R E L A T Ó R I O. A inicial acusatória entendeu que a conduta do réu se adequaria ao tipo definido no artigo 312 do Código Penal.

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1 AÇÃO PENAL PÚBLICA (PROCEDIMENTO CRIMINAL COMUM) CE ( ) AUTOR : JUSTIÇA PÚBLICA INDIC : CARLOMANO GOMES MARQUES ADV/PROC : FRANCISCO MONTEIRO DA SILVA VIANA E OUTRO PROC. ORIGINÁRIO : ( ) RELATOR CONVOCADO: DESEMBARGADOR FEDERAL FREDERICO WILDSON DA SILVA DANTAS R E L A T Ó R I O O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL FREDERICO WILDSON DA SILVA DANTAS (RELATOR CONVOCADO): O Ministério Público Federal apresentou a Denúncia nº 24/2002 em desfavor do ex-deputado Estadual pelo Ceará Carlomano Gomes Marques, narrando que no ano de 1992 o extinto Ministério do Bem Estar Social repassou à Associação do Desenvolvimento Comunitário de Vila Antonico, em Quixelô, no Ceará, o montante de CR$ ,00. Afirma, no entanto, que desse total, CR$ ,00 foram desviados para a conta-corrente de Francisco Lemos Ferreira, motorista da Assembléia Legislativa do Ceará que estava à disposição do réu, tendo aquele sacado o total desviado e entregue no gabinete do denunciado. A inicial acusatória entendeu que a conduta do réu se adequaria ao tipo definido no artigo 312 do Código Penal. Com as respostas, diz o investigado que a denúncia é inepta, posto que omissa e contraditória, impossibilitando o regular exercício do direito de defesa. Afirma que a mesma não contém a informação de qual teria sido a real participação do acusado nos atos ilícitos que lhes são atribuídos e que houve a prescrição da pretensão punitiva estatal, impondo-se, portanto, a decretação da extinção da punibilidade. Por fim, alega que não restou provado nos autos que o denunciado tenha praticado qualquer delito. O Pleno desta Corte, ao receber a denúncia, deu nova definição jurídica ao fato, visto tratar-se de estelionato e não de peculato, em acórdão que restou assim ementado: PENAL. PROCESSUAL PENAL. INQUÉRITO. DESVIO DE VERBAS PÚBLICAS. DEPUTADO ESTADUAL. COMPETÊNCIA. INÉPCIA DA DENÚNCIA. INOCORRÊNCIA. TIPIFICAÇÃO. NOVA DEFINIÇÃO JURÍDICA. RECEBIMENTO. 1. Não é inepta a denúncia que expõe os fatos tidos por delituosos, a qualificação do acusado e a classificação do crime. 2. Se com as respostas, o denunciado não demonstra, de pronto, a ocorrência de qualquer das hipóteses do artigo 43 do Código de Processo Penal, a denúncia não deve ser rejeitada. 3. O réu se defende dos fatos e não da tipificação carreada a priori pelo parquet. Verificando o julgador que os fatos narrados na exordial tipificam, em tese, outro crime que não o elencado, recebe-se a denúncia dando-se nova definição jurídica ao ilícito. 4. Denúncia recebida _ _ doc Página 1 de 7

