GRUPO DE PAIS PARCERIA ENTRE ESCOLA E FAMÍLIA

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1 GRUPO DE PAIS PARCERIA ENTRE ESCOLA E FAMÍLIA Siman Elis da Silva Cândido 1 RESUMO Neste trabalho, conto sobre a experiência de incluir as famílias dos alunos do ensino médio do Colégio Poliedro, de São José dos Campos, no trabalho desenvolvido pelo serviço de orientação de estudos. Compreendendo a co-responsabilidade das redes sociais (aqui, destacadamente, família e escola) no processo de aprendizagem do aluno, criamos o grupo de pais. Mensalmente, um grupo de até 12 pais e/ ou responsáveis reúne-se nesse novo espaço de conversação, com o intuito de olhar para as condições de aprendizagem de forma a ampliar contextos, e assim poder re-significar as dificuldades que surgem nesse processo. O grupo contou com a facilitação de uma orientadora educacional, que elegeu para essa orientação de estudos a concepção sistêmica como vertente teórica. As técnicas utilizadas contribuem para o aquecimento de nossas conversas além de favorecer re-significações e conscientizações dos processos relacionais envolvidos. A cada encontro os participantes elegem um tema relacionado a essa proposta de refletir e trocar experiências acerca do momento atual, dentro do contexto de se ter um filho cursando o ensino médio no Colégio Poliedro. Os pais destacaram como ponto positivo desses encontros o apoio recebido, a condução do trabalho, a proximidade e fortalecimento da parceria escola/ aluno/ família e, principalmente, o fato de termos construído um espaço rico para troca de experiências. Avaliaram também que a participação deles interferiu de forma positiva em seu relacionamento com os filhos, pois facilitou conversas e ampliou compreensões. As identificações também aliviaram culpas e angústias. Palavras-chaves: grupo de pais, co-responsabilidade, concepção sistêmica 1 INTRODUÇÃO 1 Psicóloga clínica e orientadora educacional, especialista em orientação profissional (Instituto do Ser) e terapeuta familiar sistêmica (Instituto Sistemas Humanos, cursando). Endereço eletrônico: siman.candido@sistemapoliedro.com.br

2 Este trabalho está fundamentado no modelo sistêmico e se propõe a compartilhar reflexões e experiências acerca do desenvolvimento do grupo multifamiliar na ampliação da parceria escola-família. O desafio foi oferecer um espaço conversacional que possibilitasse refletir e trocar experiências a respeito do momento atual das famílias, ou seja, dentro do contexto de se ter um filho cursando o ensino médio no Colégio Poliedro. De acordo com Costa (1999), é na família que se reproduzem ativa e vividamente os conflitos de uma sociedade e, por extensão, acabam por refletir-se no contexto escolar. Assim, quando pensamos na parceria escola-família, acreditamos que a escola seja um sistema que busca e disponibiliza a aprendizagem em conjunto com outros sistemas significativos para o sujeito, nesse caso a família. No desenvolvimento de uma nova expectativa, é preciso, como destaca Polity, que a escola adote outro paradigma educacional, que tenha uma visão ampla o suficiente para comportar o sujeito da aprendizagem, sua família e seus sistemas significativos, funcionando muitas vezes, como mediadora do processo inter-relacional (Polity, 2004, p.135). Neste sentido, as contribuições do modelo sistêmico, o papel do facilitador dentro do modelo escolhido e os grupos multifamiliares revelam a possibilidade de promover, na escola, um contexto de interação e um campo de reflexão de significados (Morselli, Silva & Vieira, 2004). 