Aprendizagem organizacional e gestão do conhecimento

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1 Aprendizagem organizacional e gestão do conhecimento Noel Teodoro de Castilho (FAENQUIL) noelteodoro@uol.com.br Carlos Eduardo Sanches da Silva (UNIFEI) sanches@unifei.edu.br João Batista Turrioni (UNIFEI) turrioni@unifei.edu.br O objetivo deste artigo é confrontar conceitos de aprendizagem e gestão do conhecimento, no intuito de clarificar idéias e encaminhar discussões práticas. É através do processo de aprendizagem e gestão do conhecimento que as organizações podem desenvolver as competências necessárias para a realização de sua estratégia competitiva (Fleury e Fleury, 2000). A preocupação com o conhecimento não é algo novo, contudo, seu reconhecimento como um elemento fundamental da constituição das pessoas e organizações e a exploração de seu potencial como uma vantagem competitiva sustentável, são fenômenos recentes. Só recentemente as empresas se deram conta da importância da aquisição e gerenciamento do conhecimento para um melhor desenvolvimento de suas atividades. As empresas se viram obrigadas a adotar essa posição frente à necessidade de inovação, melhoria da qualidade de produtos, serviços e processos, assim como o aumento de produtividade, em virtude da globalização, aumento de competição, aumento das exigências dos consumidores, melhorias das comunicações e logística. Palavras-chaves: conhecimento; aprendizagem; gestão 1- Introdução Organizações que enfrentam condições de incerteza, ambientes em mudança e intensa competição devem ser capazes de aprender e, ao fazê-lo, desenvolver novos conhecimentos. Já se tornou comum afirmar que o recurso mais valioso das organizações em um cenário de mudanças e crescente complexidade são as pessoas. Temas como capital humano, capital intelectual, inteligência competitiva e gestão do conhecimento vêm se tornando palavras de ordem nas organizações e consultorias organizacionais, com diferentes significados e implicações. Todo processo de aprendizagem e criação de novo conhecimento começa no nível individual, isto é, nas pessoas. São as pessoas o ponto de partida e de sustentação para a ação estratégica das organizações. Esses temas tornam-se cada vez mais importantes em razão do ambiente competitivo em que estão inseridas as organizações. Do ponto de vista da competitividade das empresas, a perspectiva dominante - a análise da indústria, que tem em Porter (1986) seu principal representante vem sendo confrontada com a chamada visão da empresa baseada em recursos, afirma que os recursos e as competências da empresa são os principais determinantes de sua vantagem competitiva. Tal visão tem duas implicações relevantes para os estudos de aprendizagem e gestão do conhecimento. Primeira, o reconhecimento de que recursos implicam ativos tangíveis e intangíveis. Conjuntos de habilidades e conhecimento, desenvolvidos através de processos de aprendizagem, são ativos que desempenham um papel estratégico na economia do conhecimento. Segunda, à medida que os recursos específicos da empresa recebem maior atenção, questões relacionadas a como eles podem ser desenvolvidos tornam-se cada vez mais relevantes e decorrem de processos de aprendizagem. O conhecimento desempenha um papel central e estratégico nos processos econômicos, e os investimentos nos ativos intangíveis crescem mais rápidos do que os investimentos nos ativos físicos ou tangíveis. Países,

2 empresas e pessoas com mais conhecimento são mais bem sucedidos, produtivos e reconhecidos. Recentemente um número cada vez maior de empresas perceberam o quanto é importante saber o que elas sabem e ser capaz de tirar o máximo proveito de seus ativos de conhecimento. Estes repousam em diferentes locais, como: bases de conhecimento, bases de dados, arquivos e também nas cabeças das pessoas, estando distribuídos por toda a empresa. Não importa se o denominamos de propriedade intelectual, capital intelectual, ou base de conhecimento, mas certamente é este um dos mais valiosos ativos de uma empresa. A capacidade de gerenciar, distribuir e criar conhecimento com eficiência/eficácia é fundamental para que uma organização se coloque em posição de vantagem competitiva em relação a outras. Num mercado cada vez mais competitivo, o sucesso nos negócios, depende basicamente da qualidade do conhecimento que cada organização aplica nos seus processos coorporativos/empresariais. Nesse contexto, o desafio de utilizar do conhecimento residente