Crimes contra as relações de consumo no Código de Defesa do Consumidor

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1 Crimes contra as relações de consumo no Código de Defesa do Consumidor Cadernos de Túlio Augusto Tayano Afonso Aluno do Curso de Mestrado do Programa de Pós-graduação em Direito Político da Universidade Presbiteriana Mackenzie RESUMO O presente estudo tem como objeto os crimes contra as relações de consumo previsto no Código de Defesa do Consumidor. Mostraremos até que ponto essas normas penais incriminadoras são eficazes na prevenção do abuso do poder econômico no caso das relações de consumo. Mostraremos ainda a classificação doutrinária dos crimes, bem como seus aspectos mais importantes, que se faz indispensável no estudo do assunto. Palavras-chave: Consumidor. Consumo. Fornecedor. Relação de Consumo. O presente estudo tem como objeto os crimes contra as relações de consumo previstos no Código de Defesa do Consumidor. Mostraremos até que ponto essas normas penais incriminadoras são eficazes na prevenção do abuso do poder econômico no caso das relações de consumo. Tais crimes estão elencados no art. 63 e seguintes do Código de Defesa do Consumidor. Art. 63: Omitir dizeres ou sinais ostensivos sobre a nocividade ou periculosidade de produtos, nas embalagens, nos invólucros, recipientes ou publicidade: Pena Detenção de seis meses a dois anos e multa. 1 o Incorrerá nas mesmas penas quem deixar de alertar, mediante recomendações escritas ostensivas, sobre a periculosidade do serviço a ser prestado. 2 o Se o crime é culposo: Pena Detenção de um a seis meses ou multa (BRASIL, 1990). 69

2 Cadernos de Como sabemos, o Código de Defesa do Consumidor possui uma estrutura bem definida e harmônica. Com isso, o artigo ora analisado procura reforçar o mandamento do artigo 9º do mesmo Código, pois este exige dos fornecedores de produtos e serviços a obrigação de informar nos rótulos e mensagens publicitárias, de maneira clara, os aspectos de nocividade e periculosidade do produto ou serviço que podem colocar em risco a saúde ou segurança do consumidor. Tudo isso, está intimamente ligado também aos direitos básicos do consumidor, que estão elencados no primeiro inciso do artigo 6 o. Doutrinariamente, sua classificação é a seguinte, Comum (quanto a legislação), próprio (quanto ao sujeito ativo), de perigo abstrato (quanto a lesão do bem jurídico tutelado), de mera conduta (quanto ao resultado), omissivo próprio (quanto a ação), principal (quanto a exigibilidade de consumação de outro crime), unissubsistente (quanto ao fracionamento do iter criminis), unissubjetivo (quanto ao número de sujeitos ativos), doloso ou culposo (quanto ao elemento subjetivo), de ação única (quanto ao núcleo do tipo), de ação penal pública incondicionada (quanto à ação penal) e instantâneo (quanto a duração) (PASSARELLI, 2002, p. 54). O objeto jurídico são os direitos do consumidor de proteção a vida, saúde e segurança, contra os riscos que os produtos e serviços nocivos e perigosos possam causar, bem como o direito a informação clara e inequívoca sobre os riscos do produto e ou serviços. O sujeito ativo é qualquer fornecedor que tenha o dever de informar e que se omitiu dessa obrigação. O sujeito passivo é a coletividade e o consumidor difusamente considerado. Em relação à pena no caso de crime doloso, observa-se a cumulatividade. Além da pena privativa de liberdade, deverá o magistrado impor o cumprimento de sanção pecuniária. No que diz respeito ao 1 o, se estendeu a abrangência da norma penal aos prestadores de serviços perigosos e ou nocivos à vida ou segurança dos consumidores. Em relação ao 2 o, Passarelli (2002, p. 55) comenta em sua obra que, De acordo com o art. 18, parágrafo único, do Código Penal, que positivou o princípio da excepcionalidade, a figura culposa será admitida apenas quando expressamente prevista no texto