Modelo de Negócios do Banco do Brasil e da Caixa Econômica Federal: Utilização do Modelo RCOV

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1 Modelo de Negócios do Banco do Brasil e da Caixa Econômica Federal: Utilização do Modelo RCOV Autoria: Lucas de Carvalho Marinho Teixeira, Humberto Elias Garcia Lopes Resumo Os avanços verificados nas novas tecnologias de informação aliados à expansão da internet permitiram uma diminuição de custos com a comunicação e o surgimento de novas formas de criar e entregar valor, bem como novas arquiteturas de transação e mecanismos de troca, que evidenciaram a importância da internet no surgimento de novos modelos de negócios. A partir disso, o presente estudo busca utilizar a aplicação do modelo RCOV, desenvolvido por Demil, Lecocq e Warnier (2006), que visa incorporar duas perspectivas: a abordagem estática e a dinâmica, para duas instituições bancárias públicas federais: o Banco do Brasil e a Caixa Econômica Federal. A partir da análise do modelo de negócios das instituições citadas, a ação dos bancos mostra que a proposta de valor para ambas instituições foi o desenvolvimento econômico e a geração de valor para a sociedade, através do fomento ao emprego. Alguns dos papéis que a instituições foram chamadas a desempenhar são resultados do movimento de encolhimento do Estado. Palavras-chave: modelo de negócios; estratégia; criação de valor. 1.Introdução Os modelos de negócios constituem um instrumento essencial para organizações já estabelecidas ou emergentes, tanto do ponto de vista acadêmico quanto do ponto de vista gerencial. Para Magretta (2002), um modelo de negócios eficaz é fundamental para o sucesso de uma organização, representando uma nova ou uma melhor maneira de criar e capturar valor e gerando novas demandas e novas fontes de receitas. De forma sucinta, os modelos de negócios refletem a lógica de atuação das empresas (Casadesus-Masanell & Ricart, 2010), representando como elas competem e entregam sua proposta de valor. Além de proporcionar a criação de valor pela organização, os modelos de negócios devem responder prontamente às mudanças do ambiente, para que assim possam colaborar com o seu crescimento. Assim, as organizações e seus modelos de negócios fazem parte de um cenário em transformação, onde a internet tem papel fundamental (Teece, 2010). A partir disso, Demil e Lecocq (2010) relatam dois diferentes usos do conceito de modelos de negócios. O primeiro refere-se à abordagem estática, voltada essencialmente para a descrição e a coerência entre seus componentes principais. O segundo representa uma abordagem dinâmica e transformacional, em que o modelo de negócios é considerado como uma ferramenta da organização para enfrentar as mudanças ambientais. Demil, Lecocq e Warnier (2006) conciliam essas duas abordagens descrevendo a articulação entre diferentes componentes organizacionais para produzir uma proposição que possa criar valor tanto para os clientes como para a empresa. Esses componentes seriam os Recursos e Competências (RC), a Estrutura Organizacional (O) e suas Proposições de Valor (V). A partir disso, os autores sugerem a aplicação de ummetamodelo, intitulado de framework RCOV. O modelo explica como a empresa participa na criação de valor, organizando suas atividades e suas operações dentro de uma rede maior de organizações externas (como a rede de valor), e como o mesmo modelo é capaz de capturar o valor suficiente para garantir vantagem competitiva. Demil e Lecocq (2010) argumentam que o modelo de negócios deve ser pensado como sequências que envolvem mudanças intencionais (voluntárias) e emergentes entrelaçadas que afetam componentes principais ou seus elementos, resultando na trajetória de uma organização. Os referidos autores relatam, ainda, que a dinâmica do modelo 1

