Sumário: Registo da propriedade de veículos ao abrigo do regime transitório especial consagrado no Decreto-Lei n.º 20/2008, de 31 de Janeiro.

Tamanho: px
Começar a partir da página:

Download "Sumário: Registo da propriedade de veículos ao abrigo do regime transitório especial consagrado no Decreto-Lei n.º 20/2008, de 31 de Janeiro."

Transcrição

1 P.º R. Bm. 4/2008 SJC-CT Sumário: Registo da propriedade de veículos ao abrigo do regime transitório especial consagrado no Decreto-Lei n.º 20/2008, de 31 de Janeiro. Recorrente: Manuel. Recorrida: Conservatória do Registo de Veículos do. Relatório: 1 O presente recurso hierárquico vem deduzido contra o despacho de recusa que recaiu sobre o pedido de registo do automóvel com a matrícula «24-», a favor de Ângelo, anotado no Diário sob o n.º 2 817, em 18 de Fevereiro de 2008, na Conservatória do Registo de Veículos do. No requerimento apresentado por Manuel na qualidade de vendedor (Modelo 2 Declaração para venda, com base em contrato verbal de compra e venda), este indica como comprador o referido Ângelo e declara que a respectiva venda foi efectuada em 25 de Julho de No dia imediatamente a seguir a Senhora Conservadora notificou a parte não requerente, informando-a de que poderá deduzir oposição no prazo de dez dias, o que veio a acontecer em 4 de Março de O oponente contesta que o veículo em causa lhe pertença, pois a sua intervenção neste caso ficou circunscrita às diligências que encetou para encontrar um interessado na compra daquele veículo a pedido do chefe de vendas da «A, S.A.», entidade empregadora do seu filho. Na sequência dessas diligências encontrou um comprador o Sr. Emídio. Este, em 23 de Julho de 2005, subscreveu uma declaração (de que junta fotocópia) da qual consta que comprou o automóvel por 800, e assumiu a 1

2 responsabilidade por todas as infracções, acidentes ou prejuízos que a viatura viesse a ocasionar enquanto não estiver registado no seu nome. Declarou, ainda, ter recebido toda a documentação respeitante à viatura em causa. 2.2 A oposição foi julgada procedente tendo em conta as declarações do oponente aliadas à falta de documentos comprovativos da aquisição da propriedade do veículo a favor deste. Em consequência de tal, o requisitante do registo foi notificado da recusa do mesmo e o oponente da procedência da oposição 1. 3 O despacho de recusa do registo pedido não mereceu concordância do requerente que, inconformado, contra ele deduziu recurso hierárquico nos termos e com os fundamentos que aqui se dão por integralmente reproduzidos, dos quais destacamos, particularmente os seguintes: 3.1 As declarações proferidas pelo oponente não correspondem à verdade dos factos. Com efeito, o ora recorrente nunca lhe pediu nem lhe conferiu qualquer autorização para proceder à venda do referido veículo e, sendo assim, como seria possível o oponente proceder à sua venda se não o tivesse comprado? O recorrente só teve conhecimento de que o registo do veículo ainda não tinha sido efectuado a favor do comprador quando foi surpreendido com a notificação das autoridades para pagamento de uma multa correspondente a uma infracção cometida em determinada rua da cidade do. Contactado o filho do oponente este assumiu de imediato ser o responsável pela infracção, uma vez que, naquela data, detinha o veículo na sua posse. 1 Em cumprimento do despacho n.º 17/2008, do Senhor Presidente do Instituto dos Registos e do Notariado, I.P., a conservatória comunicou também ao Ministério Público que se encontrava por regularizar a situação registral referente ao veículo em causa, para efeitos de apreensão do veículo prevista no artigo 162.º, n.º 1, alínea e), do Código da Estrada. Contudo, os Serviços do Ministério Público vieram informar que as autoridades de investigação criminal apenas terão competência para determinar ou proceder à apreensão quando esteja em causa a prática de um crime, o que de forma alguma resulta do expediente enviado. De qualquer modo, é evidente que não compete ao Ministério Público junto dos Juízos Cíveis determinar a apreensão do veículo em causa, pelo que procedem à devolução de todo o expediente à respectiva Conservatória. 2