na empresa, com o objetivo de criar vantagens competitivas, torna-se mais crucial. Este fato vem tornando-se mais notável à medida em que: (1) as novas possibilidades técnicas e o conhecimento de mercados determinam as inovações nos produtos; (2) operações funcionais advêm do conhecimento combinado entre como as coisas funcionam e como poderiam funcionar e (3) a participação no mercado cresce com um melhor conhecimento dos clientes atuais e potenciais e de como melhor atendê-los 2 - Conceito de aprendizagem A aprendizagem pode ser entendida como um processo de mudança provocado por estímulos diversos e mediado por emoções que podem ou não produzir mudança no comportamento das pessoas. Para muitos especialistas, existe uma distinção entre o processo de aprendizagem, que ocorre dentro do organismo de quem aprende, e as respostas emitidas pelo indivíduo, as quais podem ser observáveis e mensuráveis. Dentro dessa concepção, há duas vertentes teóricas em que, basicamente, os modelos de aprendizagem se sustentam: nos modelos: behaviorista: tem como principal foco o comportamento, que pode ser observado e mensurado. Nesse caso, planejar o processo de aprendizagem implica concebê-lo como passível de observação, mensuração e réplica científica; cognitivo: enfoca tanto aspectos objetivos e comportamentais quanto aspectos subjetivos. Leva em consideração as crenças e as percepções dos indivíduos, que influenciam seu próprio processo de compreensão da realidade. As discussões sobre aprendizagem nas organizações enraízam-se mais fortemente na perspectiva cognitivista, enfatizando, porém, as mudanças comportamentais observáveis. 3 - Aprendizagem organizacional Em uma organização, o processo de aprendizagem pode ocorrer em três níveis: Individual: é o primeiro nível do processo de aprendizagem. Está carregado de emoções positivas ou negativas, por meio de caminhos diversos. Grupal: a aprendizagem pode vir a constituir um processo social partilhado pelas pessoas do grupo. Organizacional: o processo de aprendizagem individual, de compreensão e interpretação partilhados pelo grupo, torna-se institucionalizado e se expressa em diversos artefatos organizacionais, como estrutura, regras, procedimentos e elementos simbólicos. As organizações desenvolvem memórias que retêm e recuperam suas informações. Peter Senge (1990), em seus textos sobre aprendizagem organizacional, comenta que o ser humano vem ao mundo motivado a aprender, explorar e experimentar. Infelizmente, a maioria das instituições sociais é orientada mais para controlar o indivíduo do que para propiciar-lhe

3 condições de aprendizagem; recompensa o desempenho das pessoas pela obediência e padrões estabelecidos, e não por seu desejo de aprender. Senge foca inicialmente o indivíduo, seu processo de autoconhecimento, de clarificação de objetivos e projetos sociais. Em seguida, esse foco se desloca para o grupo e, finalmente, através do raciocínio sistêmico, para a organização. Senge procurou construir guias de ação que visam ao desenvolvimento da aprendizagem organizacional por meio do conhecimento e explicitação dos modelos mentais individuais, de grupo e da construção de projetos coletivos. Utilizando a idéia de modelos mentais Senge (1990) analisou a passagem da aprendizagem individual para a coletiva. O autor divide o processo de aprendizagem em dois níveis de aprendizagem: operacional: consiste na aquisição e no desenvolvimento de habilidades físicas para produzir ações (know-how); conceitual: ocorre com a aquisição e o desenvolvimento da capacidade para articular conhecimentos conceituais sobre uma experiência ( know-why). Embora o conhecimento operacional seja essencial para o funcionamento de qualquer organização, cada vez mais tem de estar associado ao conhecimento conceitual. Os dois processos têm de ocorrer em todos os níveis da organização, ou seja, não deve haver fronteiras rígidas entre os quadros operacionais, que detêm apenas o conhecimento operacional, e os quadros diretivos, que detêm o conhecimento conceitual, superando-se assim, a concepção taylorista entre aqueles que pensam e aqueles que fazem. Á seguir algumas das principais definições de aprendizagem organizacional. Aprendizagem organizacional é um processo de identificação e correção de erros (Argyris, 1992). Aprendizagem organizacional significa um processo de aperfeiçoar as ações pelo melhor conhecimento e compreensão (Fiol e Lyles, 1985). Organizações que aprendem são organizações capazes de criar, adquirir e transmitir conhecimentos a modificar seus comportamentos para novos conhecimentos e insights (Garvin, 1993). Uma organização está continuamente expandindo sua capacidade de criar o futuro (Senge, 1990). Senge apresenta o processo de aprendizagem como um ciclo contínuo, composto de três conjuntos de elementos, aptidões e habilidades, conhecimento e sensibilidades, atitudes e crenças. Aptidões e Habilidades Atitudes e Crenças Conhecimentos e Sensibilidades Figura 1 Ciclo de aprendizagem proposto por Senge. Fonte: Senge, 1998