legal. Na Lei federal n /90,o legislador optou por criminalizar as condutas tipificadas no art. 63, 1º e 2º, quando o elemento subjetivo do agente for a culpa stricto sensu. Entre as modalidades de culpa em sentido estrito previstas pelo art. 18, inciso II do Estatuto Repressivo, é adequada ao disposto no artigo de lei supratranscrito a figura da negligência, podendo, eventualmente, somar-se a outra modalidade de culpa stricto sensu. Consoante o magistério de Magalhães Noronha, negligência é inação, inércia e passividade. Decorre de inatividade material (corpórea) ou subjetiva (psíquica). Reduz-se a um comportamento negativo. Negligente é quem, podendo e devendo agir de determinado modo, por indolência ou preguiça mental, não age ou se comporta de modo diverso. Na seqüência, o artigo 64 assim dispõe: 70

3 Art. 64. Deixar de comunicar à autoridade competente e aos consumidores a nocividade ou periculosidade de produtos cujo conhecimento seja posterior à sua colocação no mercado: Pena - Detenção de seis meses a dois anos e multa. Parágrafo único. Incorrerá nas mesmas penas quem deixar de retirar do mercado, imediatamente quando determinado pela autoridade competente, os produtos nocivos ou perigosos, na forma deste artigo (PASSARELLI, 2002, p. 55). Cadernos de Tal artigo procura preservar os valores dispostos no inciso I do artigo 6 o do Código de Defesa do Consumidor. Além de apenar o sujeito ativo com penas de detenção e pecuniária, visa assegurar o cumprimento do dever de o fornecedor fazer boa a coisa vendida (FILOMENO, 2000, p. 619). O referido texto, trata dos produtos que têm sua nocividade ou periculosidade conhecidas apenas após sua distribuição no mercado, e punirá o fornecedor que, tomando conhecimento do fato, não comunicar a autoridade competente e os consumidores sobre a descoberta. Será ainda apenado nos termos desse artigo quem deixar de tirar do mercado os produtos nocivos ou perigosos, quando determinado pela autoridade competente, conforme o parágrafo único do artigo em testilha. No caso, fica evidenciado que o risco criado pelo produto deve ser minimizado: primeiramente, pelo próprio responsável (aviso e recall) e, secundariamente, pelas autoridades competentes, incorrendo aquele nas penas de que trata o art. 64, sob análise em caso de omissão de omissão de comunicação àquelas mesmas autoridades ou então não retirando do mercado os produtos considerados perigosos ou nocivos, repita-se, além do que normalmente deles se espera (FILOMENO, 2000, p. 620). Este dispositivo é um tipo penal aberto, pois caberá ao aplicador e intérprete dar o significado de nocividade e periculosidade. No que diz respeito aos sujeitos do delito e aos objetos jurídico e material, estes coincidem com aqueles que definimos no artigo anterior, pois na verdade, este tipo penal incriminador, nada mais é que um desdobramento do artigo anterior. Este crime é omissivo próprio, e a conduta só será punida quando for dolosa. A pena, mais uma vez, é cumulativa. Passarelli (2002, p. 59) nos ensina que o crime definido nesse artigo é comum, próprio, de perigo, de mera conduta, omissivo, principal, simples, unissubsistente, unissubjetivo, doloso, de ação única e instantâneo. Seguindo nosso trabalho, examinaremos a seguir o artigo 65 do mesmo diploma legal, Executar serviço de alto grau de periculosidade, contrariando determinação de autoridade competente: Pena Detenção de seis meses a dois anos e multa. Parágrafo único. As penas deste artigo são aplicáveis sem prejuízo das correspondentes à lesão corporal e à morte (PASSARELLI, 2002, p. 59). Este comando vem no sentido de punir aquele que executa serviços de alto grau de periculosidade contrariando determinações de autoridade competente. Filomeno (2000, p. 623), em seu comentário ao referido artigo, observa que se trata mais uma vez de norma penal em branco, pois as autoridades competentes devem dispor e determinar as especificações que devem ser observadas nos serviços perigosos. O conceito de alto grau de periculosidade, não se confunde com o do artigo 10 da mesma lei, pois estes serviços possuem sua periculosidade adquirida, e 71

