I SIMPÓSIO EM RELAÇÕES INTERNACIONAIS do PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM RELAÇÕES INTERNACIONAIS SAN TIAGO DANTAS (UNESP, UNICAMP e PUC-SP)

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1 COMPARANDO POLÍTICAS EXTERNAS: O CASO DA POLÍTICA INTERNACIONAL DO BRASIL E DA ARGENTINA DE 1976 A Tomaz Espósito Neto 2 Introdução Entre o final da década de 70 e início da década de 80, diversos fatos marcaram a história política e econômica da América do Sul, entre eles destaca-se, entre outros: O Segundo Choque do Petróleo (1979); A Guerra das Falklands / Malvinas (1982); A Crise da Dívida (1982). Alguns desses acontecimentos levaram ao esgotamento de uma concepção de Estado Nacional Desenvolvimentista (BRESSER PEREIRA 1993, CERVO 2001). Diante dessa conjuntura internacional adversa, que erodiu parcialmente a previsibilidade e a ordem nas relações internacionais na América do Sul (LAFER, 1982), os países sul-americanos adotaram estratégias diversas para responder aos desafios internacionais que se apresentaram nesse período. Em face destes acontecimentos, o presente trabalho tem como escopo principal apresentar uma análise panorâmica e comparativa das políticas exteriores do Brasil e da Argentina, permitindo uma verificação sobre as origens e resultados das escolhas dos dois países frente a esta conjuntura internacional. As variáveis analisadas neste trabalho são: As relações do Brasil e Argentina com os Estados Unidos; Os contatos entre Itamaraty e o Palácio de San Martín com os países do Cone Sul. Apresenta ainda as relações do Brasil e Argentina com os Estados da Europa, em especial com do bloco europeu e do Leste europeu. O método comparativo foi adotado nesta pesquisa, pois o mesmo permite a análise das atuações das forças e dos constrangimentos internacionais, bem como a 1 Este trabalho é um primeiro esboço sobre o estudo da política internacional comparada entre Brasil e Argentina. 2 Doutorando em Ciências Sociais pela PUC-SP, mestre em História pela PUC-SP e Bacharel em Relações Internacionais pela PUC-SP. Atualmente, trabalha como professor no Centro Universitário Fundação Santo André. O orientador da pesquisa de Doutorado do autor é o Professor Doutor Oliveiros S. Ferreira. O do autor é tomazesposito@hotmail.com

2 ação dos atores domésticos que tornaram viáveis uma resposta específica em face aos desafios de uma circunstância internacional dada, o que possibilita a identificação das diversas manifestações causais das ações políticas nas relações internacionais (COLEMAN, 1986, p ). Este texto foi constituído por meio de uma revisão bibliográfica sobre o tema. A escolha do recorte temporal (1976 a 1983) deve-se ao período de vigência do regime militar argentino, iniciado pelo golpe de Estado de 1976, e encerrado com a eleição do Presidente Alfonsín em Não obstante, esta época, coincide, também, com o processo de abertura política no Brasil. Há de se destacar que nesse espaço de tempo, o Brasil e a Argentina optaram por estratégias distintas de inserção internacional, tendo o Palácio do Planalto optado por palmilhar uma via mais autônoma em relação aos Estados Unidos, enquanto a Casa Rosada decidido por uma aproximação política e ideológica com Washington. Como era de se esperar, as duas inserções internacionais obtiveram resultados diferentes. O presente artigo organiza-se em quatro grandes segmentos: O primeiro apresenta a política externa do regime militar argentino. Logo após, introduz a diplomacia brasileira da época. A terceira parte do trabalho é dedicada ao estudo comparado das duas políticas externas. Por fim, o artigo apresenta considerações finais. A Política Externa do Regime Militar Argentino ( ) Em 1976, uma Junta Militar derrubou a Chefe de Estado, Isabelita Perón, e instalou um governo autocrático, iniciando o que se denominou de Processo de Reorganização Nacional, com a intenção de impor, a partir da dominação dos instrumentos burocráticos do Estado, uma reestruturação forçada da sociedade e economia argentina. (FAUSTO & DEVOTO, 2004; MONETA, 1986; CAMARGO, 1986). A ausência de atividade política normal e canais para expressar qualquer dissensão criaram para o regime um sentido de independência que levou a Junta a dar rédeas a seus grandes planos geopolíticos sem inibições confrontadas pelos regimes democráticos.... (TULCHIN,1986. p. 184) Embora, no período de 1976 a 1983, a presidência argentina tivesse sido ocupada por 5 (cinco) diferentes generais: Videla ( ), Viola ( ),

