II SIMPÓSIO BRASILEIRO DE AGROPECUÁRIA SUSTENTÁVEL 23 a 25 de setembro de 2010 Universidade Federal de Viçosa Viçosa/MG
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- Sandra Back Arantes
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1 Biodigestores: construção, operação e usos do biogás e do biofertilizante visando a sustentabilidade das propriedades rurais Elton Eduardo Novais Alves 1, Keles Regina Antony Inoue 2, Alisson Carraro Borges Técnico Agrícola, Graduando em Agronomia pela UFV Engenheira Agrônoma, MSc e Doutoranda em Eng. Agrícola pela UFV Professor do Departamento de Engenharia Agrícola DEA, UFV. Resumo Tendo em vista a potencialidade energética dos resíduos orgânicos será abordado, de forma resumida, o processo de produção de biogás e biofertilizante utilizando resíduos presentes em propriedades rurais, bem como os fatores que afetam a biodigestão, usos do biogás e biofertilizante na propriedade rural e os benefícios que os biodigestores trazem para o produtor rural, para o meio ambiente e para a sociedade como um todo. 1. Introdução Desde a Revolução Industrial o petróleo vem sendo utilizado cada vez mais. Na atualidade, a civilização humana é totalmente dependente deste produto. O petróleo é usado para mover quase tudo, como aviões, carros e máquinas em geral. É também usado na fabricação de borrachas, plásticos, tintas, adubos, inseticidas, dentre outros produtos indispensáveis no nosso dia-a-dia (Barreira, 1993). Como consequências dessa alta dependência do petróleo, muitos agricultores ficam a mercê do mercado mundial e da oscilação do preço de mercado dos fertilizantes, defensivos agrícolas, dentre outros insumos agrícolas que são diretamente ou indiretamente dependentes do petróleo. Atualmente existem várias fontes de energia e de matérias que não derivam do petróleo e de outras fontes não renováveis e que são substitutos a estes. Contudo, essas fontes ainda não são largamente utilizadas, por fatores econômicos, políticos, culturais ou, até mesmo, por falta de informação. A comunidade científica mundial e a população têm discutido a mudança do modelo energético global, de energia fóssil e nuclear para sistemas que incluam as energias renováveis e alternativas limpas. O debate internacional está pautado pela necessidade de práticas sustentáveis de aproveitamento dos recursos naturais existentes e de medidas para reduzir a taxa de aquecimento global. A produção de energia alternativa e renovável faz com que sejamos menos dependentes de fontes não renováveis e mais poluentes. Muitas destas energias também podem ser produzidas nas propriedades rurais, fazendo com que o produtor possa diminuir gastos e sejam menos dependentes de usinas energéticas.
2 A digestão anaeróbia é considerada opção viável para o tratamento biológico dos resíduos agroindustriais, pois demandam pequena área e são de construção simples, além de permitir a redução do potencial poluidor, configura-se como importante setor energético; capaz de fornecer os benefícios da energia e a produção de biofertilizante (Nogueira, 1992, Amaral et al., 2004 e Campos et al., 2005). A importância da digestão anaeróbia no tratamento de resíduos aumentou expressivamente nas últimas décadas, principalmente, por apresentar um balanço energético mais favorável em relação aos processos aeróbios convencionais, como o baixo consumo de energia, a reduzida produção de lodo e a possibilidade de recuperação e utilização do metano como gás combustível (Moraes, 2005). Diante do exposto, busca-se abordar de forma sucinta, neste material, a forma de como construir biodigestores em propriedades rurais; bem como a produção de biogás e biofertilizante, visando uma maior sustentabilidade econômica e ambiental no campo. 2. Os biodigestores Um biodigestor é uma câmara fechada, que não permite a entrada de ar, onde a biomassa (resíduos) sofre a digestão por micro-organismos anaeróbios, produzindo gás. Pode ser construído de alvenaria, concreto ou outros materiais, onde é colocado o material a ser digerido. A digestão anaeróbia permite o aproveitamento dos dejetos animais para a produção do biogás e do biofertilizante, principais produtos do processo, com benefícios no aumento da produtividade e preservação do meio ambiente (Figura1). Figura 1 - Benefícios do biodigestor (Fonte: Oliver et al., 2008). O processo de digestão anaeróbia também favorece a melhoria das condições de higiene para os animais e tratadores em função da limpeza diária das instalações para recolher o esterco. O tratamento apropriado dos dejetos reduz a contaminação e também a proliferação de moscas e a mortalidade dos animais, aumentando, consequentemente, a produção, bem como a qualidade dos produtos.
