Mudanças nos cálculos da temperatura média diária do ar: repercussões nas temperaturas mensais e anuais
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- Silvana Cruz de Almeida
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1 Mudanças nos cálculos da temperatura média diária do ar: repercussões nas temperaturas mensais e anuais Marcos José de Oliveira *, Francisco Vecchia Centro de Recursos Hídricos e Ecologia Aplicada, Departamento de Hidráulica e Saneamento, Escola de Engenharia de São Carlos, Universidade de São Paulo Caixa Postal 9, São Carlos, SP, Brasil, CEP * marcos.jose@gmail.com ABSTRACT: The air mean temperatures obtained by three different methods were compared. The mean temperatures obtained by the maximum and minimum (T M-m ) have less correlation with the true temperatures (T automática ) than those obtained with the mean temperatures obtained with additional readings at 9AM and PM, local time (T 9--Mm ). Analyzing the average values for five years, the value of T M-m appears closer to the true temperature. On 5-years average, T M-m and T 9--Mm are, respectively, 0.7 and 0.54 º C smaller than the T automática. These differences can lead to non-climatic changes in the temperature series, especially when conventional instruments are replaced by automatic instruments. This aspect requires careful attention regarding the occurrence of heterogeneity, which, once identified and removed, could provide a reliable and homogeneous series. Palavras-chave: temperatura do ar, heterogeneidades climáticas, mudanças de observação - INTRODUÇÃO A Organização Meteorológica Mundial (OMM) define a temperatura média diária como a média da temperatura observada vezes em intervalos de tempo equidistantes ao longo de um intervalo contínuo de horas, ou uma combinação de temperaturas observadas em quantidade de vezes menos numerosas, organizada de modo a diferir o menos possível da média acima definida (WMO, 09). A expressão matemática das leituras diárias é: T Ti T T T3 T i em que i é a hora do dia (variando de a ) e T i é o valor da temperatura na hora i. Indo um pouco mais além, a temperatura média diária verdadeira é definida por Trewin (04) como a integral da temperatura durante horas, dividida pela unidade de tempo utilizado. Em termos matemáticos, segundo Dall amico e Hornsteiner (06), a temperatura média diária verdadeira (T V ) é dada pela seguinte equação: TV Tdt h h onde T é a temperatura e h indica o tempo total de um dia. Esta é melhor aproximação estatística de uma média, baseada na integração das observações contínuas durante um dia. Entretanto, não é possível definir com precisão a curva da temperatura por meio de observações em intervalos finitos de tempo. A utilização de sistemas automáticos de medição permite que sejam efetuadas medições em intervalos muito pequenos, que muito se aproxima da curva exata da variação da temperatura, mas esses sistemas são relativamente recentes e não é de uso universal. Logo, a aproximação do valor da temperatura média diária ainda é embasada em observações em horários específicos ou nos valores máximos e mínimos diários. A OMM ( WMO, 09) estabelece que metodologia para o cálculo da temperatura média diária é tomar a média das temperaturas máximas e mínimas. Mesmo que esse método não seja a melhor aproximação estatística, a sua utilização consistente satisfaz os efeitos comparativos das normais. Diferentes fórmulas têm sido utilizadas ao longo do tempo, havendo alta diversidade
2 nos procedimentos observacionais em vários países. De acordo com Peterson e Vose (997), mais de cem diferentes fórmulas de cálculos de temperaturas médias diárias têm sido utilizadas mundialmente. Os métodos para estimar a temperatura média diária variam de país para país, dependendo de fatores como a frequência das observações disponíveis, o tempo de observações e, mais recentemente, à disponibilidade de estações automáticas. O uso de diferentes métodos de cálculos da temperatura média diária é um dos principais fatores indutores de heterogeneidades nas séries. A quantificação das incertezas nos registros climáticos é um pré-requisito para a interpretação das tendências e valores extremos. Considerando, portanto, a variedade significativa de fórmulas, a quantificação das diferenças existentes entre valores obtidos pelas várias fórmulas utilizadas se torna essencial. Neste