2 PODER JUDICIÁRIO Ante esta decisão, foram opostos embargos de declaração que foram, à unanimidade, rejeitados e assim publicada a decisão: Processual penal. Embargos de declaração. Alegação de nulidade por ausência de notificação pessoal para a sessão em que se apreciaria o recebimento da denúncia. Intimação efetivada pela publicação no Diário da Justiça. Embargos rejeitados. O réu foi interrogado, ocasião na qual propugnou sua inocência, creditando a denúncia a retaliações de ordem política (fl. 338/339). Apresentada defesa prévia, sustentou-se, como preliminares, a inépcia da denúncia, bem como a ocorrência da extinção da punibilidade pela prescrição. No mérito, o réu afirmou que sequer conhecia a entidade beneficiada com o repasse de verbas do Ministério do Bem Estar Social, não tendo portanto conhecimento sobre os fatos nem qualquer participação neles, reafirmando sua primariedade e outros aspectos de índole pessoal que testemunhariam a seu favor elencando, ao final, o rol de testemunhas (fls. 341/355). sete pela defesa. Foram ouvidas duas testemunhas relacionadas pela acusação e Nos termos do artigo 10 da Lei nº 8.028/1990, foram intimadas a acusação e a defesa para requererem diligências. O Ministério Público nada requereu. A defesa, por sua vez, requereu "a realização de perícia grafotécnica e grafológica requerendo que seja realizada perícia técnica nos cheques supostamente depositados na conta do referido motorista para aclarar a verdade real dos autos, requerendo seja o acusado intimado oportuno tempore para apresente quesitos periciais bem como indicar assistente técnico" (fl.508). Em decisão da Dra. Nilcéa Maria Barbosa Maggi, desembargadora substituta, tal diligência foi indeferida com os seguintes fundamentos: Não pairam dúvidas quanto às emissões dos referidos cheques, visto que a presidente da associação beneficiada pelo repasse dos recursos federais assim testemunhou. Mesma conclusão quanto à destinação deles, todos depositados na conta do motorista do réu, conforme rastreamento procedido pelo Banco Central do Brasil (fl. 71) Assim, entendo que a perícia requerida não vai em nada contribuir para "aclarar a verdade real dos autos", contribuindo apenas para a demora no julgamento do mérito da ação. Com essas considerações, indefiro a diligência requerida. Nos termos do artigo 11 da Lei nº 8.038/1990, intimem-se a acusação e a defesa para, sucessivamente, apresentarem, no prazo de 15 (quinze) dias, alegações escritas. Publique-se. Recife, 13 de agosto de (fl.510) _ _ doc Página 2 de 7

3 PODER JUDICIÁRIO Nas alegações finais, o Ministério Público Federal sustenta que os fatos restaram provados, visto que houve o depósito da conta-corrente do motorista do réu e ocorreram os respectivos saques, bem como a entrega dos valores em seu gabinete conforme confessado pelo motorista na Polícia Federal e admitido pelo réu em Juízo (fls. 511/515). Em suas alegações finais, o réu volta a se referir à inépcia da denúncia e à ocorrência da extinção da punibilidade. No mérito, reafirma que não há provas de que tenha participado do ilícito reportado, ou mesmo que sabia de sua ocorrência, requerendo a absolvição (fls. 516/531) É o relatório. Desembargador Federal Frederico Wildson da Silva Dantas Relator Convocado _ _ doc Página 3 de 7

4 AÇÃO PENAL PÚBLICA (PROCEDIMENTO CRIMINAL COMUM) CE ( ) AUTOR : JUSTIÇA PÚBLICA INDIC : CARLOMANO GOMES MARQUES ADV/PROC : FRANCISCO MONTEIRO DA SILVA VIANA E OUTRO PROC. ORIGINÁRIO : ( ) RELATOR CONVOCADO: DESEMBARGADOR FEDERAL FREDERICO WILDSON DA SILVA DANTAS EMENTA: Penal e Processual Penal. Verba repassada pelo Ministério do Bem Estar Social a uma associação comunitária. Obtenção indevida de trinta por cento do total repassado à associação utilizando-se a conta-corrente de terceiro para a movimentação dos valores. Alegação de inépcia da denúncia e de extinção da punibilidade pelo advento da prescrição. Peça delatória que preenche os requisitos legais para o seu recebimento. Lapso prescricional não atingido, visto, nesta fase, calcular-se pelo máximo da pena em abstrato. Materialidade elucidada pela análise de movimentação bancária, dando conta da transferência indevida de valores para a conta de terceiro, bem como dos respectivos saques. Autoria identificada por meio de prova testemunhal que indicou a destinação dos recursos sacados. Procedência da pretensão punitiva. Considerando a pena concretamente aplicada e verificando que entre os primeiros marcos interruptivos da prescrição mais de dez anos se passou, forçoso é declarar extinta a punibilidade do réu pelo advento da prescrição da pretensão punitiva. V O T O O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL FREDERICO WILDSON DA SILVA DANTAS (RELATOR CONVOCADO): A denúncia expõe que no ano de 1992 o extinto Ministério do Bem Estar Social repassou à Associação do Desenvolvimento Comunitário de Vila Antonico, em Quixelô, no Ceará, o montante de CR$ ,00, no entanto, desse total, CR$ ,00 foram desviados para a conta-corrente de Francisco Lemos Ferreira, motorista da Assembléia Legislativa do Ceará que estava à disposição do réu, tendo aquele sacado o total desviado e entregue no gabinete do denunciado. Tem-se assim, que o fato criminoso está exposto com todas as suas circunstâncias, além de a denúncia constar a qualificação do acusado, a classificação do crime e o rol das testemunhas, não havendo que se falar em inépcia da denúncia, como já decidiu o Pleno desta Corte quando do recebimento da peça delatória. Quanto à alegação de ocorrência da extinção da punibilidade, tenho que, a priori, esta não se operou, visto que nesta fase processual calcula-se a prescrição pelo máximo da pena cominada ao ilícito. Assim sendo, o lapso prescricional para o seu caso é de doze anos, tempo não transcorrido. Passo à análise do mérito. A materialidade do ilícito está devidamente demonstrada, visto que há provas materiais dando conta das transferências indevidas de valores para a conta do motorista do ex-deputado (fls. 90/92), bem como do respectivo saque (fl. 93). Quanto à autoria, tem-se que o motorista do deputado, por orientação do mesmo, cedeu sua conta-corrente para receber depósitos de terceiros e, após a efetivação dos mesmos, efetuou o saque e entregou no gabinete do ex-deputado _ _ doc Página 4 de 7