4 Cadernos de por isso não podem e nem devem ser colocados no mercado à disposição do consumidor. Sua classificação doutrinária é a seguinte: é um delito comum, próprio, de perigo, de mera conduta, comissivo, principal, simples, plurissubsistente, unissubjetivo, doloso, de ação única e instantânea. É admitida a tentativa, pois como vimos, trata-se de crime comissivo e plurissubsistente. Mais uma vez a sanção cominada é cumulativa. O objeto jurídico tutelado é o direito do consumidor de ter sua vida, saúde e segurança protegidas. O sujeito ativo é qualquer prestador de serviço que contrariar determinação de autoridade competente na execução do serviço perigoso. Os sujeitos passivos por sua vez são a coletividade, os consumidores difusamente considerados e o exposto diretamente ao serviço perigoso prestado. Para bem entender o parágrafo único do artigo, nos valemos do escólio Passarelli (2002, p ): Em síntese, o fornecedor que deixa de observar a determinação da autoridade competente acerca da execução de um serviço entendendo como de alto grau de periculosidade, e em decorrência vem a matar uma pessoa, atenta contra dois objetos jurídicos diversos (as relações de consumo e a vida humana), devendo ser punido pela violação de ambos. Dando continuidade, passaremos ao próximo artigo, Art. 66. Fazer afirmação falsa ou enganosa, ou omitir informação relevante sobre a natureza, característica, qualidade, quantidade, segurança, desempenho, durabilidade, preço ou garantia de produtos ou serviços: Pena - Detenção de três meses a um ano e multa. 1º Incorrerá nas mesmas penas quem patrocinar a oferta. 2º Se o crime é culposo; Pena Detenção de um a seis meses ou multa (PASSARELLI, 2002, p ). Aqui, a finalidade do legislador foi de proteger o direito do consumidor à informação clara e não contraditória, que lhe é inerente, e que estão dispostas no artigo 30 e seguintes do Código de Defesa do Consumidor. O comando penal pune quem fizer afirmação falsa ou enganosa, ou quem omitir dados ou informações relevantes e que digam respeito à natureza, característica, qualidade, quantidade, segurança, desempenho, durabilidade, preço ou garantia de produtos ou serviços (caput). Será também punido quem de alguma forma patrocinar a oferta ( 1 o ). Também é admitida a modalidade culposa ( 2 o ). O objeto jurídico é a relação de consumo. Podemos indicar ainda, a saúde e a segurança dos consumidores. Temos aqui, mais uma vez, a duplicidade de bens jurídicos tutelados por intermédio de uma única norma penal. Concluindo, o sujeito ativo é qualquer fornecedor que ofereça produtos ou serviços em desconformidade com o artigo, ou quem patrocine a oferta fraudulenta ludibriando ou não informando o consumidor. O elemento subjetivo do tipo é o dolo, ou seja, a vontade livre e consciente de fazer a afirmação falsa ou enganosa, omitir informação relevante ou patrocinar oferta sabendo-a fraudulenta. Embora prevista em lei, há controvérsia quanto a modalidade culposa (ALMEIDA, 1993, p. 134, 135). 72

5 Art. 67. Fazer ou promover publicidade que sabe ou deveria saber ser enganosa ou abusiva: Pena - Detenção de três meses a um ano e multa. Parágrafo único Vetado Incorrerá nas mesmas penas quem fizer ou promover publicidade de modo que dificulte sua identificação imediata (BRASIL, 1990). Cadernos de Nesse artigo, o legislador pune quem fizer ou promover publicidade que sabe ou deveria saber ser enganosa ou abusiva, ou seja, punirá o publicitário e o responsável pelo meio de veiculação da propaganda. Mas como saber o que é enganosa ou abusiva? Temos aqui novamente uma norma penal em branco. Tal dispositivo tem de se