3 Galtieri ( ) e Bignone ( ), essa alternância de pessoas no poder não significou grandes mudanças na política externa argentina, pois as decisões eram tomadas pela Junta Militar, composta por um representante de cada Arma, deliberando pelo consenso sobre as decisões de Estado. Este processo decisório ficou conhecido como veto compartilhado (TULCHIN, 1986). De um lado, internamente, o regime assentava-se sob o apoio de alguns setores agro-exportadores, financeiros e da igreja católica argentina. Por outro, além da exclusão dos adversários e de outras concepções de mundo da arena política interna, outro aspecto dessa ditadura foi a ampla violação das liberdades e dos direitos civis, com o amplo uso da tortura e do assassinato de opositores ao regime militar (O DONNELL, 1982, p. 10). Na arena econômica, as autoridades argentinas iniciaram uma política de corte liberal, a qual privilegiava os setores primários em detrimento de setores industriais e não dinâmicos. Não obstante, reduziram-se os investimentos na área social, como saúde e educação. Observa-se, ainda, um expressivo aumento nos investimentos em aquisição de material bélico para as forças armadas (TULCHIN,1986,p.189). Um dos objetivos dessas ações era reduzir a força peronista dentro dos sindicatos e das associações políticas. Os resultados dessa política econômica não foram positivos, tendo efeitos negativos sobre o PIB argentino. Nas relações internacionais, os militares argentinos, relegaram a experiência peronista da Terceira Posição, em favor da reedição do projeto pré-peronista de inserção subordinada à principal potência do Ocidente, os Estados Unidos. Uma das faces dessa política foi o envio de militares argentinos para a América Central para auxiliar as tropas norte-americanas no combate aos movimentos considerados subversivos pelo Departamento de Estado dos Estados Unidos. Cabe aqui, contudo, uma ressalva nessa política de aproximação entre a Casa Branca e a Casa Rosada. As autoridades argentinas contrariavam os interesses de Washington em assuntos pontuais, porém vitais para economia da Argentina, como, por exemplo, a não participação da Argentina no bloqueio de cereais à União Soviética (VARAS, 1986).

4 As autoridades argentinas percebiam a construção da relação especial com Washington como algo vital, pois o apoio norte-americano seria determinante na resolução das controvérsias territoriais e políticas entre a Argentina e os seus vizinhos (CHILD, 1987, p. 498 & MONEDA, 1986). Ao longo da história, os estados da Europa Ocidental, em especial a Grã Bretanha, foram relevantes nas relações exteriores argentinas, pois os Estados europeus eram grandes parceiros econômicos e comerciais da Argentina. Além de serem grandes fornecedores de armas para as forças armadas argentinas. Contudo, no final da década de 70 e início dos anos 80, decrescia a influência européia devido às mudanças nas estruturas do poder internacional (a ascensão da URSS e dos Estados Unidos como superpotência, a nova divisão internacional do trabalho, entre outros), ocorridas pós Segunda Grande Guerra Mundial. Neste período, a Argentina manteve relações tensas com alguns dos principais países da América do Sul, como Brasil e Chile, em virtude de problemas relacionados a visões sobre o equilíbrio de poder na região do Rio da Prata, como a problemática de Itaipu Corpus, e as disputas territoriais, como por exemplo, a Guerra das Falklands/Malvinas (1982) e a questão de Beagle (1979) (MELLO, 1996). Em alguns desses momentos, a diplomacia argentina seguiu, ou ameaçou seguir, pela via armada para resolver os problemas com outros países, como, por exemplo, o caso de Beagle (1979) e a Guerra das Falklands/Malvinas (1982). O caso de Beagle, refere-se a um problema de fronteira entre Chile e Argentina, no que tange à soberania de três ilhas (Lenox, Picton e Nueva) e sob o controle do Canal de Beagle. A fronteira entre os dois países já havia sido delimitada pelos acordos de 1881 e 1893 (VÁRIOS, 2002). Em 1904, Buenos Aires solicitou a Santiago uma revisão dos tratados, sob alegação de problemas cartográficos, os quais influíram na negociação anterior. O Chile recusou a manobra argentina e colonizou a região, sob fortes protestos da chancelaria argentina. Esse tema voltou à baila nos fins da década de 1970, quando ambos os países solicitaram a mediação da Grã Bretanha para colocar um ponto final na questão. Em 1977, Londres deu um parecer favorável à posição chilena. No entanto, a Casa Rosada não reconheceu a decisão arbitral.