4 A partir do desenvolvimento de novas habilidades e aptidões, altera-se a compreensão dos indivíduos sobre a realidade. Novos conhecimentos e sensibilidades são então incorporados, modificando seus modelos mentais, compostos de idéias profundamente arraigadas, generalizações ou mesmo imagens que influenciam nosso modo de encarar o mundo e nossas atitudes (Senge, 1994). Novas crenças e atitudes, baseadas na interpretação da realidade, poderão surgir, enriquecendo esse mecanismo e estimulando o desenvolvimento contínuo de habilidades e aptidões, retroalimentando o sistema, que se transforma em um ciclo reforçador. As etapas de ação e reflexão realimentam-se mutuamente. A geração e a aplicação de conhecimento ocorrerão a partir da seqüência contínua dessas etapas. A aprendizagem adquire uma dimensão organizacional quando o ciclo de aprendizado individual se amplia para a dimensão da organização. Nas organizações, há um processo permanente de mudança, e ele se dá com a mobilização contínua dos ciclos de aprendizagem individual e organizacional, caracterizando o estabelecimento da dinâmica de aprendizagem constante. 4 - Circuitos de aprendizagem O tema da aprendizagem organizacional ganhou notoriedade a partir do início da década de 1990, principalmente após a publicação dos trabalhos de Peter Senge. Os estudos sobre aprendizagem organizacional, no entanto, já eram recorrentes na área de administração desde a década de Chris Argyris e Donald Schon, em parceria são os responsáveis por alguns dos primeiros textos sobre aprendizagem organizacional. A contribuição mais disseminada de Argyris e Schon (1974, 1978) diz respeito ao conceito de circuitos de aprendizagem, que trata de como os pressupostos que orientam o comportamento dos indivíduos e grupos nas organizações podem ser alterados em um processo de aprendizagem organizacional. Um aspecto fundamental para a melhoria de desempenho e para o sucesso das organizações é a forma como tratam suas experiências, positivas ou negativas, e como mantêm ou mudam suas diretrizes para a ação organizacional, incorporando essas experiências. Argyris e Schon (1978) afirmam que nas organizações o processo que as habilita a encaminhar suas políticas ou a atingir seus objetivos pode ser chamado de aprendizagem em circuito simples. Os autores citam o exemplo de um termostato, capaz de aprender a sentir quando está muito quente ou frio e, ao receber essa informação, produzir uma ação corretiva. Quando o processo questiona as bases para a ação, que estão explicitadas nos objetivos e políticas organizacionais e às vezes em normas de conduta não escritas, pode ser chamado de aprendizagem em circuito duplo. Agyris e Schon afirmam que, se além de detectar o problema o termostato pudesse questionar as razões pelas quais os problemas (erros) estão ocorrendo, ele estaria desenvolvendo o processo em circuito duplo. Schon (1983) empresta de Ashby (1940) o conceito de circuito simples e duplo no sentido de distinguir o grau de profundidade e extensão em que as mudanças organizacionais incursas se constituem em aprendizagem. No circuito simples, um fedback conecta o erro/problema detectado à sua estratégia de ação e às normas pelas quais as ações são avaliadas. Utilizando o mesmo exemplo, quando o trabalho extraordinário realizado pelo grupo não surte o efeito desejado e os problemas tornam a ocorrer, é necessário rever algumas questões mais profundas, os pressupostos ou os valores fundamentais adotados pelo grupo. Por exemplo: Nossas metas são realistas? Estamos avaliando adequadamente nossos concorrentes? Nossas estratégias mercadológicas são as mais adequadas? Definimos adequadamente nossos segmentos-alvo? Com base nas respostas a essas perguntas, devem ocorrer mudanças nos pressupostos que orientam as ações dos grupos nas organizações. Uma aprendizagem em circuito duplo implica uma profundidade e amplitude de mudanças bem superior àquela que pode ocorrer em circuito simples.

