3 2 a Guerra Mundial. e Guerra Fria

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1 3 2 a Guerra Mundial e Guerra Fria Nesta Unidade, você estudará a 2 a Guerra Mundial e a oposição entre as potências mundiais que dela emergiu: a Guerra Fria. Revendo a história, parece inconcebível que, cerca de 20 anos depois de encerrada a Grande Guerra, as principais potências mundiais tenham se envolvido em um novo confronto armado. E esse confronto foi ainda mais devastador do que o anterior: os mortos na 1 a Guerra Mundial são estimados em mais de 8,5 milhões, enquanto na 2 a Guerra são cerca de 50 milhões. Como entender tamanha destruição? Na Unidade anterior, você estudou a crise do capitalismo mundial e sua relação com a ascensão do fascismo na Itália e do nazismo na Alemanha. Você viu que esses regimes reprimiram duramente a organização autônoma dos trabalhadores, principalmente as comunistas, ao mesmo tempo que estimularam os negócios capitalistas, sobretudo por meio da indústria bélica. Você também estudou que a ideologia desses regimes, combinando um nacionalismo agressivo com o racismo, logo justificou um expansionismo militar. E assim, quando a 2 a Guerra Mundial estourou, nacionalismo, racismo, expansionismo, anticomunismo e economia de guerra haviam atingido o ápice. Esta Unidade mostrará que, em virtude do grande poderio militar do regime de Hitler, uma aliança inédita foi mobilizada para combatê-lo. Soviéticos, estadunidenses, ingleses e franceses somaram forças contra os alemães, que foram apoiados por italianos e japoneses. No entanto, logo que foi encerrado o conflito militar mais destrutivo da história da humanidade, a aliança entre os vencedores se rompeu, dando início a uma oposição que marcou a segunda metade do século XX: a Guerra Fria. Como é possível entender essa inversão radical? São esses assuntos que você estudará na Unidade

2 História Unidade 3 Para iniciar... Veja qual foi o alinhamento dos principais países que se enfrentaram na 2 a Guerra Mundial: Aliados União Soviética Estados Unidos Inglaterra Eixo Alemanha Itália Japão França Agora, converse com seus colegas e o professor. Como se alinharam os principais países que combateram na 1 a Guerra Mundial? Que mudanças você identifica no alinhamento dos países entre a 1 a e a 2 a Guerra Mundial? Quais países estiveram envolvidos em ambos os confrontos? Qual deles mudou de lado? Quem era o novo protagonista? Localize em um mapa-múndi os países listados. Quantos continentes estavam envolvidos? O que isso pode dizer sobre essa guerra? Debatendo os antecedentes da guerra A 2 a Guerra Mundial teve, de fato, um alcance global, diferentemente da 1 a Guerra Mundial, considerada por muitos um conflito europeu. Mas o que levou o mundo a se envolver em outra guerra, de tamanha dimensão, e em tão pouco tempo? A dedução mais imediata a que se pode chegar é a de que os problemas que haviam gerado a 1 a Guerra Mundial não estavam solucionados. De fato, os países protagonistas foram praticamente os mesmos, o que indica que as contradições e as disputas que caracterizavam o imperialismo tiveram um papel importante também nesse segundo confronto. No entanto, ainda que similares, tais questões estruturais adquiriram uma expressão muito particular na 2 a Guerra. O Império Alemão do Kaiser Guilherme II e o Terceiro Reich de Hitler eram muito diferentes. No nazismo, a associação entre nacionalismo e racismo engrenou-se a uma indústria de guerra que assombrou o 108

3 História Unidade 3 mundo, motivando algo que parecia impossível: uma aliança militar entre potências capitalistas e a União Soviética, de modo a combater o poderio militar nazista. Essa aliança não foi fácil nem imediata. Muitos historiadores entendem que as potências liberais (como Inglaterra, França e Estados Unidos) toleraram a ascensão do nazismo e seus primeiros movimentos de guerra na expectativa de que eles pudessem reprimir a agitação da esquerda na Europa e destruir o Estado soviético. Todavia, quando ficou evidente que os nazistas ambicionavam mais do que isso, pois pretendiam instaurar uma nova ordem mundial sob seu comando, a aliança finalmente aconteceu. Assim, na dinâmica da 2 a Guerra Mundial, associaram-se: rivalidades intraimperialistas (disputa por territórios e mercados durante a expansão capitalista); contradições sociais, em um contexto de crises, inflação, desemprego e mobilização dos trabalhadores, apoiada na difusão das ideias socialistas e comunistas; ideia crescente de que os comunistas europeus e a União Soviética representavam um mal a ser extirpado pelo mundo capitalista. A expansão nazista e o início da 2 a Guerra Mundial Em 1938, a Alemanha de Hitler começou sua expansão para o resto da Europa: anexou a Áustria e ocupou a região dos Sudetos na Tchecoslováquia, onde viviam cerca de 3 milhões de pessoas de origem germânica. Embora inicialmente contrárias à ocupação alemã, França e Inglaterra acabaram adotando uma política de apaziguamento na Conferência de Munique, realizada em fins de setembro desse mesmo ano, convocada por Hitler. Esses países acreditavam que, cedendo na questão da Tchecoslováquia, os nazistas se aquietariam. Estavam enganados. Por sua vez, ao saber dos resultados da Conferência de Munique, a União Soviética sentiu-se temerosa de que a complacência das democracias liberais significasse um sinal verde para que a máquina de guerra nazista se voltasse para a sua direção. Essa foi a justificativa mais provável para a assinatura do Pacto Nazi-Soviético de Não Agressão, firmado cerca de um ano depois da Conferência, em agosto de Quando divulgado, esse pacto causou repúdio em militantes socialistas em todo o mundo. Apaziguar [...] 2. Pôr(-se) de acordo; pôr(-se) em concórdia; harmonizar(-se) [td.: Apaziguar os países em guerra.] [tr.: Os grupos antagônicos não se apaziguaram.] idicionário Aulete. Acesso em: 12 nov