2 BASES TEÓRICAS Polity (2004) aponta para o fato de estarmos vivendo num contexto social-histórico caracterizado pela pós-modernidade. Para Favaretto: O saber pós-moderno aguça nossa sensibilidade para as diferenças. Reforça nossa capacidade de suportar o incomensurável, que tantaliza a experiência contemporânea, aparecendo na problematização da história, na teoria, na cultura e na arte, através de expressões que são verdadeiras personagens conceituais: indeterminado, heterogeneidade, hibridismo, deslegitimação, desenraizamento etc. Todas indicam o processo de fuga do consensual, a dificuldade de unificar e totalizar, valorizando descontinuidades, desterritorialização, descentramento, multiplicidade. Favaretto (1995 apud Polity, 2004, p.237)

3 O pensamento pós-moderno não se propõe a apresentar um método que defina verdades absolutas dentro de leis gerias. Aqui, o pensador preocupa-se com o desenvolvimento de meios para conhecer as experiências tal como elas são vividas. Para tanto, assume uma postura aberta às diferenças, conferindo importância aos contextos de tempo e espaço, sem deixar de valorizar aquilo que é único e complexo. Dentro dessa nossa perspectiva, não há mais a necessidade de nos fundamentarmos em certezas, pelo contrário, passamos a viver em um contexto em que cabem as incertezas, o desconhecido e a imprevisibilidade (Polity, 2004). Em uma perspectiva de múltiplos contornos, Paccola (1994) destaca o modelo sistêmico calcado na teoria geral dos sistemas compreensão do funcionamento familiar como os demais sistemas vivos, onde a dinâmica e a interação entre seus membros estão sujeitas às mesmas leis que se observam nos sistemas orgânicos. Nesse sentido, a partir da teoria geral dos sistemas e do construcionismo social, passou-se a considerar o funcionamento do psiquismo humano em termos interacionais e não mais apenas intrapsíquicos (Narvaz, 2010). Paccola (1994) acrescenta a esta mudança a compreensão da interdependência de todos os fenômenos psicológicos, físicos, biológicos, sociais e culturais, transcendendo as atuais fronteiras das disciplinas e dos conceitos, configurando uma estrutura inter-relacionada de múltiplos níveis de realidade multidisciplinar, gerando mudanças filosóficas e transformações culturais. Vasconcellos (2002) nomeia essa transformação como pensamento novo paradigmático, e para o enfoque, os profissionais apresentam-se reflexivos e éticos. Abandonam suas certezas, suas ideias técnicas e sua postura de neutralidade, para assumirem e conviverem com a complexidade e a imprevisibilidade. Nesta nova perspectiva, o foco é dirigido para as relações dos sistemas amplos, possibilitando a articulação de conhecimentos. Assim, o campo das práticas sistêmicas, dentro dos marcos paradigmáticos da pósmodernidade, organizou-se apoiado em torno de princípios tais como a imprevisibilidade, a incerteza, a impossibilidade de um conhecimento objetivo, a autorreferência, a autopoiese, a contextualização a partir de causalidades recursivas, a instabilidade dos sistemas, a circularidade, a criatividade e a espontaneidade e a inclusão do observador no acompanhamento da construção do conhecimento (Bateson, 2000; Prigogine, 1997, como citado em Narvaz, 2010, p.4). Zimerman e Osório (1997) destacam ainda a terapia familiar como responsável pela revitalização do estudo, da compreensão e da metodologia das abordagens terapêuticas dos grupos em geral.