socorrer com o artigo 37 e parágrafos do mesmo diploma legal, que conceitua o que vem a ser publicidade enganosa e abusiva. O crime possui duas objetividades jurídicas. Uma é tutelar as relações de consumo, e a outra é proteger a integridade psíquica de todos os consumidores. Esse artigo, ao contrário do anterior, trata-se de crime de dano, pois se exige lesão do bem jurídico tutelado, não bastando apenas o perigo. Os sujeitos ativos são os profissionais que criam e produzem publicidade (publicitários) e os responsáveis pelo meio de veiculação dessa publicidade. Os sujeitos passivos são os consumidores difusamente considerados e os expostos diretamente a publicidade. Os elementos subjetivos do tipo são dois: o dolo (sabe) e a culpa (deveria saber). Art. 68. Fazer ou promover publicidade que sabe ou deveria saber ser capaz de induzir o consumidor a se comportar de forma prejudicial ou perigosa a sua saúde ou segurança: Pena - Detenção de seis meses a dois anos e multa: Parágrafo único Vetado Incorrerá nas mesmas penas quem fizer ou promover publicidade sabendo-se incapaz de atender à demanda (BRASIL, 1990). Novamente, a preocupação com a saúde e segurança do consumidor. Tratase de um tipo penal que pune quem faz ou veicula propaganda que sabe ou deveria saber ser capaz de induzir o consumidor a ter um comportamento prejudicial ou perigoso a sua saúde. O parágrafo único vetado puniria com a mesma pena quem fizesse ou veiculasse propaganda sabendo que esta não seria capaz de atender a demanda. O dispositivo (caput) comina pena de detenção e multa. Como se trata de um delito que cuida diretamente da vida e segurança do consumidor, o legislador cominou uma pena que é duas vezes maior que a do artigo anterior, que trata tão-somente de uma lesão que não seja prejudicial à vida ou segurança do consumidor. Neste delito, o legislador tratou de uma publicidade abusiva determinada: aquela capaz de induzir o consumidor a se comportar de forma prejudicial ou perigosa a sua saúde ou segurança (ALMEIDA, 1993, p. 77). Com isso, chegamos a conclusão que esse dispositivo somente será acionado quando a propaganda induzir o comportamento do consumidor de tal maneira que coloque em risco a sua saúde ou segurança. Se esse risco não for observado, e houver publicidade abusiva ou enganosa, nos valeremos do artigo anterior do diploma em estudo. No que diz respeito à objetividade jurídica, temos duas proteções: a primeira protege a relação de consumo, e a segunda protege a saúde e segurança dos consumidores. 73

6 Cadernos de Há mais de um sujeito ativo para este delito: um é quem faz a publicidade (publicitário) e outro é quem veicula propaganda que sabe ou deveria saber ser capaz de induzir o consumidor a ter um comportamento prejudicial ou perigoso a sua saúde ou segurança. Já os sujeitos passivos são todos os consumidores difusamente considerados e aquele no qual a publicidade seja capaz de induzi-lo a ter um comportamento prejudicial ou perigoso a sua saúde. Os elementos subjetivos do tipo são dois: o primeiro é dolo direito ou eventual (sabe), e o segundo é a culpa (deveria saber). Art. 69. Deixar de organizar dados fáticos, técnicos e científicos que dão base à publicidade: Pena Detenção de um a seis meses ou multa (BRASIL, 1990). Este artigo, em sua tipificação, pune quem não organiza dados fáticos, técnicos, e científicos que dão base à publicidade. Tal preceito vem no sentido de efetivar e garantira o que o Código de Defesa do Consumidor dispõe. Confirmando tal afirmação, vejamos o artigo 36, parágrafo único: o fornecedor, na publicidade de seus produtos ou serviços, manterá, em seu poder, para informação dos legítimos interessados, os dados fáticos, técnicos e científicos que dão sustentação à mensagem. Filomeno (2000, p. 658), explicando sobre a necessidade e utilidade de termos essa proteção, ensina que: Se necessário o ajuizamento