Rastreamento dos bloqueios ocorridos próximos à América do Sul em julho de 2008 e 2009 e sua influência sobre São Paulo e a região sul do Brasil

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1 Rastreamento dos bloqueios ocorridos próximos à América do Sul em julho de 2008 e 2009 e sua influência sobre São Paulo e a região sul do Brasil Lívia Dutra, Jean Peres, Amanda Sabatini, Ricardo de Camargo Inst. de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da Universidade de São Paulo, São Paulo - SP, Bra. livia.dutra@uol.com.br, jean_rrp@hotmail.com, amandasd@lncc.br, ricamarg@model.iag.usp.br RESUMO: No mês de julho de 2008, não foram observados valores de precipitação nos principais pontos de medição do estado de São Paulo. Em contrapartida, no mês de julho de 2009, a precipitação medida no estado ultrapassou significativamente a média climatológica. Por exemplo, na estação automática do Mirante de Santana do INMET (Instituto Nacional de Meteorologia) foram acumulados 179,7mm em julho de 2009, sendo que a média climatológica da estação para o mês é de 44,1mm. Com esta motivação, este estudo tem como objetivo investigar se estas anomalias negativas e positivas de precipitação (nos meses de julho de 2008 e 2009 respectivamente) estão relacionadas com a formação e o estabelecimento de um bloqueio próximo a região. Para isto, rastreou-se a trajetória dos centros das regiões bloqueadas ocorridas no período investigado, o que possibilitou a análise da influência da posição do bloqueio na circulação em níveis médios. Este trabalho propõe um novo método objetivo para verificar se houve e quais foram os dias bloqueados que ocorreram, baseado no critério para identificação de bloqueios utilizado por Mendes et al. (2005). Os resultados obtidos no método objetivo também foram complementados com uma análise subjetiva. ABSTRACT: Tracking of blocks occurred next to South America in July 2008 and 2009 and its influence over São Paulo and the southern region of Brazil In July 2008, there were no precipitation values observed in the main measuring points of the state of São Paulo. In contrast, in July 2009, the precipitation measured significantly exceeded the climatological average. For example, the automatic station of Mirante de Santana from INMET (National Institute of Meteorology) measured 179.7mm in July 2009, and the climatological mean value for this month at the station is 44.1 mm. This study aims to investigate whether these positive and negative precipitation anomalies (in July 2008 and 2009 respectively) are related to the formation and the establish of a block around the region. The trajectory of the centers of the blocking regions occurred in the investigated period were tracked, which allowed the analysis of the influence of the blocking position to the circulation in average levels. This paper proposes a new objective method to determine whether or not there were any days that were blocked, and if so, which days were blocked. The method proposed is based on the block identification criteria used by Mendes et al. (2005). Palavras-Chave: bloqueios atmosféricos, anomalias de precipitação, rastreamento, GFS. 1. INTRODUÇÃO Os bloqueios atmosféricos são caracterizados pela formação em larga escala de anticiclones anômalos e semi-estacionários, que se desenvolvem e permanecem atuando por vários dias (Braun et al., 2002). Estes sistemas são responsáveis pelo brusco desvio de sistemas transientes (frentes frias, ciclones) que normalmente atravessam a região. Contudo, com a configuração e o estabelecimento de um bloqueio, este escoamento passa a ser meridional, pois não é possível penetrar a região de alta pressão. Existem basicamente dois diferentes métodos para identificar a presença de um bloqueio: o método subjetivo, no qual é realizada uma análise visual do comportamento e evolução dos campos de diversas variáveis atmosféricas; e o método objetivo, no qual as regiões de alta pressão são identificadas a partir de programas computacionais, baseados nas características físicas conhecidas que uma região de bloqueio possui. Em um estudo realizado por Mendes et al. (2005), foi realizada uma climatologia dos eventos de bloqueios para cinco regiões separadas no HS, das quais a região do Pacífico Sul (180ºW; 80ºW ) apresentou a maior atuação de bloqueios, especialmente nos meses de inverno e outono. No trabalho, foi utilizado um método objetivo baseado em gradientes meridionais de altura geopotencial em 500 hpa. O estudo mais detalhado da ocorrência de bloqueios e das características da circulação atmosférica durante a sua atuação é de grande importância meteorológica, pois permite diagnosticar os impactos