4 História Unidade 3 No entanto, também os soviéticos se equivocaram ao se sentir protegidos pelo acordo com a Alemanha. Em 1 o de setembro desse ano, poucos dias após a assinatura do pacto, os nazistas invadiram a Polônia, aproximando-se da fronteira com a União Soviética. Esta, por sua vez, entrou na Polônia e, posteriormente, na Estônia, na Lituânia, na Letônia e na Finlândia. Com a invasão da Polônia, Inglaterra e França declararam guerra à Alemanha. Estava iniciada a 2 a Guerra Mundial, em 1 o de setembro de Atividade 1 Expansão nazista 1. No mapa a seguir, localize a Alemanha, a Tchecoslováquia, a Polônia e a União Soviética. ARRUDA, José Jobson de A. Atlas histórico básico. São Paulo: Ática, 2008, p. 27. Mapa original (mantida a grafia). A URSS seria constituída apenas a partir de 1922 [nota do editor]. 2. De acordo com o texto da seção A expansão nazista e o início da 2 a Guerra Mundial, indique no mapa em que direção, a partir da Alemanha, avançaram os nazistas. 110

5 História Unidade 3 3. Considerando a direção da expansão nazista, a União Soviética tinha motivos para se preocupar? Justifique. O desenrolar da 2 a Guerra Mundial Ao longo do conflito, foram formados dois blocos opositores: o Eixo e os Aliados. 1. O Eixo foi formado por países de desenvolvimento capitalista relativamente tardio, que quase não possuíam colônias ou áreas de influência geopolítica: Alemanha, Itália e Japão. Isso quer dizer que, quando se industrializaram, encontraram parte importante dos mercados internacionais já ocupados por potências rivais. Embora diferentemente da 1 a Guerra, a 2 a Guerra Mundial também tinha motivações imperialistas. 2. O bloco dos Aliados reuniu países que representavam projetos sociais opostos: de um lado, Estados Unidos, Inglaterra e França eram, e ainda são, potências capitalistas, defensoras do liberalismo; de outro lado, estava a União Soviética, produto da Revolução Russa e defensora do comunismo. Collection Roger-Viollet/Glow Images O Exército alemão teve um êxito notável no primeiro ano do conflito. Depois dos ataques à Europa Oriental, foi a vez de os vizinhos do Norte e do Ocidente sofrerem a investida alemã: Dinamarca, Noruega, Holanda, Luxemburgo e Bélgica foram ocupados em maio de Tropas francesas e inglesas tentaram resistir ao avanço nazista em direção à França, mas foram derrotadas em junho de 1940: cerca de 350 mil soldados aliados cruzaram o Canal da Mancha, que separa a França da Inglaterra, em direção à ilha britânica, com o auxílio de todo tipo de embarcação. Nesse mesmo mês, os alemães entraram em Paris: a França havia se rendido. Em seguida, na cidade de Vichy, foi instalado um governo francês comandado pelo marechal Pétain disposto a colaborar com os invasores. Hitler, acompanhado por oficiais do exército alemão e por membros do alto escalão nazista, passeia pelas ruas de Paris após a rendição francesa à Alemanha. 111

6 História Unidade 3 Depois dessa conquista, os alemães mobilizaram sua força de guerra contra a Inglaterra. Com aviões, bombardearam várias cidades, incluindo a capital, Londres. Porém, a reação da Força Aérea Real britânica (Royal Air Force RAF) foi eficaz, e a invasão não se concretizou. Com a entrada da Itália no lado alemão da guerra, em setembro de 1940, abriram-se novas frentes de combate na Europa. Alguns países aliaram-se ao Eixo, como Romênia, Bulgária e Hungria, enquanto outros foram ocupados por tropas nazistas. Em outros países, como França, Holanda e Noruega, os alemães estabeleceram governos colaboracionistas, que encontravam apoio em setores da sociedade simpáticos ao regime nazista, embora também enfrentassem a resistência heroica de muitos patriotas que organizaram a guerrilha, principalmente os militantes comunistas. Assim, vista no seu conjunto, em meados de 1941 a Europa estava dominada pelo Eixo. Foi nesse contexto que Hitler desencadeou uma ofensiva massiva contra os soviéticos, conhecida como Operação Barbarossa. As batalhas nessa frente seriam decisivas para o desfecho da guerra. DUBY, George. Grand atlas historique. Paris: Larousse, 2001, p. 99. Tradução: Renée Zicman. 112

7 História Unidade 3 Em pouco tempo, ficou evidente que os planos do Terceiro Reich para o Leste Europeu eram diferentes dos propostos para o restante do continente. Assim como acontecia com outros povos, como os judeus, a ideologia nazista considerava os eslavos uma raça inferior. Por isso, o espaço vital alemão deveria estender-se aos territórios do Leste Europeu, e a população eslava precisaria ser subjugada e, até mesmo, escravizada. Essa foi, portanto, a finalidade inicial de diversos campos de concentração: prover mão de obra para o esforço da indústria de guerra alemã. No entanto, conforme a Alemanha avançava para o leste e impunha seu domínio sobre outros povos, os campos instalados na região começaram a ter outras finalidades: limpeza étnica e extermínio, tanto por motivos racistas como por razões políticas. Amsterdã BÉLGICA P A Í S E S B A I X O S el os M Campos de Concentração e Extermínio e Principais Centros de Eutanásia MAR DO NORTE Mosa FRANÇA Luxemburgo Estrasburgo Natzweiler Colônia Reno Ruhr Eichberg SUÍÇA Berna Hadamar Mannheim Stuttgart Ulm Grafeneck Hamburgo Neuengamme Bremen Ravensbrück Sachsenhausen Bergen-Belsen Berlim Meseritz Hanover Obrawalde Magdeburg Brandemburgo Weser Limburg Frankfurt Zurique Kiel Bernburg ALEMANHA Leipzig Buchenwald Dresden Erfurt Gross-Rosen Sonnenstein Meno Elba Flossenbürg Nuremberg Danúbio Dachau Munique Eglfing-Haar Inn MAR BÁLTICO Praga Linz Viena Hartheim Mauthausen Salzburgo ÁUSTRIA Oder Poznan Danzig Stutthof Breslau Bydgoszcz PRÚSSIA ORIENTAL POLÔNIA Brno TCHECOSLOVÁQUIA Danúbio HUNGRIA Vístula Chelmno Lodz Königsberg Katowice Cracóvia Auschwitz Budapeste Treblinka Varsóvia Bu g Sobibor Lublin Majdanek Belzec U N I Ã O S O V I É T I C A Lvov Centros de Eutanásia Campos de Concentração Campos de Extermínio Campos de Concentração e Extermínio combinados N kms 124 mi NOAKES, J.; PRIDHAM, G. (Org.), Nazism, v. 3. Exeter: University of Exeter Press, 1998, p Disponível em: < Acesso em: 12 nov Tradução: Renée Zicman. Os poloneses experimentaram cedo essa realidade, que então ameaçava os soviéticos. O caso dos soviéticos mostrava-se ainda mais difícil, pois ao racismo nazista somava-se um anticomunismo visceral. Diante dessas circunstâncias, o povo russo percebeu que não lutava apenas por sua pátria, mas por sua própria sobrevivência. 113

