Resistências ao colonialismo português, campanhas militares de ocupação, delimitação de fronteiras e desenvolvimento das sociedades africanas
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- Joana Eger Delgado
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1 I I C T b H L blogue d e H i s t ó r i a L u s ó f o n a A n o V I F e v e r e i r o Resistências ao colonialismo português, campanhas militares de ocupação, delimitação de fronteiras e desenvolvimento das sociedades africanas Apontamentos sobre a conferência de Regiane Augusto de Matos Luis Frederico Dias Antunes Foi com muito prazer que aceitei o convite do Professor José Horta para, no âmbito do Mês de África organizado pelo Centro de História da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, comentar a conferência apresentada pela Drª Regiane Mattos, da Universidade de São Paulo. Em primeiro lugar gostaria de felicitar a Drª Regiane por partilhar connosco a sua investigação de doutoramento e nos ter trazido uma interessante comunicação sobre o longo processo de conquista de Angoche, um tema pouco conhecido da História de Moçambique oitocentista, e que merece a nossa atenção na medida em que se relaciona com temáticas tão importantes como o tráfico de escravos, o desenvolvimento das sociedades africanas, as campanhas militares de ocupação, a delimitação de fronteiras ou as viagens de exploração científica. Bom, eu tenho que vos dizer que tive acesso ao texto da conferência pelo que me foi mais fácil elaborar um texto no qual registei algumas breves notas, um texto que não é mais do que um conjunto de apontamentos e de observações telegráficas cujo objectivo principal é chamar a atenção para determinados problemas e assuntos abordados na conferência e que deixo á reflexão. 27
2 28 L u í s F r e d e r i c o A n t une s 1. Assim, a primeira nota que eu queria deixar diz respeito á necessidade de se entender os eventos ocorridos em Angoche, no quadro da evolução das sociedades africanas e da debilidade da presença militar e política portuguesa em África, durante o século XIX. A pergunta é a seguinte: os movimentos de resistência do sultanato de Angoche foram caso único em Moçambique? Antes de 1885, a preponderância militar em Moçambique era africana, encontrando-se os Governadores-Gerais praticamente bloqueados nas suas acções e impedidos de se oporem com êxito às inúmeras sublevações e hostilidades levadas a cabo pelas diferentes chefaturas africanas. 1. a) Na região do vale da Zambézia, a diversidade de etnias, sistemas políticos, regimes económicos, tornou o seu estudo muito complexo, na medida em que nesta vasta região conviviam estados mais ou menos independentes (nomeadamente Barué, Manica ou Monomotapa), com cerca de uma centena de prazos e ainda algumas fortalezas-feitorias portuguesas (como, Quelimane, Sena e Tete). Para dificultar ainda mais o estudo deste intrincado mosaico de unidades políticas, ocorreram em 1823 as invasões Ngunis na Zambézia, em fuga de Chaka rei dos zulus. Atacaram Inhambane em 1824, instalando-se pouco depois em Quissanga. Em 1830 atacava o Quiteve e a Manica roubando gado e fazendo milhares de escravos. Nas décadas de 1850 e 1860, o reino Angune tinha uma grande extensão abrangendo todo o sul do Zambeze, excepto Lourenço Marques e Inhambane. Também a partir dos anos 1820 começaram a surgir na cena política da captura de escravos, poderosas famílias mestiças afro-goesas, que reunindo as imensas hordas de guerreiros Achicunda dispersas a troco de tecidos, álcool e armas, e estabelecendo estreitos laços de parentesco com as principais famílias locais, fundaram o que a história designa de «superprazos militarizados» ou de «prazos africanizados». Os prazos de Massangano controlado pela família Cruz, o da Gorongosa pertença de Manuel Alves de Sousa, o chamado «Gouveia», o da Macanga da família Caetano Pereira, o de Massingir da família Vaz dos Anjos e o da Maganja da Costa na posse de João Bonifácio da Silva, prazeiro cuja ambição levou-o a entrar em guerra contra Mussa Quanta de Angoche, foram alguns dos grandes prazos que dominavam extensas áreas e a quase totalidade do tráfico da região da Zambézia. Contra eles as autoridades portuguesas vão ter I I C T b H L b l o g u e d e H i s t ó r i a L u s ó f o n a A n o V I F e v e r e i r o 2011