5 Em 1978, tanto o Chile da ditadura de Pinochet e a Argentina sob o comando do regime autoritário de Videla endureceram as suas posições, ocorrendo graves incidentes na fronteira entre os dois países. Por interferência direta do Papa João Paulo II, os dois países retornaram a mesa de negociações, o que evitou o conflito. Infelizmente, o litígio anglo-argentino sobre o arquipélago das Falklands/Malvinas desembocou em uma guerra de média intensidade, que ocasionou a morte de centenas de mortos e outras centenas de feridos. A soberania das ilhas Falklands/Malvinas constituiu uma disputa entre os dois países (Argentina e Reino Unido) desde 1833, data da invasão britânica às ilhas. Desde então, o assunto foi pauta de longas e infrutíferas discussões nos corredores diplomáticos dos dois países. Ademais, o tema foi tratado na Comissão Sobre Descolonização das Organizações das Nações Unidas, sem, entretanto, chegar a um acordo entre os dois países (SOUZA,1988). Quase ninguém acreditava piamente que países com uma tradição de boas relações como a Grã Bretanha e a Argentina pudessem entrar em choque armado por este arquipélago. Contudo, em 1982, a situação alterou-se com a ascensão do General Galtieri à Presidência argentina, o qual foi um interprete de um grande número de militares das três forças que desejavam uma heróica redenção (O`DONNELL, 1982, p.13) dos seus erros e pecados políticos e econômicos através da vitória sobre um inimigo externo relativo a uma causa nacional, como o das ilhas Falklands/Malvinas, o que permitiria uma sobrevida política maior aos militares argentinos. Em 02 de abril de 1982, milhares de soldados argentinos desembarcaram e conquistaram com relativa facilidade o arquipélago das Falklands/Malvinas, o que surpreendeu o mundo e demonstrou uma grande falha da inteligência do Reino Unido, a qual não soube interpretar os dados recebidos(keegan,2006). Os militares argentinos, por sua vez, cometeram o erro de subestimar a força e a determinação das Armas britânicas para reconquistar o arquipélago das Falklands/Malvinas. Assim, poucos dias após a notícia da deflagração da guerra anglo - argentina, a Primeira ministra Margareth Thatcher organizou uma força tarefa que, depois de 74 dias de combates, venceu de forma convincente as tropas argentinas e estendeu, novamente, a bandeira da Union Jack sobre o território em disputa.

6 Uma das conseqüências dessa diplomacia de canhoneiras, empregadas pela Casa Rosada, foi o enfraquecimento das relações políticas e econômicas entre a Argentina e as principais potências do Ocidente. Além do mais, a combalida economia argentina se enfraqueceu ainda mais com a crise financeira de No âmbito das relações multilaterais, a Argentina era observada como paria pelos outros países, em razão da não observância dos princípios e das normas do direito internacional, que regem as formas das relações interestatais. Não obstante, a erosão das bases de apoio políticas e sociais do regime militar, ocasionadas pela violenta repressão, pela crise econômica, e pela desastrosa condução da política externa, precipitaram uma rápida transição para o regime democrático, com a eleição de Raul Alfonsín para presidência da Argentina.... Um das conseqüências crítica da guerra foi o golpe mortal desfechado contra o regime militar e a pressão inexorável sobre os militares no sentido de que restituíssem o governo aos civis... (Tulchin. 1986, p. 617). A política exterior brasileira ( ). O recorte temporal trabalhado neste artigo abrange os governos dos presidentes Geisel ( ) e Figueiredo ( ). A bibliografia apresenta esse período como de grandes aspectos de continuidades entre os dois governos. Na condução das relações exteriores brasileiras não foi diferente. Nesta época, o Brasil vivia o processo de redemocratização lenta, gradual e segura, iniciada pelo Presidente Geisel. Os diversos grupos da sociedade civil pressionavam pelo aumento da participação política no âmbito do Estado, entretanto, os militares influenciavam no processo na intenção de evitar o revanchismo das oposições. (SKIDMORE,2000). Na arena econômica, a fase inaugurada pelo II PND (Plano Nacional de Desenvolvimento), a qual contava com uma parcela de grande presença do Estado na economia, já demonstrava sinais de esgotamento em razão de choques externos (choques do Petróleo de 1973 e 1979; Aumento das taxas de juros dos principais países capitalistas, incremento das barreiras comerciais, entre outros). Em 1982, A situação

