REPRODUÇÃO INDUZIDA, ONTOGENIA INICIAL, ETOLOGIA LARVAL E ALEVINAGEM DA PIABANHA (Brycon insignis, STEINDACHNER, 1877) GUILHERME DE SOUZA

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1 REPRODUÇÃO INDUZIDA, ONTOGENIA INICIAL, ETOLOGIA LARVAL E ALEVINAGEM DA PIABANHA (Brycon insignis, STEINDACHNER, 1877) GUILHERME DE SOUZA UNIVERSIDADE ESTADUAL DO NORTE FLUMINENSE - UENF CAMPOS DOS GOYTACAZES - RJ JULHO 2004

2 REPRODUÇÃO INDUZIDA, ONTOGENIA INICIAL, ETOLOGIA LARVAL E ALEVINAGEM DA PIABANHA (Brycon insignis, STEINDACHNER, 1877) GUILHERME DE SOUZA Dissertação apresentada ao Centro de Ciências e Tecnologias Agropecuárias da Universidade Estadual do Norte Fluminense, como parte das exigências para obtenção do título de Mestre em Produção Animal Orientador: Prof. Dálcio Ricardo de Andrade CAMPOS DOS GOYTACAZES RJ JULHO

3 3 REPRODUÇÃO INDUZIDA, ONTOGENIA INICIAL, ETOLOGIA LARVAL E ALEVINAGEM DA PIABANHA (Brycon insignis, STEINDACHNER, 1877) GUILHERME DE SOUZA Dissertação apresentada ao Centro de Ciências e Tecnologias Agropecuárias da Universidade Estadual do Norte Fluminense, como parte das exigências para obtenção do título de Mestre em Produção Animal Aprovada em 18 de junho de 2004 Comissão Examinadora Prof. Manuel Vasquez Vidal Júnior Prof. Ronaldo Novelli Prof. Hugo Pereira Godinho Prof. Dalcio Ricardo de Andrade Orientador

4 4 Aos meus pais, avó, sogro e sogra, pela enorme dedicação e apoio aos meus sonhos que, aos poucos, estão se concretizando. A minha esposa, Cátia, e aos meus queridos filhos, Pablo, Mariana e Camila que, com os seus incessantes beijos e sorrisos, me conduziram para o término desta dissertação. A Deus, por eu estar vivo e com muita saúde. DEDICO

5 5 AGRADECIMENTO À FAPERJ, pela bolsa de estudos concedida; Ao professor Dalcio Ricardo de Andrade, pela orientação, amizade e, o mais importante, pela forma serena de me mostrar o caminho da pesquisa científica; Ao professor Manuel Vazquez Vidal Júnior, pela amizade e co-orientação, ambas indispensáveis para o término deste trabalho; Ao professor Alexandre, pela compreensão e clareza em suas aulas de Estatística; Ao professor Ronaldo Novelli, pelos seus ensinamentos zoológicos, além da grande amizade construída; Aos professores do Curso de Pós Graduação em Produção Animal (CCTA/UENF) e do Laboratório de Ciências Ambientais (CBB/UENF), pela contribuição a minha formação profissional; À Ana Paula Ribeiro Costa,a Denilson Buckert, George Shigueki Yasui, Eduardo Shimoda e Marcelo Cordeiro Pereira, pela ajuda e convívio durante este momento estudantil; Aos Técnicos de laboratório (CCTA/CBB), funcionários da biblioteca e da secretaria do CCTA, que me auxiliaram e contribuíram para a realização deste trabalho; Ao Presidente da Associação dos Pescadores e Amigos do Rio Paraíba do Sul (APARPS), Benígno Bairral Júnior, pelo apoio irrestrito aos meus sonhos. Ao diretor de Captação de Recursos do Projeto Piabanha, Luíz Felipe Daudt, pelo apoio crucial em importantes momentos; A todos os integrantes da Associação dos Pescadores e Amigos do Rio Paraíba do Sul (APARPS), Itaocara - RJ.

6 6 Aos funcionários do Projeto Piabanha, Evódio e Calisto, pelo acompanhamento em todas as reproduções induzidas de piabanha; Ã Ashoka Empreendedores Sociais que, apesar de não estar envolvida diretamente neste trabalho científico, será sempre lembrada por ser parte da minha vida; Àqueles que, embora não tenham sido nominalmente citados, estiveram presentes de alguma forma na minha vida acadêmica e que me possibilitaram, aos 37 anos, fazer parte de um reduzido grupo de brasileiros que consegue chegar a um curso de pós-graduação.

7 7 BIOGRAFIA GUILHERME SOUZA, filho de Divaldo Souza e Alcidea Souza, nasceu em 27 de dezembro de 1967, na cidade do Rio de Janeiro RJ. Em junho de 1994, concluiu o curso de Ciências Biológicas na Universidade Santa Úrsula RJ. Neste mesmo ano, foi convidado a trabalhar em uma estação de piscicultura, no setor de reprodução induzida, as margens do rio Paraíba do Sul, em Itaocara RJ. Com o passar dos anos, com o irrestrito apoio de sua esposa, Cátia Medeiros Souza, passou a se dedicar às causas ambientais dando ênfase aos estudos relacionados à ictiofauna do rio Paraíba do Sul quando, em 1998, participou da fundação da Associação dos Pescadores e Amigos do Rio Paraíba do Sul, entidade sem fins lucrativos gestora do Projeto Piabanha. Com o intuito de aprofundar os conhecimentos a respeito da reprodução induzida da piabanha, espécie ameaçada de extinção do rio Paraíba do Sul, em 2001, ingressou no Curso de Pós-graduação em Produção Animal, Mestrado, Reprodução de Peixes de Água Doce, da Universidade Estadual do Norte Fluminense (UENF), em Campos dos Goytacazes RJ, submetendo-se a defesa de tese para a conclusão do curso em junho de Atualmente ocupa o cargo de Diretor Geral da ONG Projeto Piabanha.