8 História Unidade 3 Fica a dica FRANK, Anne. O Diário de Anne Frank. 31. ed. Rio Janeiro: Record, Esse livro, publicado originalmente em 1947, conta as vivências de uma adolescente judia durante os anos de perseguição nazista, enquanto esteve escondida com sua família em cômodos secretos e no sótão de uma casa em Amsterdã, na Holanda. O diário foi escrito entre os anos de 1942 e 1944 e é um comovente relato sobre o que foi a 2 a Guerra Mundial e o nazismo. A vitória soviética Inicialmente, os nazistas avançaram rapidamente sobre o território soviético. Há indícios de que Stálin tenha sido surpreendido pelo ataque alemão, demorando inclusive para se convencer de que a invasão de fato acontecia. Do lado alemão, a facilidade do avanço inicial deixou os nazistas eufóricos. Impulsionados pelo rápido êxito que tiveram na Europa Ocidental, acreditavam que logo marchariam sobre Moscou. Dessa vez, porém, foram os alemães que se enganaram. Nos campos de batalha, após uma derrota inicial que quase dizimou o exército soviético, uma reestruturação foi bem-sucedida. O Exército Vermelho comandado pelo marechal Zhukov, apoiado em uma eficiente produção industrial baseada no planejamento estatal, e na determinação nacionalista de seus soldados, ofereceu uma tenaz resistência aos nazistas. Dessa forma, as tropas de Hitler sofreram sua primeira derrota importante na guerra, na cidade de Stalingrado, no começo de Ria-novosti/Easypix Na Batalha de Stalingrado, o exército soviético impôs às tropas alemãs sua primeira derrota. Mas como os soviéticos conseguiram inverter a situação, tornando-se os principais responsáveis pela derrota alemã? Um dos grandes fatores que explica essa reviravolta foi a tarefa monumental, realizada pelos soviéticos, que dificilmente poderia ser feita em um país no qual prevalecesse a propriedade privada da grande indústria: transferiram grande parte de seu parque produtivo para o leste do país, na retaguarda do Exército Vermelho. Com isso, colocada a salvo das tropas alemãs, a indústria soviética pôde se dedicar à produção bélica. 114

9 História Unidade 3 No entanto, apesar dos apelos de Stálin pelo apoio dos Aliados, o exército soviético teve de esperar até o dia 6 de junho de 1944 pelo desembarque das tropas aliadas nas praias da Normandia, na França. Esse fato ficou conhecido na história ocidental como Dia D. O desfecho da guerra Até a invasão da Normandia, as principais tropas aliadas combateram em territórios marginais ao espaço europeu: os estadunidenses, envolvidos na guerra desde dezembro de 1941, quando do ataque japonês a Pearl Harbor, combatiam sobretudo no Pacífico; as tropas inglesas lutavam principalmente no Mediterrâneo e no norte da África, onde conseguiram abrir caminho para invadir a Itália. Em julho de 1943, o líder fascista Benito Mussolini foi deposto. Capturado quando tentava fugir para a Suíça, ele foi julgado e condenado à morte pelos partigiani (guerrilheiros antifascistas). A rendição de alemães e japoneses tardaria mais do que a dos italianos. Em 1944, os soldados aliados desembarcaram na França, o que favoreceu o avanço das tropas soviéticas, que vinham pressionando o exército alemão de volta ao seu território, desde a Batalha de Stalingrado. Quando os soviéticos ocuparam a capital alemã Berlim, em abril de 1945, o líder nazista cometeu suicídio. Hulton-Deutsch Collection/Corbis/Latinstock Você sabia que brasileiros também combateram na guerra? No começo da 2 a Guerra Mundial, o Brasil adotou uma posição de neutralidade. Na época, o País vivia uma ditadura comandada por Getúlio Vargas, simpático ao regime fascista. No entanto, a pressão dos Estados Unidos acabou se impondo e, em 1943, foi criada a Força Expedicionária Brasileira (FEB). No ano seguinte, cerca de 25 mil soldados brasileiros foram enviados à Itália, onde combateram ao lado do exército estadunidense. Fica a dica Olga (direção de Jayme Monjardim, 2004) é um filme sobre a judeu-alemã Olga Benário Prestes, jovem militante comunista que vivia no Brasil. Durante o governo de Getúlio Vargas ela foi deportada para a Alemanha e lá foi executada pelo regime nazista em um campo de extermínio. Soldado russo ergue a bandeira de seu país sobre o antigo Parlamento alemão após a invasão de Berlim pelas forças soviéticas. 115

10 História Unidade 3 Era o fim do nazismo, mas não da guerra: ainda restava a frente do Pacífico, na qual se enfrentavam, principalmente, Estados Unidos e Japão desde 1941, quando as tropas japonesas destruíram uma base estadunidense sediada em Pearl Harbor, no Havaí. Em uma circunstância em que era iminente a derrota do Japão, os Estados Unidos jogaram uma bomba atômica na cidade japonesa de Hiroshima, em 6 de agosto de 1945, causando a morte imediata de milhares de civis. A rendição japonesa já se anunciava, mas, mesmo assim, três dias depois, os EUA atiraram uma segunda bomba atômica, dessa vez na cidade de Nagasaki. As duas bombas mataram instantaneamente mais de 300 mil pessoas, além de deixarem milhares de sobreviventes com graves sequelas, como mutilações, queimaduras, mutações genéticas e diversos tipos de câncer. Diomedia Bettmann/Corbis/Latinstock Bomba atômica lançada pelos EUA em Nagasaki, no Japão. Hiroshima, no Japão, arrasada depois da bomba atômica lançada pelos EUA. Muitos historiadores acreditam que o objetivo dos Estados Unidos ao atirar essas bombas já não era a vitória sobre os japoneses, uma vez que ela estava garantida. O propósito real seria enviar uma mensagem intimidatória aos soviéticos, que, aos olhos do mundo, saíam como os principais responsáveis pela derrota do nazismo. A forma como terminava a 2 a Guerra Mundial era um prenúncio da Guerra Fria. 116