7 econômica era tão grave que o Brasil teve de declarar moratória, iniciando um longo período de crise econômica. No que tange à política internacional, o Governo Geisel, com Azeredo da Silveira na frente do Ministério das Relações Exteriores, iniciou um período chamado de Pragmatismo Responsável, que implicava numa inserção internacional mais autônoma frente aos Estados Unidos, o que levou a tomada de medidas controversas, como o rompimento do Acordo Militar Brasil e Estados Unidos, o aumento do investimento na política nuclear brasileira, entre outros. (LIMA & MOURA,1996). A administração do presidente Figueiredo, que teve como chanceler o ministro Ramiro Saraiva Guerreiro, foi em grande medida uma continuidade da política internacional do projeto iniciado pelo governo Geisel. Muito dessa continuidade se deveu aos dois diplomatas pertencentes ao mesmo grupo político, chamado pelo embaixador Roberto Campos de igrejinha (CAMPOS, 1994). Outro aspecto dessa política foi à busca de novas parcerias para diminuir a dependência brasileira de Washington. Dentre elas, destacam-se a relação entre o Brasil e a Alemanha Ocidental e entre Brasília e Tóquio. O governo brasileiro buscava fontes de investimento e de financiamento alternativos, além de tecnologias necessárias para superar algumas das barreiras para o aumento da economia do Brasil. Por outro lado, percebe-se uma aproximação diplomática e econômica entre o Itamaraty e as chancelarias latino-americanas e os ministérios dos Estados recém descolonizados da África e da Ásia. O grupo dirigente percebia nesses Estados como potenciais mercados para os produtos manufaturados produzidos pelo parque industrial brasileiro. Havia, também, a idéia de reformar as instituições internacionais a fim de permitir ao Brasil um papel mais relevante no sistema internacional, mais coerente com a realidade da época, visto a emergência do Japão, da Alemanha e dos NIC (New Industrialized Countries). Além do mais, o governo brasileiro reiterava a importância de seguir as normas e os princípios do direito internacional, devido à percepção das autoridades de que o Brasil não possuía excedentes de poder. (GUERREIRO, 1992) Assim, o Brasil percebia-se como um país ponte, que seria o interlocutor entre os países do Terceiro Mundo e as grandes potências do Ocidente. (LAFER,198x)

8 O processo decisório da política internacional, segundo Pinheiro, dava-se no Executivo, com maior ou menor papel do Presidente da República, conforme a situação e o período, tendo o Conselho de Segurança Nacional e o Itamaraty grande influência no processo decisório dos rumos da inserção internacional brasileira. (PINHEIRO,2000) Destaca-se o insulamento burocrático do Ministério das Relações Exteriores frente à sociedade (CHEIBUB,1985; BARROS, 1986). Ademais, conforme Almeida, embora houvesse um período de abertura de espaços para a participação política, o debate sobre os assuntos ligados as relações internacionais estavam ausentes nos ciclo de partidários (ALMEIDA,2004). A relação entre Brasília e Washington se estremeceu muito nesse período. A causa desse abalo foi à idéia presente nos governos militares de tornar o Brasil uma grande potência, com uma grande capacidade econômica, tecnológica e militar, tendo, inclusive, o domínio da tecnologia nuclear, o que desagradava às autoridades militares norte-americanas. A África, em especial a África negra, era percebida como uma grande oportunidade política e econômica para o Brasil, com possibilidades das empresas brasileiras ocuparem espaços importantes na área de produtos manufaturados. Por isso, a diplomacia brasileira seguiu uma estratégia própria com grande independência, em relação às potências ocidentais. Contudo, a ausência de moeda forte nas reservas dos países africanos, a concorrência entre os produtos agrícolas brasileiros e as commodities primárias africanas nos principais mercados do mundo e a falta de recursos do governo brasileiro em financiar projetos na África evitaram uma maior efetividade da ação do Brasil. Também, se nota um incremento nas relações comerciais entre Brasil e os Países do Pacífico, em especial o Japão, e os Estados do bloco marxista. Assim, o governo brasileiro buscou encontrar outras fontes de financiamento, novos mercados aos produtos brasileiros e obter acesso às novas tecnologias. As trocas comerciais entre o Brasil e os países do bloco socialista, os quais eram liderados pela URRS, eram feitas a base do escambo, o que limitou a quantidade e a qualidade do intercambio comercial, embora, o Brasil e esses Estados possuíssem economias, em muitos aspectos, complementares.