8 8 CONTEÚDO RESUMO... xii ABSTRACT... xiv 1. INTRODUÇÃO OBJETIVOS REVISÃO DE LITERATURA O gênero Brycon O gênero Brycon na produção de pescado A piabanha (Brycon insignis) Aspectos reprodutivos Hábito alimentar no gênero Brycon Aspectos etológicos e ontogênicos da fase larvar A alimentação das pós-larvas de peixes Larvicultura MATERIAL E MÉTODOS Local e época de trabalho Plantel de reprodutores Seleção e preparo dos reprodutores para o processo de indução Indução hormonal Comportamento dos reprodutores durante o processo de indução de desova Extrusão dos gametas Avaliação do ovo durante o processo de hidratação Incubação dos ovos Estimativa da taxa de fecundação e desenvolvimento embrionário...26

9 Eclosão, desenvolvimento e etologia das larvas e pós-larvas Fase de canibalismo pós-larval intra e interespecífico Crescimento das pós-larvas em tanques externos Análise estatística RESULTADOS E DISCUSSÃO Indução Hormonal Comportamento dos reprodutores durante a indução Extrusão, caracterização, quantificação e medição dos ovócitos Desenvolvimento do ovo e do embrião até o momento da eclosão Comportamento alimentar da pós-larva na fase de canibalismo Desenvolvimento das pós-larvas e alevinos em tanque de alevinagem CONCLUSÕES REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...59

10 10 LISTA DE TABELAS Tabela 1 - Tabela 1 - Média, desvio padrão e coeficiente de variação do peso total das fêmeas (g), temperatura média da água ( C), horas-grau ( C), peso total de ovócitos extruídos (g), ovócitos em um grama, horas-grau ao fechamento do blastóporo ( C) e percentagem de ovos fecundados...33 Tabela 2 - Descrição estágios embrionários de Brycon insignis nos diferentes intervalos de horasgrau...41 Tabela 3 Média, desvio padrão e coeficiente de variação do tempo eclosão necessário para a eclosão dos ovos referente a 36 diferentes desovas de piabanha, em diferentes temperaturas, com suas respectivas horas-grau...43 Tabela 4 Valores da biometria das larvas de piabanha em diferentes horas-grau, média do comprimento da larva (mm), média do comprimento do vitelo (mm) e média da altura do vitelo (mm)...46

11 11 Tabela 5 - Descrição dos eventos morfológicos mais marcantes entre o momento da eclosão e o momento do canibalismo entre larvas de piabanha, em horas e horas-grau...49 Tabela 6 - Média, desvio padrão e coeficiente de variação do número de horas, temperatura média e número de horas-grau para o início da alimentação exógena, para larvas de piabanha...53

12 12 LISTA DE FIGURAS Figura 1 - Exemplar juvenil da piabanha...06 Figura 2 - Exemplar adulto da piabanha...06 Figura 3 - Fêmea de piabanha apresentando abdome avolumado e papila genital hiperemiada Figura 4 - Fêmea de Brycon insignis recebendo a aplicação da primeira dose de extrato de hipófise na base da nadadeira pélvica...21 Figura 5 - Fêmea de Brycon insignis recebendo a aplicação da segunda dose de extrato de hipófise, na base da nadadeira pélvica. Notar o ventre abaulado e papila genital hiperemiada...21 Figura 6 - Extrusão dos ovócitos de piabanha Figura 7 - Extrusão do sêmen de piabanha...24 Figura 8 - Desenho esquemático de uma larva de piabanha mostrando as variáveis morfométricas mensuradas....28

13 13 Figura 9 - Lesões cutâneas no pedúnculo caudal do macho de piabanha provocadas pela fêmea logo após a primeira dosagem hormonal Figura 10 - Reprodutor de piabanha do sexo masculino, morto antes mesmo da finalização do processo reprodutivo Figura 11 A - Larva com uma hora após a eclosão Figura 11 B - Larva com oito horas após a eclosão...48 Figura 11 C - Zoom da glândula de aderência, oito horas após a eclosão...48 Figura 11 D - Larva na décima hora, após a eclosão...48 Figura 11 E - Larva na vigésima primeira hora, após a eclosão...48 Figura 11 F - Larva na vigésima sétima hora, após a eclosão...48 Figura 11 G - Larva na trigésima segunda hora, após a eclosão...48 Figura 11 H - Zoom do canibalismo, trigésima segunda hora, após a eclosão...48

14 14 RESUMO Foram utilizados reprodutores da espécie piabanha (Brycon insignis) pertencentes ao plantel do Projeto Piabanha, localizado no município de Itaocara RJ, no período de dezembro de 1999 a março de 2003, com o objetivo de determinar aspectos reprodutivos desta espécie, incluindo a descrição morfológica da ontogenia inicial e o acompanhamento do desenvolvimento das larvas, pós-larvas e alevinos. Foram induzidas 43 fêmeas utilizando-se extrato bruto hipofisário. A quantidade de horas-grau médias (HG) necessárias para a extrusão dos ovócitos foi de 159,01 ± 8,56 HG, a uma temperatura média de 26,19 ± 1,19 C. Os ovócitos recém extrusados apresentaram-se esféricos, não aderentes, de coloração azul acinzentada em sua grande maioria e possuíam diâmetro de 1,35 ± 0,02 mm, sendo que um grama continha 762,81 ± 92,35 ovócitos. Após a fertilização e hidratação, os ovos demoraram em média 16,00 ± 1,00 minutos para o endurecimento do córion. O diâmetro médio do ovo hidratado passou para 2,40 ± 0,08 mm, atingindo um peso médio de 14,06 ± 0,66 miligramas. Verificou-se uma alta correlação (p > 0,05) entre a temperatura da água do tanque de reprodutores e a taxa de fecundação. Uma hora após a fertilização houve a formação do blastodisco. O fechamento do blastóporo ocorreu 5 horas após a fertilização, na temperatura média de 25,5 ± 1 C, o que equivale a 170,55 ± 14,01 HG, a partir da segunda dose hormonal. Nove horas e meia após a fecundação, observou-se a flexão da notocorda seguida pela expansão da região posterior do embrião e a visualização de 26 pares de somitos. A média geral de horas necessárias para o processo de eclosão da larva foi de 18,29 ± 2,32 horas, equivalente a 477,39 ± 35,08 HG. Observou-se a ocorrência de canibalismo intraespecífico em média com 29,67 ± 1,57 horas após a eclosão, a uma temperatura de 26,41 ± 0,80 C. A eficácia na captura de larvas forrageiras pelas pós-larvas de Brycon insignis esteve relacionada ao local de inserção da mordida. Ao final do período experimental, no vigésimo quinto dia de vida, os peixes possuíam o formato típico dos juvenis desta espécie e apresentaram a

15 15 seguinte biometria: peso total de 0,94 ± 0,12 g, comprimento total de 51,60 ± 1,82 mm e altura total de 10,1 ± 0,22 mm.

