As TIC em entrevista ao Doutor João Paiva, 2004/11/22

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1 As TIC em entrevista ao Doutor João Paiva, 2004/11/22 (revista educação_texto editores) Nascido em Coimbra em 1966, João Carlos de Matos Paiva é Doutorado em Química (2000) pela Universidade de Aveiro. Foi professor de Ciências Físico-Químicas no Ensino Secundário durante cerca de dez anos, tendo exercido as funções de orientação de estágio. Actualmente é Professor Auxiliar no Departamento de Química (Secção de Educação), da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto. Desempenha também as funções de coordenador do grupo de Ensino e História das Ciências do Centro de Física Computacional da Universidade de Coimbra e professor do Mestrado em Educação Multimédia, da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto. É autor de programas de computador para o ensino, principalmente no domínio da Química, e formador de professores em acções de formação sobre novas tecnologias e ensino. O seu principal interesse profissional situa-se nas aplicações pedagógicas das Tecnologias de Informação e Comunicação, particularmente no domínio da Química. Publicou, sozinho ou em co-autoria, vários artigos em revistas de Física, Química, Ensino e outros assuntos. É ainda co-autor de diversos manuais escolares, entre os quais 10F - Física 10.º ano (Novo Programa), 10Q - Química 10.º ano (Novo Programa), 11Q - Química 11.º ano (Novo Programa), 11F - Física 11.º ano (Novo Programa) e TIC. Educação - Numa altura em que as escolas começam a leccionar pela primeira vez a disciplina Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC), este ano introduzida, gostaria que falasse um pouco da elaboração e da estrutura do livro TIC do qual é coautor. João Paiva (J. P.) - O desafio que se nos colocou não era fácil mas era ao mesmo tempo aliciante. Sentíamos a "urgência" desta formação digital nas escolas básicas e secundárias, mas sabíamos também, realisticamente, das dificuldades associadas à implementação da disciplina.

2 A primeira resposta a este desafio foi constituir uma equipa verdadeiramente interdisciplinar, coesa e criativa, para dar resposta aos desafios colocados pelo próprio programa curricular da disciplina de TIC. Apostámos num livro (muito apoiado por recursos digitais para alunos e professores) prático e voltado para as tarefas, fugindo da abordagem maçuda que poderão ter alguns manuais escolares ou da abordagem tecnicista, que têm os livros de informática, tout court. Frisámos que o livro TIC da Texto Editores não deixaria de ser um manual escolar, embora com as suas especificidades. Através dele, de acordo com o programa curricular, importaria "saber fazer", aplicando, muito mais do que "saber informática". A abundância de tarefas interdisciplinares no livro deu-lhe essa mesma marca e estamos muitos satisfeitos pelo facto dos professores terem aderido. Não escondemos também, desde a primeira hora, a nós próprios e aos professores a quem apresentamos o manual, as contingências associadas à disciplina: alunos de diferentes apetências num mesmo grupo turma; ritmos muito diferentes de aprendizagem; problemas de ordem técnica relacionados com uniformizações de software e hardware, etc.. O estilo do manual foi a resposta que considerámos adequada a muitas dessas dificuldades de partida. Esperamos agora que o impacto do livro no terreno escolar seja favorável. Educação - A tutela tem realizado diversos investimentos na área das TIC, como são exemplo o Programa de Apetrechamento Informático do 1.º Ciclo e o Programa das 1000 Salas TIC. Que aspectos salientaria da implementação de medidas desta natureza e, por outro lado, o que ainda faltará ainda planear e executar nesta área do sistema de ensino? O apetrechamento em termos de hardware é fundamental e os adeptos da "infoalfabetização" só poderão saudar os esforços públicos de equipar as escolas. Mas é cada vez mais evidente, na comunidade escolar e até nas reflexões e estudos de carácter académico, que ter computadores na escola não é sinónimo de utilização pedagogicamente eficaz das TIC. É pois necessário, a par das questões do equipamento e, porventura, neste momento, até preferencialmente, criar um outro conjunto de condições que favoreçam a implementação das TIC na escola: formação de professores, ajuste dos curricula, técnicos de apoio informático nas escolas, são só alguns exemplos de outros vectores fundamentais. Educação - No que respeita às aplicações digitais no ensino, crê que constituem uma área em expansão no país?