9 A América Latina desempenhava um papel importante para a diplomacia brasileira, pois era vista com um outro mercado potencial para os produtos brasileiros. Além de ser o campo privilegiado para a ação brasileira visto a proximidade territorial e similitude cultural. Percebe-se nesse período um aumento nos contatos entre o Itamaraty e as demais chancelarias, que se refletiu no incremento no número de acordos de cooperação celebrados e ratificados, como, por exemplo, a ALADI (1980), o Tratado de Cooperação Amazônica (1979), entre outros. Na década de 70, a política latino-americana brasileira, entretanto, enfrentava uma forte oposição da Argentina, que se sentia ameaçada com rompimento do equilíbrio de poder na região. (ESPÓSITO, 2006; BARRETO, 2006). Os laços entre a Casa Rosada e o Palácio do Planalto também estavam enfraquecidos por causa do litígio sobre o equacionamento da questão do aproveitamento hidroelétrico na Bacia do Rio da Prata, em especial sobre Itaipu Corpus. O problema de Itaipu Corpus nasceu de uma questão de fronteiras entre Brasil e Paraguai na região entre as Sete Quedas e a Serra de Maracaju (PEREIRA,1974), a qual segundo uma re-interpretação de Assunção, que ocorreu sob o governo de Stroessner, do tratado de Conforme as tensões cresciam, o então embaixador brasileiro, Gibson Barboza, teve a idéia de submergir o terreno em litígio, com a construção de uma hidroelétrica na região de Sete Quedas, cujo reservatório varreria do mapa a área em disputa. (BARBOZA, 1992, p. 89). Assim, em 1973, o Tratado de Itaipu foi assinado pelos Chefes de Estados de ambos os países. Vislumbrava-se, do lado brasileiro, com a construção de Itaipu, o encerramento da questão da fronteira, o aumento da influência brasileira no Paraguai e, por fim, a garantia de um suprimento de energia capaz de atender ao aumento da demanda, ocasionado pelo milagre econômico. Os burocratas brasileiros, entretanto, não observaram, ou não quiseram observar, com a construção de Itaipu, poderia deixar uma grande parte do suprimento energético brasileiro ficariam nas mãos das autoridades de um Estado tradicionalmente instável politicamente. Além do mais, a forma definição dos preços pagos pela energia, geradas pela hidroelétrica binacional, gera constantes atritos entre as autoridades brasileiras e paraguaias.