16 16 ABSTRACT In this experiment, broods of piabanha (Brycon insignis) from Projeto Piabanha, located in the city of Itaocara - Rio de Janeiro State - Brazil was studied, in the period of December 1999 to March of 2003, objectifying to determine the reproductive aspects of this specie, including morphologic description of initial ontogenesis, and the accompaniment of fry, post-fry and fingerlings development. For that, 43 females had been induced to spawn, using common carp pituitary gland. The average of hour-degree (hd) necessary for stripping was 159,01 ± 8,56 hd, at 26,19 ± 1,19 C. The stripped oocytes presented spherical aspect, was not adherent, with gray/blue coloration in its great majority and 1,35 ± 0,02 mm diameter with 762,81 ± 92,35 oocytes per gram. After fertilization and hydratation, eggs spent 16,00 ± 1,00 minutes for corion hardening. The average diameter of hydratated eggs was above 2,40 ± 0,08 mm, reaching an average weight of 14,06 ± 0,66 milligrams. A high correlation (p > 0,05) among temperature of brood s tank and fecundity rate was found. One hour after fertilization, blastodisc was formed. The blastopore closure occurred approximately 5 hours after fertilization, at an average temperature of 25,5 ± 1 C, corresponding to 170,55 ± 14,01 dh, from 2 nd hormonal inducing. Nine hours and a half after the fertilization, flexion of notochord was observed followed by the expansion of posterior region of the embryo and visualization of 26 pairs of somits. The general average of the larvae s eclosion process was 18,29 ± 2,32 hours, equivalent to 477,39 ± 35,08 dh. It was observed the occurrence of intra-specific cannibalism, 29,67 ± 1,57 hours after the eclosion, at 26,41 ± 0,80 C. The

17 17 effectiveness capture of forragery larvae by Brycon insignis post-fry was related to the place of bite. At the end of the experimental period, in the 25 th day of life, fishes had the typical format of juveniles of this specie, and presented the following measurements: total weight of 0,94 ± 0,12 g, total length of 51,60 ± 1,82 mm and total height of 10,1 ± 0,22 mm.

18 18 1. INTRODUÇÃO O aumento da população global e o conseqüente aumento da demanda mundial por alimentos vêm elevando a pressão de captura sobre os recursos pesqueiros, gerando déficit acentuado em seus estoques. A intensa exploração, sem estudos populacionais prévios, não respeita a capacidade de suporte das espécies e assim a utilização de técnicas pesqueiras impactantes causa grande prejuízo à ictiofauna e aos ecossistemas. O resultado da elevada e intensa degradação dos ecossistemas tem promovido a extinção de muitas espécies, sendo que a maioria sequer foi estudada. Se para qualquer país a perda deste patrimônio natural constitui elevado prejuízo, ela se maximiza para um país como o Brasil, em cujas fronteiras encontra-se um dos maiores valores em biodiversidade do planeta (BERGALHO et al., 2000). Estudos exploratórios da ictiofauna da costa brasileira constataram a inexistência dos estoques capazes de gerar ou sustentar um aumento significativo na produção pesqueira (CARVALHO FILHO, 2003). Como alternativa de produção do pescado destaca-se a piscicultura por sua capacidade de produzir alimento rico e saudável. O Brasil possui a maior biodiversidade de peixes do mundo, sendo algumas espécies com grande potencial para a piscicultura. Entre as espécies

19 19 nativas, a pirapitinga, o tambaqui e o híbrido tambacu são os mais populares entre os piscicultores do Noroeste Fluminense (Observação pessoal). Seja pela abordagem ecológica, seja pela econômica, a necessidade de se aprimorar o conhecimento sobre os peixes nativos brasileiros é primordial. Inserida no gênero Brycon, a piabanha Brycon insignis (STEINDACHNER, 1876), outrora a 4ª espécie mais pescada na década de 50, no rio Paraíba do Sul (MACHADO & ABREU, 1952), atualmente está com sua população reduzida. Segundo MAZZONI et al. (2000), esta espécie é considerada, na lista oficial de peixes do Estado do Rio de Janeiro, como insuficientemente conhecida e ameaçada de extinção. Atualmente o gênero Brycon possui inúmeras espécies que já estão sendo utilizadas nas pisciculturas da América do Sul, atingindo bons resultados zootécnicos e econômicos, podendo-se, neste caso, citar a matrinxã (Brycon cephalus) e a piracanjuba (Brycon orbignyanus). A piabanha possui potencial para ser utilizada na piscicultura regional por possuir excelente aceitação no mercado das cidades próximas a seus locais de ocorrência natural; em razão da sua carne saborosa e esportividade que atrai os amantes da pesca esportiva. A piabanha é uma espécie reofílica (migradora), o que maximiza a necessidade de adequado conhecimento sobre seu processo reprodutivo bem como do processo de indução hormonal em cativeiro, pois isso possibilitará o incremento da produção de alevinos, contribuindo para a preservação dessa espécie e sua possível inclusão na piscicultura regional. Entretanto, nos estudos realizados com esse peixe, os aspectos reprodutivos assim como a larvicultura dessa espécie ainda não estão bem definidos. O canibalismo na fase de pós-larva é freqüente em espécies do gênero Brycon, inclusive na piabanha (observação pessoal). Tal fato é responsável pela elevada mortalidade durante a larvicultura, o que em alguns casos inviabiliza a produção comercial desse peixe. Um melhor entendimento da reprodução induzida e larvicultura desta espécie, possivelmente, resultará em aumento na disponibilidade de alevinos, o que impulsionará a piscicultura regional, minimizando, assim, o esforço de captura nos estoques naturais remanescentes. Outro aspecto importante do domínio sobre a produção de alevinos de piabanha em cativeiro é a possibilidade de

20 20 garantir um estoque dessa espécie para a formação de banco genético em vista da diminuição de sua população outrora abundante na bacia hidrográfica do rio Paraíba do Sul.

21 21 2. OBJETIVOS Os objetivos propostos para os experimentos ora descritos foram: a) Determinação das variáveis relativas à indução da desova e ao desenvolvimento dos ovócitos de piabanhas, submetidas à indução hormonal. b) Descrição da ontogenia inicial e monitoramento biométrico da piabanha até a fase de alevino. c) Descrição do acompanhamento etológico da larva, pós-larva e alevinos da piabanha.

22 22 3. REVISÃO DE LITERATURA 3.1. O Gênero Brycon O gênero Brycon (Characiformes, Characidae, Bryconinae) possui espécies economicamente relevantes tanto para a atividade pesqueira comercial (CECCARELLI e SENHORINI, 1996) quanto para a pesca esportiva e de subsistência (CONTE et al., 1995; BIZERRIL, 1998). Os estoques de várias espécies desse gênero têm sido afetados pela sobrepesca (PAIVA, 1982; CONTE et al.,1995), um indicativo disto é a escassez da oferta destas espécies no mercado (CECCARELLI & SENHORINI, 1996). PAIVA (1982) estudando a piracanjuba (Brycon orbignyanus), relata que as populações dessa espécie encontram-se muito reduzidas devido ao grande número de barragens hidrelétricas, que impedem sua migração reprodutiva. O desmatamento das matas ciliares, reduzindo a disponibilidade de alimento natural, e a poluição ambiental também concorrem para a redução das populações desses peixes. O gênero Brycon distribui-se pelas principais bacias hidrográficas brasileiras. Na região Amazônica ocorre o matrinxã (Brycon cephalus); na bacia Paraná-Uruguai a piracanjuba (Brycon orbignyanus), na do São Francisco o matrinxã (Brycon lundii); na do Pantanal-Paraguai a piraputanga (Brycon sp.); e na bacia do Leste, a piabanha (Brycon insignis) (MENDONÇA, 1996). Segundo FOWLER (1950), a piabanha Brycon insignis, é uma espécie