5 Em outro trabalho, Agyris (1992) afirma que o circuito simples resolve os problemas visíveis, porém não soluciona a questão mais básica de por que os problemas existem. No circuito duplo, diz o autor, primeiro é necessário alterar os pressupostos ou valores fundamentais que governam as ações, ou seja, deve-se aprender uma nova teoria aplicada. A figura 2 abaixo ilustra bem os dois conceitos de aprendizagem. Argyris explica que, para que os membros da organização desenvolvam a capacidade de produzir circuitos duplos, é necessário desenvolver antes uma cultura que premie ações dessa natureza, em que os problemas fáceis e rotineiros, que não requerem monitoramento de longo prazo para sua efetivação, sejam tratados como aspectos inerentes às atribuições dos indivíduos na organização, com a autonomia devida e prevista nas organizações que aprendem. Em ambientes turbulentos, a capacidade de aprender nos dois níveis torna-se ainda mais relevante (Oliveira Jr., 1996). Valores Fundamentais Ações Enganos ou Erros Circuito Simples de Aprendizagem Circuito Duplo de Aprendizagem Fonte: Argyris, C. (1992, p.112) Figura 2 - Circuito simples e circuito duplo de aprendizagem Entretanto, foi a partir da divulgação dos trabalhos de Peter Senge sobre as chamadas learning organizations, ou organizações que aprendem, que o tema ganhou destaque. É por intermédio do processo de aprendizagem que a organização pode desenvolver as competências essenciais ao seu posicionamento estratégico. O processo de aprendizagem está intimamente ligado à gestão do conhecimento nas empresas. 5 - Aprendizagem e gestão do conhecimento As organizações podem não ter cérebros, mas possuem sistemas cognitivos e memórias e desenvolvem rotinas, ou seja, procedimentos relativamente padronizados para lidar com problemas internos e externos. Tais rotinas vão sendo incorporadas na memória organizacional. As mudanças em processos, estruturas ou comportamentos não seriam, por si sós, indicadores de que a aprendizagem realmente aconteceu: é necessário também que esse conhecimento seja recuperado pelos membros da organização. O conhecimento é um recurso que pode e deve ser gerenciado para melhorar o desempenho da empresa. Ela, portanto, precisa descobrir as formas pelas quais o processo de aprendizagem organizacional pode ser estimulado e investigar como o conhecimento organizacional pode ser administrado para atender às suas necessidades estratégicas, disseminado e aplicado por todos como uma ferramenta para o sucesso da empresa. Conhecimento pode ser definido como o conjunto de crenças mantidas por um indivíduo acerca de relações causais entre fenômenos, entendendo relações causais como relações de causa e efeito entre ações e eventos imagináveis e suas prováveis conseqüências. O conhecimento da empresa é fruto das interações que ocorrem no ambiente de negócios e se desenvolve através do processo de aprendizagem. O conhecimento pode ser entendido como o

6 conjunto de informações associadas à experiência, à intuição e aos valores (Fleury e Oliveira Jr., 2001). É possível distinguir dois tipos de conhecimento: o explícito e o tácito. O conhecimento explícito, ou codificado, refere-se ao conhecimento transmissível em linguagem formal, sistemática, enquanto o conhecimento tácito possui uma qualidade pessoal, tornando-se mais difícil de ser formalizado e comunicado: O conhecimento tácito é profundamente enraizado na ação, no comprometimento e no envolvimento em um contexto específico (Nonaka, 1994). O conhecimento tácito, segundo Nonaka, consiste em parte de habilidades técnicas, o tipo de destreza informal e de difícil especificação incorporado ao termo know-how (Nonaka, 2001). Na visão de Spender (2001), tácito não significa conhecimento que não pode ser codificado, mas que ainda não foi explicado. O autor menciona que o conhecimento tácito, no local de trabalho, apresenta três componentes: Consciente: facilmente codificavel, pois o indivíduo consegue entender e explicar o que está fazendo. Automático: o indivíduo não tem a consciência de que o está aplicando. Coletivo: conhecimento desenvolvido pelo indivíduo e compartilhado com outros; é resultado da formação aprendida em um contexto social específico. Pode-se distinguir diversos níveis de interação social através dos quais se cria conhecimento na organização. É importante que a organização seja capaz de integrar