5 Tais fatos podem ser comprovados pelos depoimentos dos envolvidos no caso, conforme se vê adiante. "QUE não sabe dizer para quem entregou o dinheiro do cheque de TRINTA MILHÕES DE CRUZEIROS, mas que só entregava dinheiro, quando trocava cheque, para o Deputado e que realmente o declarante não tem nada a ver com isso, pois apenas fazia o que o seu chefe mandava e que mais uma vez afirma que não se recorda para quem entregou o dinheiro e que diz o declarante que só entregava dinheiro quando trocava cheque para o CARLOMANO" (Declaração de Francisco Lemos Ferreira - fl. 31). "QUE com referência aos sos 03 cheques de fls. 142/144, afirma o declarante que foram depositados na sua conta mas não sabe quem fez esses depósitos, no entanto afirma que foi o Deputado CARLOMANO MARQUES quem pediu para que o reinquirido emitisse um cheque seu no valor dos três cheques anteriormente depositados em sua conta e fosse ao banco e sacasse a importância e o reinquirido trouxe a importância e entregou a uma pessoa que não conhece mas que estava naquele dia com CARLOMANO MARQUES; QUE afirma o reinquirido que entregou o pacote de dinheiro que recebeu do banco a uma pessoa que estava com o Deputado CARLOMANO MARQUES (Declaração de Francisco Lemos Ferreira - fl. 32) "QUE realmente teve depositado na sua conta bancária a quantia de Cr$ ,00; QUE não sabe de onde veio esse dinheiro; QUE uma pessoa, da qual o depoente não sabe o nome, pediu o número da conta-corrente do depoente, no gabinete do deputado Pinheiro Landim; QUE o depoente entregou o número de sua conta-corrente a pedido de Carlomano; QUE Carlomano não disse ao depoente qual era o motivo da utilização da conta do depoente" (Depoimento de Francisco Lemos Ferreira - fl. 381) "QUE Francisco Lemos Ferreira é pessoa de sua confiança há mais de duas décadas, fazendo-lhe várias tarefas, dentre os quais lhe confia a tarefa de transportar os seus filhos; QUE não lembra desse caso especificamente; QUE sabe com certeza que atende uma gama de pleitos que lhes chegam em seu gabinete; QUE o que deve ter ocorrido é que solicitou a seu funcionário, Sr. Francisco Lemos, para atender esse grupo" (Interrogatório do réu - fl. 337) Assim, pelos elementos de prova da materialidade e autoria criminosas, julgo procedente a pretensão acusatória, tendo o réu como incurso nas penas do crime de estelionato, visto ter havido a sua participação efetiva na obtenção de vantagem ilícita, mantendo o extinto Ministério do Bem Estar Social em erro, mediante o artifício de usar a conta-corrente de terceiro para desviar recursos. A culpabilidade do réu deve ser considerada de grau elevado, tendo em vista ser à época Deputado Estadual, nobre função que implica em atuar fiscalizando as contas do Poder Executivo, tendo o mesmo não só se desviado de sua função mas atuando como estelionatário, envolvendo um terceiro em sua empreitada criminosa. Os antecedentes do réu não demonstram ser pessoa voltada para as atividades criminosas. Quanto à conduta social e à personalidade do agente, não há nos autos elementos que deponham contra si. Os motivos da prática criminosa são os típicos para o crime em testilha _ _ doc Página 5 de 7