contexto, o presente estudo tem como objetivo identificar e quantificar as diferenças diárias, mensais e anuais do uso de diferentes métodos de cálculo da temperatura média diária. - MATERIAL E MÉTODOS Utilizou-se dados diários da temperatura da Estação Climatológica do Centro de Recursos Hídricos e Ecologia Aplicada (CRHEA), Escola de Engenharia de São Carlos (EESC), Universidade de São Paulo (USP), localizada no município de Itirapina, São Paulo, Brasil (Lat.: º0' S, Long.: 47º50' W, Altitude: 753m), a 5 km do município de São Carlos. Para o período de 0 a 05, três séries de temperatura foram examinadas: () série com dados provenientes da estação convencional, equipada com termômetros de máximas e mínimas; () série com leituras da temperatura às 9, 5 e h (horário local), obtidas em termogramas oriundos de termógrafo bi-metálico; e (3) série de dados coletados e registrados em intervalos regulares de 30 minutos (48 registros diários) por uma estação automática da Campbell Scientific, com sistema de aquisição e armazenamento de dados modelo X. Os dados foram organizados em planilha eletrônica no programa aplicativo Microsoft Office Excel, onde se procedeu com o controle de qualidade, com os cálculos das médias diárias, mensais e anuais, e com a confecção dos respectivos gráficos. No diagnóstico comparativo, as seguintes fórmulas foram utilizadas no cálculo das médias diárias: T T T - M m M m T T T T T 5 9--M -m 9 M m TV Tautomática T T T T 48 00:30 0:00 3:30 :00 Segundo a OMM (WMO, 09); dados da estação conv. (term. de máximas e mínimas) Segundo normais climatológicas brasileiras (BRASIL, 99) a partir de 938; dados est. conv. (term. de máx. e mín. e termógrafo) Temperatura verdadeira segundo OMM (WMO, 09); dados da estação automática As médias das fórmulas com base em instrumentos convencionais foram comparadas com os valores médios dos instrumentos automáticos, supondo que as médias obtidas por valores registrados em intervalos regulares de 30 minutos representam a temperatura média diária verdadeira do ar. A diferença do valor da temperatura de interesse (T M-m ou T 9--M-m ) pela temperatura de referência (T automática ) produz resultados em termos de desvio. 3 - RESULTADOS E DISCUSSÃO O resultado da análise estatística dos valores calculados pelas médias das diferentes fórmulas, no período de 0 a 05, é apresentado na Tabela. Nota-se a ocorrência de valores de desvios com magnitude significativa, na ordem de grandeza de 0. Pelas informações dadas pelo desvio padrão e pelo intervalo de confiança de 95%, contata-se que os valores bastante discrepantes são pouco frequentes.
3 Tabela Análise estatística comparativa de temperaturas TM-m - Tautomática T9--M-m - Tautomática Índice estatístico Máximo 6,5,7 Mínimo -5,0-8,4 Desvio padrão,3,0 Média dos desvios -0, -0,5 Intervalo de confiança - 95% -,6,4 -,5,3 A correlação dos dados é fornecida pelos histogramas dos dados diários na Figura e pelos gráficos de dispersão na Figura. Nos histogramas, os dados estão concentrados, quase em sua totalidade, nos intervalos de -3,0 a +3,0 ºC. Verifica-se que os dados obtidos pela fórmula T9--M-m apresenta maior correlação em relação às médias obtidas pela fórmula TM-m. Numericamente, a inferência por análise visual é confirmada pelo coeficiente de correlação, que da T9--M-m é maior (R = 0,905) do que a da TM-m (R = 0,8576). As diferenças diárias de temperatura são apresentadas graficamente na Figura 3. Os poucos pontos que apresentam erros acima de 4 ºC são decorrentes de erros aleatórios de digitação. Para calcular os valores mensais e anuais, os erros foram identificados e removidos. Sob a perspectiva da escala mensal, uma análise gráfica é apresentada na Figura 4. Para período de 0 a 05, nota-se que existe uma predominância dos valores obtidos na estação automática serem maiores que os obtidos convencionalmente. Estas diferenças não são lineares, conforme revela a Figura 5. Por um lado, apesar das tendências gerais observadas nos valores mensais, existe uma variação não-linear considerável em que as oscilações são mais acentuadas no comportamento da TM-m do que da T9--M-m. Frequência (%) 6,0, TM-m - T automática T9--M-m - T automática Figura Histogramas de desvios da temperatura média diária. 36 R = 0,905 R = 0,8576 T automática T M-m T 9--M-m Figura Dispersão dos desvios da temperatura média diária.