aspectos relevantes do conhecimento desenvolvido a partir dessas interações. A fim de apresentar uma compreensão melhor de como o conhecimento é criado e de como a criação do conhecimento pode ser gerenciada, Nonaka e Takeuchi (1995) propõem um modelo de conversão de conhecimento, pressupondo quatro formas de conversão de conhecimento descritas no quadro 1. Para Conhecimento Tácito Para Conhecimento Explícito De: Conhecimento Tácito Socialização Externalização De: Conhecimento Explícito Internalização Combinação Quadro 1 Transformação do conhecimento. Fonte: Nonaka e Takeuchi (1995, p.62). Os tipos de transformação do conhecimento são descritos por Nonaka e Takeuchi (1995, p.62) como: socialização os autores entendem a conversão que surge da interação do conhecimento tácito entre indivíduos, principalmente através da observação, imitação e prática. A chave para adquirir conhecimento desse modo é a experiência compartilhada. Um indivíduo pode adquirir conhecimento tácito diretamente de outros, sem usar a linguagem. Os aprendizes trabalham com seus mestres e aprendem sua arte não através da linguagem, mas sim através da observação, imitação e prática (Nonaka e Takeuchi ); combinação é uma forma de conversão que envolve diferentes conjuntos de conhecimento explícito controlados por indivíduos. A combinação é um processo de sistematização de conceitos em um sistema de conhecimento. As pessoas trocam e

7 combinam conhecimento através de meios como documentos, reuniões, conversas, redes de comunicação computadorizadas, etc. A reconfiguração das informações existentes através da classificação, do acréscimo, da combinação e da categorização do conhecimento explícito pode levar a novos conhecimentos. O treinamento formal nas escolas normalmente assume essa forma; Internalização é a conversão de conhecimento explícito em conhecimento tácito, no qual os autores identificam alguma similaridade com a noção de aprendizagem, está intimamente relacionada ao aprender fazendo. As experiências, incluindo aquelas adquiridas nos outros modos de conversão, são internalizadas no conhecimento tácito dos indivíduos sob a forma de modelos mentais ou conhecimentos técnicos. Na internalização, faz-se necessária uma verbalização e diagramação do conhecimento sob forma de documentos, manuais, histórias orais, vídeos, etc. Adquirir novos conhecimentos não é uma questão apenas de instruir-se com os outros ou com livros, mas também aprender através da prática, da experimentação, da interação intensiva entre o sujeito e seu objeto de estudo. Esta forma de aquisição de conhecimento pode ser representada pela simulação de sistemas, onde o conhecimento e respeito de determinado sistema são adquiridos através da análise de diversos cenários. Externalização é um processo no qual o conhecimento tácito se torna explícito, expresso na forma de modelos, metáforas, analogias, conceitos ou hipóteses, apesar de este não ser um conceito bem desenvolvido, de acordo com os autores. A abordagem de criação de conhecimento de Nonaka (1994) e Nonaka e Takeuchi (1995) estabelece importantes nexos com o trabalho de Brown e Duguid (1991): Tentativas de resolver problemas práticos freqüentemente geram relações entre indivíduos que podem proporcionar informação útil. A troca e desenvolvimento de informação dentro dessas comunidades em amadurecimento facilitam a criação de conhecimento, estabelecendo uma relação entre as dimensões rotineiras do trabalho do dia-a dia e aprendizagem e inovação ativas (Nonaka, 1994). Essas comunidades representam, portanto, um papel-chave no processo de socialização apresentado por Nonaka e Takeuchi, no qual o conhecimento tácito entre indivíduos é integrado, passo importante para o desenvolvimento de conhecimento coletivo na empresa. Nonaka (!994) e Nonaka e Takeuchi (1995) afirmam que os quatro modos de conversão de conhecimento devem ser gerenciados de forma articulada e cíclica e denominam o conjunto dos quatro processos de espiral de criação de conhecimento. Nessa espiral, o conhecimento começa no nível individual, move-se para o nível grupal e então para o nível da empresa. À medida que a espiral de conhecimento sobe na empresa, ela pode ser enriquecida e estendida, seguindo a interação dos indivíduos uns com os outros e com suas organizações. A criação de conhecimento organizacional requer a partilha e a disseminação de experiências