3 Existem vários tipos de digestores, porém todos eles visam basicamente criar condição anaeróbia, isto é, total ausência de oxigênio na biomassa a ser digerida. A escolha de um tipo ou de outro vai depender das condições locais, disponibilidade de substrato, experiência e conhecimento do construtor, investimento envolvido, etc. No entanto, qualquer digestor construído, se for corretamente instalado e operado, apresentará uma boa produção de gás. Os biodigestores são classificados quanto a sua forma de abastecimento em: batelada e contínuos Biodigestores em batelada Sua característica consiste na adição de todo o resíduo orgânico de uma só vez na câmara digestora. Posteriormente, fecha-se hermeticamente o biodigestor, favorecendo a digestão anaeróbia. O gás produzido é armazenado na câmara digestora ou em um gasômetro acoplado a esta. Após ter completado todo o processo de biodigestão, retira-se o biofertilizante gerado e adiciona-se uma nova carga de resíduos. É um modelo indicado quando se tem resíduos em grandes quantidades em um curto espaço de tempo, como acontece com camas de frango, onde o resíduo não se encontra diariamente na propriedade e sim ao final do crescimento das aves Biodigestores de escoamento contínuos Há uma carga contínua de resíduos e também uma produção constante de biofertilizante e biogás. Este modelo possui uma caixa de entrada de resíduos e uma caixa de saída do biofertilizante e o próprio substrato contido no biodigestor é responsável por parte da vedação do sistema. É indicado quando se possui uma quantidade de resíduos produzida de forma mais constante na propriedade (dejetos suíno e bovino, por exemplo) e também mão-deobra para a realização das cargas diárias. 3. Tipos de biodigestores Existem alguns tipos de biodigestores que diferem nos formatos e nas operações de carga dos resíduos. Os principais são: horizontal e vertical. 3.1 Vertical É uma estrutura onde seu maior comprimento é no sentido vertical, podendo ser cilíndrica ou cúbica, de alvenaria, polietileno, fibra ou outros materiais. Grande parte da câmara digestora fica enterrada no solo (deve se atentar para solos pouco profundos, rochosos e com lençol freático superficial) o que confere uma maior conservação do calor e menor oscilação da temperatura durante o dia.
4 3.2 Horizontal Consiste de uma câmara, geralmente retangular, com uma altura menor que o comprimento e a largura e que é enterrada no solo ou não. Geralmente é um modelo de carga contínua com as caixas de entrada e saída de resíduos nas extremidades de menor comprimento, como mostrado na Figura 2. Figura 2. Esquema de um biodigestor em manta impermeável (Fonte: Oliver et al., 2008). No aproveitamento dos dejetos utilizando biodigestores, devem ser observados os seguintes aspectos: 1. Curral ou esterqueira com pavimentação para reduzir a quantidade de terra no biodigestor; 2. Caixa ou tonel de entrada onde o dejeto é misturado com água antes de ser colocado no biodigestor; 3. Tubulação de entrada, permitindo a entrada e mistura na câmara de digestão; Biodigestor, revestido e coberto com manta plástica; 4. Tubulação de saída do biofertilizante, levando oi material já estabilizado à caixa de saída; 5. Tubulação de saída do biogás, canalizando-o para o fogão, motor, queimador, etc.; 6. Caixa de saída: onde é armazenado o biofertilizante até ser aplicado ao solo. Na Figura 3, estão apresentados os principais modelos de biodigestores implantados no Brasil Figura 3. Modelo de biodigestores (Fonte: Oliver et al., 2008).