4 Adotar essa epistemologia significa escolher uma maneira particular de compreender e descrever a relação que se estabelece entre as pessoas, entendendo que a realidade é construída e atualizada no encontro com o outro (Zuma, 1994). Essas foram as bases epistemológicas que nortearam as reflexões e que apontaram caminhos na construção do Grupo de Pais do Colégio Poliedro. 3 PARCERIA ESCOLA-FAMÍLIA Como aponta Polity (2004, p. 139.), tão importante quanto ter um modelo é perceber que ele não passa de uma metáfora. Partindo da definição de Sluzki (1997) para modelo, segundo a qual se trata de um instrumento para auxiliar a simplificação e a ordenação de uma realidade complexa, possibilitando definições operacionais, lógicas e pragmáticas. Quando pensamos em família ou escola como sistema, estamos apenas utilizando um recurso para nos auxiliar a compreender o funcionamento de um grupo. O modelo sistêmico, escolhido como aporte teórico para este trabalho, propõe pensarmos em co-responsabilidade entre as redes sociais envolvidas numa situação (aqui, destacadamente, escola e família). Essa co-responsabilidade abrange tanto os recursos disponíveis, quanto os impasses que se apresentam ao longo do caminho, o que implica na ideia de construirmos experiências compartilhadas, por meio da construção de novas narrativas, entendidas como construções complexas que se estruturam ao redor de tramas temáticas e da busca de alternativas de intervenção para essa realidade. Polity (2001) ressalta o contexto familiar como meio para amenizar ou multiplicar as dificuldades, independentemente da origem do problema. Assim, quando se trabalha com famílias, é imprescindível estar atento a alguns fatores, tais como: funcionamento e estrutura familiar, lealdades, alianças e coalizões, possibilidades de diferenciação e formação de identidade, padrões de repetição, adaptação ao ciclo vital, modalidades de aprendizagem, manejo dos segredos e mitos familiares. Percebemos que a construção das narrativas familiares sustenta-se nesses componentes, tecendo a trama particular que define cada grupo familiar. Assim, quando nos propomos a construir histórias em relação à aprendizagem junto com as famílias, estamos possibilitando mudanças e flexibilizações, pois cada membro pode recontar sua história, descrevendo seus significados à sua maneira (Polity, 2004).

5 Quanto à escola, cabe contribuir para a construção de um espaço onde haja relações de diálogo, colocando-se assim como parceira no processo de desenvolvimento de seus alunos. A escola pode, ainda, agir como moderadora das ansiedades das famílias, com vistas a contribuir na resolução de impasses apresentados por seus alunos (Miguel & Braga, 2008/2009). Observamos então um novo paradigma se apresentando. Hoje, compreendemos a educação como um processo global, atenta às formas de aprendizagem e não mais se limita a considerar os alunos como seres receptivos de informações do mundo exterior, com enfoque em uma metodologia indutiva. Esse novo paradigma exige o desenvolvimento de um olhar atual por parte das instituições escolares e dos profissionais que ali trabalham e que precisam estar dispostos a desenvolver suas atividades nesse contexto, além de lidar com as incertezas e dúvidas que se apresentarem (Polity, 2004). Para a autora no modelo tradicional de ensino, deparávamo-nos com queixas que levavam em conta apenas o aluno e sua família. Dentro da concepção do modelo sistêmico, passamos a redefinir os sujeitos envolvidos, ou seja, todos passam a ser co-responsáveis pela ação pedagógica. Por isso, podemos considerar o pensamento sistêmico como um salto conceitual; transferimos o foco do sujeito (exclusivamente individual) para os sistemas humanos e suas relações (inter-relacional). Outra mudança é a inclusão do observador do fenômeno e sua implicação na realidade observada. Passamos a questionar premissas como a linearidade, objetividade, causalidade e verdades universais, o que transforma também nossa maneira de ver o mundo e nossas possibilidades de vivenciar o processo educacional. Será nesse contexto que desenvolveremos uma proposta de parceria entre escola e família. Como aponta Shimansk, um bom ponto de partida para o desenvolvimento dessa parceria é o (re)conhecimento mútuo. Por reconhecimento, a autora compreende a postura de sair dos limites estreitos do preconceito e abrir-se para as novas possibilidades de ser do outro e de ser-com-o-outro (Shimansk, 1997, p. 221). Além de descobrir a própria ignorância sobre o outro e seu mundo, nesse (re)conhecimento podemos abrir novos caminhos ao, visualizarmos suas competências e saberes. Esse encontro pode resultar naquilo que Bouchard chama de apropriação: [...] significa que o indivíduo se torne mais apto a definir e compreender suas necessidades, atualizar seus recursos, gerar seu desenvolvimento partilhando seu savoir-faire com os outros e com os recursos de apoio do seu meio ambiente (Bouchard, 1988 como citado em Szymanski, 1997, p.222).