individuais. Em alianças entre empresas, cada processo deve proporcionar um caminho para que gerentes estejam expostos a conhecimento e a idéias fora dos limites tradicionais da organização. Nonaka (1994) explica que existem diversos gatilhos que induzem os modos de conversão de conhecimento. A socialização normalmente se inicia com a construção de um time ou campo de interação, o que facilita a troca de perspectivas e de experiências entre seus membros. A externalização pode ser iniciada com sucessivas rodadas de diálogo, em que a utilização de metáforas pode ser estimulada para ajudar os membros do grupo a articular suas perspectivas e a revelar conhecimento tácito. A combinação é facilitada pela coordenação entre membros do time e outras áreas da organização e pela documentação do conhecimento existente. A internalização pode ser estimulada por processos de aprender fazendo (learning by doing), em que os indivíduos passam pela experiência de compartilhar conhecimento explícito

8 gradualmente traduzido, em um processo de tentativa e erro, em diferentes aspectos de conhecimento tácito. Socialização, externalização, combinação e internalização devem ser integradas como etapas de um processo contínuo e circular que ocorre no meio de um grupo, coletividade ou comunidade de praticantes na organização. Como conseqüência, esse processo é basicamente interdependente. A prática desenvolve a compreensão, que pode reciprocamente mudar essa prática e estendê-la à comunidade, de forma que conhecimento e prática estejam interrelacionados (Brwon e Duguid, 2001). No processo de transferência do conhecimento tácito, pode haver imperfeições, já que não é diretamente apropriavel. Trata-se de um conhecimento muito específico à realidade daquela determinada atividade, por isso sua transferência é difícil, custosa e incerta. Já o conhecimento explícito, de fácil transferência corre o risco de ser revendido, perdido ou comercializado por alguém que o adquire, o que o torna mais acessível a concorrentes potenciais. Alguns especialistas aconselham as empresas a se concentrar no desenvolvimento do conhecimento explícito que possa ser retido através de patentes e copyrights e também no desenvolvimento de conhecimento coletivo tácito, que, embora mais difícil de transferir, é mais fácil de proteger. Segundo Spender (2001), embora o conhecimento seja um importante ativo fluido, ele necessita de gerenciamento. O autor parte da crença de que: O conhecimento é identificado quando faz sentido para a organização, ou seja, quando está relacionado com os seus objetivos estratégicos. Nesse sentido, a identificação, o monitoramento, a retenção dos conhecimentos e competências-chave para a organização constituem processos cruciais para o seu posicionamento estratégico. 6 - Caráter estratégico do conhecimento Três pontos principais acerca da natureza intrínseca do conhecimento são relevantes para a ação estratégica (Oliveira Jr.,2001): a definição de qual conhecimento realmente vale a pena ser desenvolvido pela empresa; as formas pelas quais é possível ou não que esse conhecimento venha a ser compartilhado pelas pessoas, constituindo vantagem para a empresa; as formas pelas quais o conhecimento que constitui a vantagem da empresa pode ser protegido. Embora seja comum a disseminação e o compartilhamento do conhecimento por todos nas empresas,existem também conjuntos de conhecimento pertencentes somente a alguns indivíduos, a pequenos grupos ou a áreas funcionais. Para tornar o conhecimento acessível a toda organização, as empresas buscam codificá-lo e simplificá-lo. Procuram estabelecer uma linguagem comum, permitindo, assim, a criação de uma estrutura para o conhecimento organizacional. Os esforços para agilizar a multiplicação do conhecimento atual e também de um novo conhecimento reproduzem um paradoxo central: sua codificação e a simplificação acarretam maior facilidade de imitação. Apesar da necessidade estratégica das empresas transferirem conhecimento para se desenvolver, é preciso evitar que os competidores tenham facilidade de imitação, o que levaria à corrosão da vantagem competitiva anteriormente estabelecida. Segundo Grant (1996), para que o conhecimento agregue valor à organização. algumas condições devem ser observadas: Transferibilidade: capacidade de transferir conhecimento não apenas entre empresas, mas principalmente dentro da empresa.