3 C o m e n t á r i o a R e g i a ne de Mattos 29 de empreender numerosos combates, sem contudo os conseguir submeter. As chamadas Campanhas da Zambézia iniciadas no final da década de 1850 contra o Massingir vão conduzir á sua maior revolta em (Newitt, The Massingir rising of 1884, JAH, vol. XI, nº 1970 pp87-105) No Sul, dominavam o reino de Gaza cuja influência se estendia pelas actuais províncias de Inhambane e Gaza e, ainda, diversas chefaturas que ocupavam a região da baía de Lourenço Marques. Até 1870 o poder directo político e militar dos Portugueses em Lourenço Marques estavam limitados ao forte e aos arredores. De tal forma que em 1833, por exemplo, a cidade foi atacada por um exército zulu e o governador português executado. No Norte de Moçambique os portugueses defrontavam não só o antagonismo dos reinos Macuas mas também a forte resistência dos quatro estados islamizados da costa: Sancul, Sangage, Quitangonha e Angoche, sobretudo, a intervenção enérgica deste último, como acabaram de ouvir. De forma ineficaz e infrutífera tentaram submeter toda esta região a norte do Zambeze. 1. b) Por outro lado como bem sabemos, durante a primeira metade do século XIX a presença portuguesa e a situação que as autoridades portuguesas em Moçambique eram de uma enorme fragilidade e instabilidade, mais ainda do que em Angola. Os Portugueses ocupavam pouco mais de algumas ilhas e alguns portos da costa moçambicana. A documentação indica que no território fronteiro á ilha do Ibo, não obstante existir um capitão-mor, a autoridade portuguesa nas ilhas Querimba e no continente era praticamente nula. O mesmo ocorria no território fronteiro á ilha de Moçambique, onde o capitão-mor do Mossuril a Cabaceiras se via em apuros para conter as diversas chefaturas macuas. Na Zambézia, possuíamos guarnição militar e um conjunto alargado de comerciantes portugueses e indianos em Quelimane. Fora isso a nossa ocupação apenas se estendia ao delta do Zambeze e a alguns pontos ao longo rio, nomeadamente Sena e Tete. Para sul possuíamos reduzidas guarnições em Sofala, Inhambane e um fraco presídio em Lourenço Marques. Ora isto significa que os eventos que ocorreram em Angoche numa época anterior a 1885 devem ser entendidas no quadro da evolução das sociedades africanas, nas suas disputas internas agravadas I I C T b H L b l o g u e d e H i s t ó r i a L u s ó f o n a A n o V I F e v e r e i r o
4 30 L u í s F r e d e r i c o A n t une s em 1842, após a decisão de supressão do tráfico de escravos, a sua principal fonte de rendimentos e de afirmação do seu poder territorial, bem como na debilidade da presença militar e política portuguesa em África. 2. A segunda nota que vos queria deixar é que os sinais de mudança da parte portuguesa só ocorreram após a Conferência de Berlim, em 1885, que teve como objectivo estabelecer as regras do domínio de África pelas grandes potências coloniais: abolição dos direitos históricos, ocupação efectiva do território, liberdade de navegação e comércio nos rios, e liberdade de religião. Agora a pergunta é a seguinte: em que medida a fixação destas regras e a pressão externa das potências estrangeiras acabaram por ser determinantes na conquista definitiva de Angoche, em 1910? Um aspecto importante a realçar é que após a Conferência de Berlim o problema da repressão ao tráfico de escravos, embora uma questão latente, não se inscrevia verdadeiramente no cerne das preocupações e dos interesses das potências europeias. O período que vai de 1895 a 1910/20 foi um período de expedições militares, designada á época por «campanhas de pacificação» e ocupação do território. Após 1885, a situação mudou e o exército