de qualquer ação, quer no âmbito individual, quer no âmbito coletivo, em se tratando de publicidade enganosa ou abusiva (vide art. 37 e seus parágrafos já mencionados passos atrás), o judiciário terá melhores condições de aquilatar sobre a tendenciosidade ou não de determinada publicidade ou então os órgão administrativos incumbidos de seu controle, sobretudo na área de saúde. Inicialmente, a objetividade jurídica recai sobre as relações de consumo, só que abarca também a veracidade da publicidade. Como sujeito ativo temos o fornecedor, e como sujeito passivo encontramos a coletividade de consumidores. Trata-se de crime omissivo próprio, caracterizado pelo núcleo do tipo deixar. Como elemento subjetivo do tipo, temos o dolo. Inexiste punição a título de culpa. Art. 70. Empregar na reparação de produtos, peça ou componentes de reposição usados, sem autorização do consumidor: Pena - Detenção de três meses a um ano e multa (BRA- SIL, 1990). A Lei punirá quem, na reparação de produtos, utilizar peças ou componentes de reposição usados, sem autorização do consumidor. Há cumulação de pena de detenção e multa. Esse artigo protege expressamente o que diz o art. 21 da mesma Lei, que dispõe: No fornecimento de serviços que tenham por objetivo a reparação de qualquer produto considerar-se-á implícita a obrigação do fornecedor de empregar componentes de reposição originais adequados e novos, ou que mantenham as especificações técnicas do fabricante, salvo, quanto a estes últimos, autorização em contrário do consumidor (BRA- SIL, 1990). 74 legal: Filomeno (2000, p. 622), dá um depoimento pessoal acerca do referido texto

7 Não raro, aliás, e a experiência nesses 11 anos como profissional da área de proteção e defesa do consumidor no âmbito do Ministério Público nos mostra que não apenas não se troca a peça com defeito, como também se retiram outras, ainda boas, substituindo-as por outras usadas. Ou então, pura e simplesmente, embora cobrando por uma peça de reposição nova, o prestador de serviços de reparação substitui peça estragada por outras recondicionadas ou nem recondicionadas. Cadernos de Esse crime é classificado como comum, próprio, de perigo, de mera conduta, comissivo, principal, simples, unissubsistente, unissubjetivo, doloso, de ação única e instantâneo. O sujeito ativo deste delito é o fornecedor de serviços. O sujeito passivo é a coletividade de consumidores. Podemos ainda destacar que o crime possui dúbia objetividade jurídica, que são as seguintes: a proteção à tutela das relações de consumo e o patrimônio do consumidor lesado. Art. 71. Utilizar, na cobrança de dívidas, de ameaça, coação, constrangimento físico ou moral, afirmações falsas incorretas ou enganosas ou de qualquer outro procedimento que exponha o consumidor, injustificadamente, a ridículo ou interfira com seu trabalho, descanso ou lazer: Pena - Detenção de três meses a um ano e multa (BRASIL, 1990). A ação descrita na tipificação penal acima era muito comum antes do Código de Defesa do Consumidor. Havia todo um aparato de cobrança, onde colocava o consumidor devedor em posição vexatória e de grande humilhação. Com isso, se sentiu a necessidade de criminalizar a conduta, para coibir os abusos que eram costumeiramente cometidos. Com a tipificação, será punido cumulativamente com detenção e multa, o fornecedor (sujeito ativo) 1 que se valer de ameaça, coação, constrangimento físico ou moral, afirmações falsas, incorretas ou enganosas, ou qualquer outro meio que exponha o consumidor (sujeito passivo juntamente com a coletividade) ao ridículo, ou que interfira no seu trabalho, descanso ou lazer, para que assim seja cobrado e impelido a pagar a dívida. Esse dispositivo veio no sentido de garantir e reforçar o que já veio disposto anteriormente no Código, mais precisamente no artigo 42, que diz o seguinte, Art. 42. Na cobrança de débitos, o consumidor