9 Capacidade de Agregação: associada à transferência de conhecimento. Capacidade do conhecimento transferido ser agregado pelo recebedor e adicionada a conhecimentos previamente existentes. Apropriabilidade: habilidade do proprietário de um recurso em receber retorno equivalente ao valor criado pelo recurso. Especialização na aquisição de conhecimento: reconhece que o cérebro humano possui capacidade limitada de adquirir,armazenar e processar conhecimentos. Como conseqüência, para que o conhecimento seja adquirido, são necessários indivíduos especialistas na aquisição, armazenagem e processamento em alguma área do conhecimento. Importância para a produção: parte do pressuposto de que o insumo crítico para a produção e a principal fonte de valor é o conhecimento. É fundamental que o conhecimento agregue valor ao processo produtivo. Ações relacionadas com a criação e transferência de conhecimento devem estar comprometidas com o desenvolvimento das competências estratégicas definidas pela empresa. A natureza do conhecimento agregado às competências será decisiva para a sustentabilidade da vantagem competitiva conferida por tal competência (Oliveira Jr., 1999 e 2001). O conhecimento pode ser desenvolvido internamente na empresa, pode ser coletado externamente (por exemplo, pela contratação de pessoas que detêm o conhecimento necessário e pelo monitoramento do ambiente externo) ou pode ser desenvolvido através de relações de parceria ou alianças estratégicas com empresas, universidades ou instituições externas à organização. Por meio de processos de aprendizagem que cruzam conjuntos de conhecimentos individuais, unidades individuais isoladas e parcerias com outras organizações, forma-se o know-how coletivo, ou conhecimento coletivo, no qual estão inseridas as competências essenciais da empresa. Tal conhecimento, aperfeiçoado pela prática do trabalho, possui uma natureza dinâmica para atender às demandas contínuas do mercado. Em suma, ao analisar como uma organização gerencia o conhecimento, é possível distinguir três momentos nesse processo: aquisição e desenvolvimento de conhecimentos; disseminação do conhecimento; construção da memória. 7 - Aquisição e desenvolvimento de conhecimentos A aquisição de conhecimentos e o desenvolvimento de competências podem ocorrer por processos proativos ou por processos reativos. Os processos proativos incluem a experimentação e a inovação, que implicam a geração de novos conhecimentos e metodologias, criando novos produtos ou serviços com base em situações não rotineiras. A experimentação usualmente é motivada por oportunidades de expandir horizontes, e não pelas dificuldades existentes. Os processos reativos compreendem três modalidades: Resolução Sistemática de problemas: nos últimos anos, esse processo ganhou especial destaque em virtude dos princípios e métodos dos programas de qualidade. Suas ferramentas estão atualmente disseminadas, como diagnóstico feito com métodos, uso de informações para a tomada de decisões e uso de instrumental artístico para organizar os dados e proceder a interferências. Experiências realizadas por outros: a observação das experiências realizadas por outras organizações pode constituir um importante caminho para a aprendizagem

10 organizacional. O benchmarking, por exemplo, tem sido usado como ferramenta para repensar a própria organização. Contratação de pessoal: o chamado sangue novo pode constituir importante fonte de renovação dos conhecimentos da organização. 8 - Disseminação do conhecimento Pode ocorrer por processos diversos: Comunicação e circulação de conhecimentos: o conhecimento precisa circular rápida e eficientemente pela organização. Observa-se que novas idéias têm maior impacto quando compartilhadas do que quando são propriedade de poucos. Treinamento: talvez seja a forma mais corriqueira de pensar o processo de aprendizagem e disseminação de novas competências. Rotação de pessoas: por áreas, unidades, posições na empresa, de forma a vivenciar novas situações de trabalho e compreender a contribuição das diferentes posições para o sistema-empresa. Trabalho em equipes diversas: a interação com pessoas de background cultural diferente em termos de origem, formação ou experiência profissional propiciam a disseminação de idéias e o surgimento de propostas e soluções para os problemas. 