XII Congresso da Sociedade de Arqueologia Brasileira

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1 XII Congresso da Sociedade de Arqueologia Brasileira S. Paulo, 21 a 25 de Setembro de 2003 Bases de dados analíticos sobre cerâmicas antigas portuguesas - interesse para a investigação arqueológica Fernando Castro* Apresentar-se-á a composição da base de dados construída com resultados de análises químicas de cerca de 2000 amostras cerâmicas antigas portuguesas, de origem arqueológica e etnográfica, bem assim como de argilas empregues tradicionalmente no seu fabrico. As análise foram obtidas por espectrometria de fluorescência de raios X, permitindo, após um adequado tratamento estatístico por análise multivariada, a formação de grupos característicos de proveniências e tipologias de fabricos. A base de dados inclui mais de 200 grupos de vários tipos de cerâmica, nomeadamente, cerâmica comum, faianças, tijolos, telhas, cerâmica funcional, de diversas proveniências de fabrico, e oriundas de tempos pré-históricos até ao século XX. A aplicação da metodologia estatística associada à base de dados, à investigação arqueológica, será ilustrada com alguns exemplos, nomeadamente aplicados a cerâmicas portuguesas de exportação para a América Latina, no período colonial. * Professor Catedrático da Universidade do Minho - Departamento de Engenharia Mecânica, Azurém, Guimarães Portugal fcastro@dem.uminho.pt Introdução Dos materiais arqueológicos recolhidos nas intervenções, os materiais cerâmicos apresentam uma grande importância, quer do ponto de vista das quantidades disponíveis, quer pelas informações de interesse historiográfico que deles se podem deduzir. Com efeito, aspectos como os costumes, o comércio e as evoluções tecnológicas, podem ser obtidos através do estudo pormenorizado de cerâmicas arqueológica. Por isso, ao investigador arqueólogo interessa frequentemente distinguir fabricos cerâmicos, apresentando-se com alguma relevância a possibilidade de descobrir a proveniência de fabrico das cerâmicas encontradas. Neste contexto de investigação, surgiu em 1994, a ideia de estabelecer um programa de análises químicas das cerâmicas arqueológicas portuguesas. O arranque desse programa foi propiciado pela criação do Laboratório de Análises Químicas da TecMinho, situado em Guimarães e dotado de um 1

2 espectrómetro e fluorescência de raios X, e pelo financiamento obtido pelo projecto PROCEN As Produções Cerâmicas do Norte de Portugal, séc. XII-XX entretanto aprovado pela Junta Nacional de Investigação Científica e Tecnológica (Fernandes1999). Metodologia Com a finalidade de recolher informações químicas que permitam estabelecer com fiabilidade o agrupamento de amostras e a proveniência de fabrico, entendeu-se por bem incluir no programa analítico, para além de amostras arqueológicas, também amostras etnográficas de origem bem conhecida, amostras de barros e amostras de materiais de construção (tijolos, ladrilhos, telhas, etc.) em barro vermelho não vidrado. Numa primeira fase, a investigação centrou-se em cerâmicas de louça comum, procedendo-se, já em 2000, ao estudo de faianças (Castro2001). A técnica analítica utilizada é a espectrometria de fluorescência de raios X, empregando-se um espectrómetro Philips X Unique II. As amostras cerâmicas são preparadas da seguinte forma: - extracção de vidrado, no caso de amostras vidradas, por processo mecânico (raspagem); - moagem da amostra em moinho planetário; - prensagem da amostra, utilizando uma quantidade certa (1 sexto da massa) de uma cera apropriada, para exercer função ligante. A análise propriamente dita é efectuada sobre o disco prensado, utilizando-se um programa de calibração que utiliza unicamente materiais de referência certificados (actualmente utilizam-se mais de 30 padrões), obtidos nomeadamente através do programa de ensaios interlaboratoriais GeoPT Geochemical Analysis Proficiêncy Testing. Determinam-se os teores dos seguintes componentes: SiO 2, Al 2O 3, Na 2O, MgO, Fe 2O 3, K 2O, CaO, TiO 2, Zr, Ba, Mn, Rb e Sr. Determina-se, também, os teores dos óxidos de fósforo e de enxofre, embora estes valores não sejam utilizados para efeitos estatísticos, por serem frequentemente elementos que podem provir de contaminações, quer por via de uso, quer pelo contexto químico em que os materiais se encontravam enterrados. Uma vez que o processo de cozedura de uma cerâmica implica, do ponto de vista químico, a perda de moléculas de água de hidratação e de composição, os treze parâmetros referidos vêm a sua composição química referida a uma base em que a soma dos seus teores represente 100 %. Desta forma, e só desta forma, é possível comparar composições químicas de cerâmicos entre si, independentemente do grau de contaminação, e, principalmente, com barros e com materiais deficientemente cozidos. 2