2 de negócios vem da interação entre e dentro dos componentes do modelo de negócios, ou seja, interações entre os componentes irão seguir escolhas para desenvolver uma nova proposta de valor e proposições de valor podem criar oportunidades produtivas para novas propostas de valor. Baseado nessa abordagem, o presente artigo buscará utilizar do modelo proposto por Demil, Lecocq e Warnier (2006), para analisar a relação entre os componentes centrais do modelo de negócios de uma organização e seus respectivos impactos na dinâmica de criação de valor. A partir disso, este artigo fará a aplicação do framework RCOV em duas instituições bancárias públicas federais: o Banco do Brasil e a Caixa Econômica Federal, no período de 2002 a A opção por essa abordagem é justificada pela necessidade de acompanhar a inter-relação entre os componentes organizacionais e sua evolução dinâmica para processo de criação de valor nessas instituições e seus impactos nos respectivos modelos de negócios, ao longo do tempo. 2. Marco Teórico 2.1.Os Modelos de Negócios e suas relações com duas das principais abordagens da Criação de Valor na Estratégia O modelo de negócios explica como as atividades da organização trabalham em conjunto para executar sua estratégia, conectando a formação e a implementação da estratégia. Uma vez que ela é definida como a criação de uma posição de valor única e que direciona o modelo de negócios, a escolha das variáveis estruturais do modelo sofre influência do posicionamento estratégico adotado pela empresa. As teorias de estratégia empresarial que tratam da criação de valor e da performance superior aos concorrentes podem ser divididas em dois eixos principais: a) as teorias que consideram a vantagem competitiva como fator externo à organização, como um atributo de posicionamento, derivado da estrutura das indústrias e; b) as teorias que consideram a performance superior como um fenômeno decorrente das características internas da organização. No primeiro eixo, segundo Porter (1991), a lógica dos modelos de organização industrial é muito clara sobre as origens e o sentido da causalidade do modelo. Para essa lógica, a estrutura da indústria é que determina a performance das empresas. Uma vez diagnosticadas as forças que afetam a concorrência num segmento, bem como suas causas básicas, a empresa está em posição de identificar seus pontos fracos e fortes em relação a esse segmento (Porter, 1991). Ainda que outros elementos sejam considerados, como os recursos das empresas, o posicionamento da empresa dentro da indústria é o principal determinante de sucesso ou fracasso. Já no segundo eixo, as empresas são consideradas como conjunto de recursos e capacidades (Wernerfelt, 1984). Esses recursos e capacidades são vistos como elementos raros, inimitáveis e insubstituíveis (Barney, 1991). A ideia de recursos não se limita apenas aos recursos físicos e financeiros, mas também, aos intangíveis (Penrose, 1959). Partindo do pressuposto de que as dotações de recursos entre as empresas sejam heterogêneas, as instituições apresentarão performances econômicas diferenciadas. No entanto, se os concorrentes têm o mesmo recurso, os clientes podem ir até eles para os benefícios associados, tornando-se difícil para a empresa focal ganhar dinheiro. Se o recurso é raro, há menos concorrentes e, portanto, os clientes são mais propensos a gravitar em torno dos poucos proprietários do recurso, aumentando as chances de cada proprietário ter vantagem competitiva. Se o recurso é fácil de imitar ou substituto, os concorrentes podem replicar quaisquer benefícios para os clientes que vêm da empresa focal, minar quaisquer vantagens competitivas que o proprietário dos recursos pode ter tido. Assim, quanto mais valioso, raro, inimitável e insubstituível é um recurso, mais o seu proprietário é susceptível de 2

3 fazer lucros sustentáveis (Afuah, 2013). Quanto mais alinhado o ajuste entre os elementos do modelo de negócios, mais difícil se torna para os concorrentes imitar a base para vantagens competitivas (Foss & Stieglitz, 2014). Esses dois eixos do estudo da estratégia corroboram o conceito de modelo de negócios, no que se refere à articulação entre as diferentes áreas de atividades e recursos de uma empresa projetada para produzir uma proposta de valor para os clientes, onde deve-se descrever o pacote de produtos e serviços, bem como quais valores são entregues aos segmentos de clientes. A análise entre as relações das diferentes atividades e recursos de uma empresa pode ser vista por duas abordagens que, segundo Demil e Lecocq (2010), são identificadas como uma abordagem estática ou uma abordagem dinâmica. A abordagem estática se concentra em analisar os componentes centrais de um modelo de negócios (como uma fotografia do modelo de negócios), enquanto a abordagem dinâmica busca analisar a evolução do modelo de negócios Abordagem Estática x Abordagem Dinâmica dos Modelos de Negócios Lecocq, Demil, e Warnier (2006) conceituam os modelos de negócios como a descrição da articulação entre os seus diferentes componentes, para produzir uma proposição de