11 História Unidade 3 Atividade 2 O conflito no Pacífico O Japão, assim como a Alemanha, industrializou-se tardiamente. E, como potência industrial que precisava expandir seus mercados e explorar fontes de matérias-primas, militarizou-se para conquistar novos territórios na Ásia e no Pacífico. No entanto, outras potências industriais, como a Grã-Bretanha e os Estados Unidos, já tinham, ou pretendiam ter, colônias nesses territórios. Nesse contexto, o Japão aliou-se à Alemanha, tornando-se um membro do Eixo. Como o Japão conquistava mais e mais territórios, Grã-Bretanha e Estados Unidos decretaram embargo econômico a esse país. Em resposta, o Japão atacou a base naval estadunidense de Pearl Harbor, no Havaí. Com esse acontecimento, os Estados Unidos declararam guerra ao Japão e o conflito foi deflagrado, com ações tão destrutivas quanto as que ocorriam na Europa. ARRUDA, José Jobson de A. Atlas histórico básico. São Paulo: Editora Ática, 2008, p. 31. Mantida a grafia original. 117

12 História Unidade 3 Com seus colegas, pesquise esse importante conflito da 2 a Guerra Mundial e responda: 1. Quais foram os países envolvidos na guerra da Ásia e do Pacífico? 2. O que motivou cada um desses países a entrar na guerra? 3. Quais foram as consequências dessa guerra para cada um dos países envolvidos? Atividade 3 Guerras e negócios Durante a 2 a Guerra Mundial, foi necessária a produção de milhões de armas, aviões, foguetes, veículos, uniformes para soldados, a construção de prisões e de campos de extermínio, o fornecimento de combustível etc. Para tudo isso, os países envolvidos precisaram de financiamento de bancos e da produção de empresas. Em grupos, pesquisem quais foram as empresas que produziram os itens mencionados, tanto para o lado dos Aliados como para o Eixo, e respondam: 1. Quais dessas empresas existem até hoje? 2. O que elas produziram e para quem? 3. Quem produz e financia esses itens mencionados para as guerras atuais? 4. Vocês acham que as guerras são bons negócios? Para quem? 118

13 História Unidade 3 Um novo equilíbrio Pouco tempo depois de encerrado o conflito mais destrutivo da humanidade, a aliança formada para enfrentar o Eixo se desfez. Emergindo como as grandes potências mundiais ao final da 2 a Guerra Mundial, Estados Unidos e União Soviética polarizariam a política global ao longo das décadas seguintes. Como explicar que países antes aliados, em função de um conflito dramático, se tornassem inimigos tão rapidamente? É necessário lembrar que as alianças construídas no período da 2 a Guerra não foram estáveis nem fiéis. Ingleses e franceses fizeram concessões aos nazistas em Munique, Stálin pactuou com Hitler logo depois, e os alemães agrediram os três. Quando a máquina de guerra alemã dirigiu todo o seu poder contra os soviéticos, os Aliados não mostraram determinação em auxiliá-los. Foi somente quando ficou evidente a recuperação do Exército Vermelho e o apuro vivido pelos alemães é que os Aliados efetivamente dialogaram com Stálin. Os principais líderes do bloco aliado, Josef Stálin (União Soviética), Winston Churchill (Inglaterra) e Franklin Roosevelt (Estados Unidos) encontraram-se pela primeira vez em Teerã (Irã), em novembro de No ano de 1945, houve novas reuniões em Yalta (URSS, atual Ucrânia) e, depois, em Potsdam (Alemanha), quando os alemães já estavam derrotados. O principal motivo desses encontros era discutir como ficaria o equilíbrio entre as potências mundiais no mundo do pós-guerra. Em outras palavras, os vencedores discutiam sua influência nas diferentes regiões do planeta. Os governos dos Estados Unidos e da Inglaterra, expoentes do liberalismo, logo se entenderam. O mesmo, porém, não aconteceu com os soviéticos, que representavam um projeto diferente e, em certos aspectos, oposto ao capitalismo liberal. Nesse sentido, o que estava em discussão não era uma divisão geopolítica entre iguais, mas uma disputa entre distintos modelos sociais, na qual se interpretava, do lado dos Aliados, uma eventual concessão aos soviéticos como sendo uma ameaça ao capitalismo. Tratava-se, portanto, de uma negociação tensa. Tensa, mas também desigual. Veja a diferença entre os dois países no quadro a seguir. 119

14 História Unidade 3 Estados Unidos Emergiam da guerra com um poderio econômico indisputado. Novamente, seu território foi preservado das batalhas e a economia do país cresceu aceleradamente para atender às demandas do bloco aliado ao longo da guerra. Estima-se que tenham morrido cerca de 300 mil estadunidenses na guerra, cerca de 0,22% da população do país.* Contavam com amplos recursos materiais para investir na reconstrução da Europa do pós-guerra. Ao final do embate, elaboraram um Programa de Recuperação Europeia, mais conhecido como Plano Marshall, por meio do qual investiram mais de 13 bilhões de dólares em assistência técnica e econômica aos países europeus. União Soviética O território do país foi o principal palco do enfrentamento com os nazistas. Durante a guerra, praticaram a tática conhecida por terra arrasada, na qual se destruía voluntariamente tudo o que pudesse ser utilizado pelo exército inimigo em seu avanço na direção de Moscou. Isso significa que os soviéticos realizaram um esforço de guerra total, empenhando sua riqueza, seu território e seus cidadãos contra os alemães. Como resultado, ao final da guerra a economia soviética encontrava-se prostrada, e parte de seu território, devastado. As perdas humanas foram superiores a 25 milhões (cerca de 80 vezes maiores do que as estadunidenses), o que equivale a quase 15% da população.* Contavam, principalmente, com o prestígio acumulado como vencedores do nazismo e com as tropas que ocupavam Berlim, e outras partes do Leste Europeu. Embora precisassem desesperadamente de auxílio para a reconstrução nacional, recusaram o Plano Marshall, por entender que as condições exigidas implicavam uma submissão direta aos Estados Unidos. * Fontes: WEINBERG, Gerhard. A world at arms: A Global History of World War II. Cambridge: Cambridge University Press, 1994, p. 894; KNAPP, Wilfrid. Europa em ruínas. In: História do Século XX. São Paulo: Abril Cultural, tomo V, p Population Statistics. Disponível em: < Acesso em: 12 nov Apesar do desequilíbrio social e econômico, se comparados aos Estados Unidos, os soviéticos conseguiram, ainda durante a guerra, ampliar a área sob sua influência no Leste Europeu. Seu objetivo inicial era romper o isolamento imposto pelos países capitalistas em decorrência do triunfo da Revolução Russa de 1917, firmando, assim, relações de cooperação com os países na sua fronteira europeia. Os demais aliados cederam a esse ensejo no calor do confronto, mas logo se arrependeram, em função de seus temores ideológicos. No entanto, a presença do Exército Vermelho garantiu o futuro poder soviético na região. Ao contrário do que se pode imaginar, os soviéticos, sob a liderança de Stálin, nem sempre se interessaram pelo triunfo de revoluções populares em outros países, especialmente quando não estavam sob sua tutela direta. Na Iugoslávia, por exemplo, triunfou uma revolução socialista independente dos soviéticos. O mesmo ocorreria depois com a China, também governada pelo Partido Comunista, e com a Albânia. Esses casos demonstram que, de maneira diferente do que se pode acreditar, o bloco socialista nunca foi homogêneo. Assim, é possível dizer que a oposição entre Estados Unidos e União Soviética não significou necessariamente uma disputa entre 120