6 Assim, trabalhar a relação escola-família permite a todos perceberem o lugar que lhes cabe, favorecendo organizações internas e externas tão vitais para o desenvolvimento do sujeito da aprendizagem. Nesse aspecto, Polity (2004) aponta a oportunidade de trabalharmos com diferentes modelos, baseados em formas inovadoras de se lidar com o mundo, dentro de um trabalho em rede. A autora complementa que essa forma de trabalho permite aos sistemas passarem por diferentes estágios de desenvolvimento, em que, ao final, histórias podem ser re-significadas num processo de transformação e desintoxicação dos padrões relacionais habituais não saudáveis, implicando em algo a ser ultrapassado. Então, podemos perceber o quanto a parceria escola-família resultará num processo de ensino-aprendizagem com maiores probabilidades e condições de obtenção de sucesso. Cabe a essas duas entidades socialmente construídas estarem conscientes de seu papel, devendo participar do processo de desenvolvimento dos alunos/filhos, de modo que eles sejam críticos e autônomos para agir na sociedade (Miguel & Braga, 2008/2009). Nesse aspecto, a mediação entre as redes envolvidas pode ser muito eficiente no fortalecimento dos pais em suas funções. Szymanski (1997) aponta, em sua experiência com grupos de pais, o quanto a conversa sobre práticas educativas entre eles pode ser eficiente na transformação de hábitos enraizados. A autora acrescenta a criação de um clima de respeito mútuo, no qual sentimentos de confiança e competência são estimulados, como uma importante condição para as relações entre escola e família; essa relação deve delimitar claramente os âmbitos de atuação de cada uma, além de se desenvolver com base nos recursos e nas possibilidades, ao invés de limitar-se às dificuldades e às limitações. O processo de reconhecimento pede também um dar-se a conhecer, que ocorre na relação face a face, aberta e respeitosa (Szymanski, 1997, p.9). Para favorecer esse processo, escolhemos o encontro multifamiliar. 4 GRUPOS MULTIFAMÍLIAS Em 1963, Carl Wells criou o termo terapia multifamiliar. Essa abordagem foi desenvolvida por Laqueur, que reunia 5 ou 6 famílias para sessões regulares durante as quais os participantes podiam compartilhar suas experiências, suas dificuldades, e trocar sugestões

7 (Elkaim, 1995 como citado em Narvaz, 2010). Ravazzola define a terapia multifamiliar como o: Encontro de um grupo de famílias com características e modalidades próprias diversas em que estão presentes várias gerações que atuam entre si. Cada participante tem a possibilidade de ver os demais em interação [...]. As famílias se convocam para ajudar a solucionar o problema de uma e de todas, gerando-se um verdadeiro efeito de rede [...]. A presença de outros permite revisar as crenças que cada família sustenta [...] e abre dúvidas acerca dos pressupostos mantidos rigidamente através do tempo [...]. A interação entre pares torna-se facilitadora da mudança. As pessoas se aliviam ao descobrir que outros compartilham seu problema e que transitam por caminhos semelhantes (Ravazzola, 1997, p ). O grupo multifamiliar está fundamentado, de forma geral, em alguns pressupostos teóricos tais como: a terapia familiar, e sua visão de família enquanto sistema, priorizando o interpsíquico mais que o intrapsíquico, estando o foco do trabalho nas relações e utilizando os recursos sistêmicos como a circularização e a conotação positiva; a teoria das redes sociais de Sluzki, e seu enfoque nas interações humanas com o desenvolvimento da capacidade autorreflexiva, a troca de experiência e autocrítica; o sociodrama de Moreno, em que o grupo é o protagonista, com interesses e identificações em comum; e a psicologia comunitária, com seu trabalho em equipe com diferentes