5 4. O Biogás O gás resultante do processo de digestão anaeróbia (biodigestão) é chamado de biogás. É uma mistura de gases, contendo o metano (CH 4 ) como principal constituinte (de 50 a 75%), em segundo lugar vem o dióxido de carbono (CO 2 ), com 25 a 45% de concentração; vapor de água (2 a 7 %) e traços de nitrogênio (N 2 ), hidrogênio (H 2 ) e gás sulfídrico (H 2 S) (FNR, 2009). O biogás é um combustível renovável e limpo, é um substituinte do gás de cozinha, a sua queima não desprende fumaça e não deixa resíduos nas panelas facilitando a vida da agricultora dona de casa. A sua utilização sistemática reduz os custos do gás, incluindo o produto, transporte e armazenagem. O biogás pode ser utilizado, por exemplo, em: Fogões, Lampiões, Campânulas, Chocadeiras, Secadores diversos, Motores de combustão interna, Conjuntos motobomba, Geradores de energia elétrica. A quantidade de biogás produzido também depende de diversos fatores, como o modelo do biodigestor, a forma de operação, uso ou não do percentual de inóculo com relação ao volume do substrato (Tabela 1), assim como do tempo de retenção hidráulica necessário à estabilização completa e da adoção ou não de técnicas auxiliares, como, por exemplo, a agitação do substrato (Souza, 2003). Tabela 1. Potencial de produção de biogás a partir de dejetos animais Espécie m 3 de biogás ton -1 de esterco Caprino/ovino 40 a 61 Bovino de leite 40 a 49 Bovino de corte 40 Suínos 75 a 89 Frango de corte 90 Poedeiras 10 Codornas 49 Fonte: Adaptado de Olivera et al. (2008). O aproveitamento do biogás como gás combustível leva a uma redução no potencial de poluição do meio ambiente, pois em sua composição há acentuada concentração de metano: gás cerca de 24 vezes mais danoso que o dióxido de carbono no que se refere ao efeito estufa (Coelho et al., 2006). O poder calorífico do biogás varia em função da concentração de metano na mistura, sendo tanto maior quanto mais puro for o biogás, o que vai depender do material e das condições de fermentação (Magalhães, 1986). O poder calorífico do biogás é de aproximadamente 6 kwh m -3, correspondendo a meio litro de óleo diesel. Na Tabela 2 está apresentada a equivalência energética entre o biogás e alguns outros combustíveis de uso cotidiano.
6 Tabela 2. Equivalência energética entre o biogás e outros combustíveis. Combustível Biogás (m 3 ) Gasolina (L) 0,61 Querosene (L) 0,62 Óleo Diesel (L) 0,55 Gás de Cozinha (kg) 1,43 Lenha (kg) 3,50 Álcool hidratado (L) 0,80 Carvão mineral (kg) 0,74 Fonte: Nogueira (1992). Entre as grandes vantagens do biogás podemos citar: redução de gastos com gás de cozinha; reduz ou elimina a retirada de lenha da mata e o trabalho de cortá-la e carregá-la; baixo custo de produção e transporte; baixa emissão de fuligem; alto poder calorífico durante a queima, principalmente quando se purifica o gás e o reaproveitamento de resíduos orgânicos (Barreira, 1993). Por outro lado, o biogás apresenta limitações relacionadas à corrosão e maucheiro, principalmente em caso de elevadas concentrações de gás sulfídrico, elevando o risco de toxidez; há variabilidade na quantidade produzida em função do período do ano (temperatura). O processo de fermentação anaeróbia é lento, o qual se reflete num tempo longo de retenção dos sólidos; a necessidade de homogeneização dos dejetos para garantir a eficiência do sistema, e gasto de mão-de-obra para manutenção do sistema. 5. Processo microbiano anaeróbio O processo de formação do biogás e do biofertilizante é realizado pela atividade de micro-organismos anaeróbios (crescem na ausência de oxigênio) que digerem os resíduos contidos na câmara de digestão, liberando compostos inertes, como gás carbônico e metano. Na realidade é um processo dinâmico e que há a interação de vários microorganismos distintos. Simplificadamente, o processo pode ser dividido em quatro fases conforme o descrito por Chernicharo (1997) e Pierotti (2007): Hidrólise: onde os resíduos orgânicos são quebrados em partículas menores e mais simples pelas bactérias hidrolíticas. Acidogênese: os produtos solúveis da hidrólise são fermentados e acidificados, formando ácidos orgânicos, CO 2, alcoóis etc. Acetogênese: as bactérias acetogênicas convertem os produtos da acidogênese em hidrogênio, dióxido de carbono e acetato. O valor do ph no meio aquoso diminui. Metanogênese: é a etapa final, em que são produzidos o metano e o dióxido de carbono. Tais produtos são gerados por meio das arqueias metanogênicas, que utilizam os compostos orgânicos oriundos da fase acetogênica (Figura 4).