3 3.2 O recorrente vem ainda, nesta fase, apresentar uma declaração de compra e venda, datada de 25 de Julho de 2005, onde figura como vendedor e o Sr. Ângelo como comprador 2. 2 A Senhora Conservadora informou o SJC que a referida declaração de compra e venda «foi recebida juntamente com a interposição do recurso hierárquico». Relativamente à junção de novos documentos em momento posterior ao da qualificação do pedido de registo, com vista à sua requalificação, este Conselho tem defendido sucessivamente que os mesmos, ainda que pertinentes se tempestivamente apresentados, não podem ser tidos em consideração na apreciação do acto impugnado, pelo que devem ser retirados do processo e restituídos ao impugnante. Cfr., entre outros, o parecer proferido no proc.º n.º R.P.120/2000DSJ-CT, in BRN n.ºs 11/2000, II caderno, pág. 20. Curiosamente, porém, a Senhora Conservadora, com base no aludido documento apresentado com a petição do recurso hierárquico, em vez de proceder à restituição dos documentos ao interessado, por serem extemporâneos, procedeu novamente à anotação do pedido no Diário sob o n.º 8 101, de 15 de Abril de 2008, a qual se encontra ainda pendente. Justifica a actuação alegando que a Conservatória utiliza esse expediente para, no caso de não conseguir fazer o registo com a data do acto recusado (por o sistema poder vir a assumir aquele acto como findo), e o recurso vir a ser julgado procedente, acautelar a situação registral. Na verdade, não vemos como tal possa acontecer mas se efectivamente acontece deve diligenciar-se no sentido de se pôr cobro a essa situação, uma vez que tendo sido apresentado o pedido de registo e enquanto a decisão proferida não se tornar definitiva o sistema deve permitir registar o facto com a apresentação que inicialmente lhe coube, sob pena de colisão com o princípio da prioridade. Consabidamente, os factos sujeitos a registo são efectuados a pedido dos interessados e com base em prova documental bastante, salvo os casos de oficiosidade previstos na lei artigos 11.º e 25.º do Regulamento do Registo de Automóveis. Pese embora o Registo se destine à publicitação dos factos a ele sujeitos, com vista à segurança do comércio jurídico, é preciso que a instância seja desencadeada pelo interessado, estando reservada ao conservador a função de qualificar o pedido observando o princípio da legalidade vd. proc.º n.º R.Bm.1/2000DSJ-CT, in BRN n.º 10/2000, II, pág. 17. No que concerne ao registo da propriedade de veículos, concretamente ao caso configurado nos autos, o princípio da instância concretiza-se mediante a apresentação do pedido de registo pelo interessado, fundado em contrato verbal de compra e venda, fixando-se com a anotação daquele pedido a prioridade do registo. Ora, a apresentação duplicante (ap , de 15 de Abril de 2008) não corresponde, in casu, a qualquer instância (nem consta que tenha sido cobrado qualquer emolumento). Acresce ainda que todos os documentos apresentados para instrução do processo registral devem ser entregues aquando da apresentação do requerimento-declaração para registo de propriedade, para que sejam levados ao conhecimento da contraparte e esta ofereça a contestação que entenda mais ajustada em face desses elementos. 3

4 Finaliza, solicitando que seja ordenada a revogação do despacho e se declare improcedente a oposição deduzida e, em consequência, se proceda à elaboração do registo nos termos requeridos. 4 Os argumentos expendidos pelo recorrente não foram de molde a convencer a Senhora Conservadora que proferiu despacho de sustentação aduzindo os argumentos que aqui se dão por integralmente reproduzidos. Sublinhamos, mesmo assim, que a recorrida entende, e bem, que tendo o registo sido requerido com base em contrato de compra e venda, assinado apenas pelo vendedor, ao abrigo do regime transitório consagrado no artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 20/2008, de 31 de Janeiro, e havendo oposição da outra parte, não tem legitimidade para declarar a aquisição do direito a registar, nem para averiguar da veracidade das declarações prestadas. Por isso, não tendo sido prova bastante da aquisição da propriedade por qualquer dos meios previstos na lei e tendo o pretenso comprador deduzido oposição, o registo peticionado tem de ser recusado. 5 Por ofício de 17 de Abril de 2008, a Senhora Conservadora notificou novamente o oponente nos termos e para os efeitos previstos no n.º 4 do artigo 24.º da Portaria n.º 99/2008, de 31 de Janeiro 3, esclarecendo-o ainda de que o registo será lavrado definitivamente se o recurso proceder. Notificou-o também de que deve entregar o título de propriedade e o livrete do veículo, nos termos do n.º 3 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 54/75, de 12 de Fevereiro (documentos, aliás, já pedidos no momento da anterior notificação ocorrida em 19 de Fevereiro). 3 A Portaria citada visa, inter alia, promover a actualização dos registos relativos à propriedade dos veículos, reduzindo, assim, o número de registos em nome de quem já não é o seu proprietário e regulamenta-se a promoção electrónica de actos de registo de veículos ao abrigo do regime transitório especial criado pelo Decreto-lei n.º 20/2008. Nestes termos, o artigo 24.º consagra um regime transitório de saneamento do registo automóvel, permitindo que o pedido seja formulado via online pelo comprador ou pelo vendedor, com base em documentos que indiciem a efectiva transmissão do veículo, a definir por despacho do Presidente do IRN, I.P. 4