9 - Construção da memória A construção da memória organizacional refere-se ao processo de armazenagem de informações com base na história organizacional, as quais podem, assim, ser recuperadas e auxiliar na tomada de decisões. As informações são estocadas, tanto as experiências bemsucedidas como as malsucedidas devem ser de fácil recuperação e estar à disposição das pessoas. Uma organização pode existir independentemente deste ou daquele indivíduo. O foco nas atividades cognitivas individuais, como elemento central no processo de aquisição de informações; assim, transcende o nível individual. Isso mostra como a organização preserva o conhecimento do passado, mesmo quando alguns elementos-chave a deixam. As interpretações do passado estão embutidas em sistemas e artefatos, em estruturas e nos indivíduos. Alguns autores diferenciam duas estratégias para a construção da memória organizacional (Hansen, Nohria e Tierney, 1999): primeiro, por meio de estratégias mais centralizadoras, com a construção de bancos de dados, em que o conhecimento é codificado e estocado e depois disponibilizado para todos os membros da organização estratégia particularmente relevante para o conhecimento explícito. Segundo, através do indivíduo, que disponibiliza o conhecimento para os demais membros por sua rede de interações isso é particularmente relevante para o conhecimento tácito. Em suma, a gestão do conhecimento está encadeada nos processos de aprendizagem nas organizações e na conjugação destes três processos: aquisição e desenvolvimento de conhecimentos, disseminação de conhecimentos e construção de memórias. Ocorre assim um processo coletivo de elaboração das competências necessárias à organização Conclusão À medida que entramos ao século XXI, parece que a sociedade do conhecimento, baseada no capital humano, vai afetar todos os aspectos da nossa vida. Antigas verdades e crenças não vão ser mais aplicáveis num mundo da ciência de computação, automação, tecnologias, produtos inteligentes, trabalhadores do conhecimento e comunicação instantânea. Se isto se tornar verdade, então, provavelmente, Gestão do Conhecimento tornar-se-á parte integrante de qualquer negócio. Por agora, um crescente número de iniciativas de sucesso surgiram,

11 algumas enfatizaram estratégias e aspectos culturais, outras enfatizaram a tecnologia de apoio, enquanto poucas tentaram combinar as duas facetas numa abordagem mais sistemática. Do ponto de vista da implementação, muitas começaram com projetos-piloto ou iniciativas confinadas e apenas algumas tentaram implementar soluções completas para toda a empresa. O real poder da Gestão do Conhecimento está apenas começando a se desdobrar e muito mais está para ser visto nos próximos anos. Gestão do Conhecimento está surgindo como uma nova disciplina, vai levar algum tempo até que tenhamos os métodos de aceitação geral para acessar e avaliar, objetivamente, como essa disciplina e seus processos estão contribuindo para a competitividade das empresas que os utilizam. Se estamos assistindo ao início de uma duradoura revolução, ou se esta é uma nova e pequena onda passageira, só tempo dirá. Referências bibliográficas ARGYRIS, C. Enfrentando defesas empresariais: facilitando o aprendizado. Rio de Janeiro, Editora Campus, ARGYRIS, C; SCHON, D. Theory in pratice, San Francisco: Jossey-Bass Publishers, Organizational Learning. Reading, MA: Addison-Wesley, BROWN, J. S.; DUGUID. P. Organizational learning and communities-of-pratice: toward a unifiel view of working, learning, and innovation. Organization Science, Estrutura e espontaneidade: conhecimento e organização. In: FLEURY, M. T.; OLIVEIRA JR, M. Gestão estratégica do conhecimento: integrando aprendizagem e competências. São Paulo: Atlas, FIOL, C. M.; LYLES, M. A. Organizational learning. Academy of Management Review, v.10, p , FLEURY, M. T.; FLEURY, A. Aprendizagem e inovação organizacional: as experiências de Japão, Coréia e Brasil. São Paulo: Atlas, Estratégias empresariais e formação de competências: um quebra-cabeça caleidoscópico da indústria brasileira. São Paulo: Atlas, FLEURY, M. T.; OLIVEIRA JR., M. M. Gestão estratégica do conhecimento: integrando aprendizagem, conhecimento e competências. São Paulo: Atlas, GARVIN, David A. Building a learning organization. Harvard Business Review, p.78-91, Jul/Aug, GRANT, R. M. Prospering in dynamically Competitive environments: organizational capability as knowledge integration. Organization Science, v.7, n.4, p , HANSEN, M. T.; NOHIRA, N.; TIERNEY, T. What s your strategy for managing knowledge? Harvard Business Review, v. 77, n. 2, p , Mar/Apr NONAKA, I. A dynamic theory of organizational knowledge creation. Organization Science, 5, 1, p NONAKA, I.: TAKEUCHI, H. Criação de conhecimento na empresa: Como as empresas japonesas geram a dinâmica da inovação: São Paulo. Campus, PORTER. M. Estratégia Competitiva: São Paulo, Campus, SENGE, P. A quinta disciplina: arte, teoria e prática da organização de aprendizagem: São Paulo, Best Seller, A quinta disciplina - caderno de campo: estratégias e ferramentas para construir uma organização que aprende: Rio de Janeiro, Qualitymark, SPENDER. J. C. Gerenciando sistemas de conhecimento. In: FLEURY, M. T.; OLIVEIRA JR, M. M.. Gestão estratégica do conhecimento: integrando aprendizagem, conhecimento e competências. São Paulo, Atlas, 2001.