15 História Unidade 3 capitalismo e comunismo. Muitas vezes, os discursos anticapitalista e anticomunista foram utilizados para justificar, perante a opinião pública interna, as políticas adotadas pelos países desses dois blocos. A propaganda anticomunista Muitos autores entendem que a escalada da propaganda anticomunista nos Estados Unidos esteve vinculada à formação do chamado complexo militar industrial. Para tais autores, foi a economia de guerra, no final dos anos 1930, que possibilitou aos estadunidenses que superassem a Crise de Por esse motivo, entendem que a manutenção e o desenvolvimento de um extraordinário aparato militar tornou-se uma necessidade política e econômica da hegemonia daquele país. Segundo essas análises, o agressivo nacionalismo estimulado constantemente pela mídia estadunidense ajudou a justificar os gastos na indústria bélica diante da população, assim como o envolvimento concreto do país em conflitos no mundo. As altas somas investidas na corrida armamentista também estariam relacionadas a essas motivações ideológicas e econômicas. A queda de braço entre os líderes da URSS (Nikita Kruchev) e dos EUA (John Kennedy) na década de 1960 representa a disputa pela hegemonia mundial entre esses dois países durante a Guerra Fria. No entanto, o risco de um conflito envolvendo potências nucleares era uma possibilidade real, ainda que as motivações dos principais contendentes da Guerra Fria não fossem necessariamente aquelas que divulgavam para os seus cidadãos. Havia uma disputa real por influência geopolítica, em que se misturavam motivos de natureza diversa, principalmente: nacionais: o desenvolvimento econômico das duas potências apoiava-se na hegemonia sobre regiões do planeta, ao mesmo tempo que a disputa ideológica reforçava internamente a fidelidade da população ao seu respectivo país; de classe: embora a experiência concreta da União Soviética se distanciasse cada vez mais do comunismo tal qual pensado pelo líder revolucionário russo Lênin, a mera existência de uma república de operários e camponeses era considerada um estímulo para uma revolução anticapitalista em todo o mundo. Leslie Illingworth/Daily Mail, 29 out. 1962/British Cartoon Archive, University of Kent 121

16 História Unidade 3 Você sabia que uma das expressões da Guerra Fria foi a formação de dois blocos de aliança militar? Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte), constituída em 1949 sob a liderança dos Estados Unidos. Pacto de Varsóvia, aliança constituída em 1955 sob a liderança da União Soviética, como resposta do bloco socialista à Otan. Observe o mapa a seguir, que representa as respectivas áreas de influência. ALIANÇAS MILITARES DURANTE A GUERRA FRIA, Oceano Glacial Ártico ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA CUBA Oceano Atlântico IUGOSLÁVIA ALBÂNIA EGITO URSS ÍNDIA CHINA JAPÃO COREIA DO SUL COREIA DO NORTE MONGÓLIA Oceano Pacífico França e Reino Unido (territórios do Pacífico) Bloco socialista Pacto de Varsóvia (criado em 1955) Pacto sino-soviético (anos 1950) Tratados bilaterais de segurança com a URSS Tratados cancelados durante o período Aliados da URSS que não assinaram um tratado de segurança Ateliê de Cartografia da Sciences Po, 2010 SOMÁLIA Oceano Índico AUSTRÁLIA NOVA ZELÂNDIA Bloco ocidental Pacto do Rio (criado em 1947) Cuba foi membro, mas foi suspensa a partir de 1962 OTAN (criada em 1949) ANZUS (criado em 1951) SEATO (criada em 1954, dissolvida em 1977) Aliados dos Estados Unidos da América Fontes: compilação dos autores a partir de anuários estatísticos dos anos ATELIER de Cartographie da Sciences Po. Mapa original. Tradução: Benjamin Potet. Geografia 8 o ano/3 o termo Unidade 2 E por que essa guerra era fria? Quando os Estados Unidos jogaram as duas bombas atômicas no Japão no final da 2 a Guerra Mundial, ficou evidente para o mundo que qualquer novo conflito seria letal para quem os enfrentasse. Intimidados pela ameaça que isso significava, os soviéticos responderam de maneira semelhante e, em poucos anos, também desenvolveram a bomba atômica. Iniciou-se então uma corrida armamentista entre as potências, que se desdobrou em direção a uma corrida espacial. Com o crescimento do poder destrutivo das armas, ficou claro que um conflito direto entre os Estados Unidos e a União Soviética ameaçaria a própria humanidade. Dessa forma, a criação da ONU (Organização das Nações Unidas), em 1945, na cidade de São Francisco, nos Estados Unidos, deveria auxiliar na manutenção da paz mundial. Na visão de muitos, contudo, a organização tornou-se em pouco tempo 122

17 História Unidade 3 um instrumento ineficaz, principalmente por sua falta de autonomia em relação à política externa dos Estados Unidos. Neste contexto, a expressão Guerra Fria significava que a disputa entre Estados Unidos e União Soviética não deveria chegar, de fato, a um embate militar, mesmo em seus momentos mais acalorados. Bettmann/Corbis/Latinstock A URSS saiu na frente na corrida espacial. Em 1957, a cadelinha Laika foi o primeiro ser vivo lançado ao espaço. NASA Na corrida pela conquista do espaço, durante a Guerra Fria, os EUA apressaram-se para enviar o primeiro homem à Lua, o que conseguiram em