2 causados nas áreas adjacentes (geralmente ocorre precipitação intensa) e na região bloqueada (ausência de nuvens). Dada a influência dos fenômenos de bloqueio nas condições de tempo em sua região de atuação e regiões próximas, este trabalho tem como objetivo principal verificar se houve e quais foram os períodos de bloqueio que ocorreram no mês de julho nos anos de 2008 e 2009 que podem ter causado anomalias negativas e positivas respectivamente de precipitação sobre o estado de São Paulo. Também será discutida a sua influência sobre o regime de precipitação na região Sul do Brasil. Para identificar as regiões bloqueadas, este trabalho propõe um novo método objetivo, baseado no critério utilizado por Mendes et al. (2005). Os resultados obtidos também foram complementados com uma análise subjetiva. 2. METODOLOGIA Utilizou-se imagens do satélite GOES-10 no canal infravermelho (IR) do Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (CPTEC-INPE), mapas da chuva acumulada (mm) nas últimas 24 horas (disponível às 12 UTC) do Instituto Nacional de Meteorologia (INMET) e cartas sinóticas do Centro de Hidrografia da Marinha. Os dados de precipitação (acumulada em 24 horas e média climatológica mensal) utilizados foram obtidos por comunicação pessoal da empresa SOMAR (Southern Marine Services S/S LTDA), e são resultados de interpolações de dados pontuais das estações automáticas do INMET, PCDs (Plataformas de Coleta de Dados) do CPTEC-INPE e METAR (Meteorological Aerodrome Report) do REDEMET (Rede de Meteorologia do Comando da Aeronáutica). Estes dados possuem resolução espacial de 1º de latitude e longitude, e resolução temporal de 6 horas (0h, 6h, 12h e 18h, horário de Greenwich). Foram utilizados dados de assimilações do modelo numérico GFS (Global Forecast System), para o período do mês de julho de 2008 e de Estes dados foram solicitados ao MASTER (Meteorologia Aplicada a Sistemas de Tempo Regionais), grupo de pesquisa e serviços relacionados ao ensino do IAG (Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas) da USP (Universidade de São Paulo). Utilizouse dados de altura geopotencial e vento em 500 hpa, em uma resolução temporal de 6 horas, e resolução espacial de 1º de latitude e longitude. Para cada tempo disponível, foram calculados gradientes meridionais da altura geopotencial ( ) em 500 hpa, a partir de um ponto de referência PR, utilizando as equações (1) e (2). Os cálculos foram realizados para toda a região compreendida entre 40ºW a 120ºW e 30ºS a 70ºS. (1) (2) Onde é a longitude e é a latitude. Os cálculos dos índices foram realizados para todos os pontos de grade disponíveis no domínio. Para que um determinado fosse considerado como um ponto de alta pressão (nesta análise meridional), duas condições deveriam ser satisfeitas: (a) (b) Onde a condição (b) assegura que não seja considerada uma situação de bloqueio quando o ciclone (baixa pressão desprendida) é anomalamente deslocado para sul (Tibaldi et al., 1994). Estas condições também levam em conta o campo meridional de altura geopotencial ao longo das latitudes: sabe-se que o padrão normal de é de aumentar com a diminuição da latitude (valores menores nos pólos e maiores no equador). Esta verificação dos pontos de alta pressão a partir dos gradientes meridionais é semelhante à utilizada no estudo de Mendes et al., (2005). No presente trabalho, foi realizada também uma análise dos gradientes zonais de altura geopotencial em 500 hpa, utilizando as equações (3) e (4). É importante ressaltar que esta análise foi feita somente para os pontos de grade que passaram nas condições impostas (a) e (b) da análise meridional, e o intervalo de longitude analisado foi de 40º (20º para cada lado do PR). (3) (4)

3 Onde é a resolução espacial dos dados e refere-se ao contador dos gradientes zonais, que vai de 1 até 40 para os dados GFS. Desta forma, a partir de um PR cujas condições impostas pelo gradiente meridional foram verificadas, o gradiente zonal de altura geopotencial é verificado. Se o PR for de fato uma região de alta pressão, os gradientes calculados a oeste devem ser negativos ( ) e os gradientes a leste positivos ( ). Considerou-se que um PR faz parte de uma região anticiclônica se mais que 75% destas condições dos gradientes zonais forem satisfeitas. O processo de varredura descrito pode encontrar mais que um ponto de alta pressão para um mesmo tempo. Portanto, foram estabelecidos os seguintes critérios para determinar o centro de