5 O oponente negou, mais uma vez, a existência de qualquer contrato entre ele e a pessoa que se arroga a qualidade de vendedora, que, aliás, nem conhece. Relativamente aos documentos do veículo em causa nada declara. 6 Sumariadas as posições em confronto e atento que processo é o próprio, as partes têm legitimidade e inexistem questões prévias ou prejudiciais que obstem ao conhecimento do mérito, passamos à sua apreciação que vai consubstanciada na seguinte Deliberação 1 O registo da propriedade de veículos adquirida por contrato verbal de compra e venda ocorrida em data anterior a 31 de Outubro de 2005, pode ser pedido pelo comprador ou pelo vendedor, ao abrigo do disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 20/2008, de 31 de Janeiro 4. 4 O diploma em apreço foi alterado pela Lei n.º 39/2008, de 11 de Agosto, que procedeu ao alargamento do prazo consignado no n.º1 do artigo 6.º, passando a abranger os casos de propriedade de veículos adquirida por compra e venda antes de 31 de Janeiro de Salientamos, no entanto, que o caso configurado nos autos ocorreu ainda sob a égide do disposto no Decreto-Lei n.º 20/2008, na sua versão inicial. Este diploma prevê um regime transitório especial, menos oneroso (apenas 10, se for promovido por via electrónica, ou 20, por outra via) e pretensamente mais simples, para a regularização dos registos de transmissão da propriedade que tenha ocorrido em data anterior a 31 de Outubro de 2005, uma vez que existem inúmeros veículos inscritos em nome de anteriores proprietários o que dificulta a actuação das entidades fiscalizadoras. Assim, no artigo 6.º, sob a epígrafe «Disposição transitória», concedeu-se aos interessados a possibilidade de, durante o ano de 2008, regularizem a situação jurídica dos veículos, desde que tenham sido adquiridos até 31 de Outubro de 2005, nos seguintes termos: O registo seja pedido pelo comprador ou pelo vendedor, com base em documentos que indiciem a efectiva transmissão do veículo, nos termos a definir por despacho do presidente do IRN; Por declaração prestada pelo vendedor, sendo pessoa singular e respeite a transmissão de veículo realizada fora do exercício da sua actividade profissional ou comercial. Requerido o registo, a conservatória notifica, nos termos do Código de Processo Civil, tal facto à parte não requerente esclarecendo-a de que pode deduzir oposição no prazo de 10 dias, por força do disposto no n.º 4 do citado artigo 6.º. Não sendo deduzida oposição ou, tendo-o sido, se a mesma for julgada improcedente, o registo é efectuado em conformidade com o pedido, arquivando-se na Conservatória os documentos apresentados. 5

6 2 O processo registral deve ser instruído com documentos que indiciem a efectiva transmissão do veículo 5, em conformidade com o prescrito no n.º 2 do citado artigo 6.º. 3 Não sendo produzida prova bastante 6 e tendo a parte não requerente do registo deduzido oposição, julgada procedente, o registo peticionado deve ser recusado, por força do disposto no artigo 69.º, n.º 1, alínea b), do Código do Registo Predial subsidiariamente aplicável ex vi do artigo 29.º do Decreto-Lei n.º54/75, de 12 de Fevereiro. 4 A declaração de compra e venda apresentada na Conservatória no momento da interposição do recurso hierárquico com vista à requalificação do pedido de registo que simultaneamente se impugna, A decisão de registo por improcedência da oposição deduzida é recorrível, nos termos gerais. O regime geral do registo posterior de propriedade adquirida por contrato verbal de compra e venda encontra-se consagrado no artigo 25.º, n.º 1, do Regulamento do Registo de Automóveis. 5 Decorre do Despacho n.º 97/2007, de 28 de Dezembro, do Senhor Presidente do Instituto dos Registos e do Notariado, I.P., que são considerados documentos comprovativos da efectiva transmissão do veículo os seguintes: i) Declaração de venda (modelo n.º 2) ii) Facturas, vendas a dinheiro, recibos ou outros documentos de quitação equivalentes, os quais devem conter a matriculado veículo, nome do transmitente e do adquirente, a respectiva morada e número de identificação fiscal ou pessoa de colectiva, se for o caso. 6 Cfr. o acórdão do STJ, de 14 de Fevereiro de 1991, in AJ, n.ºs 15.º e 16.º, pág. 30, citado na douta informação dos Serviços Jurídicos, segundo o qual «I O requerimento-declaração que se refere ao registo da propriedade automóvel tem somente valor para efeitos do Registo de Propriedade Automóvel. II O contrato de compra e venda sobre o veículo automóvel é um contrato consensual verbal. III A declaração de venda contida no requerimento declaração não consubstancia o contrato verbal até porque intrinsecamente não menciona o elemento essencial do contrato, que é o preço acordado.» 6