18 História Unidade 3 Atividade 4 Guerra Fria Leia atentamente o trecho retirado de um discurso feito por Harry Truman, presidente dos Estados Unidos, dirigido ao Congresso de seu país, em 12 de março de As ideias nele apresentadas ficaram conhecidas como Doutrina Truman. Em seguida, responda às questões. [...] Atualmente, na história mundial, quase todas as nações devem escolher entre estilos de vida alternativos. Com frequência, essa escolha tem um preço. Um estilo de vida é baseado na vontade da maioria e distingue-se por ter instituições livres, governo representativo, eleições livres, garantias de liberdade individual, liberdade de expressão e religião, e por ser livre de repressão política. O segundo estilo de vida é baseado na vontade de uma minoria que se impôs sobre a maioria. Ele se sustenta pelo terror e pela opressão, pelo controle da imprensa e do rádio; eleições restritas e a supressão de liberdades individuais. Eu acredito que a política dos Estados Unidos deve apoiar os povos livres que estejam resistindo à tentativa de subjugação por minorias armadas ou pressões externas [...] President Harry S. Truman s address before a joint session of Congress, March 12, The Avalon Project. Documents in Law, History and Diplomacy. Yale Law School. Disponível em: < Acesso em: 12 nov Tradução: Eloisa Pires. 1. A quais países se referem as descrições feitas pelo presidente em seu discurso? 2. Esse discurso é considerado por muitos historiadores como uma declaração formal de abertura da Guerra Fria. Quais elementos no texto podem sustentar esta interpretação? 124

19 História Unidade 3 A fim de evitar as atrocidades cometidas ao longo da 2 a Guerra Mundial e de tentar promover a construção de um mundo mais justo e democrático para todos os povos, os países-membros da Organização das Nações Unidas envolveram-se em um debate com o objetivo de construir parâmetros para mediar a relação entre os governos de todas as nações e destes com seus cidadãos. Liderados pelos Estados Unidos e pela União Soviética, e sob sua influência, os representantes de diversas nações se organizaram para a criação da Declaração Universal dos Direitos Humanos, na perspectiva de que seja garantido a todas as pessoas do mundo o acesso a certos direitos. Essa declaração terminou por combinar as orientações ideológicas do bloco liberal-capitalista (direitos civis e políticos) com as do bloco socialista (direitos econômicos e sociais). Essa Declaração tornou-se muito importante como marco e referência para a construção de muitas Constituições nacionais (inclusive a última Constituição brasileira, de 1988) e para estabelecer parâmetros internacionais em relação à organização de várias esferas da vida, construídos por órgãos internacionais como a Organização Internacional do Trabalho (OIT), em relação ao trabalho; a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), em relação à educação; a Organização Mundial da Saúde (OMS), em relação à saúde; etc. Para conhecer seus artigos na íntegra, acesse o site da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão: < institucional/encontros-nacionais-dos-procuradores-dos-direitos-do-cidadao-enpdc/xiv_ encontro-nacional/descarte/bibliografia-basica/programa-nacional-de-direitos-humanos/ Declaracao_Universal_dos_DH.pdf>. (Acesso em: 12 dez ) Você estudou Cerca de 20 anos após o final da 1 a Guerra, eclodiu um novo confronto mundial. Dessa vez, a destruição causada foi ainda maior e o seu alcance geográfico, mais amplo. As causas da guerra são diversas e incluem: tensões imperialistas não resolvidas na 1 a Guerra Mundial; ambições expansionistas da Alemanha, do Japão e da Itália, países de desenvolvimento capitalista relativamente tardio; e a intenção de sufocar a União Soviética, exemplo incômodo de berço da revolução dos trabalhadores. Apesar dos sinais de que uma guerra estava para acontecer, as potências liberais praticaram uma política de apaziguamento, enquanto a União Soviética assinava um pacto de não agressão 125

20 História Unidade 3 com os nazistas. Mas, quando os alemães atacaram a Polônia em 1939, França e Inglaterra declararam guerra à Alemanha. Depois de dominar a Europa Ocidental continental em poucos meses, as tropas alemãs se deslocaram na direção do que se converteria no principal palco da guerra, a União Soviética, cuja resistência desequilibraria a balança do conflito. O papel decisivo dos soviéticos na vitória sobre o nazismo e o fascismo foi reconhecido, inclusive, por muitos contemporâneos. Enquanto o Exército Vermelho pressionava os alemães de volta para o seu território, os Estados Unidos enfrentavam o Japão na Ásia e comandavam o desembarque dos Aliados na Europa Ocidental em junho de 1944, embora a Itália de Mussolini já tivesse sido invadida no ano anterior. No entanto, a aliança que derrotou Hitler se dissolveria logo após a 2 a Guerra. As disputas entre os vencedores dariam início à chamada Guerra Fria, na qual a rivalidade entre Estados Unidos e União Soviética se desenrolava sob a ameaça de um conflito nuclear. Nessa circunstância, os principais confrontos armados da segunda metade do século XX aconteceriam na periferia do capitalismo e seriam marcados pelo antagonismo entre capitalismo e comunismo, que caracterizava a ideologia da Guerra Fria. Pense sobre Conta-se que Albert Einstein ( ), um dos mais brilhantes cientistas do século XX, foi questionado por um jornalista a respeito de que armas seriam usadas em uma 3 a Guerra Mundial. Pacifista que era, teria respondido que não sabia como seria lutada essa guerra, mas que na 4 a Guerra seriam usadas somente pedras. Fonte: Interview. Liberal Judaism, Apr.-May Apud SHAPIRO, F. (Ed.). The Yale Book of Quotations. New Haven; London: Yale University Press, 2006, p