saberes, científicos e populares (Costa, L. F., Penso, M. A., & Almeida, T. M. C., 2005). Para Costa (1998), o grupo multifamiliar pode ser compreendido como um instrumento de capacitação, suporte e promoção de mudanças, no qual os integrantes do sistema podem refletir e buscar alternativas, aprendendo uns com os outros pela troca de experiências e pelo vislumbre de semelhanças e diferenças, estabelecendo, assim, novos padrões relacionais. Grassano e Holzmann (2002) também compreendem o trabalho com grupos familiares como um instrumento de sustentação, apoio e promoção de mudanças nas famílias que deles participam. Esse grupo propõe-se a constituir um espaço relacional onde as famílias ali reunidas, possam refletir sobre o seu contexto cotidiano, suas dificuldades, competências e suas aprendizagens, e trocar experiências percebidas como possibilitadoras de mudança. Bateson (2000 como citado em Narvaz, 2010, p.5) acreditava que a diversidade deste encontro e as diferenças entre descrições davam lugar ao nascimento de uma vantagem adicional: a ideia. Assim, ao se depararem com novas formas de pensar e agir, os participantes também podem ampliar seu leque de possibilidades. No grupo multifamiliar, novos pensamentos, ideias, condutas e sentimentos podem emergir a partir das diferenças. As

8 famílias podem renovar seus recursos, recuperar sua autoestima, além de experimentarem relações de confiança, de ajuda e apoio mútuo. As crenças na resiliência, na sabedoria de cada família, nas ideias criativas, nos recursos sadios e no poder da situação grupal são vitais para o facilitador que se propõe a trabalhar com grupos multifamiliares. Narvaz (2010) aponta como uma das principais vantagens desse trabalho, a possibilidade do uso do grupo como uma comunidade empenhada na resolução solidária das dificuldades que se apresentam, ou seja, a convicção de que no grupo os participantes assumem uma postura interessada e dedicada não só a modificar suas vidas como também em auxiliar outras, oferecendo apoio e esperança, mobilizando-se, sentindo-se úteis e solidárias, o que acaba por elevar sua autoestima por meio da capacidade de fazer reparações. A autora complementa serem esses alguns dos aspectos que conferem à proposta elevada eficácia. No trabalho com grupos multifamiliares, dentro dessa perspectiva, percebemos o quanto as histórias da terapia familiar, das terapias de grupo e da intervenção de rede se encontram e complementam, multiplicando possibilidades a partir da ampliação de sistemas que criam novos contextos e significados. Passamos a compreender a fundamental importância dos grupos como redes. Como apontado por Mony: [...] a rede mesma intervém ou cura. Os terapeutas são os catalisadores que preparam, aceleram e orquestram o processo de trabalho de grupo [...]. As redes resultam serem excelentes agentes de mudança e não conheço nada igual para a resolução dos problemas de simbiose (Elkaim, 1995 como citado em Narvaz, 2010, p.4). Conforme Rapizo (1998), esse encontro acontece em um contexto colaborativo, de conversação, em que o facilitador é um observador participante, cujo papel é criar um espaço que propicie e facilite conversas entre os membros do grupo, por meio das perguntas reflexivas, em que o facilitador cultiva a posição de não saber. O questionamento reflexivo valoriza as possibilidades de uma nova edição da história de vida da família ou do problema, pois a proposta do grupo multifamiliar: [...] não é uma técnica. É uma forma de relação. Foi um alívio para mim, abandonar as relações hierárquicas e estabelecer relações mais igualitárias que caracterizam os processos reflexivos, em que cliente e terapeuta conversam juntos e trabalham juntos como dois parceiros igualmente importantes (Andersen, 1999, p. 305).