23 23 nativa e endêmica do rio Paraíba do Sul. Contudo, estudos recentes, realizados pela ONG Projeto Piabanha e pela Universidade de Mogi das Cruzes (dados não publicados), permitem afirmar que esta espécie, também, ocorre em algumas bacias localizadas no entorno da bacia hidrográfica do Rio Paraíba do Sul, como por exemplo, a bacia hidrográfica do rio São João (RJ) O Gênero Brycon na produção de pescado Alguns estudos para a viabilização do cultivo em cativeiro de espécies do gênero Brycon foram conduzidos no Brasil. WERDER e SAINT PAUL (1981) e GRAEF et al. (1986) estudaram o crescimento e produção do matrinxã (Brycon sp.), em viveiros e pequenas represas. CONTE et al. (1995) avaliaram sistemas de alimentação para a piracanjuba, Brycon orbignyanus, em gaiolas flutuantes. No mesmo sistema de cultivo, CARVALHO et al. (1997) determinaram o efeito da densidade de estocagem no desempenho do matrinchã, Brycon cephalus, no período do inverno. Para esta última espécie, GOMES et al. (2000) determinaram a densidade de cultivo na larvicultura. REIMER (1982) estudou a influência das enzimas digestivas na dieta do matrinxã e CYRINO et al. (1986) determinaram a digestibilidade da proteína de origem animal e vegetal pelo matrinxã (Brycon cephalus, 1869). MENDONÇA et al. (1993) determinaram influência da origem da proteína no crescimento do matrinxã, Brycon cephalus e PEREIRA-FILHO et al. (1995) determinaram a exigência de proteína e fibra para a mesma espécie. BORGHETTI et al. (1991) estudaram a influência da proteína no crescimento do matrinxã (Brycon orbignyanus) criado em tanques-rede. MATEUS et al. (2002) avaliaram o estoque pesqueiro da piraputanga Brycon microlepis na bacia do rio Cuiabá, Pantanal Mato-grossense A piabanha (Brycon insignis)

24 24 A piabanha esteve relacionada entre os peixes que apresentavam maior freqüência nas capturas em todos os domínios geoambientais da bacia do rio Paraíba do Sul, segundo levantamento realizado por BIZERRIL (1998), que relatou, também, que esta espécie habita as margens vegetadas, próximas às corredeiras, ou pontos de conexão fluvial. Essa espécie atinge aproximadamente 8,0 a 10,0 Kg de peso e é bastante apreciada na região Noroeste Fluminense assim como em outras regiões da bacia hidrográfica do rio Paraíba do Sul por apresentar carne fina e saborosa (MACHADO e ABREU, 1952; NOMURA, 1984; SANTOS, 1987; PEREIRA, 1986). Figura 1 Exemplar juvenil de piabanha piabanha Figura 2 Exemplar adulto de 3.4. Aspectos reprodutivos O período reprodutivo da piabanha, no município de Paraibuna (SP), estende-se de dezembro a fevereiro. Os machos estão aptos à reprodução a partir do segundo ano de vida, quando alcançam cerca de 20 cm de comprimento total, e as fêmeas a partir do terceiro ano de vida, quando, em geral, atingem 25,0 cm de comprimento total (GIRARDI et al. 1993). A fecundação é externa e as desovas ocorrem quando o nível das águas

25 25 está em ascensão, durante as chuvas de verão. A desova e o desenvolvimento dos embriões ocorrem nas áreas inundadas ou remansos, nestes locais os alevinos encontram alimento e refúgio para o seu desenvolvimento (SALGADO et al., 1997). MACHADO-ALLISON (1990) refere-se à três evidências que suportam a hipótese de sazonalidade reprodutiva em peixes tropicais: (1) migrações reprodutivas geralmente ocorrem durante o período da estação chuvosa ou no período de subida da água; (2) a maturação gonadal final ocorre imediatamente antes da estação chuvosa, de modo que as fêmeas estejam prontas para a desova no início da enchente; (3) o aparecimento de larvas e juvenis acontece imediatamente depois da subida da água. WOOTTON (1990) cita que dentre outros gatilhos usados pelos peixes para assegurar um momento correto para sua propagação, está incluída a percepção de variações sutis na temperatura e no fotoperíodo. HURTADO e USECHE (1986) descrevem que a yamú (Brycon siebenthalae), no ambiente natural, necessita migrar culminando com a desova. Ainda em relação a esta espécie, LUGO (1989) relata que a fecundidade é elevada e que não existe cuidado parental. NAKATANI et al. (1997) citam que espécies migradoras geralmente desovam no canal principal do rio ou dos tributários, apresentando ovos e larvas pelágicas que são carreadas para áreas inundadas e lagoas marginais, onde iniciam seu desenvolvimento. Segundo os mesmos autores, existem espécies que desenvolvem todas as fases do ciclo de vida nas áreas inundadas (espécies sedentárias), enquanto que outras utilizam essas áreas apenas em parte do seu ciclo de vida (espécies migradoras). O sincronismo entre o período reprodutivo e as cheias visa assegurar quali-quantitativamente a máxima disponibilidade de alimento às fases iniciais de desenvolvimento, propiciando um rápido crescimento e ultrapassando os estágios vulneráveis à predação mais intensa (WELCOMME, 1979). Ensaios experimentais relacionados à reprodução induzida da piabanha foram realizados por GIRARDI et al. (1993) com uso de extratos de hipófise de salmão e de carpa comum, associados ou não com hcg. ANDRADE-TALMELLI