uma região de alta pressão: (i) (ii) (iii) Para que os pontos da varredura sejam considerados referentes a uma mesma região de alta pressão, a diferença de latitude e de longitude entre os pontos não pode ser maior que respectivamente 30º e 40º. Dos pontos de uma mesma região de alta pressão, considera-se o ponto central aquele de maior número de condições dos gradientes zonais satisfeitas. Caso (ii) ocorra para mais que uma localização dentro do mesmo tempo e dentro da mesma região de alta pressão, verifica-se qual o ponto de maior altura geopotencial. Neste trabalho, considerou-se como bloqueios os episódios com duração maior ou igual a três dias, sendo que abaixo disto, os eventos foram contabilizados como dias bloqueados ou regiões de alta pressão. Determinado o ponto central das regiões de alta pressão para todos os tempos do período analisados neste trabalho, verificou-se a sua evolução temporal e espacial. A diferença de latitude e de longitude entre os pontos de tempos consecutivos não pode ser maior que respectivamente 20º e 15º, e foram contabilizadas somente as regiões de alta pressão que persistiam pelo menos em dois tempos seguidos. Além disto, as condições do critério objetivo puderam não ser satisfeitas em no máximo dois tempos consecutivos na evolução temporal de uma mesma alta. 3. RESULTADOS A fim de facilitar a visualização dos resultados obtidos e obter uma visão completa do deslocamento espacial dos centros das regiões de alta pressão ao longo do tempo, foram elaboradas as Figuras 1 e 2. Figura 1: Trajetória dos centros das altas a cada 6h em 500 mb verificadas em (a) julho de 2008 e (b) julho de 2009, para a análise do GFS com resolução temporal de 6 horas. Figura 2: Trajetória dos centros das altas a cada 6h em 500 mb nos meses de julho de 2008 e 2009, para (a) todas as altas e (b) apenas os episódios de bloqueio, para a análise do GFS com resolução temporal de 6 horas.

4 A Figura 1 mostra a evolução espacial e temporal dos centros das altas pressões rastreadas em 500mb, referentes aos períodos bloqueados, para o mês de julho de 2008 e Cada período bloqueado está representado por uma cor diferente e, os números associados aos pontos indicam a seqüência temporal, cujo tempo inicial está mostrado no canto superior direito da figura. Para o mês de julho de 2008 (2009), identificou-se 4 (13) períodos bloqueados, sendo que o de maior duração se concentrou entre os dias 18 às 00Z e 27 às 00Z (01 às 12Z e 08 às 00Z), totalizando 9,25 (6,75) dias de atuação. A Figura 2 mostra o posicionamento dos centros das altas pressões em 500mb referentes aos períodos bloqueados e aos episódios de bloqueios para o mês de julho de 2008 e A cor azul representa o mês de julho de 2008 e, a laranja, o mês de julho de Dentre os 4 (13) períodos bloqueados identificados no mês de julho de 2008 (2009), apenas 2 (2) foram classificados como episódios de bloqueios, ou seja, tiveram uma duração maior ou igual a 3 dias. Através da Figura 2, verifica-se que os episódios de bloqueios em julho de 2008 se concentraram entre as longitudes 35ºW-80ºW, enquanto que em 2009, os episódios de bloqueios ficaram localizados entre 90ºW-120ºW. Além da altura geopotencial em 500mb, analisou-se também o vento em 500mb (> 25m s -1 ) e a anomalia de precipitação para cada episódio de bloqueio. A anomalia de precipitação foi calculada subtraindo-se a precipitação média climatológica (correspondente à quantidade de dias do bloqueio) do acumulado de chuva no período de bloqueio. Desta forma, valores negativos de anomalia de precipitação indicam que o período do bloqueio foi mais seco, enquanto que valores positivos indicam que ocorreu bastante chuva no período. Um exemplo desta análise encontra-se na Figura 3, a qual refere-se ao primeiro episódio de bloqueio de 2008 (de 11 às 18Z a 15 às 06Z). A trajetória do centro do bloqueio é indicada pelos círculos verdes. Figura 3: Bloqueio 1 de 2008: dia 11 (18Z) ao dia 15 (06Z) (a) Trajetória do centro do bloqueio, anomalia de precipitação do período, vento em 500mb (> 25 m s -1 ) às 12Z do dia 12/07/2008 e (b) altura geopotencial em 500mb às 12Z do dia 12/07/2008. De acordo com o posicionamento e trajetória dos bloqueios, pode-se definir quatro regiões cujo impacto dos bloqueios no regime de chuva dos Estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná e São Paulo ocorreu de maneira diferenciada (Figura 4). Região 1 Região 2 Região 3 Região 4 Figura 4: Regiões de localização do centro dos bloqueios de julho de 2008 e 2009, que atuam de maneira diferente em SP e no sul do Brasil.

