que tinha sonhado. Eu fiquei admirada, e perguntei: - Mas você sonha, Pedro? - Claro que eu sonho - e ele me contou o sonho: - Eu estava andando na rua com minha bengala Sofia (é esse o nome dela). Ela me ajuda muito, porque me avisa o que vem pela frente: pedra, degrau, poste e tudo mais. E assim eu não tropeço, nem caio. E lá ia eu com minha Sofia quando, de repente, bateu um vento forte e assim, sem mais nem menos, eu comecei a voar. E voava por alto bem no meio de umas coisas fofinhas, que eu acho que eram as nuvens, e depois o vento me levava pra baixo. E eu sentia um friozinho na espinha. E escorregava no ar. E dançava. E dava pirueta. E acordei muito feliz.
7 Pedro sempre compara a escola de antes com a de agora. Não tem sala especial com as coisas que ele precisa. Faltam livros na língua dele, de Braille, faltam fitas ou CDs gravados com histórias. Quando ele faz uma lição, a professora Flávia, não entende Braille. Aí tem que esperar a outra professora dele, a Maura, vir à escola e passar para a nossa escrita o que ele escreveu em Braille. O prédio da escola tem muitos degraus e eu pensava que fosse perigoso ele cair. Mas que nada! Com a sua Sofia, quer dizer, bengala, ele sobe e desce bem fácil. Claro que algumas coisas ele não consegue fazer sozinho. Por isso a gente ajuda, porque amigo é pra isso. Mas têm também outros meninos que não entendem as dificuldades do Pedro.
8 Um dia, a professora sempre dita em voz alta o que escreve na lousa. Assim o Pedro pode anotar a lição usando a reglete e o punção. Mas teve um dia em que ela só escrevia. Pedro pediu para Jõao ditar para ele, mas o João falou que não! - Não sei por que você não estuda numa escola só de cegos. Agora a gente tem que ficar ditando tudo para você! E o Pedro deu uma resposta que eu gostei: - E por que você não estuda numa escola só de baixinhos? Aqui você tem que sentar na frente: de outro jeito não consegue ler no quadro! Foi uma risada só! E o João ficou com vergonha! Depois, eu perguntei ao Pedro como ele sabia que o João era baixinho. Ele respondeu que o som da voz do João vem mais de baixo do que o dos outros meninos. - O som o da voz do Rafa, por exemplo, vem mais de cima do que o seu. Por isso eu sei que ele é mais alto que a gente.
9 No dia seguinte, a professora Flávia começou a falar com a voz calma. Ela estava muito séria: - Turma, precisamos conversar sobre o que aconteceu ontem com o João e o Pedro. Acho legal a gente esclarecer algumas coisas. E eu pensei em algo que pode nos ajudar a entender como o Pedro enxerga. Nossa! A professora leu meus pensamentos! É assim mesmo que eu vejo! Ele enxerga,mas de um jeito diferente! - Pensando nisso, eu bolei uma brincadeira: a partir de agora todos vocês vão ser cegos. Foi uma bagunça danada! Ela pediu calma e explicou que iria colocar uma venda nos olhos da gente. Quem não colocasse a venda, não iria participar da brincadeira. Todos de olhos vendados, ela começou. - Bem, agora.. De repente, pareceu que ela se lembrou de dizer algo importante.
10 - Pedro, você vai me ajudar. A turma ficou entusiasmada: - Vou chamar um por um aqui na frente, vocês vão ter que adivinhar o que são alguns objetos, mas sem olhar. Quem pode me dizer como vocês vão identificar as coisas que eu tenho aqui? - Depende, pode ser pelo cheiro, pelo barulho... - Muito bem, André! É isso mesmo! E a brincadeira começou: - Maria Cláudia, o que é isso? A professora fez um silêncio e deu objeto para a menina. Eu estava louca para chegar a minha vez. - Isso é feijão, professora. Eu sei pelo formato dos caroços. - E o feijão está cru ou já está pronto para comer? - Está cru! - Muito bem!
11 E assim a brincadeira aconteceu com todos da turma. No final, a professora disse: - É assim que o Pedro conhece as coisas: pelo cheiro, pelo barulho, pelo gosto e pelo tato. Não é Pedro? E o Pedro concordou. Foi quando a professora Flávia pediu para nossa turma pensar no que todo mundo poderia fazer para ajudar o Pedro. Nós falamos que era importante ditar para ele as coisas que ela escrevia. Aí o Pedro interrompeu: - Olha, professora, eu queria dizer uma coisa. É melhor eu esclarecer o que é importante para vocês me ajudarem. A professora gostou da ideia, e ele começou falando algo que ninguém tinha pensado: - Quando alguém for sair da sala, tem que abrir ou fechar a porta por inteiro. No meio é que ela não pode ficar, senão lá vai minha testa para o espaço! Se ela está fechada ou aberta, eu vou perceber com a minha Sofia. Mas se está mais ou menos aberta...
12 E continuou. Disse que seria bom se tivesse um piso diferente perto do orelhão. Assim, com sua bengala, ele pode desviar e não bater a cabeça. Aí ele falou um negócio muito engraçado, mas que eu fiquei pensando em como resolver: - Uma coisa que eu não sei ainda como dar um jeito, é no cocô de cachorro na calçada. Todos nós rimos. -Eu tive uma ideia! - Gritou a Maria Cláudia. - E se a gente enchesse o bairro com uns cartazes e placas, pedindo para quem tem um cachorro, limpar o cocô do bichinho e explicar que o isso atrapalha o Pedro? E não é que deu certo! Depois de algumas semanas, quem saía com seu cachorro, levava um jornal, uma pá, um saquinho, para colocar o cocô do bicho.
13 A diretora da escola, ficou sabendo da ideia do piso diferente perto do orelhão e pediu para a prefeitura fazer. Demorou, mas ficou pronto. Escreveu também uma carta pedindo as coisas que o Pedro precisava para estudar. Também demorou, mas depois de algum tempo ele tinha praticamente tudo o que precisava: CDs para escutar historinhas, livros na língua dele, e uma grande novidade: a professora Maura agora vem todos os dias. E, além do mais, todo mundo ganhou um alfabeto Braille e os professores foram aprender aqueles pontinhos! Mas o importante de tudo isso, é que nos conhecemos mais e mais. E descobrimos que cada um é de um jeito: todo mundo diferente, todo mundo igual. É assim que a gente é. FIM.
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