3 O tratamento estatístico, explicado em detalhe noutros artigos (Castro1997, Castro1997b e Castro1998), baseia-se na formação de grupos químicos clusters -, em que os vectores de composição são normalizados pelos respectivos desvios padrão. Desta forma, e pela medida da chamada distância euclidiana, é possível verificar a proximidade química entre amostras isoladas e grupos previamente formados e também entre grupos entre si. Esta metodologia permite ainda estimar a probabilidade de que uma determinada amostra (ou grupo de amostras, representado pelo seu centróide) pertença a um determinado grupo. Tal revela-se de grande interesse, quando se pretende determinar a origem de fragmentos encontrados em escavações arqueológicas. Os dados analíticos são introduzidos numa base de dados onde se encontram todos os resultados provenientes de análises individuais e da criação de grupos. Neste último caso, a base de dados inclui os valores médios de composição para cada um dos constituintes analisados, bem assim como os respectivos desvio padrão. Estado actual da investigação Até à data analisaram-se já mais de 2000 amostras, tendo-se constituído, a partir daí, 276 grupos, representativos de amostras arqueológicas, principalmente de Portugal e de Espanha, de amostras etnográficas, de materiais de construção e de barros. Os grupos criados de acordo com a metodologia estatística adoptada (Castro1997), são os resumidos no quadro seguinte. Neste quadro indicam-se os grupos de acordo com a localização geográfica, assim como em termos de grupos de proveniência e de grupos arqueológicos. Os grupos de proveniência são aqueles que servem de auxiliares na determinação da proveniência de fragmentos cerâmicos de origem desconhecida. Os grupos arqueológicos são os formados entre amostras arqueológicas, indicando, por isso, não a proveniência, mas sim o local de uso. Distrito Concelho(s) Grupos de proveniência Grupos arqueológicos Braga Braga, Vila 9 grupos de amostras de barros da zona 3 grupos, um dos quais com 4 sub- Verde, Amares de Ucha/Cabanelas/Prado/Vila Verde (37 grupos, de amostras arqueológicas e Barcelos recolhidas no Mosteiro de Tibães (23 2 grupos de amostras de barros de (Fontes1995) Manhente/Arcozelo, e Lama, em 1 grupo de amostras arqueológicas Barcelos (5 recolhidas na Sé de Braga (5 2 grupos de amostras etnográficas de 5 grupos de amostras proto-históricas, Prado (14 incluindoproveniências de Braga, (Castro1998b) Guimarães e Famalicão (34 3