valor ao mercado, gerando valor à organização. Basicamente dois diferentes usos desse conceito podem ser identificados. O primeiro uso refere-se a uma abordagem estática, voltada essencialmente para a descrição e a coerência entre os componentes principais de um modelo de negócios. Nessa abordagem, o modelo de negócios sintetiza a maneira como empresa cria valor. A abordagem estática permite a criação de tipologias para os modelos de negócios e o estudo da relação entre um dado modelo de negócios e a perfomance da empresa. A abordagem estática descreve a estrutura organizacional, engloba as atividades-chave da organização e suas relações para a exploração dos recursos. Esse tipo de modelo sintetiza uma forma de criar valor em um negócio, conceituando os mecanismos de criação de valor e as diferentes atividades que a empresa emprega para gerar valor. Dentre outros aspectos, essa abordagem descreve o modelo de negócios como uma representação concisa de um conjunto inter-relacionado de variáveis de decisão. Um modelo de negócios articula a lógica e fornece dados e outros elementos que demonstram como uma empresa cria e entrega valor aos clientes. Ele também descreve a arquitetura de receitas, custos e lucros associados com a empresa de negócio ao entregar esse valor. O segundo uso do conceito representa uma abordagem dinâmica, em que o modelo de negócios é considerado como uma ferramenta da organização para enfrentar as mudanças ambientais e tem foco em processos internos ou na evolução do próprio modelo de negócios. Nessa segunda abordagem, os autores destacam a necessidade da evolução de um modelo de negócios, que raramente é observada em uma fase inicial, já que seu desenvolvimento requer uma dinâmica de mudanças, adaptações e melhorias progressivas. A ideia de experimentação e descoberta no modelo de negócios é, na literatura acadêmica, vista como uma das principais e mais relevantes formas de inovar o modelo de negócios (McGrath, 2010). Expostas as duas abordagens, a estática e a dinâmica, Lecocq, Demil, e Warnier (2006), sugerem a utilização da segunda, como uma maneira mais apropriada para a análise da criação de valor de uma empresa, pois ao invés de buscar apenas uma lógica descritiva do modelo de negócios (suas atividades e recursos principais), os autores sugerem que o estudo do modelo de negócios deve ter a criação de valor como a parte essencial desse modelo. Assim, a busca por analisar as interações dos componentes centrais e seus resultados para a criação de valor seria mais apropriada que apenas uma lógica descritiva desse processo. 3

4 Como o modelo de negócios é reflexo da lógica econômica de uma determinada empresa, ele não poderia ser alterado em um curto prazo. A partir disso, uma abordagem dinâmica, busca analisar a lógica da empresa, mais o resultado das interações dos componentes, do que a descrição dos mesmos, para captar de uma forma mais apropriada a maneira como a estratégia é implementada. Ou seja, utilizar o modelo de negócios através de uma abordagem estática e descritiva, seria considerar que o conceito desse modelo estaria próximo de outros instrumentos já existentes na área de estratégia. Porém, através da abordagem dinâmica, o modelo de negócios tem como foco a descrição das interações entre os componentes da empresa, e o que isso irá influenciar na criação de valor. Como uma maneira de formalizar e padronizar essa forma de abordagem dinâmica, Lecocq, Demil, e Warnier (2006) desenvolveram o modelo RCOV, que busca delinear a dinâmica entre os componentes de uma empresa e, assim, explicar a lógica de criação de valor nessa organização Modelo RCOV De acordo com Demil e Lecocq (2010), para estudar um modelo de negócios é necessário identificar seus principais componentes antes de lidar com os complexos processos de mudança e evolução organizacional. Na visão dos autores, as escolhas para desenvolver uma proposta de valor serão sucedidas por interações entre os componentes para criar combinações de recursos ou para fazer mudanças no sistema organizacional e pelos impactos que essas adaptações terão sobre os outros componentes e seus elementos subsidiários. Os autores partem do princípio de que uma empresa arquiteta o seu modelo de negócios para originar receitas a partir de diferentes escolhas, como exemplo: volume de negócios, royalties, aluguéis, juros, etc. Essas escolhas englobam recursos e competências ao valor (recursos e competências), a proposição