9 5 METODOLOGIA Costa, a partir de sua prática com grupos multifamiliares, aponta a importância de favorecermos espaços de união com as famílias, a fim de que essas pudessem expressar sua competência nos acontecimentos do cotidiano, na solução de problemas, na educação dos seus filhos (Costa, 1998, p. 247). Experiências baseadas nessa forma de grupo corroboram o fato de que quando diferentes famílias conversam sobre suas angústias, suas dúvidas, suas expectativas e alternativas, ocorrem identificações positivas entre os membros dos grupos. Essa comunicação, então, se torna um instrumento de referência e intervenção para se buscar novas formas de relacionamento entre aqueles envolvidos no contexto. Assim, compreendendo a co-responsabilidade das redes sociais (família e escola) envolvidas no processo de aprendizagem do aluno, criou-se o grupo de pais para todos os pais e/ ou responsáveis dos alunos que cursam o ensino médio no Colégio Poliedro/ SJC. O objetivo primordial desse grupo é promover um espaço relacional e democrático de desenvolvimento de diálogo, competências, suporte emocional e compartilhamento de experiências e aprendizagem, onde a identificação mútua e o reconhecimento das diversidades são ferramentas chaves. Como vertente teórica, elegeu-se os pressupostos da teoria sistêmica, os quais visam criar possibilidades de comunicação e de reflexão críticas entre os envolvidos. Além disso, os encontros foram planejados de forma a abranger três momentos distintos: 1) Contextualização da temática a ser trabalhada pelo grupo e apresentação dos participantes; 2) Problematização caracterizada pela sensibilização através de técnicas/ atividades que contribuam para o aquecimento de nossas conversas, além de favorecer re-significações e conscientizações dos processos relacionais envolvidos; 3) Conversações propriamente ditas baseado nos pressupostos de Maturana de que a realidade se constitui na conversação. Para o autor: O conversar é um fluir na convivência, no entrelaçamento do linguagear e do emocionar. Ou seja, viver na convivência em coordenações de coordenações de fazeres e de emoções. Por isso é que digo que tudo o que é humano se constitui pela conversa, o fluxo de coordenações de coordenações de fazeres e emoções (Sacramento & Vieira, 2004).

10 O formato escolhido para o funcionamento desses encontros foi o grupo aberto, ou seja, a cada novo encontro, novos participantes podem compartilhar dessa proposta. Existe, entretanto, um número limitado de 12 vagas. Até mesmo pela questão da organização e qualidade da proposta. Disponibilizamos encontros quinzenalmente (mensal para aqueles que desejarem participar novamente) aos sábados pela manhã, com duas horas de duração. Esse trabalho contou com a facilitação de uma orientadora educacional. Compreendemos que, ao facilitador do grupo, cabe favorecer a redistribuição das queixas e/ ou demandas apresentadas através da co-responsabilidade entre as redes, ao mesmo tempo em que tem o cuidado de fazer emergir a construção de narrativas ampliadoras por meio de perguntas reflexivas. Assim, durante o encontro, coube a ela selecionar, dentre os temas presentes na conversa, aqueles pertinentes às famílias envolvidas. Funcionando como elo de comunicação entre os membros, traduzindo e ampliando os temas trazidos, auxiliando o grupo a fazer suas próprias conexões, distribuindo as conversas e estimulando a expressão dos mais calados. Para tanto, torna-se necessário assumir sempre uma postura de respeito às individualidades e às diversidades, valorizando e incluindo todas as contribuições. Assim, o facilitador resgata a crença nas trocas e no diálogo e ressalta o saber de cada família visando à superação de problemas. Narvaz (2010) aponta que dentro da concepção sistêmica, fundamentada na capacidade autogestiva do grupo e na crença dos recursos próprios de cada família, o facilitador exerce um papel mais de mediador mobilizador, do que o de especialista. Como afirma Andersen (1999), se for para ser expert de algo, talvez deva ser expert em conversações. Nos encontros ao longo do ano de 2010 trabalhamos com temas como: o equilíbrio na relação