4 Guimarães 1 grupo de amostras arqueológicas da Penha, Briteiros e Castro de Sabroso (9 5 grupos de amostras proto-históricas, incluindoproveniências de Braga, Guimarães e Famalicão (34 Viana do Viana do 2 grupos de vidrados de faianças Castelo Castelo arqueológicas (10 Bragança Torre de 1 grupo de amostras etnográficas e de 4 grupos de amostras arqueológicas de Moncorvo barros de Felgar (5 Baldoeiros, Santa Cruz da Vilariça e Castelos de Moncorvo e de Junqueira (total de 16 Bragança 1 grupo de amostras de barro de Pinela, lugar de Cabalhão (2 1 grupo de amostras etnográficas de Calvelhe (2 Vila Real Chaves 4 grupos de amostras etnográficas e de barros de Vilar de Nantes (11 2 grupos de amostras etnográficas de Selhariz (15 Montalegre 14 grupos de amostras arqueológicas de Pitões das Junias (75 Vila Pouca de 3 grupos de amostras etnográficas e de Aguiar barros de Tourencinho (9 Vila Real 1 grupo de amostras de telhas de Bisalhães (6 Porto Porto 29 grupos de amostras arqueológicas da Casa do Infante (195 4 grupos de amostras arqueológicas recolhidas na parte antiga da Cidade do Porto (22 4 grupos de amostras arqueológicas do "Forno Velho", Frequesia de S. Nicolau (20 8 grupos de pastas de faianças da Casa do Infante e 3 do Gab. Arqueologia Urbana (111 Vila Nova de 4 grupos de amostras de barros da 7 grupos de amostras arqueológicas e Gaia freguesia de Santa Marinha (24 etnográficas de Coimbrões (50 3 grupos de pastas de faianças arqueológicas de Santo Ovídio e 2 grupos da Rua Direita (50 Santo Tirso 1 grupo de amostras de barros de 25 grupos de amostras arqueológicas Alvarelhos (3 (97 4

5 Aveiro Viseu 1 grupo de amostras arqueológicas de Santa Eufémia da Carriça (3 Póvoa de 5 amostras arqueológicas, protohistóricas, da Cividade de Terroso, não Varzim agrupadas Vila do Conde 5 amostras arqueológicas, protohistóricas, do Castro de Ferreiró, 3 das quais agrupam com amostras de Famalicão e de Braga Amarante 4 grupos de amostras etnográficas e de 1 grupo de amostras etnográficas e barro de Vilaseca - Gondar (12 arqueológicas do lugar de Rio, Gondar (7 Baião 1 grupo de amostras etnográficas e arqueológicas. do lugar de Santo Tirso (3 Ovar/Aveiro/Á 10 grupos de amostras etnográficas, de 2 grupos de amostras arqueológicas gueda/oliveira telhas e de barros (57 encontradas em barco afundado na Ria do Bairro de Aveiro (13 (Alves1998) Anadia 1 grupo de amostras de telhas de Aguim (5 Arouca 1 grupo de amostras arqueológicas de Arouca (4 3 grupos de amostras arqueológicas de Valinhas, Santa Eulália (10 Vale de 1 grupo de amostras arqueológicas de Cambra Barbeito (2 Mealhada 1 grupo de amostras de barro de Barcouço (3 2 grupos de amostras etnográficas de Ferraria, Barcouço (13 Resende/ 1 grupo de amostras etnográficas e de Castro Daire barro de Fazamões e S. Martinho de Mouros (22 2 grupos de amostras de barros de Bigorne (8 2 grupos de amostras de telhas de Paus e S. Martinho de Mouros (7 Tarouca 5 amostras de tijolos de S. João de 5 grupos de amostras arqueológicas de Tarouca, não agrupadas S. João de Tarouca (14 1 grupo de pastas de faianças arqueológicas (11 Tondela 1 grupo de amostras etnográficas e de barro de Molelos (15 5