7 Figura 4. Esquema de digestão anaeróbia, mostrando a ação de bactérias na degradação da matéria orgânica (Fonte: Chernicharo, 1997). Portanto, não basta o ambiente ser favorável a apenas um destes grupos de organismos, mas sim a todos, pois um problema em qualquer destas fases afetará a produção e qualidade do biogás de forma direta. 6. Resíduos utilizados e características do substrato Teoricamente qualquer resíduo orgânico pode ser utilizado para a produção do biogás e biofertilizante. Mas deve-se ficar atento para a composição química dos mesmos e a presença de substância de difícil digestão, como a lignina, ou tóxicas, como antibióticos, pois esses fatores influenciam diretamente a produção do biogás e a qualidade do biofertilizante. Na produção de metano, o substrato deve conter um teor de 7 a 9% de matéria seca ou (sólidos totais), isto é, cada 100 litros de substrato devem conter uma média de 8 kg de matéria seca, o que implica em adicionar água na maioria dos resíduos para atingir tal concentração (Comastri Filho, 1981). Além do conhecimento dos sólidos totais deve-se conhecer também o teor de sólidos voláteis (relacionado a matéria orgânica) no resíduos, pois é essa fração do resíduo que será decomposta para produzir o biogás. Quanto maior for a concentração de sólidos voláteis de uma biomassa, maior será a produção de gás, dentro de certos limites, pois dependerá da eficiência do sistema digestor. Recomenda-se um mínimo de 120 g de sólidos voláteis por kg de matéria seca. O teor de sólidos voláteis de esterco bovino está em torno de 80 a 85% (Comastri Filho, 1981).
8 De modo prático existem algumas relações de misturas já previamente estabelecidas para facilitar o preparo do substrato e otimizar a produção de biogás, estes valores estão na Tabela 3. Tabela 3. Proporção entre diferentes resíduos orgânicos e água para obtenção do substrato Resíduo orgânico Proporção de mistura (resíduo : água) Esterco de vaca fresco 1:1 Esterco de vaca seco na superfície 1:2 Esterco de cavalo 1:1 Esterco de ovelha 1:3 Restos de culturas verdes 1:0,5 a 1:2 Esterco de galinha 1:2 Esterco de porco 1:1 Esterco humano 1:1 Fonte: Barreira, 1993 A relação C/N é um parâmetro muito importante e está relacionado com as condições em que se desenvolve o processo biológico da fermentação. A relação carbono/nitrogênio ideal para uma digestão ótima está na faixa de 20 a 30:1, isto é, 20 a 30 partes de carbono para uma de nitrogênio. A maioria dos dejetos animais possuem baixa relação C/N (Tabela 4), pois possuem muito nitrogênio e devem ser corrigidos com resíduos vegetais como palhas, sabugos, serragem etc., para atingir o ponto ideal (Comastri Filho, 1981) Tabela 4. Relação Carbono/Nitrogênio de diversos materiais Resíduo % N C/N % C Esterco de bovinos 1, ,6 Esterco de eqüinos 2, ,6 Esterco de ovinos 3, ,6 Esterco de suínos 3, Esterco de aves 6,3 7,3 50 Fezes humanas Feno Serragem 0, ,5 Fonte: Lenz citado por Comastri Filho (1981)
9 7. Fatores que afetam a digestão Por se tratar de um processo microbiano, a digestão anaeróbia é muito dinâmica e é bastante influenciada pelas condições do meio onde se encontra os microorganismos envolvidos. 7.1 ph O ph do meio afeta sensivelmente os microrganismos envolvidos no processo de biodigestão. De acordo com Comastri Filho (1981), a faixa de operação dos digestores é em ph 6,0 a 8,0, tendo como ponto ideal o ph 7,0 a 7,2. Esses valores podem oscilar em função do resíduo utilizado e da concentração de sólidos totais no substrato a ser biodigerido. 7.2 Temperatura O desenvolvimento dos microrganismos metanogênicos e a produção de biogás é função da temperatura operacional do digestor. Existem três grupos básicos de microrganismos que atuam nos biodigestores. Termofílicos: atuam em temperaturas maiores que 45ºC e possuem uma maior eficiência na biodigestão por digerir mais rapidamente o substrato; Mesofílicos: atuam em temperaturas entre 20 a 45ºC; e Psicrofílicos: atuam em temperaturas menores que 20ºC e demoram mais tempo para digerir o substrato. Portanto, a eficiência da biodigestão está ligada diretamente ao grupo de microrganismos envolvidos e a temperatura média do substrato. Batista (1981) ressalta que em amplitudes térmicas superiores a 10ºC em menos de 24h, pode haver a interrupção completa da produção de biogás o que se recomenda enterrar os biodigestores, para evitar essas oscilações bruscas. 7.3 Tempo de retenção hidráulica É o tempo gasto pelo substrato passar (sistema contínuo) ou permanecer (sistema em batelada) na câmara digestora, isto é, o tempo entre a entrada e a saída dos diferentes materiais do digestor. O tempo de retenção ou de digestão varia em função do tipo de biomassa, granulometria da biomassa, temperatura do digestor, ph do substrato, agitação, etc., mas, de modo geral, situa-se na faixa de 4 a 60 dias (Batista, 1981). Normalmente, o tempo de digestão para esterco de animais situa-se na faixa de 20 a 30 dias. 7.4 Substâncias tóxicas O excesso de qualquer nutriente ou elemento em solução no digestor pode provocar toxidez ao meio bacteriano. Deve-se também ter muito cuidado com o uso de desinfetantes e bactericidas nas instalações onde são criados os animais, pois estes podem contaminar o esterco, tornando-o fatal para as bactérias que estão envolvidas no processo biológico da formação do gás.