10 Do lado paraguaio, a influência da Argentina ficaria limitada no que tange nos assuntos internos do Paraguai. Não obstante, imaginou-se que se criaria um novo pulmão econômico para a sociedade paraguaia. Anunciada as intenções paraguaias brasileiras para a construção de Itaipu, as autoridades de Buenos Aires iniciaram uma forte oposição ao projeto com vistas a impedir a concretização da cooperação entre Assunção e Brasília, pois, na visão de alguns estrategistas argentinos, Itaipu romperia completamente o equilíbrio de poder na América do Sul, e iniciaria um período de preponderância e/ou hegemonia brasileira na região (SANTOS,1987). O anúncio argentino e paraguaio sobre a construção de Corpus, a jusante de Itaipu, veio a levantar mais problemas sobre as relações entre Brasil e Argentina, pois suscitava a necessidade da compatibilização técnica dos dois projetos para ambas hidrelétricas serem economicamente viáveis, algo que se demonstrou algo extremamente difícil. O Palácio de San Martín lançou uma ofensiva diplomática nos fóruns multilaterais para estabelecer o princípio da consulta prévia como norma do direito internacional, e, assim, obrigar o governo brasileiro a ter de submeter o projeto de Itaipu para às autoridades argentinas, que eram contrárias a construção da represa. Em ultima instância, a proposição argentina daria o poder de voz e de veto para os burocratas de Buenos Aires sobre todas as obras hidroelétricas na região da Bacia do Rio da Prata. Por sua vez, o Presidente Geisel preferiu romper a cordialidade oficial com as autoridades argentinas, tentando negociar o assunto por meio de uma posição de força e diretamente com os países envolvidos (SPEKTOR, 2002). Após longas e tensas negociações, somente em 1979, na gestão Figueiredo, quando a represa estava em processo avançado de construção, o problema foi equacionado pelo Tratado Tripartite, firmado pelas autoridades argentinas, brasileiras e paraguaias. Assim, se iniciou um novo estágio na relação entre Brasília e Buenos Aires. Ademais, o apoio brasileiro à Argentina na questão das Falklands/Malvinas consolidou uma nova postura dos dois países nas relações internacionais.

11 A solidariedade brasileira à posição argentina deu-se por meio de apoio político nos organismos multilaterais. Ocorreu, também, na aceitação do Brasil em assumir as responsabilidades de defender os interesses argentinos em Londres, após o rompimento diplomático entre Argentina e Reino Unido pela eclosão do conflito. Na arena econômica, o Brasil auxiliou a Argentina a romper as sanções comerciais impostas por diversos países europeus e pelos Estados Unidos, por meio da realização de operações triangulares de comércio exterior. Por fim, o Brasil vendeu armas às forças armadas argentinas, o que demonstra que, contrariamente, a bibliografia corrente o Brasil não foi neutro (ESPOSITO, 2006). Estudo Comparado de Política Externa Ao se comparar as políticas externas de Brasil e Argentina, no período de , percebem-se algumas diferenças: Em primeiro lugar, destaca-se as duas formas de condução das ações nas relações internacionais. Enquanto o Brasil pregava a obediência ao Direito Internacional e, tentava reformar as instituições multilaterais, e, com isso, a estrutura da Sociedade Internacional. O Brasil, paralelamente, buscava formas de aumentar gradualmente o poder nacional, como a construção de uma indústria bélica nacional. A Argentina, por sua vez, fazia uma política de poder, buscando aumentar o poder militar, através da aquisição de grandes quantidades de armamentos. Ademais, percebe-se pela análise dos fatos (Crise de Beagle, a Guerra das Falklands/Malvinas, entre outros) que a Junta Militar não compartilhava com os valores e os princípios do Direito Internacional, dispondo-se a resolver os problemas pelo uso, ou ameaça do uso, da força. Em segundo lugar, a diplomacia brasileira tentava resolver os litígios com os países lindeiros por meio de negociação e de medidas de integração regional, vide o caso de demarcação da fronteira com o Paraguai, que redundou na construção de Itaipu. Por sua vez, os formuladores de relações internacionais argentinos buscavam negociar os problemas com os Estados vizinhos, a partir de uma posição de força para impor seus interesses, tendo por traz a arma da dissuasão militar.