6 Guarda Seia 1 grupo de amostras etnográficas e de barros de Carvalhal da Louça, Paranhos da Beira (6 Almeida 1 grupo de amostras de barro de Nave de Haver, Malhada Sorda (4 V.N. Fozcoa 1 grupo de amostras de barro de Barreiro, Santa Comba (3 Coimbra Arganil/ Gois 1 grupo de amostras etnográficas de Chapinheira, Pombeiro da Beira (21 1 grupo de amostras de barros de Chapinheira, Pombeiro da Beira (2 1 grupo de amostras de telhas de Vila Nova do Ceira (7 Coimbra 1 grupo de amostras de barros de grupos de pastas de faianças Taveiro (4 arqueológicas de Santa Clara a Velha (21 Condeixa 3 grupos de amostras etnográficas de Ega (6 Lousã 1 grupo de amostras de barro de Padrão (4 Miranda do 4 grupos de amostras etnográficas e de Corvo barros (14 Oliveira do 1 grupo de amostras etnográficas e de Hospital barros de Ervedal (14 Soure 1 grupo de amostras etnográficas e de barros de Casal do Redinho, Alfarelos (3 Tábua 4 grupos de amostras etnográficas de Candosa (23 Vila Nova de 1 grupo de amostras etnográficas de Poiares Olho Marinho (6 Castelo Branco Fundão 1 grupo de amostras etnográficas de Alpedrinha (4 Portalegre Crato 1 grupo de amostras etnográficas de Flor da Rosa (5 Lisboa Lisboa 5 amostras de fainças (Museu Nac. Arte Antiga) Setúbal Palmela 4 grupos de amostras arqueológicas (16 Évora Redondo 8 grupos de amostras etnográficas e de barros (41 6

7 Faro Albufeira 1 grupo de amostras de tijolos de Mem Moniz, Paderne (6 Silves 3 grupos de amostras de tijolos e de barros do Algoz (12 Tavira 3 grupos de amostras etnográficas de Fonte do Bispo (13 1 grupo de de amostras etnográficas de Querença (3 1 grupo de amostras de telhas de Santa Catarina (10 Espanha Salamanca 4 grupos de amostras arqueológicas, Calle Arcediano (13 Gijon 14 amostras arqueológicas de Peñaferruz Uruguai 7 amostras de faianças arqueológicas Brasil S. Salvador da 1 grupo de pasta de faiança e 2 grupos Baía de vidrados de faianças arqueológicas (8 Existe ainda um número elevado de amostras não agrupadas. Referências Bibliográficas Fontes Luis Fontes, Isabel Maria Fernandes, Fernando Castro - Peças de louça preta decoradas com moscovite encontradas nas escavações arqueológicas do Mosteiro de S. Martinho de Tibães, in Actas das 2as. Jornadas de Cerâmica Medieval e Pós-Medieval, Tondela, 1995, pp Castro Fernando Castro, Pedro Oliveira, Isabel Maria Fernandes - Development of a methodology for the estimation of the provenance of archaeological ceramics, in Method and Theory in Historical Archaeology. Papers of the "Medieval Europe Brugge 1997' Conference. Zelik: Guy De Boe & Frans Verhaeghe, Vol. 7, p Castro1997b - Fernando Castro - Statistical and analytical procedure for the estimation of the provenance of archaeological ceramics, Actas do 4th European Meeting on Ancient Ceramics, Andorra, 1997, pp Castro Fernando Castro - A análise química como auxiliar na determinação de origem de fragmentos cerâmicos arqueológicos. Olaria. Museu de Olaria. 2(1998), p

8 Castro1998b - Fernando Castro - Caracterização físico-química de argilas e amostras etnográficas da região de Prado/Vila Verde/Barcelos. Olaria. Museu de Olaria. 2(1998), p Fernandes Isabel Fernandes, Fernando Castro, Paulo Dordio e Alexandra Lima - Projecto de estudo da produção cerâmica do Norte de Portugal nos séculos XII a XX (PROCEN), II Congresso de Arqueologia Peninsular, Tomo III - Primer Milénio y Metodologia, Universidad de Alcalá e Fundación Rei Afonso Henriques, 1999, pp Alves F.J.S. Alves; F.Castro; J.A. Labrincha - Physical and Chemical Characterization of Archaeological Ceramics found in a mid-15th Century shipwreck in Ria de Aveiro, Actas do Euromat'98 "Materials in Oceanic Environment", Lisboa, Julho de 1998, pp Castro MUSEU NACIONAL DE SOARES DOS REIS - Itinerário da faiança do Porto e Gaia, ISBN , Porto, Julho de 2001, Capítulo 5 - "Caracterização Química e Microestrutural de Faianças Portuguesas", pp