7 não pode ser tida em consideração 7, pelo que o aludido documento deve ser retirado do processo e restituído ao impugnante. Em face do exposto, é entendimento deste Conselho que o presente recurso hierárquico não merece provimento. Lisboa, 17 de Dezembro de 2008 Deliberação aprovada em sessão do Conselho Técnico de 18 de Dezembro de Isabel Ferreira Quelhas Geraldes, relatora. João Guimarães Gomes de Bastos, com declaração de voto em anexo. Esta deliberação foi homologada pelo Exmo. Senhor Presidente em Sublinha-se, porém, que sendo a referida declaração de compra e venda inequívoca no que concerne à identificação da viatura em causa, do comprador e do vendedor, bem como do valor acordado e pago, e encontrando-se assinada por ambas as partes, se tivesse sido inicialmente apresentada com o requerimento-declaração, a regularização registral do veículo poderia ser já, neste momento, uma realidade, uma vez que é título para o pretendido registo. 7

8 Pº R. Bm. 4/2008 SJC-CT. Declaração de voto Entendo que o recurso deveria ser liminarmente indeferido, por não ser meio próprio para atacar a decisão da Senhora Conservadora. Fundamentação muito sucinta: Pese embora a letra da lei maxime o art. 6º, nº 2, do D.L. nº 20/2008, de 31.01, e o art. 24º, nº 2, da Portaria nº 99/2008, da mesma data, que referem que o registo pode ser pedido com base em documentos que indiciem a efectiva transmissão do veículo, afigura-se-me líquido que estamos perante um procedimento expedito de justificação do direito de propriedade de veículo automóvel, a que subsidiariamente se deve aplicar o Código do Registo Predial; Não há, portanto, verdadeiramente, um pedido de registo (como se pode pedir o registo de facto com base em documentos reconhecidamente não bastantes?), mas antes uma pretensão justificativa do direito; O nº 6 do citado art. 6º do D.L. nº 20/2008 é, aliás, elucidativo sobre o ponto: havendo decisão de procedência do pedido, por ter sido julgada improcedente a oposição deduzida pela contraparte, aquela decisão é recorrível nos termos gerais, ou seja, nos termos do art. 117º-I do C.R.P. Não creio, na verdade, que na mens legis esteja presente a impugnação, através do processo previsto e regulado no título VII do C.R.P., de uma decisão favorável à pretensão do requisitante, o que constituiria uma profunda inovação; Instituto dos Registos e do Notariado. mod. 4 Faz, assim, todo o sentido que o conservador, perante uma oposição convincente da contraparte, julgue a mesma procedente, indeferindo então a pretensão justificativa do direito, ao invés de recusar um pedido de registo com fundamento na inexistência do título [art. 49º, b), do Decreto 55/75, de 12.02], o que se me afiguraria um contrasenso porquanto o procedimento já pressupõe a falta de título; 8

9 E faz também todo o sentido que in casu a decisão impugnável seja a que julgou a pretensão justificativa do direito improcedente, por procedente ter sido a oposição deduzida, e não a decisão que recusou o registo do contrato de compra e venda por falta de título, a qual, salvo o devido respeito, é impertinente; o registo será sempre um mero acto de execução da decisão expressa que julgar procedente a pretensão justificativa, por a oposição deduzida ser improcedente, ou da decisão implícita que julgar procedente aquela pretensão, por não ter sido sequer deduzida oposição (estamos a equacionar a hipótese de pretensão deduzida pelo vendedor, e não pelo comprador cfr. art. 6º, nº 3, D.L. 20/2008). Nos termos expostos, sou de opinião que o recurso deveria ser liminarmente indeferido. Não obstante, importa acrescentar o seguinte: a) Manifesto a minha perplexidade pela prática relatada na nota (2) da douta deliberação, que, podendo até ser louvável, a avaliar pelo que a Senhora Conservadora alega, vai (o sistema ou a prática, importará averiguar) contra a trave mestra do registo: o princípio da prioridade; b) Não tomo posição sobre o mérito do recurso, porque, pelas razões aludidas, entendo que o presidente do IRN, I.P. não é entidade legalmente competente para dele conhecer; c) Importará continuar a porfiar pela apreensão do veículo. João Guimarães Gomes de Bastos Instituto dos Registos e do Notariado. mod. 4 9