26 26 (1997), estudando diferentes indutores hormonais para a reprodução da mesma espécie, obteve melhores resultados quando utilizou hcg em uma única dose de 5 UI/g de peso. PARRA (1995), no momento da segunda aplicação do indutor, testou diferentes dosagens de extrato de hipófise de carpa comum - 2,2; 3,3; 4,4 e 5,5mg, em yamú (Brycon siebenthalae). Este autor obteve melhores resultados quando utilizou as concentrações de 4,4 e 5,5 mg/kg. CECCARELLI e SENHORINI (1996), reproduzindo piracanjuba (Brycon orbignyanus) e matrinxã (Brycon lundii), obtiveram resultados positivos utilizando extrato hipofisário de carpa. As fêmeas receberam duas dosagens hormonais através de injeção intraperitonial, atrás da nadadeira peitoral. Na primeira dosagem cada fêmea recebeu de 0,4 a 0,5 mg/kg e após um intervalo de 8 a 12 horas, as mesmas fêmeas receberam de 4,0 a 5,0 mg/kg. Nos machos foi aplicada dose única de 0,5 mg/kg simultaneamente à aplicação da segunda dose nas fêmeas. Após a segunda dosagem hormonal, tanto para a piracanjuba quanto para a matrinxã, a desova ocorreu entre 150 e 220 horas-grau, numa temperatura de 27 a 30 C. Segundo ainda CECCARELLI e SENHORINI (1996), a quantidade de ovócitos de piracanjuba e matrinxã varia entre 10 e 15% de peso vivo das fêmeas e a quantidade de esperma dos machos é grande se comparada com o pacu e tambaqui. A incubação das larvas de piracanjuba e matrinxã foi feita, pelos autores acima citados, em uma densidade de 1000 a 1500 larvas por litro resultando em uma sobrevivência média de 75 a 95% totalizando um tempo de incubação entre 10 e 14 horas com temperatura entre 26 a 29 ºC. Para Brycon lundii, a quantidade de horas-grau médias para a obtenção das reproduções utilizando dose única de extrato bruto de hipófise de carpa foi de 216 ± 5, entretanto ao se usar duas dosagens esse período foi reduzido para 144 ± 3 horas-grau (SATO, 1999). COSTA et al. (2001), induzindo a piabanha (Brycon insignis), obtiveram as extrusões entre horas-grau (23 C). Ainda no mesmo experimento, os autores encontraram os seguintes resultados: 495 óvulos não hidratados/g de ova, com ovócito apresentando 1,7 ± 0,1 mm de diâmetro e alcançando 4,6 ± 0,3 mm de diâmetro após a hidratação. A fertilização foi realizada a seco e, após a hidratação, os ovos foram incubados em incubadoras cilíndrico-cônicas com

27 27 capacidade de 60 a 200 litros. A taxa média de fertilização foi de 87% para os óvulos extrusados, sendo maior que a obtida pelos mesmos autores para desova natural, após indução hormonal, dentro do tanque do laboratório (52%). BRANCO (1972) relata que por se tratarem de animais ectotérmicos, o metabolismo e as atividades biológicas dos peixes, em geral, são alterados com a variação da temperatura, podendo ser acelerados ou retardados em função dela. LOPES (1995), estudando a morfologia externa e a duração média dos estágios larvais de Brycon cephalus, observou que a eclosão, a uma temperatura média de 30 C, ocorreu após 10 horas e 30 minutos da fecundação (315 horasgrau). Outros autores encontraram temperaturas distintas para o desenvolvimento embrionário em outras espécies. KAMLER (1992), observou que a temperatura ótima para o desenvolvimento embrionário da carpa comum (Cyprinus carpio) varia de 14 a 24 C. Para o Tinca tinca este valor varia de 19 a 24 C (KOKUREWICZ, 1970). Para o bagre africano (Clarias garipinus), os melhores resultados no desenvolvimento embrionário foram à temperatura de 20 a 35 C (KAMLER et al. 1994). Blaxter (1969), Naesje e Jonson (1988) (citados por MACIEL JÚNIOR, 1996), acrescentaram que temperaturas elevadas podem acelerar o metabolismo e intensificar os movimentos do embrião e que, associados ao aumento da atividade das enzimas de eclosão, facilitam o rompimento do córion Hábito alimentar no gênero Brycon Na natureza, os peixes dispõem de grande variedade de alimentos, incluindo também nutrientes dissolvidos na água, os quais são ingeridos e absorvidos em parte, suprindo as necessidades nutricionais para seu desenvolvimento. De acordo com NUNES (1998) pode-se considerar alimento todo material tomado intencionalmente pelo indivíduo para atender suas funções vitais. Entretanto para Harris (1970) (citado por NUNES, 1998), alimento significa todo material comestível consumido e capaz de fornecer energia ou nutrientes para

28 28 sua dieta. Esta definição, embora mais completa, não leva em conta a alimentação via saco vitelínico e nem o aspecto da ingestão voluntária, que distingue a preferência alimentar de determinadas espécies (NUNES, 1998). O gênero Brycon apresenta hábito alimentar onívoro (Goulding, 1980)(citado por MENDONÇA et al. 1993; CONTE et al. 1995; BIZERRIL, 1998, MENIN et al. 1992), alimentando-se preferencialmente de frutos e sementes (MENDONÇA, 1996), o que levou Menezes (1969)(citado por PEREIRA-FILHO et al. 1995) a considerar o gênero como tendo hábito alimentar preferencialmente herbívoro. O hábito alimentar das diferentes espécies de peixes está relacionado à disponibilidade dos alimentos consumidos com mais freqüência pelos peixes no ambiente em que vivem, satisfazendo as necessidades dos nutrientes essenciais e de energia. Geralmente nos ecossistemas florestais, a matéria orgânica está concentrada nos primeiros centímetros de solos que normalmente possuem baixa capacidade de retenção de nutrientes. Perdas de nutrientes são ocasionadas por carreamento e lixiviação. Estes nutrientes podem chegar até os corpos d água sob várias formas: seja totalmente descaracterizados sob a forma de compostos orgânicos e inorgânicos ou até mesmo intactos oriunda da queda das flores, frutos e sementes, originários das matas ciliares. Estudos desenvolvidos em rios de regiões tropicais têm demonstrado que algumas espécies de peixes dependem de recursos alimentares alóctones (SABINO e CASTRO, 1990). PIZANGO-PAIMA et al. (2001), após a análise do conteúdo estomacal de 205 exemplares da espécie matrinxã (Brycon cephalus), coletados em ambiente natural durante um período de um ano, encontraram diferentes itens alimentares. Os itens de origem vegetal foram: sementes (51,4%), flores (26%) e frutos (9,5%). Segundo estes autores, a oferta alimentar está relacionada às oscilações do nível da água, existindo uma sazonalidade na dieta. A maior disponibilidade de proteína na dieta do matrinxã ocorre no período da seca, estando relacionada ao consumo de alimento de origem animal. Entretanto, no período da enchente e da cheia a alimentação é composta de frutos e sementes, o que refletiu no aumento da quantidade de energia consumida. No ambiente natural, durante a fase juvenil, a piabanha é ictiófaga e insetívora e eventualmente frugívora (frutas e sementes). Quando adulta come frutos, sementes, insetos e eventualmente pequenos peixes (GIRARDI et al.