21 4 Revolução e Contrarrevolução no mundo da Guerra Fria Na Unidade anterior, você viu que a 2 a Guerra Mundial foi um conflito devastador: nunca antes uma guerra tinha atingido tantos pontos do planeta ao mesmo tempo, nem causado tantas mortes, entre militares e civis. Ainda assim, foi discutido que, embora nada de iguais proporções tenha acontecido desde então, o final do conflito não anunciou uma época de paz. Por exemplo, as explosões das bombas atômicas no Japão, ao final da 2 a Guerra, foram interpretadas por muitos como um gesto intimidatório dos Estados Unidos para com a União Soviética. Assim, em pouco tempo, a aliança dos dois países contra o nazismo e o fascismo se desfez, e a rivalidade entre os defensores do capitalismo e os adeptos do regime soviético polarizou o mundo. Tinha início a Guerra Fria, que ficou assim conhecida por não ter sido um embate bélico direto entre essas superpotências mundiais. Na presente Unidade você verá como a Guerra Fria foi bastante quente. Na realidade, o mundo continuou vivendo uma intensa violência, agora expandida da Europa para os demais continentes. Você discutirá, inicialmente, os movimentos de descolonização na Ásia e na África para, depois, ver como a Guerra Fria justificou golpes de Estado e o estabelecimento de ditaduras em países da América Latina. Para iniciar... Em um século de tantas transformações, o final da 2 a Guerra e o início da Guerra Fria configurou um novo cenário mundial que estava longe de poder ser chamado de pacífico, conforme você estudou na Unidade anterior. Converse com seus colegas e professor. Em sua opinião, como essa nova configuração política do mundo influenciou os acontecimentos em todos os continentes e, em especial, na América Latina? E no Brasil? Apesar de novas potências mundiais, os Estados Unidos e a União Soviética não tinham colônias como as antigas potências (como a Inglaterra). Você diria que, na Guerra Fria, esses países possuíam outras formas de garantir sua hegemonia sem a dominação direta de colônias? Quais? 127

22 História Unidade 4 Os conflitos no contexto da Guerra Fria A Guerra Fria não se limitou às palavras. Ao contrário, a segunda metade do século XX foi marcada por conflitos violentos em várias partes do mundo, principalmente em continentes periféricos no quadro do desenvolvimento econômico mundial: África, Ásia e América Latina. Ocorreram, portanto, fora do território dos Estados Unidos e da União Soviética, como também distantes dos principais centros do capitalismo europeu que haviam protagonizado as duas guerras mundiais. A violência inerente à rivalidade entre Estados Unidos e União Soviética, que muitas vezes representava uma disputa entre capitalismo e socialismo, influenciou a política em outros países, em conflitos nos quais estas potências frequentemente intervieram. A descolonização na Ásia Com o início da 2 a Guerra Mundial, os japoneses decidiram aproveitar-se da posição vulnerável das potências coloniais europeias encurraladas pela Alemanha nazista e invadiram diversos territórios nas regiões vizinhas, alguns deles controlados pela França e pela Inglaterra. Nessa época, o Japão ampliou também seu domínio na China, o que já vinha fazendo desde o século XIX. Insular Território que é uma ilha ou um conjunto de ilhas. Nipônico Japonês. Você sabia que em alguns países da Europa também houve revoluções no final da 2 a Guerra Mundial? A maioria delas foi derrotada pela intervenção dos Estados Unidos e da Inglaterra, como, por exemplo, na Grécia. No entanto, na vizinha Iugoslávia, a revolução triunfou. Liderado pelo marechal Tito, esse país realizou uma experiência socialista diferente da soviética durante várias décadas. Em decorrência de seu acelerado desenvolvimento como país capitalista, iniciado no final do século XIX, o Japão desejava superar as limitações geográficas de seu território insular e expandir-se em direção aos territórios vizinhos. Foi inclusive em função dessa expansão nipônica que os Estados Unidos, também interessados em exercer sua hegemonia no Pacífico, entraram na 2 a Guerra. Com a derrota japonesa no confronto, emergiram movimentos nacionalistas vigorosos em regiões da Ásia afetadas pela guerra, em alguns casos mesclados a ideários sociais revolucionários, sob influência da União Soviética. Em uma conjuntura em que as potências coloniais europeias estavam enfraquecidas, esses movimentos triunfaram em várias situações, embora sempre ao custo de muita luta, uma vez que era de interesse dos Estados Unidos manter esses países capitalistas. Os casos da China, Índia e Vietnã são bons exemplos para ilustrar as ações das duas superpotências nesse continente. China Depois da Revolução Russa, houve outra revolução conduzida por comunistas em um grande país, logo após a 2 a Gerra Mundial. Foi a Revolução Chinesa, liderada por Mao Tsé-tung ( ). Ela representou o triunfo final dos comunistas no país, em A China vinha de um processo revolucionário que derrubou seu império milenar e o último imperador dinástico, em 1912, e em seu lugar 128

23 História Unidade 4 instituiu a república. No entanto, durante esse período, o país foi invadido pelo Japão, o que forçou uma aliança entre o partido do governo (capitalista) e o partido comunista, que dominavam diferentes regiões do país. A resistência conduzida pelos chineses comunistas na zona rural foi decisiva para consolidar a liderança política e militar do partido. No entanto, também como no caso russo, os comunistas tiveram de derrotar militarmente os contrarrevolucionários chineses apoiados pelos Estados Unidos ao longo de uma guerra civil. Fontes: compilação a partir de Georges DUBY, Atlas historique mondial, Paris, Larousse, 1987; Putzger, Historischer Weltatlas. Berlim, Cornelsen, 1992; Jean SELLIER, Atlas des peuples d Asie méridionale et orientale, Paris, La Découverte, Atelier de Cartographie de Sciences Po. Disponível em: < Acesso em: 19 dez Tradução: Renée Zicman. 129

24 História Unidade 4 Fica a dica Gandhi (Gandhi, direção de Richard Attenborough, 1982). Esse filme ajuda a conhecer mais sobre a vida e a atuação política de Ghandi, um dos líderes mais importantes da história recente, durante o processo de independência da Índia. Índia Na Índia, o movimento pela libertação do colonialismo inglês tornou-se mundialmente famoso por meio da atuação de Mohandas Karamchand Gandhi, conhecido simplesmente como Gandhi ( ). Inspirado por um ideário que mesclava aspectos da religião hindu à desobediência civil como forma de luta, a atuação de Gandhi combinou resistência cultural e crítica econômica da dominação inglesa. Como uma ilustração de suas ideias, Gandhi tecia as próprias vestimentas que usava. Esse gesto significava uma defesa das roupas e costumes tradicionais da Índia, ao mesmo tempo que se convertia em um protesto contra as indústrias têxteis inglesas, que deixavam milhares de tecelões indianos sem trabalho. Embora Gandhi pregasse a não violência como forma de resistência, os nacionalistas indianos foram brutalmente reprimidos pelo governo colonial, e seu líder esteve encarcerado inúmeras vezes. Após décadas de luta, a Inglaterra foi obrigada a abrir mão do território indiano, resultado do seu enfraquecimento como potência mundial e da consequente dificuldade em manter sua dominação no extenso território indiano. Bridgeman Art/Keystone Gandhi tecendo a própria roupa 130