pai/filho, educação e limites, facilidades e dificuldades no processo de aprendizagem, como cada família se relaciona com o saber, normas do colégio, socialização na adolescência, internet e multimídias de forma geral, dentre outros. Assim, pudemos compartilhar a responsabilidade do aprendizado entre escola, família e outros sistemas, ampliar as narrativas que permeiam o contexto das dificuldades escolares e perspectivas para todos aqueles que se envolveram nesse processo. O grupo de pais funcionou como uma equipe autorreflexiva, cujas intervenções do facilitador contribuíram para emergir reflexões e descrições alternativas da realidade e do problema vivenciado, em uma perspectiva de despatologização das narrativas e de resgate dos recursos sadios presentes em qualquer sistema. Assim, o grupo

11 acabou por propiciar às famílias não só o benefício das interações e intervenções com o facilitador, como também das vivências e reflexões dos demais participantes, cujos saberes e competências aliviaram culpas e vergonhas típicas das famílias em crise. 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS Como destacado por Narvaz (2010), na modernidade percebemos um crescente isolamento interpessoal, o que muitas vezes impossibilita vivências importantes para a saúde emocional, tais como as experiências de coesão, apoio e autorreflexão proporcionadas pela participação em um grupo multifamiliar. Esta participação está relacionada a sentimentos de alívio, principalmente ao percebermos a universalidade de certos problemas, e então nos sentirmos confortáveis em compartilhá-los, o que acaba por alimentar esperanças, comportamentos de ajuda e sentimentos de autoestima elevada. Nesse contexto, dá-se então o encontro humano genuíno que, segundo Narvaz, apresenta a: [...] possibilidade de catarse e imitação de aprendizagem de novos padrões interpessoais de relação e de experiências emocionais corretivas. Especialmente nos enquadres grupais estruturados em torno de um problema particular, a coesão grupal se estabelece prontamente, facilitando a aceitação e a compreensão, base sobre a qual os membros tendem a expressar-se mais profundamente e identificar-se de forma mais profunda com os demais, permitindo-se integrar aspectos até então inaceitáveis (Narvaz, 2010, p.3). Ressaltando nossa experiência dentro da proposta de grupo multifamiliar, ao final do ano de 2010 pedimos para todos os pais e/ ou responsáveis que haviam participado de pelo menos um encontro, que avaliassem a experiência. Eles não indicaram nenhum ponto negativo e destacaram como pontos positivos o apoio recebido, a condução do trabalho, a proximidade e fortalecimento da parceria escola/aluno/família e, principalmente, o fato de termos construído um espaço rico para troca de experiências. Avaliaram também que a participação deles interferiu de forma positiva em seu relacionamento com os filhos, pois facilitou conversas e ampliou compreensões. As identificações também cumpriram a função de aliviar culpas e angústias. Ratificando Grassano e Holzmann, ao apontarem como contribuições do grupo multifamiliar:

12 - A conscientização de que outros passam pelas mesmas dificuldades ajuda a enfrentar melhor o problema. - A percepção de que outros cresceram, superaram suas dificuldades ou encontraram novas formas de enfrentá-las dá forças para que continuem lutando, baseados na esperança de conseguir o mesmo. - A possibilidade de ajudar e ser ajudado por alguém que tem uma situação semelhante gera competência e força. - Forma-se uma rede de apoio na qual todos se sentem aceitos com suas idiossincrasias. - A aprendizagem feita por uma família serve de modelo para outras que pertencem ao grupo. - A possibilidade de experimentar novas atitudes e poder compartilhar com o grupo podem dar à família encorajamento e apoio. (Grassano & Holzmann, 2002, p. 35) Nesses tempos de individualismo e de isolamento que geram situações de desamparo dos sujeitos e das famílias, compartilhar cumpre a reparadora função de reconectar o sujeito, alienado de si e do coletivo, com o outro. Peguin (1991) cita como fatores facilitadores dessa prática a vivência comum do sofrimento, a