29 ). ZANIBONI-FILHO (2002) relata que a dinâmica alimentar pode influenciar nos resultados das reproduções. O consumo contínuo de alimentos e o aumento dos depósitos lipídicos podem resultar em um menor desenvolvimento gonadal e por sua vez, em uma menor fecundidade devido à falta de espaço na cavidade abdominal para o desenvolvimento ovariano Aspectos etológicos e ontogênicos da fase larvar NAKATANI et al. (1997) constataram que as larvas de alguns grupos de peixes da planície de inundação do alto rio Paraná, que possuem comportamento essencialmente pelágico, são pouco pigmentadas. Ainda segundo os mesmos autores, mudanças no padrão de pigmentação ocorriam em larvas que passavam a explorar zonas litorâneas intensamente cobertas por macrófitas aquáticas e estas mudanças consistiam no desenvolvimento de máculas na região da e do corpo. SANTOS (1992) e MACIEL JÚNIOR (1996) estudando Prochilodus marggravii observaram que logo após a eclosão, as larvas apresentaram-se completamente despigmentadas. MACIEL JÚNIOR (1996) constatou que as larvas recém-eclodidas de Prochilodus marggravii apresentam em média as seguintes medidas biométricas: 3,922 mm (distância entre a extremidade anterior da cabeça e a extremidade posterior da notocorda), 2,977 mm (altura do corpo), 1,484 mm (comprimento do vitelo) e 0,735 mm (altura do vitelo). ANDRADE-TALMELLI (1997) observou que, na primeira hora após a eclosão, as larvas de piabanha (Brycon insignis) possuem 6,0 mm ± 0,22. Para outras espécies, SANTOS e GODINHO (1992) encontraram os seguintes comprimentos totais após a eclosão: 3,7 mm para o dourado (Salminus brasiliensis), 3,4 mm para o pacu (Piaractus mesopotamicus), 2,6 mm para o piau (Leporinus elongatus), 3,1 mm para o curimba (Prochilodus affinis), 3,2 mm para o curimatã-pacu (Prochilodus marggravii) e 3,3 mm para o pintado (Pseudoplatystoma coruscans).

30 30 REYNALTE-TATAJE et al. (2002), mensurando larvas de Steindachneridion scripta, encontraram os seguintes valores: comprimento total de 6,32 ± 0,16 mm, comprimento do vitelo de 1,62 ± 0,16 mm e altura do vitelo de 1,26 ± 0,13 mm. Alguns autores observaram a ocorrência do órgão de aderência em larvas de espécies brasileiras. SANTOS e GODINHO (1992) verificaram que o dourado Salminus brasiliensis utiliza o órgão de aderência e SATO (1999) verificou que esta estrutura também ocorre para Brycon lundii e Salminus hilarii. SANTOS e GODINHO (1992) observaram que o deslocamento das larvas de Salminus brasiliensis, Piaractus mesopotamicus, Leporinus elongatus, Prochilodus affinis, Prochilodus marggravii e Pseudoplatystoma coruscans, no sentido horizontal, iniciou no momento em que as nadadeiras peitorais e a bexiga gasosa estavam desenvolvidas e funcionais. BARAS et al. (2000), acompanhando a ontogênese de Brycon moorei, constataram que, após a primeira hora da eclosão, tal espécie apresentava a seguinte medida biométrica: 3,7 mm (comprimento total) e 0,4 mg (peso total). Ainda em relação à Brycon moorei, os mesmos autores, acompanhando a ontogenia inicial, fizeram as seguintes observações: a abertura do ânus deu-se na quinta hora após a eclosão, enquanto a abertura da boca iniciou-se na sexta hora sendo que, na nona hora, a boca estava completamente aberta. Vinte e quatro horas após a eclosão, as larvas de Brycon moorei possuíam em média 6,00 mm e 1,2 mg, e suas nadadeiras peitorais já se encontravam diferenciadas A alimentação das pós-larvas de peixes Segundo WOYNAROVICH e HORVÁTH (1983), o estágio de larva iniciase após a eclosão do embrião e termina quando a bexiga natatória enche-se de

31 31 ar, quando os movimentos natatórios são evidenciados e ocorre a alimentação exógena; neste momento, o animal passa a ser denominado pós-larva. A alimentação das larvas é considerada um dos fatores críticos da larvicultura e deve ocorrer logo após a diminuição das reservas lipídicas oriundas do saco vitelínico. Segundo Rosa Júnior e Schubart (1945), citados por MACIEL JÚNIOR (1996), a quantidade de vitelo das larvas de Prochilodus é suficiente para os três primeiros dias de vida; no quarto dia as larvas iniciam a alimentação exógena. A sobrevivência e o crescimento das pós-larvas dependem da quantidade e qualidade do alimento (zooplâncton) produzido no viveiro de criação. Estas variáveis serão mais elevadas quanto maior for a disponibilidade do alimento mais adequado (GEIGER, 1983). Após o enchimento da bexiga natatória, a larva necessita de alimento exógeno, o qual nem sempre está disponível, tornando crítica esta fase, uma vez que na falta de alimento adequado pode ocorrer elevada mortalidade (CECCARELLI e SENHORINI, 1996). Em larvas ictiófagas, a necessidade de alimento exógeno pode levar ao processo de canibalismo intraespecífico logo nas primeiras horas da alimentação exógena, provocando, neste caso, também, elevado índice de mortalidade, como ocorre com a larvicultura de Brycon lundii (WOYNÁROVITCH e WOYNÁROVITCH, 1991) e Brycon moorei (BARAS et al. 2000). CECCARELLI e SENHORINI (1996) citam que, na fase de procura de alimento das pós-larvas de piracanjuba e matrinxã, ocorre alta incidência de canibalismo entre 30 e 36 horas após a eclosão, quando não se adiciona alimento nas incubadoras. Estes autores preconizam de 5 a 7 larvas de peixe forrageiro para cada pós-larva de matrinxã, nesta fase. WOYNAROVICH e SATO, (1989), visando diminuir o canibalismo entre as pós-larvas de matrinxã (Brycon cephalus), forneceram larvas de curimbatá (Prochilodus scrofa) 34 horas após a eclosão dos ovos da matrinxã. LOPES et al. (1995), verificaram que o início do canibalismo entre larvas de Brycon cephalus ocorre 36 horas após a eclosão, a uma temperatura média de 30 C. As pós-larvas de matrinxã e piracanjuba apresentam preferência alimentar por crustáceos zooplanctônicos e larvas de insetos aquáticos (CECCARELLI e SENHORINI, 1996).