inadimplente não será exposto a ridículo, nem será submetido a qualquer tipo de constrangimento ou ameaça. Parágrafo único. O consumidor cobrado em quantia indevida tem direito à repetição do indébito, por valor igual ao dobro do que pagou em excesso, acrescido de correção monetária e juros legais, salvo hipótese de engano justificável (BRASIL, 1990). Sobre o crime exposto no artigo 71, Passarelli (2002, p. 86) comenta o seguinte, O consumidor não pode ser constrangido, indevidamente, ao pagamento de suas dívidas. Por essa razão, é válido o emprego do advérbio injustificadamente na letra da lei. Por ilustração, o constrangimento moral justificado em lei não é criminoso. Assim sendo, o fornecedor pode encaminhar o nome do consumidor inadimplente ao cartório de protestos ou ao serviço de proteção ao crédito (SPC). Nessas hipóteses obviamente, não incorrerá em crime. Pune-se na realidade, a natureza abusiva do procedimento empregado para a cobrança de dívida. 75

8 Cadernos de Temos como objetividade jurídica primeira, a relação de consumo. Secundariamente se protege a honra, a incolumidade física e psíquica do consumidor lesado. Já a classificação que se dá a esse crime é a seguinte: é crime comum, próprio, de perigo, de mera conduta ou material, comissivo, principal, simples, unissubsistente, plurissubsistente, unissubjetivo, doloso, de ação múltipla e instantâneo. Art. 72. Impedir ou dificultar o acesso do consumidor às informações que sobre ele constem em cadastros, banco de dados, fichas e registros: Pena - Detenção de seis meses a um ano ou multa (BRASIL, 1990). Esse artigo procura através de sua tipificação penal proteger o que já consagra o mesmo Código no artigo 43, parágrafos 1 o e 2 o, que diz o seguinte: Art. 43. O consumidor, sem prejuízo do disposto no art. 86, terá acesso às informações existentes em cadastros, fichas, registros e dados pessoais e de consumo arquivados sobre ele, bem como sobre as suas respectivas fontes. 1 Os cadastros e dados de consumidores devem ser objetivos, claros, verdadeiros e em linguagem de fácil compreensão, não podendo conter informações negativas referentes a período superior a cinco anos. 2 A abertura de cadastro, ficha, registro e dados pessoais e de consumo deverá ser comunicada por escrito ao consumidor, quando não solicitada por ele (BRASIL, 1990). Pune-se o fornecedor (sujeito ativo) que impedir ou dificultar o acesso do consumidor (sujeito passivo juntamente com a coletividade) às informações que sobre ele constem em cadastros, banco de dados, fichas e registros 2. Neste caso, teremos apenas uma sanção, que será de detenção ou de multa. A proteção aqui recai sobre as relações de consumo e sobre o direito a informação por parte do consumidor. Estamos diante de um crime comum, de perigo, de mera conduta, comissivo, principal, simples, uni-subjetivo, doloso, de ação múltipla e instantânea. Art. 73. Deixar de corrigir imediatamente informação sobre consumidor constante de cadastro, banco de dados, fichas ou registros que sabe ou deveria saber ser inexata: Pena - Detenção de um a seis meses ou multa. Esse artigo é uma forma de desdobramento do anterior. Castiga-se aqui, o fornecedor ou qualquer pessoa que seja responsável (sujeito ativo) e que não corrigir imediatamente informação sobre consumidor difusamente considerado (sujeito passivo) que conste em cadastro, banco de dados, fichas ou registros que sabe ou deveria saber não estar correto. Pune-se apenas com uma sanção, que pode ser de detenção ou multa. O artigo anterior se preocupou com o artigo 43 e seus parágrafos 1 o e 2 o do mesmo Código. Neste delito o legislador abarcou os parágrafos 3 o, 4 o, e 5 o do referido artigo 43, que rezam o disposto a seguir: 3 O consumidor, sempre que encontrar inexatidão nos seus dados e cadastros, poderá exigir sua imediata correção, devendo o arquivista, no prazo de cinco dias úteis, comunicar a alteração aos eventuais destinatários das informações incorretas. 4 Os bancos de dados e cadastros relativos a consumidores, os serviços de proteção ao crédito e congêneres são considerados entidades de caráter público. 5 Consumada a prescrição relativa à cobrança de débitos do consumidor, não serão fornecidas, pelos respectivos Sistemas de Proteção ao Crédito, quaisquer informações que possam impedir ou dificultar novo acesso ao crédito junto aos fornecedores (BRASIL, 1990). 76