12 Outra diferença é a forma de inserção econômica internacional. As autoridades de Brasília aspiravam conseguir o máximo de autonomia possível, para tanto, optou-se por realizar parcerias com a Alemanha Ocidental, com países africanos e com os Estados latino-americanos. A diplomacia tinha em vista a conquista de mercados para os manufaturados brasileiros nos países mais pobres. Já com os Estados mais ricos, o Palácio do Planalto buscava obter fontes de financiamento e acesso a tecnologias para diminuir a dependência dos Estados Unidos. Por sua vez, os militares de Buenos Aires procuraram se aproximar do mundo Ocidental, em especial dos Estados Unidos, para obter ganhos por meio de uma dependência consentida, através da captação de recursos e investimentos estatais e do acesso privilegiado aos principais mercados mundiais, tal qual a Argentina havia conseguido com a Grã Bretanha, no final do século XIX e início do século XX. Uma outra diferença foi à maneira que Brasília e Buenos Aires conduziram relações com os Estados sul-americanos, o Itamaraty buscou criar uma rede de acordos com os países vizinhos para solucionar controvérsias e cooperar em temas específicos. Já, o Palácio de San Matín tomou posturas mais duras, menos propícias a solução negociada dos problemas internacionais, tentando negociar a partir de uma posição de força. Em quinto lugar, o retorno para o regime democrático também se deu de forma diferente. Na Argentina, o retorno à democracia se foi precipitada pelo fracasso das Falklands/Malvinas, pelos péssimos resultados alcançados por uma política econômica equivocada e pela repulsa de grande parte da sociedade argentina às políticas de repressão aos opositores do governo. No Brasil, o governo Figueiredo manteve as linhas gerais da transição democrática lenta, gradual e segura, iniciada na administração Geisel. Ambos os governos, entretanto, mantiveram relações corretas com os países europeus do bloco soviético, embora, muitas vezes, ambos os Estados lutassem contra movimentos de esquerda dentro de suas fronteiras. Sublinha-se, ainda, que a crise financeira e econômica no final da de 70 e início de 80 teve efeitos devastadores para as economias latino-americanas, afetando de forma negativa todas as economias da região.

13 Considerações Finais Como era de se esperar, as estratégias brasileiras e argentinas deram resultados diversos. Se por um lado, as conseqüências da política exterior subordinada da Argentina foram desastrosas, trazendo um processo de recessão econômica, com uma forte redução do setor industrial. Mais ainda, a Casa Rosada ficou com a imagem arranhada internacionalmente em razão da guerra das Falklands/Malvinas e das extensivas violações dos direitos civis praticadas pelos aparatos de repressão argentina. Por outro lado, o Brasil, mesmo adotando uma estratégia diversa da Argentina, que primava pela busca da autonomia, não conseguiu manter o sucesso econômico de outros tempos, em razão da dependência brasileira por créditos internacionais para fechar a balança de pagamentos. Observa-se que a conjuntura externa demonstrou que existiam limites claros para estratégia política e econômica internacional brasileira, que não foram devidamente observadas pelas autoridades de Brasília. Ainda assim, ao se comparar as conduções das duas políticas internacionais, nota-se que os resultados da política exterior brasileira foram muito melhores do que a Argentina, tanto em termos econômicos e quanto políticos. Para as relações exteriores argentinas é um período negro, pois, em virtude série de graves erros cometidos, a Argentina, após a Guerra das Falklands/Malvinas, passou ser considerado um quase um paria pelos membros da Sociedade Internacional. Acrescenta-se ainda que a sociedade argentina pagou um enorme ônus econômico, político e social pela estratégia equivocada de seus militares. Foram necessários diversos anos e uma série de atitudes conciliatórias dos governos argentinos, em especial do Presidente Alfonsín, para recuperar parte do prestígio internacional deste país. Por fim, destaca-se que a partir do fracasso das duas estratégias (a autônoma e a subordinada) de políticas internacionais do Brasil e da Argentina permitiram uma maior

14 aproximação entre os estes países, que resultou no processo, em andamento, de construção do Mercado Comum do Cone Sul.

15 Bibliografia Livros: ALMEIDA, Paulo Roberto. Relações Internacionais e política externa do Brasil. Porto Alegre. ed. UFRGS BARROS, Alexandre. A formulação e implementação da política externa brasileira: o Itamaraty e os novos atores. In: MUÑOZ, Heraldo & TULCHIN, Joseph S. A América Latina e a política mundial. São Paulo: Convívio, BARRETO, Fernando de Mello. Os Sucessores do Barão ( ): Relações Exteriores do Brasil.São Paulo. Ed. Paz e Terra BARBOZA, Mario Gibson. Na diplomacia o traço todo da vida. Rio de Janeiro. Editora Record, BULL, Hedley. A Sociedade Anárquica. Editora UnB e IPRI: Brasília, IOSP: São Paulo, CERVO, Amado Luiz. Relações Internacionais da América Latina: velhos e novos paradigmas, Brasília,Instituto Brasileiro de Relações Internacionais (IBRI), CAMPOS, Roberto. Lanterna de Popa. Rio de Janeiro. Edições Top books. COLEMAN, Kenneth M. Comparando políticas externas. In: MUÑOZ, Heraldo & TULCHIN, Joseph S. A América Latina e a política mundial. São Paulo: Convívio, FAUSTO, Boris & DEVOTO, Fernando J. Brasil e Argentina: Um Ensaio de História Comparada ( ).São Paulo, Editora 34, 2004.