32 32 BARAS et al. (2000) observaram que a predação de pequenas presas, como náuplios de artêmia, iniciou-se após a décima oitava hora a partir da eclosão, enquanto o canibalismo só ocorreu após a vigésima primeira hora após a eclosão quando os dentes das pós-larvas de dorada (Brycon moorei) já estão formados. A maior parte do canibalismo entre as pós-larvas de Brycon moorei aconteceu após a vigésima quarta hora após o início da alimentação exógena. O mesmo autor inoculando náuplios de artêmia para a alimentação das pós-larvas de dorada, antes de a dentição estar formada, reduziu o canibalismo de 41 para 15 % promovendo um crescimento mais homogêneo e uma maior sobrevivência. O tamanho e habilidade de escape das presas são considerados como os principais fatores que influenciam a seleção alimentar das larvas de peixes (FREGADOLLI, 1993). O mesmo autor estudando a seleção alimentar das larvas de pacu e tambaqui, identificou quatro principais unidades de comportamento envolvidas na captura de uma presa com a seguinte seqüência de ocorrência: fixação, aproximação, ataque e captura. Ainda em relação ao trabalho de seleção alimentar, FREGADOLLI (1983), observou que com o crescimento e o desenvolvimento ontogenético da pós-larva predadora, ocorre um aumento na capacidade de capturar e ingerir as presas maiores e mais evasivas. As póslarvas de pacu e tambaqui, com 13,0 a 17,0 mm de comprimento padrão, selecionaram preferencialmente a larva de mosquito quando esta foi fornecida junto com cladóceros. Mesmo as pós-larvas que estavam habituadas apenas com presas zooplanctônicas e capturando preferencialmente cladóceros preferiram a larva de mosquito. BARAS et al. (2000), observando o canibalismo entre Brycon moorei, e baseados em 47 observações, constataram que as presas são atacadas primeiramente pela cabeça ou pela cauda, em uma proporção de 12 a 7% e de 4 a 2% respectivamente. Porém, para estes autores, as capturas mais freqüentes (80 a 89%) ocorrem por ataques laterais com o predador agarrando o pedúnculo caudal da presa, girando-a progressivamente até o momento de ingestão, no caso pela região caudal. Como dado ecológico, BARAS et al. (2000) afirmam que a espécie bocachico (Prochilodus magdalena) é o maior componente da assembléia de peixes do rio Magdalena e sua desova ocorre simultaneamente à desova da dorada (Brycon moorei). O bocachico, por possuir alta fecundidade e larvas com

33 33 um menor comprimento total (de 5 a 8 mm), é utilizado como larva forrageira para a alimentação da pós-larva da dorada Larvicultura PEDREIRA (2001) observou que a administração de ração comercial, três dias após a eclosão, aumentou a sobrevivência da piracanjuba na larvicultura, entretanto, quando as pós-larvas foram alimentadas exclusivamente com ração na primeira semana de vida, a sobrevivência foi baixa ( 1.0%). BARAS et al. (2000) citaram que as pós-larvas de dorada (Brycon moorei) foram criadas extensivamente em viveiros com baixa densidade de estocagem ( 100 pós-larvas/m²). GOMES et al. (2000), estudando o efeito da densidade de estocagem para a matrinxã (Brycon cephalus), obtiveram o melhor resultado utilizando 120 larvas/m². PEDREIRA (2003) comparou o efeito de três tipos de cultivo (aeração com pedras porosas, air-lift e recirculação em sistema fechado) na sobrevivência e desenvolvimento das larvas de piracanjuba (Brycon orbignyanus) visando avaliar a qualidade da água após cada sistema. Senhorini (1999) citado por PEDREIRA (2003), estocando pós-larvas de Brycon orbigyanus com sessenta e duas horas de vida em uma densidade de estocagem de 0,02 a 0,03 pós-larva/litro em tanques de 350 m² obteve 40,1 ± 7,0% de sobrevivência. ANDRADE-TALMELLI et al. (2001) acompanhando a larvicultura da piabanha (Brycon insignis), em tanques de 200 m², previamente preparados, contendo uma produção planctônica composta de rotíferos, cladóceros além de larvas forrageiras de curimba, observaram que, após o quinto dia de alevinagem, as pós-larvas atingiram um comprimento total médio de 1,2 cm ± 0,24. Prosseguindo a biometria, os mesmos autores, após o décimo quinto dia, constataram um comprimento total médio de 3,4 cm ± 0,39.

34 4. MATERIAL E MÉTODOS 34

35 Local e época de trabalho O experimento foi realizado no período de dezembro de 1999 a março de As reproduções induzidas, incubações e acompanhamento do crescimento de piabanhas foram conduzidos nas instalações do centro de produção de alevinos da ONG Projeto Piabanha, localizada no município de Itaocara (RJ), latitude S e longitude W. O clima da região é quente e úmido no verão e frio e seco no inverno. No verão, a temperatura máxima da água chega a 33 C. No inverno, durante dois meses, a temperatura mínima chega a atingir 18 C. As primeiras chuvas ocorrem na primavera, no início do mês de novembro. As análises experimentais assim como as medições de larvas e alevinos foram feitas no Setor de Aqüicultura do Laboratório de Zootecnia e Nutrição Animal do Centro de Ciências Tecnológicas Agropecuárias, localizado na Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro, em Campos dos Goytacazes - RJ Plantel de reprodutores Os reprodutores utilizados foram oriundos dos lotes de Brycon insignis que compõem o plantel do Projeto Piabanha/Associação de Pescadores e Amigos do Rio Paraíba do Sul - (APARPS). Estes lotes foram compostos por peixes capturados em diversos pontos da bacia hidrográfica do rio Paraíba do Sul (estoque fundador) e por peixes pertencentes a gerações F1 que estavam estocados, separadamente, em tanques de terra de m², segundo os

36 36 critérios genéticos utilizados por TOLEDO FILHO (1992). Ao todo foram utilizados 43 fêmeas e 60 machos de piabanha. Durante o período pré-experimental a densidade de estocagem dos reprodutores foi de um peixe para cada três m². Os reprodutores eram alimentados com ração comercial extrusada. O nível de proteína e a quantidade ofertada variaram conforme o período do ano. Nos quatro meses que antecediam a desova (fase de pré desova), era ministrada ração contendo 36% de proteína bruta (PB), duas vezes ao dia, a 3% da biomassa. Nos oito meses seguintes após a fase de pós desova, foi ministrada ração contendo 32% de PB, uma vez ao dia, a 2% da biomassa. Tal procedimento visou evitar o acúmulo excessivo de gordura na época da desova Seleção e preparo dos reprodutores para o processo de indução Três meses antes do início do período reprodutivo, foram feitas amostragens mensais nos tanques de estocagem de reprodutores, utilizando rede de arrasto, visando observar a evolução dos sinais externos de maturação gonadal nas fêmeas e nos machos. Para as fêmeas, os critérios utilizados para a escolha dos reprodutores foram a presença de abdome avolumado e flácido e a de papila urogenital hiperemiada e saliente. Para os machos os critérios foram a ocorrência de fluidez de sêmen após massagem abdominal, e a de aspereza acentuada nos raios da nadadeira anal. Os peixes selecionados foram conduzidos ao laboratório de reprodução em recipientes apropriados, com capacidade volumétrica de 50 litros. A distância dos tanques de estocagem de reprodutores ao laboratório de reprodução era inferior a 100 m, o que permitiu o transporte sem o uso de aeração ou anestésico. No laboratório de reprodução os peixes foram alojados em tanques de concreto de três m 3 (2 m de comprimento x 1,5 m de largura x 1 m de altura). Em seguida, um peixe por vez foi anestesiado utilizando-se solução de benzocaína na proporção de 10 ml de anestésico/50litros de água em recipiente similar ao utilizado para o transporte. Oito minutos após a imersão nesta solução, o peixe