10 8. O Biofertizante Após a digestão anaeróbia no interior do digestor, o efluente que sai apresenta alta qualidade para uso como fertilizante agrícola em média apresentam 1,5 a 2,0% de nitrogênio, 1,0 a 1,5% de fósforo e 0,5 a 1,0% de potássio. Contudo, estes valores são bastantes variáveis, pois a qualidade do biofertilizante dependerá dos substratos utilizados e do manejo do biodigestor. Trata-se de um adubo orgânico, isento de agentes causadores de doenças e pragas às plantas e contribui de forma extraordinária no restabelecimento do teor de húmus do solo, funcionando como melhorador de suas propriedades químicas e físicas e melhora a atividade microbiana do solo, que tem importante papel na sua estruturação (Oliver et al., 2008). O biofertilizante apresenta alta qualidade, devido: 1º A redução do teor de carbono (C) do material. A matéria orgânica digerida libera o carbono na forma de metano (CH 4 ) e dióxido de carbono (CO 2 ); 2º Ao aumento no teor de (N) e demais nutrientes, em conseqüência da liberação do carbono; 3º A diminuição da relação C/N da matéria orgânica, que melhora a utilização agrícola; 4º A maior facilidade da utilização do biofertilizante pelos microrganismos do solo, devido ao avançado grau de decomposição; 5º A solubilização parcial de alguns nutrientes, deixando-os mais facilmente disponível ás plantas; 6º Pode ser utilizado no controle de pragas e doenças. O biofertilizante, também denominado de efluente, já se encontra completamente curado, quando sai do interior do biodigestor, não possui odor, não é poluente e não cria moscas. Pode ser aplicado diretamente no solo na forma líquida ou desidratada, dependendo das condições locais, no entanto, ainda possui uma carga orgânica muito elevada para ser lançado nos corpos hídricos, devendo somente ser usado como fertilizante. Sua utilização como adubo orgânico deve ser controlada, para não exceder o limite de nutrientes no solo e não vir a contaminar o lençol freático e as águas superficiais. Apresenta o ph em torno de 7,5 e funciona como corretor da acidez do solo, minimizando o problema do alumínio e do ferro que são tóxicos. Libera o fósforo dos sais insolúveis de alumínio e ferro, tornando-o disponível na solução do solo, para as plantas (Comastri Filho, 1981). 9. Dimensionamento de um biodigestor Comastri Filho (1981) propõe a seguinte suposição para o dimensionamento de biodigestores: Uma família de 5 pessoas; Três lampiões durante 3 horas/noite; Um fogão para cozinhar; Um motor para picar forrageiras, com 6 HP, durante 2 horas/dia; Tempo de retenção média de 30 dias; Matéria prima: esterco fresco de bovino; Volume de biogás a ser consumido: Iluminação: 0,07 x 3 x 3 = 0,63 m 3 ; Cozimento: 0,23 x 5 = 1,15 m 3 ; Motor : 0,40 x 6 x 2 = 4,80 m 3 ;Com acréscimo de 10% temos 7,30 m 3. Se 10 kg de esterco fresco = 0,40 m 3 de biogás, logo, para se ter 7,30 m 3 de biogás/dia, necessita-se de aproximadamente 190 kg de fezes/dia, ou seja, a produção de
11 13 animais semi-estabulados. Como o esterco deve ser misturado com água na proporção de 1:1, deve-se adicionar ao digestor 380 litros de mistura. Volume do digestor = 30 x 380 = L = 11,4 m 3 Outro exemplo para o dimensionamento de biodigestores pode ser através da disponibilidade de resíduos na propriedade. 