reação de espelho pelas ressonâncias e identificações, a permissão para falar e sentir livremente em um ambiente acolhedor, a experiência emocional corretiva e a atmosfera de ajuda que favorece a esperança. Para Narvaz (2010), a oportunidade de troca, a solidariedade entre os membros do grupo e a ajuda mútua também se constituem em agentes terapêuticos peculiares, pois possibilitam aos indivíduos reconhecer o outro, sentirem-se apoiados e exercitar a importante capacidade de reconectar-se. Quando conduzido de forma empática, o grupo viabiliza o relaxamento das defesas e controles individuais, fazendo por si mesmo grande parte do trabalho por meio das múltiplas ressonâncias entre os membros. Dessa forma, a autora compara o campo grupal com uma galeria de espelhos, onde as ressonâncias entre as conversações são facilitadas. A forma como esse trabalho foi proposto facilitou aos participantes assumirem a condição co-facilitadores, contribuindo com algumas intervenções, colocações e servindo de modelo para outras famílias ali presentes. Podemos considerar esse grupo de pais como um processo coletivo e relacional enquanto possibilita a co-construção de narrativas e de significados pelas quais novas histórias passam a ser possíveis. Buscando, ainda, transcender o individualismo e resgatar o coletivo na produção e na superação do sofrimento psíquico. Para Holzmann e Grassano (2002), esse processo é possível quando os integrantes percebem outras pessoas com os mesmo problemas e suas formas de enfrentá-los; forma-se uma rede de apoio, ocorre o encontro com novos modelos e o feedback entre seus membros. Para Dabas (1995), os membros envolvidos na rede social processo permanente de construção coletiva e/ ou individual se enriquecem por meio das múltiplas relações

13 proporcionadas por esse encontro com o outro. Grassano e Holzmann(2002) definem a palavra rede como a possibilidade de afeto, de troca, de interesse de informação e abertura de diferentes aspectos da vida, que favorece o pedir, o dar, o receber, o rejeitar, o tomar, que são opções de comunicação vinculadas à relação familiar, comunitária e social. Assim, a grande riqueza das intervenções em grupo está relacionada ao resgate do coletivo e da solidariedade, à crença nos recursos sadios do indivíduo e à socialização dos saberes. 7 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Andersen, T. (1999). Processos reflexivos. Rio de janeiro: NOOS. Costa, L. F. (1998, julho-dezembro). Reuniões multifamiliares: condições de apoio, questionamento e reflexão no processo de exclusão de membros de família. Ser Social, 3, p Costa, L. F. (1999). Reuniões multifamiliares: uma proposta de intervenção em Psicologia Clínica na comunidade. In: Paz, M. G. T. Escola, saúde e trabalho: estudos psicológicos. Brasília: Ed. da UNB. Costa, L. F., Penso, M. A., & Almeida, T. M. C. (2005, dezembro). O grupo multifamiliar como um método de intervenção em situações de abuso sexual infantil. Psicologia USP, São Paulo, 16(4), p Dabas, E. N. (1995, junho). A intervenção em Rede. Nova Perspectiva Sistêmica. 6(5), p Grassano, S. M. & Holzmann, M. E. (2002). Multifamílias: construção de redes de afeto. Curitiba: Integrada. Narvaz, M. G. (2010, janeiro-junho). Grupos multifamiliares: história e conceitos. Contextos Clínicos, 3(1), p Miguel, L. O. S. & Braga, E. R. M (2008/2009) A importância da participação das famílias dos alunos no processo de aprendizagem, visando ao sucesso escolar. Caderno Pedagógico: Educação Escolar e Desafios Contemporâneos, Mandaguari, PR, Brasil. Morselli, V., Silva, M. A., Vieira, C. (2004, setembro). Grupos multifamiliares na coconstrução da auto-estima em situações de risco. Anais do 2º Congresso Brasileiro de Extensão Universitária, Belo Horizonre, MG, Brasil. Paccola M. K. (1994). Leitura e diferenciação do mito. São Paulo: Summus Editorial. Pakman, M. (1999). Desenhando terapias em saúde mental comunitária: Poética e micropolítica dentro e além do consultório. Nova Perspectiva Sistêmica, 8(13), Peguin, R. (1991). Psicoterapia de grupo: fatores facilitadores. Insight, 13, 8-15.

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