5 As análises mostraram que a região 1 não foi capaz de impedir o deslocamento dos transientes em superfície para a região de estudo: o escoamento mais intenso em níveis médios contorna os cavados associados ao norte do bloqueio, e ainda pode atingir a região de estudo caso haja mais cavados a leste da região bloqueada. A região 2 bloqueou os transientes a oeste da alta e produziu um escoamento predominante de noroeste e oeste e de maior intensidade (em 500mb) no norte da Argentina, que contribui no deslocamento das frentes direto para o oceano, sem chegar a atingir a região de estudo. Já a região 3 favoreceu a anomalia de precipitação negativa, pois o escoamento em níveis médios é de noroeste e oeste e intenso em latitudes maiores que da região de estudo, devido à confluência dos ventos que contornaram ao sul e ao norte do sistema. A região 4 sobre o Atlântico não impediu que novos sistemas transientes atingissem a região de estudo, e verificou-se ainda que pode ocorrer precipitação no sul do Brasil devido à baixa associada ao norte do bloqueio (dipolo ou omega). 4. CONCLUSÕES A análise visual dos campos de altura geopotencial em 500mb validou o novo método proposto para identificação e rastreamento do centro das regiões bloqueadas. A trajetória dos centros das altas para episódios de bloqueio apresentou diferenças significativas de suas longitudes médias entre os dois anos: em 2008, os pontos se concentram em longitudes menores, por volta de 35ºW a 80ºW; já em 2009, os pontos se concentram por volta de 90ºW a 120ºW. Tanto em 2008 quanto em 2009 observa-se um bloqueio principal de maior duração (9,25 e 6,75 dias, respectivamente). Observa-se ainda que o julho de 2009 apresentou maior quantidade de períodos bloqueados, em comparação a julho de Em julho de 2009 também verifica-se em alguns dias a ocorrência de duas diferentes altas simultaneamente, o que não ocorreu em De acordo com a localização e deslocamento dos bloqueios, verificou-se quatro regiões cuja influência dos bloqueios no padrão de chuva dos Estados da Região Sul do Brasil e de São Paulo ocorre de maneira diferenciada. É importante ressaltar que apesar do presente trabalho ter identificado ligações entre a posição dos bloqueios e as anomalias de precipitação na região de estudo, outros níveis de pressão também devem influenciar e contribuir nas condições sinóticas. AGRADECIMENTOS: Os autores gostariam de agradecer à professora Rita Ynoue pelas várias sugestões e discussões feitas durante o desenvolvimento deste trabalho. Os autores também agradecem ao grupo MASTER e à SOMAR pela disponibilização dos dados utilizados. 5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BRAUN, S., HERRMANN, V. N., 2002: Análise de dois casos de bloqueios ocorridos próximos à América do Sul. XII Congresso Brasileiro de Meteorologia. MENDES, M. C. D., TRIGO, R. M., CAVALCANTI, I. F. A., DACAMARA, C. C., 2005: Bloqueios Atmosféricos de 1960 a 2000 Sobre o Oceano Pacífico Sul: Impactos Climáticos e Mecanismos Físicos Associados. Revista Brasileira de Meteorologia, v. 20, TIBALDI, S., TOSI, E., NAVARRA, A., PEDULLI, L., 1994: Northern and Southern Hemisphere seasonal variability of blocking frequency and predictability. Mon. Wea. Rev., 122,