3 Sim, estão em franca expansão. As novas gerações de professores mas não só começam a abrir-se à utilização das TIC no ensino. É a inevitabilidade disso mesmo na sociedade de informação que mobiliza os professores mas também a constatação que o uso das TIC em situação de ensino, com critério e qualidade, pode conduzir a mais e melhor aprendizagem. Gostaria de sublinhar a expressão "pode" na frase anterior: é que não é bom ficar a ideia que é a tecnologia de per si que resolve os problemas da escola. Usar computadores no ensino não é sinónimo imediato de qualidade e a tónica deve ser colocada não no uso, mas no bom uso... Nem tudo são rosas, porém: há ainda grandes resistências à mudança, típicas, aliás, na instituição escolar. Com o tempo se promoverá mais abertura... Educação - Poderia agora falar um pouco sobre a experiência como professor do Mestrado em Educação Multimédia, referindo, por exemplo, quais as principais dúvidas, interesses e motivações dos participantes? Este mestrado da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto tem-se revelado muito gratificante para docentes e para discentes (que tipicamente são também professores, nos Ensinos Básico e Secundário). O curso é feito em parceria com a Faculdade de Engenharia e com a Faculdade de Belas Artes e fundamenta-se nestas três valências importantes: educação-tecnologia-arte (design). Os nossos alunos aparecem muito motivados e com uma convicção muito profunda, na maioria das vezes vivida já na realidade escolar, com os seus alunos, das mais-valias das TIC. É isto que motiva a inscrição no curso: querer aprofundar, querer dar ainda mais suporte à utilização do multimédia em educação. Na sequência do curso, quer na parte curricular quer depois, no ano de tese, têm-se feito trabalhos de investigação interessantíssimos. Os trabalhos de tese têm tido a grande vantagem de, na sua grande maioria, constituírem não só um legado para a sociedade científica das TIC em Educação mas também beneficiarem directamente a escola e os alunos, com práticas inovadoras, suportadas pelo multimédia educativo. Educação - Numa época em que o e-learning se apresenta como um importante instrumento para o sucesso numa sociedade que privilegia o conhecimento, como vê as acções que se desenvolvem neste contexto a nível nacional? Está a fazer-se algum esforço para desenvolver estratégias de e-learning mas eu arriscaria dizer que são muito mais no Ensino Superior e profissional do que nos Ensinos

4 Básico e Secundário. O e-learning, convém dizer, é um conceito, como costumo dizer, ainda à procura de si próprio. Algumas áreas ou ferramentas de e-learning, como a disponibilização de conteúdos, os fóruns digitais ou os portfolios digitais serão incontornáveis nos dias de amanhã, em muitos processos educativos. Nos níveis de escolaridade mais baixos, porém, é mais realista apontar para o chamado blended learning ou b-learning, com um misto de formato presencial e digital a distância. Educação - São também vários os projectos de e-learning a nível europeu, entre as escolas e outras instituições de ensino, incluindo programas promovidos pela União Europeia. Neste contexto, poderia salientar algumas iniciativas de interesse para a comunidade educativa? O Netd@ys ou o e-schoolnet são, porventura, as iniciativas mais conhecidas na comunidade dos professores dos Ensinos Básicos e Secundário que, directa ou indirectamente, se relacionam com o e-learning. Mas uma panóplia de projectos europeus estimula práticas de e-learning nas interacções educativas (além, no sentido físico e temporal, do espaço escolar). O e-learning tem como ponto forte a possibilidade de superar barreiras temporais e geográficas e, nesse sentido, é instrumento de coesão europeia e de diálogo entre saberes e culturas. Mas não o deveríamos entender como uma forma de fazer "mais do mesmo", mas a distância. Com efeito, o ambiente digital favorecido pelo e-learning deveria ser também alavanca para ensinar e aprender de forma diferente, nomeadamente com um sentido mais colaborativo. Educação - Televisão, telemóveis, computadores... enfim a tecnologia faz cada vez mais parte do quotidiano das crianças e dos jovens que serão os futuros professores de amanhã. Concomitantemente apela-se também à paixão no ensino, no gosto simples por transmitir lado a lado um ensinamento a uma criança. Para terminar, gostaria de perguntar como visualiza a interacção entre os intervenientes e o espaço numa aula ideal do futuro? Aqui está uma boa forma de terminar esta entrevista. Se não me perguntasse eu "forçaria" dizer o que exprimo de seguida... A sociedade actual é altamente tecnológica e as crianças e jovens ("coração" da escola) são marcados por todo esse ambiente digital. Há uma expressão muito feliz para caracterizar

5 essa sociedade escolar actual: a "geração Zap" ("Zap" aqui é no sentido de dinâmica, tecnológica, que faz "zapping" constante, a vários níveis...). Conhecer esta realidade e dela partir para renovar a escola é incontornável. Não quer isto dizer que as práticas educativas devam ficar reféns dos Zap, até porque muitos dos atributos associados a este perfil juvenil não são positivos. Inconstância, "hipnotismo digital" ou desumanização são algumas das possíveis más tendências que podemos associar a esta geração. E, nesse sentido, reiterando uma ideia que já expressei acima, é bom ter presente que não é a tecnologia que resolve a questão. Às vezes há até que recuperar algumas das estratégias e estilos pedagógicos ditos "clássicos", no sentido de travar algum ímpeto de "fundamentalismo digital". Eu sou pelo uso equilibrado das TIC, sempre centrado no homem. Se ir pelo tecnológico rouba à poesia, eu não quero. Se ser digital não der para ser solidário, eu recuso. Se ser Zap for estar menos atento ao Homem, eu contrario! Retomando a sua pergunta: a aula ideal do futuro, na minha perspectiva, será bastante suportada tecnologicamente, com recursos complementares digitais, com e sem fio, com bastantes alternativas síncronas e assíncronas de aprendizagem, permitindo respeitar ritmos próprios, superar barreiras geográficos e trabalhar colaborativamente. Mas o homem em primeiro lugar! Se eu não puder cheirar a manhã de orvalho, se não puder ouvir o "barulho da escola", se eu não puder abraçar um aluno que ria ou que chore, eu não quero lá estar!...