1º Supondo que deseja montar um biodigestor retangular com comprimento igual a três vezes a largura (C= 3xL) e o tempo de retenção do substrato seja de 30 a 35 dias; 2º A propriedade possui 500 suínos e cada suíno produz 2,25 kg de dejeto por dia. Segundo Silva (1986) pode-se estimar a produção de dejeto multiplicando o peso vivo total por 0,018kg/kg de animal. A produção de gás estimada é de 0,17m 3 por kg de dejeto que possui 19% de matéria seca; 3º O total de dejeto produzido será = 500 suínos x 2,25kg de esterco/suíno x 30dias de retenção = kg de esterco em 30 dias; 4º O volume de biogás estimado será = 0,17m 3 / kg de dejeto x kg de dejeto = 5737,5 m 3 de biogás em 30 dias (equivalente ao volume de 190 bujões de gás); 5º O volume de água a ser adicionado para atingir a concentração de 9% de sólidos totais no substrato será = (19/9 x 100) (100-19) = 130 litros de água para cada 100 kg de esterco, então o total de água a ser usado será 1,3 x = 43,9m 3 de água; 6º Supondo uma densidade do esterco como 1 kg/m 3 o volume de substrato total no digestor será = 43,9 de água + 33,75de esterco = 77,65 m 3 ; 7º As dimensões do biodigestor dependerão da área e da profundidade do solo, etc. Sugere-se enterrar o biodigestor a no mínimo 1,5m de profundidade, isto é, no exemplo teremos uma área de 51,77m 2 (77,65m³/1,5m), como sugerimos comprimento = 3 x largura, teremos 3xL² = 51,77 m² L = 4,15m e C = 12,47m 9.1 Gasômetro Para o dimensionamento do gasômetro deve-se levar em consideração a produção e o consumo do biogás. Nos modelos retangulares horizontais coloca-se uma lona plástica de PEAD sobre o biodigestor selando-a. A medida que há a produção de biogás a lona infla, armazenando o biogás sob baixa pressão. O excesso de produção pode ser queimado ou armazenado em gasômetros paralelos. A pressão do biogás armazenado em biodigestores deve ser monitorada, pois a pressão afeta diretamente a produção. Amestoy & Ferreyra (1987) citam os limites de 80 a 500 mm H 2 O. Ortolani et al. (1986) recomendam 150 e 200 mm H 2 O, respectivamente, para pressão de serviço de biodigestores modelos indiano e chinês. 9.2 Localização. Alguns parâmetros devem ser considerados na localização de biodigestor: Condições locais do solo; Facilidades na obtenção e armazenamento de biomassa; Facilidades na remoção e utilização do biofertilizante; Distância de utilização do biogás. Segundo Comastri Filho (1981), o biodigestor deve se localizar em local próximo ao ponto de coleta de esterco, em torno de 20 metros, e aos pontos de consumo do biogás. Entretanto, se o ponto de oferta de esterco dista muito do de demanda do
12 biogás, deve-se preferencialmente localizar o biodigestor próximo ao primeiro, visto que é mais simples transportar o biogás por tubulação que o resíduo orgânico. 9.2.Dispositivos de segurança A área onde está instalado o biodigestor deve ser considerada como região inflamável, não permitindo que se fume ou que se acenda qualquer fogo nas proximidades. Deve ser cercada para evitar a entrada de animais que podem danificar o sistema. A colocação de dispositivos de segurança ao longo da rede de distribuição do biogás é de grande importância no controle dos problemas que podem surgir e deve ser encarada com muita seriedade pelos responsáveis por qualquer unidade digestora. A construção de um purgador, na parte mais baixa da rede de distribuição do biogás, evita as pressões elevadas, com conseqüências graves, que poderão correr no interior do biodigestor em caso de defeito no mecanismo de movimento do gasômetro. O vapor d água contido no biogás é eliminado pelo purgador, melhorando a combustão do biogás e, conseqüentemente, evitando, também, o efeito corrosivo da água nos equipamentos usados. A colocação de uma tela de arame, de malha fina, no interior do cano de distribuição, através de uma união, próximo do ponto de consumo do biogás é