português adquiriu superioridade, em grande parte devido á organização militar e aos progressos técnicos, que se revelaram sobretudo na modernização do armamento através da aquisição e fabrico de novo material bélico: espingardas e carabinas de carregamento pela culatra móvel e tiro rápido e de repetição; baterias de artilharia de 8cm e o fabrico de obuses de 12cm; 3000 espingardas Kropatschek de repetição, algumas metralhadoras; peças de artilharia de bronze estriadas de cm que se tornaram muito utilizadas nas colónias por serem muito mais leves: e a aquisição em Inglaterra de algumas canhoneiras e corvetas a vapor e de casco metálico adaptadas as territórios ultramarinos. Os progressos na área militar permitiram um ascendente ao exército português que tornou possível o esmagamento dos diversos movimentos de resistência e de insubmissão que ocorriam em Moçambique, no final do século XIX. Acresce que para o fracasso das resistências africanas á ocupação e conquista militar concorreram as dissensões internas e conflitos entre as diferentes chefaturas africanas, situa- I I C T b H L b l o g u e d e H i s t ó r i a L u s ó f o n a A n o V I F e v e r e i r o 2011
5 C o m e n t á r i o a R e g i a ne de Mattos 31 ção exemplarmente descrita pela Drª Regiane no que respeita a Angoche e aos estados afro-islâmicos do Norte. Não vos vou tomar tempo com a questão das viagens de exploração científica que, não obstante terem iniciado numa época anterior a 1895, conheceram um recrudescimento após a referida Conferência. Sobre esta matéria que não tem que ver directamente com a comunicação da Drª Regiane apenas gostaria de dizer que na origem destas viagens esteve uma plêiade de intelectuais, historicamente designados por «Geração de 1895» ou «geração dos africanistas», uma geração voluntarista que tinha um projecto para os domínios portugueses em África e que, entre outros aspectos, contribuíram para o processo de delimitação de fronteiras e para a constituição de um corpo administrativo colonial digno desse nome. Entre os nomes mais sonantes, encontravam-se Freire de Andrade, Aires de Ornelas e Mouzinho de Albuquerque, Garcia Rosado, Azevedo Coutinho, Ernesto Vilhena, Baptista Coelho e mais alguns que nos interessam aqui porque participaram de alguma forma nas conquistas de Angoche. 3. O terceiro e último apontamento pretende chamar à atenção para a utilidade de considerarmos as questões da cronologia, ou seja, à necessidade de elaboração de um quadro cronológico dos principais eventos políticos e militares em Moçambique do século XIX, de modo a enquadrar a história do sultanato de Angoche e a sua resistência ao colonialismo português. Parece-me que os importantes eventos de Angoche ocorridos antes de 1895, podem e devem ser entendidos com fazendo parte dos «endémicos» movimentos de insubmissão e rebeldia que acabámos de enumerar para o restante território. É obvio que a proibição do tráfico de escravos em 1842 foi uma das principais razões para o eclodir do movimento de resistência em Angoche. Ainda assim, realço o facto de a designada primeira conquista de Angoche só ter ocorrido em 1861, isto é cerca de vinte anos depois da referida data de proibição. Realço também que o facto de o tráfico ser legalmente proibido, a sua interdição nunca foi propriamente acatada. Na mesma linha de raciocínio os factos que levaram à conquista definitiva de Angoche em 1910, ganham inteligibilidade quando enquadrados no processo de contestação dos direitos históricos, a ocupa- I I C T b H L b l o g u e d e H i s t ó r i a L u s ó f o n a A n o V I F e v e r e i r o
6 32 L u í s F r e d e r i c o A n t une s ção efectiva dos territórios, a abolição do tráfico de escravos e a liberdade de navegação e comércio comercial nos rios. Lisboa, 25 de Maio de 2010 Luis Frederico Dias Antunes Investigador Auxiliar do IICT I I C T b H L b l o g u e d e H i s t ó r i a L u s ó f o n a A n o V I F e v e r e i r o 2011
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