37 37 encontrava-se sedado, sendo, então, pesado para a obtenção do peso total, o que possibilitou determinar a dose individual de hormônio. A pesagem foi feita com auxílio de dinamômetro, com precisão de 50g. Logo após, os peixes foram novamente alojados nos tanques de concreto do laboratório de reprodução na proporção de um ou dois casais para cada tanque. A renovação de água foi constante na proporção de três litros por minuto. Na figura 3 pode-se observar os sinais externos de maturação gonadal da fêmea de piabanha Brycon insignis. Figura 3 Fêmea de piabanha apresentando abdome avolumado e papila genital hiperemiada Indução hormonal O indutor utilizado para maturação gonadal foi a hipófise desidratada de carpa comum, na forma de extrato bruto, injetado na base da nadadeira pélvica ou da nadadeira peitoral. As fêmeas receberam duas dosagens, sendo a primeira de 0,5 mg de hipófise/kg de peso vivo e a segunda de 5,0 mg de hipófise/kg de peso vivo, com intervalo de doses de 08 a 14 horas. Os machos receberam uma única dose, na concentração de 2,5 mg de hipófise/kg de peso vivo, simultaneamente à segunda dose das fêmeas. Esta metodologia foi uma adaptação da técnica descrita por WOYNAROVICH e HORVÁTH (1983).

38 38 Nas figuras 4 e 5, pode-se observar a aplicação do extrato de hipófise em uma fêmea de piabanha. Para a obtenção do extrato hipofisário, as hipófises foram maceradas utilizando pistilo e cadinho de porcelana e, a seguir, foi adicionado soro fisiológico na proporção de 1 ml /kg peixe. Uma fração deste preparado foi imediatamente aplicada nas fêmeas, sendo o restante acondicionado em seringas de 3 a 5 ml e armazenado em geladeira a 5 C para ser aplicado na segunda dose das fêmeas e na dose única dos machos, respeitando-se as doses anteriormente citadas. O tempo de armazenamento foi de 8 a 14 horas.

39 39 Figura 4 Fêmea de Brycon insignis recebendo a aplicação da primeira dose de extrato de hipófise na base da nadadeira pélvica. Figura 5 Fêmea de Brycon insignis recebendo a aplicação da segunda dose de extrato de hipófise na base da nadadeira pélvica. Notar o ventre abaulado e papila genital hiperemiada. Após a segunda dosagem, a temperatura foi monitorada a cada hora visando à obtenção do valor de horas-grau (HG), que é o somatório das temperaturas a cada intervalo de uma hora. Foram feitas correlações entre o valor de HG e a ocorrência de desova, entre a temperatura do tanque de reprodução e as horas-grau para extrusão dos ovócitos (desova), entre o peso do reprodutor e HG para a desova, entre o peso do reprodutor e o peso da massa de ovócitos extrusados e entre a massa de ovócitos extrusados e o número de ovócitos por grama de desova. O oxigênio dissolvido, o ph e a condutividade foram monitorados no momento da aplicação da primeira dose de hipófise e no momento da desova, utilizando-se, respectivamente, oxímetro eletrônico com precisão de 0,01 mg /L de água, peagâmetro eletrônico com precisão de duas casas decimais e condutivímetro eletrônico com precisão de 1µS.

40 Comportamento dos reprodutores durante o processo de indução de desova Durante o processo de hipofisação, foi realizada a observação visual e constante dos reprodutores nos tanques onde estavam alojados, visando descrever à possível ocorrência de comportamento agressivo, comportamento de corte e de sinais indicadores do momento da ovulação Extrusão dos gametas A extrusão dos gametas foi a seco; para tal, os reprodutores tiveram suas papilas genitais e regiões adjacentes enxugadas, com auxílio de tolhas de algodão, antes da coleta dos gametas extrusados mediante a massagem abdominal no sentido crânio-caudal. Coletou-se os ovócitos em uma bacia plástica, previamente seca, procedeu-se à pesagem dos mesmos e, a seguir, o sêmen foi adicionado sobre os ovócitos. O peso da massa dos ovócitos extrusados foi obtido com auxílio de balança eletrônica digital com precisão de 0,01 g. Este dado foi correlacionado com o peso total da fêmea e fertilidade. Para a estimativa do número total de ovócitos em cada desova, foram coletadas três amostras de 1 g para posterior contagem. Os gametas masculinos e femininos foram misturados com auxílio de uma colher de plástico em movimentos suaves e circulares. Apenas após a homogeneização, foi adicionada a água, possibilitando assim a movimentação dos espermatozóides e a fertilização dos ovócitos. Nas figuras 6 e 7, pode-se observar a extrusão de ovócitos e sêmen de reprodutores de piabanha.

41 Figura 6 Extrusão dos ovócitos de piabanha. 41

42 42 Figura 7 - Extrusão do sêmen de piabanha Avaliação do ovo durante o processo de hidratação Antes e após a fertilização, alíquotas de ovócitos e ovos respectivamente, foram separadas para posterior caracterização da conformação, coloração e adesividade. A conformação e a coloração foram avaliadas visualmente, já a adesividade foi avaliada indiretamente pela ocorrência ou não de ovócitos e ovos aderidos às paredes da incubadora. Ovócitos e ovos foram medidos individualmente utilizando-se ocular micrométrica acoplada a um microscópio estereoscópio, com aumento de 40X, obtendo-se o diâmetro médio do ovo não hidratado, o diâmetro médio do ovo hidratado e o peso pós-hidratação de um grama de ovócitos. Para mensurar o tempo necessário para o endurecimento do córion, foram coletados ovos fertilizados a cada um minuto, e estes foram, a cada dois minutos, submetidos a uma leve pressão entre os dedos para determinar o momento em que a resistência do córion fosse estabilizada Incubação dos ovos Os ovos foram incubados em incubadoras cilíndrico-cônicas de 60, 160 e 200 litros, em densidade de 0,5 grama de ovos/litro. Com o objetivo de promover aporte de oxigênio para ovos e larvas e a retirada de metabólitos, foi mantida uma vazão de água de valor constante. Esta vazão variou em função do tamanho da incubadora e seu valor era avaliado indiretamente pela posição dos ovócitos, os quais eram mantidos circulando no terço inferior da incubadora.