9 O 3 o acima citado regula o que vem a ser a correção imediata, e prevê um prazo de 5 (cinco) dias para que ela seja feita. O 4º confere a esses bancos de dados e aos serviços de proteção ao crédito e congêneres, o caráter público. Sendo assim há a possibilidade do interessado impetrar habeas data. O 5 o diz que quando ocorrer a prescrição no que diz respeito a dívida do consumidor, este não será mais obstado de qualquer transação econômica, por informações impeditivas a concessão de crédito. Ocorrendo a prescrição, a informação sobre isso no SCPC, por exemplo, torna-se errônea, e se não for mudada, estará incorrendo em crime o responsável. Cadernos de A tipificação em questão no referido artigo 73 visa proteger as relações de consumo e a dignidade do consumidor diante da proteção ao crédito. A classificação desse crime é a seguinte: é crime comum, próprio, de perigo, de mera conduta, omissivo próprio, principal, simples, unissubsistente, unissubjetivo, doloso, de ação única e instantânea. Art. 74: Deixar de entregar ao consumidor o termo de garantia adequadamente preenchido e com especificação clara de seu conteúdo; Pena - Detenção de um a seis meses ou multa (BRASIL, 1990). Nessa tipificação criminal, pune-se quem deixar de entregar (sujeito ativo) ao consumidor (sujeito passivo junto com a coletividade) o termo de garantia adequadamente preenchido com indicação clara do conteúdo. Esse artigo corrobora com o disposto no artigo 50 da mesma Lei. Entrando na classificação doutrinária, achamos o seguinte: é crime comum, próprio, de perigo, de mera conduta, omissivo próprio, principal, simples, unissubjetivo, doloso, de conteúdo variado e instantâneo. Crimes against the foreseen relation of consumption in the Code of Defense of the Consumer ABSTRACT The present study it has as object the crimes against the foreseen relations of consumption in the Code of Defense of the Consumer. We will show until point this incriminated criminal norms are efficient in the prevention of the abuse of the economic power in the case of the consumption relations. We will still show the doctrinal classification of the crimes, as well as its more important aspects, that if makes indispensable in the study of the subject. Keywords: Consumer. Consumption. Supplier. Relation of Consumption. NOTAS 1 Devemos ressaltar que é possível a cobrança de dívida por alguém a mando do fornecedor, que será considerado no caso de crime como se fosse uma espécie de longa manus, como por exemplo, as empresas de cobrança. 2 Na verdade o sujeito ativo pode ser qualquer pessoa que tenha obrigação de fornecer tais dados, e o sujeito passivo pode ser também qualquer pessoa que pretenda ver seus dados. 77

10 Cadernos de REFERÊNCIAS ALMEIDA, João Batista de. A proteção jurídica do consumidor. São Paulo: Saraiva, ARAUJO JUNIOR, João Marcelo de. Dos crimes contra a ordem econômica. São Paulo: R. dos Tribunais, BRASIL. Lei n o 8.078, de 11 de setembro de Dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 12 set Disponível em: < Acesso em: 30 jul FILOMENO, José Geraldo Brito. Manual de Direito do Consumidor. 6. ed. São Paulo: Atlas, GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, PASSARELLI, Eliana. Dos crimes contra as relações de consumo: Lei federal n o 8.078/90 (CDC). São Paulo: Saraiva, SMANIO, Gianpaolo Poggio. Interesses difusos e coletivos. 4. ed. São Paulo: Atlas,