4 T M-m - T automática T 9--M-m - T automática, ,0-6,0, ,0-6,0 y = -95x + 0,345 y = 365x - 0,5506 Valores diários Regressão Linear Média Móvel (30 dias) Valores diários Regressão Linear Média Móvel (30 dias) Figura 3 Variações diárias dos desvios da temperatura. Temperatura 6,0,0 T M-m T automática T 9--M-m Desvio (T M-m - T automática) Desvio (T 9--M-m - T automática),0,0 -,0 -,0,0,0 -,0 -, y = -0,6x + 0,365 Figura 4 Variações mensais das temperaturas. Ano (T M-m (T 9--M-m Figura 5 Desvios mensais das temperaturas. Ano Na escala anual, a Figura 6 exibe a variação mensal média de 5 anos, nos moldes do perfil da representação de uma normal climatológica. A curva da média de 5 anos da T automática está acima de todas, seguida pela T M-m, pela normal (calculada com 35 anos de dados da T M-m ) e pela T 9--M-m. As médias anuais da temperatura, considerando todos os meses são:,9 ºC (T automática ),74 ºC (T M-m ) e,37 ºC (T 9--M-m ). Logo, as temperaturas obtidas pelos métodos convencionais são, na média, 0,7 (T M-m ) e 0,54 ºC (T 9--M-m ) menores que a T automática.
5 ,0 Temperatura,0 Normal - 30 anos T automática T M-m 5 anos 6,0 T 9--M-m JAN FEV MAR ABR MAI JUN JUL AGO SET OUT NOV DEZ Figura 6 Variações mensal das médias de 5 anos das temperaturas. 4 - CONCLUSÕES As temperaturas médias obtidas pelas máximas e mínimas ( T M-m ) possuem menos correlação com as temperaturas verdadeiras do que as obtidas com leituras adicionais as 9 e h ( T 9--M-m ). Entretanto, analisando os valores médios de 5 anos, o valor de T M-m se apresenta mais próximo da temperatura verdadeira (T automática ). De um modo geral, as temperaturas obtidas de modo convencional se apresentaram mais baixas que a temperatura verdadeira. Este aspecto merece atenção. Os instrumentos convencionais têm sido recentemente substituídos por instrumentos automáticos. Tomando as estações convencionais como referência histórica, as temperaturas das estações convencionais não estão mais frias (menores) do que as da estação automática, mas sim a estação automática que está medindo temperaturas mais quentes (maiores) que os instrumentos convencionais. Sob essa perspectiva, levanta-se a discussão de quanto esta mudança pode incorporar uma heterogeneidade indesejável, que no caso produz um aquecimento artificial. Com a recente utilização de instrumentos automáticos ainda é interessante manter em funcionamento a estação convencional como um parâmetro de comparação, pois assim a coleta simultânea permite identificar heterogeneidades decorrentes de mudanças dos instrumentos. O funcionamento paralelo das duas estações é imprescindível para comparações no local de cada estação, sendo úteis em eventual homogeneização da série. Logo, quanto mais extensas as séries sobrepostas, melhor a compreensão das heterogeneidades envolvidas. No contexto da discussão de aquecimento global, em que o aumento da temperatura média global foi de cerca de 0,7 ºC no último século, o uso de diferentes fórmulas, nas séries de 5 anos aqui analisadas, implicou em diferenças de 0, a 0,5 ºC em somente 5 anos. Esta série, representativa por um período reduzido, é indicativa de que mudanças de instrumentação e o uso diferentes cálculos da temperatura média diária induzem a tendências não-climáticas significativas a médio e longo prazo. Portanto, a remoção apropriada destas alterações nos métodos de observação demanda cuidado especial. Estudos mais aprofundados devem ser realizados neste sentido, buscando avaliar diferentes localidades e condições climáticas, além de procurar utilizar dados de origens confiáveis e de séries mais extensas. 5 - REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BRASIL. Ministério da Agricultura e Reforma Agrária. Secretaria Nacional de Irrigação. Departamento Nacional de Meteorologia. Normais climatológicas (96 990). Brasília: Departamento Nacional de Meteorologia, p. DALL AMICO, M., HORNSTEINER, M. A simple method for estimating daily and monthly mean temperatures from daily minima and maxima. Int. J. Climatol. n. 6, p , 06. PETERSON, T. C., VOSE. R. S. An Overview of the Global Historical Climatology Network Temperature Database. Bull. Am. Met. Soc., n. 78, , 997. TREWIN, B. Effects of changes in algorithms used for the calculation of Australian mean temperature. Aust. Met. Mag., n. 53, p. -, 04. WMO (World Meteorological Organization). Guide to Climatological Practices, Third Edition (draft). WMO-No. 00, Geneva: WMO, 09.
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