outro dispositivo de segurança que deve ser usado. Tem a vantagem de evitar a passagem de fogo que, conseqüentemente, provocaria a explosão do biodigestor. O filtro de H 2 S é um dispositivo essencial no processo de filtragem do biogás. Elimina o H 2 S que é corrosivo, aumentando a vida útil dos motores e aparelhos em uso. Literatura citada AMARAL, C. M. C.; AMARAL, L. A.; LUCAS JUNIOR, J.; NASCIMENTO, A. A.; FERREIRA, D. S.; MACHADO, M. R. F. Digestão anaeróbia de dejetos de bovinos leiteiros submetidos a diferentes tempos de retenção hidráulica. Ciência Rural, v.34, n.6, p , AMESTOY, E.A.; FERREYRA, R.D. Utilização del biogas. In: SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE BIODIGESTION ANAEROBIA, 1987, Montevideo. Anais... Montevideo: Comisión de Agroenergia, FAO, p. BARREIRA, P. Biodigestores: energia, fertilidade e saneamento para zona rural. São Paulo: Ícone, p. BATISTA, L. F. Manual Técnico - construção e operação de biodigestores - Modelo Indiano. Brasília: EMBRATER, p. CAMPOS, C. M. M.; DAMASCENO, L. H. S.; MOCHIZUKI, E. T.; BOTELHO, C. G. Avaliação do desempenho do reator anaeróbio de manta de lodo (UASB) em escala laboratorial na remoção da carga orgânica de águas residuárias da suinocultura. Ciência e Agrotecnologia, v.29, n.2, p , 2005
13 CHERNICHARO, C. A. L. Reatores anaeróbios: princípios do tratamento biológico de águas residuárias. Belo Horizonte: Departamento de Engenharia Sanitária e Ambiental (DESA/UFMG), p. COELHO, S. T.; VELAZQUEZ, S. M. S. G.; PECORA, V.; ABREU, F. C. Geração de energia elétrica a partir do biogás proveniente do tratamento de esgoto. In: Congresso Brasileiro de Energia, 11, 2006, Rio de Janeiro. Anais... Rio de Janeiro: PIPGE, p. COMASTRI FILHO, J. A. Biogás independência energética do pantanal matogrossense, Circular técnica, n.9, EMBRAPA Unidade de Execução de Pesquisa de Âmbito Estadual de Corumbá, Corumbá, p. FNR Department of Public Relations. Biogas an introduction. Gülzow: GmbH,, 2 nd ed., p. INOUE, K. R. A. Produção de biogás, caracterização e aproveitamento agrícola do biofertilizante obtido na digestão da manipueira. Dissertação, Universidade Federal de Viçosa, Viçosa MG, LUCAS JÚNIOR, J. de; SOUZA, C. de F.; LOPES, J. D. S. Construção e Operação de Biodigestores, Viçosa: CPT, p. MAGALHÃES, A.P.T. Biogás: um projeto de saneamento urbano. São Paulo: Nobel, p. MORAES, L. M. Avaliação da biodegradabilidade anaeróbia de lodos de esgoto provenientes de reatores anaeróbios seqüenciais f. Tese (Doutor em Engenharia Agrícola- Área de concentração de Água e Solo)-Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), Campinas-SP NOGUEIRA, L. A. H. Biodigestão, a alternativa energética. São Paulo: Nobel, p. OLIVER, A. de P.M; SOUZA NETO, A de A.; QUADROS, D. G. de, VALLADADRES, R. E. Manual de Treinamento em Biodigestão. Salvador BA: Instituto Winrock Brasil, p. ORTOLANI, A.F.; BENINCASA, M.; LUCAS JÚNIOR, J. Biodigestores rurais indiano e chinês. Jaboticabal: FCAV/UNESP, p. (Boletim Técnico, 9). PIEROTTI, S. M. Avaliação da partida de reator anaeróbio de fluxo ascendente e manta de lodo (UASB), em escala real, sob condições hidráulicas desfavoráveis f. Dissertação (Mestrado em Hidráulica e Saneamento) Escola de Engenharia de São Carlos-SP, SILVA, N. A. da Manual Técnico - construção e operação de biodigestores - Modelo Chinês, Brasília: EMBRATER, 3ª ed., 1983, 90p. SOUZA, C. F. Biodigestão anaeróbia de dejetos de suínos: obtenção de dados e aplicação no desenvolvimento de um modelo dinâmico de simulação da produção
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