16 GUERREIRO, Ramiro Saraiva. Lembranças de um Empregado do Itamaraty. Editora Siciliano: São Paulo, MELLO, Leonel Itaussu Almeida. Argentina e Brasil: a Balança de Poder no Cone Sul. ANNABLUME: São Paulo, MONETA, Carlos J.. O conflito das Malvinas: Análise do Processo de Tomada de Decisões do Regime Militar Argentino. In MUÑOZ, Heraldo e TULCHIN, Joseph S.. A América Latina e a Política Mundial. CONVÍVIO. São Paulo, PEREIRA, Osny Duarte. Itaipu: Prós e Contras. Rio de Janeiro. Editora Paz e Terra PINHEIRO, Letícia.Unidades de decisão e processo de formulação de política externa durante o regime militar, in Jose Augusto Guilhon Albuquerque (org.) Prioridades, atores e políticas Sessenta anos de política externa brasileira , São Paulo: NUPRI/USP, 2000, vol. 4 SKIDMORE, Thomas. Brasil: de Castelo a Tancredo, Editora Paz e Terra S/A: Rio de Janeiro, TULCHIN, Joseph S. Regimes Autoritários e Política Externa.In MUÑOZ, Heraldo e TULCHIN, Joseph S.. A América Latina e a Política Mundial. CONVÍVIO. São Paulo, VARAS, Augusto. A União Soviética e as Relações Internacionais do Cone Sul. In MUÑOZ, Heraldo e TULCHIN, Joseph S.. A América Latina e a Política Mundial. CONVÍVIO. São Paulo, 1986.

17 Dissertações de Mestrado: ESPÒSITO NETO, Tomaz. A Política Externa Brasileira frente ao Conflito das Falklands/Malvinas (1982). São Paulo: PUC- SP, SOUZA, Ielbo Marcus Lobo. A questão das ilhas Falklands/Malvinas: o conflito de 1982 e as repercussões no sistema internacional. (Dissertação de mestrado). Brasília: Universidade de Brasília, Artigos: BRESSER PEREIRA, Luis Carlos. Uma interpretação da América Latina: A Crise do Estado. Novos Estudos. São Paulo CAMARGO, Sonia de. Caminhos que se juntam e se separam: Brasil e Argentina, uma visão comparativa. Revista Política e Estratégia: São Paulo, jul/set de CHEIBUB, Zairo Borges. Diplomacia e Construção Institucional: O Itamaraty em uma Perspectiva Histórica. DADOS - Revista de Ciências Sociais. Vol. 28. n o CHILD, Jack. A Antártida e o Pensamento Geopolítico Argentino. Revista Política e Estratégia: São Paulo, out/dez de LAFER, Celso. A Política Externa Brasileira e a Crise no Atlântico Sul: Reflexões sobre as Malvinas. Novos Estudos, CEBRAP: São Paulo, nov As Eleições de Novembro e a Política Exterior Brasileira. UFMG: Belo Horizonte, jul

18 . A Nova Ordem Internacional num Sistema Internacional em Transformação. UFMG: Belo Horizonte, jul SANTOS, Norma Breda. A Geopolítica Argentina. Revista Política e Estratégia: São Paulo, jan/mar de TULCHIN, Joseph. A Guerra das Malvinas: Conflito Inevitável que Nunca Deveria ter Ocorrido. Revista Política e Estratégia: São Paulo, out/dez de Sites: VÁRIOS. História de las Relaciones Exteriores de la Argentina ( ). ESCUDÉ, Carlos & CISNERO, Andrés (org.) IN ( acessado no dia 02 de janeiro de 2006).