25 História Unidade 4 Vietnã Assim como na China, a resistência vietnamita à invasão japonesa durante a 2 a Guerra Mundial foi conduzida pelos comunistas. Quando a guerra terminou, eles declararam a independência do país, que era colônia francesa. Apesar das dificuldades internas que enfrentava, a França não cedeu ao movimento nacionalista. Pelo contrário, assim como fariam no norte da África, os franceses desencadearam uma cruenta guerra civil que se estendeu até 1954, quando foram vencidos. Após a derrota da França, estabeleceu-se uma divisão do país, segundo a qual o Norte ficou sob o governo dos comunistas e o Sul, chefiado por um impopular imperador, sustentado pelos Estados Unidos. Ante o crescimento do movimento de guerrilha, apoiado pelos vietnamitas do Norte, o governo dos Estados Unidos decidiu intervir maciçamente no Vietnã, provocando um dos conflitos antiimperialistas mais sangrentos do século. Após enfrentarem durante anos a irredutível resistência dos vietnamitas, somada à impopularidade nacional e internacional da guerra, os Estados Unidos retiraram-se do país em 1975, assumindo, portanto, sua derrota no confronto. Como resultado de quase trinta anos enfrentando a França e os Estados Unidos, o Vietnã tornava-se, enfim, um país soberano. Bettmann/Corbis/Latinstock Fica a dica Apocalypse Now (Apocalypse Now, direção de Francis Ford Coppola, 1979). Há diversos filmes produzidos por Hollywood que se referem à Guerra do Vietnã. Muitos deles estão marcados pelo discurso anticomunista característico da Guerra Fria, mostrando os vietnamitas como inimigos desumanos e os soldados americanos como heróis. Evidentemente, essa não é a versão vietnamita da história e nem daqueles que se opunham à intervenção dos Estados Unidos no país. Nesse sentido, esse filme é um dos exemplos de discussão crítica da guerra feita pelos próprios estadunidenses. Platoon (Platoon, direção de Oliver Stone, 1986). O filme é outra amostra do pensamento crítico estadunidense a respeito da guerra no Vietnã. Crianças vietnamitas fugindo em pânico de ataque aéreo com napalm (arma química inflamável) a seu povoado, em

26 História Unidade 4 Atividade 1 Os processos de independência na Ásia 1. Leia o diálogo a seguir e responda à questão proposta. Diálogo entre um jornalista francês e o líder vietnamita Ho Chi Minh James de Coquet: [...] A questão que se coloca é: Seu povo é politicamente maduro para se autogovernar? Ho Chi Minh: Se um aluno ficar quarenta anos com o mesmo professor, se depois desse tempo todo ele não aprender nada, quem vai ser acusado pela ignorância, o aluno ou o professor? [...] Não queremos romper com a França. Também não queremos pagar com a nossa liberdade as vantagens de sua civilização. Não queremos mais ser oprimidos. [...] Nossa decisão é inabalável: queremos a nossa independência. [...] Não queremos ser integrados pela força na órbita da França. O reconhecimento da nossa independência em primeiro lugar, depois seria mais fácil elaborar um estatuto de entendimento [...]. SERRANO, Carlos, MUNANGA, Kabengele. A revolta dos colonizados: o processo de descolonização e as independências da África e da Ásia. São Paulo: Atual, 1995, p. 19. Qual é o argumento do líder Ho Chi Minh para defender que seu povo é politicamente maduro para se autogovernar? 2. Em grupos, estabeleçam semelhanças e diferenças entre os processos de independência dos países estudados (Índia, China e Vietnã), considerando também os principais fatores que levaram à independência desses países. Para isso, retomem o que vocês estudaram sobre a descolonização da Ásia após a 2 a Guerra Mundial e tenham em mente o diálogo lido. 132

27 História Unidade 4 A descolonização na África Se o movimento de descolonização asiático decolou logo após a 2 a Guerra Mundial, a África seguiria o seu rastro pouco tempo depois. Na Conferência Afro-asiática de Bandung, realizada na Indonésia em 1955, com a participação de chefes de 29 Estados desses continentes, foi dado um importante impulso para esse processo. O objetivo desse encontro foi promover a cooperação dos países participantes como alternativa à hegemonia dos Estados Unidos ou da União Soviética no contexto da Guerra Fria. Em uma atitude pioneira, a conferência afirmou que o imperialismo e o racismo eram crimes, propondo a criação de um Tribunal da Descolonização para julgar os responsáveis pelas políticas imperialistas, interpretadas como crimes contra a humanidade. Também foram lançados os princípios da política de não alinhamento, que propunham defender uma posição de neutralidade dos países participantes da conferência em relação às superpotências. Posteriormente, Bandung recebeu a adesão de países de outros continentes, como Iugoslávia e Cuba, representando uma consciência generalizada do chamado Terceiro Mundo sobre as relações de dominação entre os países industrializados e os países exportadores de produtos primários. A luta pela independência na África começaria pelos países do Norte do continente, uma região onde predominam a língua árabe e a religião muçulmana. O primeiro processo de libertação ocorreu na Tunísia, em O movimento anticolonial espalhou-se, em seguida, pela África Subsaariana. Ao longo dos anos 1960, mais de 30 países africanos conquistaram sua independência. Em muitos casos, alguns elementos presentes no conjunto das lutas anticoloniais na África também se observavam na Ásia, a saber: o declínio das potências colonizadoras europeias e a ascensão dos Estados Unidos; as tensões ideológicas, políticas e militares características da Guerra Fria; Terceiro Mundo Originalmente, o termo referia-se aos países que adotaram uma posição neutra na Guerra Fria e que deveriam se unir para revolucionar o mundo, assim como o Terceiro Estado havia feito na Revolução Francesa, quando os estratos desprivilegiados daquela sociedade se uniram. No entanto, o termo foi popularizado como uma referência aos países dependentes e subordinados ao capitalismo central. De acordo com essa visão, os países capitalistas industrializados integrariam o chamado Primeiro Mundo, e os socialistas industrializados comporiam o Segundo Mundo. África Subsaariana Parte da África ao sul do Deserto do Saara, em que predomina a população negra, em contraste com o norte do continente, banhado pelo Mar Mediterrâneo e de maioria branca. uma aproximação frequente entre nacionalismo e socialismo; a dificuldade em converter a independência política em genuína soberania. 133