6 PODER JUDICIÁRIO As circunstâncias, bem como as consequências do crime não constituem gravame ao réu, visto não haver nelas elementos que requeiram maior reprimenda. A vítima não contribuiu para o ilícito, circunstância que pesa contra o agente. Por essas razões, fixo a pena-base em um ano de reclusão. Não há atenuantes ou agravantes gerais, bem como causa de diminuição. No entanto, há a causa de aumento definida no 3º do artigo 171 do Código Penal, motivo pelo qual majoro a pena em um terço, resultando na pena final de um ano e quatro meses de reclusão. Observando que a pena é inferior a quatro anos e que as circunstância judiciais assim o autorizam, fixo o regime inicial de cumprimento da pena de reclusão em regime aberto. Quanto à pena de multa, considerando a análise das circunstâncias judiciais, fixo-a em trinta dias-multa, à razão de um salário-mínimo vigente à época dos fatos, devidamente corrigidos quando da execução. A extinção da punibilidade pelo advento da prescrição é matéria de ordem pública, devendo ser declarada pelo julgador a qualquer tempo, consoante estabelece a Lei Adjetiva Penal em seu artigo 61. Condenado o réu a um ano e quatro meses de reclusão, ocorre a prescrição em 4 anos, a teor do artigo 109, V da Lei Substantiva Penal. Entre a época do ilícito (1992) e a época do recebimento da denúncia (2003), transcorreu mais de dez anos, daí a verificação da prescrição da pretensão punitiva, esta regulada pela pena concretamente aplicada. Por essas razões, declaro extinta a punibilidade do réu. É como voto. Desembargador Federal Frederico Wildson da Silva Dantas Relator Convocado _ _ doc Página 6 de 7

7 AÇÃO PENAL PÚBLICA (PROCEDIMENTO CRIMINAL COMUM) CE ( ) AUTOR : JUSTIÇA PÚBLICA INDIC : CARLOMANO GOMES MARQUES ADV/PROC : FRANCISCO MONTEIRO DA SILVA VIANA E OUTRO PROC. ORIGINÁRIO : ( ) RELATOR :DESEMBARGADOR FEDERAL LÁZARO GUIMARÃES EMENTA: Penal e Processual Penal. Verba repassada pelo Ministério do Bem Estar Social a uma associação comunitária. Obtenção indevida de trinta por cento do total repassado à associação utilizando-se a conta-corrente de terceiro para a movimentação dos valores. Alegação de inépcia da denúncia e de extinção da punibilidade pelo advento da prescrição. Peça delatória que preenche os requisitos legais para o seu recebimento. Lapso prescricional não atingido, visto, nesta fase, calcular-se pelo máximo da pena em abstrato. Materialidade elucidada pela análise de movimentação bancária, dando conta da transferência indevida de valores para a conta de terceiro, bem como dos respectivos saques. Autoria identificada por meio de prova testemunhal que indicou a destinação dos recursos sacados. Procedência da pretensão punitiva. Considerando a pena concretamente aplicada e verificando que entre os primeiros marcos interruptivos da prescrição mais de dez anos se passou, forçoso é declarar extinta a punibilidade do réu pelo advento da prescrição da pretensão punitiva. ACÓRDÃO Vistos etc. Prosseguindo o julgamento, decide o Pleno do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, por maioria, julgar procedente a ação penal, fixando a pena do réu em um ano e quatro meses de reclusão, reconhecendo, em seguida a extinção da punibilidade em face da prescrição, nos termos do voto do relator. Vencidos, parcialmente, os Exmos. Srs. Desembargadores Federais MARCELO NAVARRO, MANOEL ERHARDT e, em maior extensão, os Desembargadores FRANCISCO CAVALCANTI e BARROS DIAS que também julgavam procedente a ação mas, enquadrando a conduta como peculato. Recife, 14 de abril de (data do julgamento) Desembargador Federal Lázaro Guimarães Relator _ _ doc Página 7 de 7