de valor da empresa aos seus clientes (proposta de valor) e organização interna e externa da empresa. Os recursos e competências são valorizados através do fornecimento de produtos ou serviços nos mercados. A organização refere-se à escolha de operações de uma organização que lida com a sua cadeia de valor e com as relações que estabelece com outras organizações (da sua rede de valor, incluindo fornecedores, clientes, concorrentes, órgãos reguladores, etc.). Demil e Lecocq (2010) destacam o importante papel dos ativos intangíveis (capital humano, carteira de clientes, capital organizacional, fornecedores, competências essenciais, etc.) no processo de criação e apropriação de valor, particularmente por meio da identificação de recursos e competências-chave. A lógica dos autores é tentar descrever o modo de apropriação de uma parcela do valor criado, reunindo a estrutura da renda gerada pela proposta de valor e os custos incorridos para a implementação. Dependendo das escolhas feitas sobre os componentes do modelo e as relações entre eles, um modelo de negócios emerge volumes e estruturas de receitas e despesas cuja diferença determina a rentabilidade. Além dessa visão estática, o desenvolvimento de um modelo de negócios também terá um impacto sobre o fluxo de recebimentos e pagamentos na atividade de uma organização. Portanto, a abordagem dinâmica é necessária para analisar se os componentes do modelo de negócios estão interligados, permitindo compreender a lógica da criação de valor. A criação de valor através de sua arquitetura descreve como a empresa está organizada para entregar sua proposta de valor. É o mesmo para os recursos e as competências essenciais que são expressas nos processos-chave da arquitetura do modelo de negócios e em sua respectiva eficiência. Além disso, três componentes: proposição de valor, o valor de arquitetura, recursos e competências são essenciais para a compreensão da origem e formação dos fluxos financeiros. 4

5 Esse tipo de análise segue a visão Penrosiana da firma, Demil, Lecocq e Warnier (2006) propõem a estrutura de um modelo de negócios a partir de três componentes centrais: seus Recursos e Competências (RC), sua Estrutura Organizacional (O) e suas Proposições de Valor (V),onde: Tabela 1: Componentes do Modelo de Negócios Componente Definição Recursos e Competências (RC) Estrutura Organizacional (O) Proposições de Valor (V) Nota. Fonte: Elaborado pelo autor Conjunto de recursos e competências acumulados pela organização, que englobam ativos tangíveis e intangíveis, como por exemplo, o know-how tecnológico, traduzido em patentes e tecnologias desenvolvidas. Conjunto de atividades da organização e as relações que estabelece com outras organizações para combinar e explorar seus recursos. Inclui a cadeia de valor das atividades, ou seja, o conjunto de múltiplos processos que compõem as atividades da organização e sua rede de valor formada pelas relações com stakeholders externos (fornecedores, clientes, competidores, reguladores). Conjunto de propostas de valor oferecidas aos clientes, sob a forma de produtos e serviços. Para sua compreensão, é importante identificar como e para quem são entregues, ou seja, as diferentes formas de geração de receitas da organização. Esses três componentes principais abrangem vários elementos diferentes (tipos de recursos, parcerias com empresas diferentes dentro da rede de valor, tipos de produtos oferecidos aos clientes, etc.), sendo as estruturas de volume, receitas e custos da organização uma consequência direta deles. A diferença entre receitas e custos gera uma margem (valor capturado pela organização) que pode alimentar o estoque de recursos e competências e, por conseguinte, determinar a sustentabilidade do modelo de negócios ao longo do tempo (Demil & Lecocq, 2010). Descritos os componentes do modelo de negócios, os autores sugerem a aplicação de um metamodelo, intitulado de RCOV, descrito a partir de três componentes essenciais: recursos provenientes de mercados externos ou desenvolvidos internamente e competências referentes a habilidades e conhecimentos desenvolvidos; estrutura organizacional que abrange atividades e relacionamentos estabelecidos com outras organizações; e a criação de valor que a empresa entrega aos clientes na forma de seus produtos e serviços.a dinâmica do metamodelorcov refere-se ao resultado das interações entre os seus recursos, sua organização e a capacidade da organização para a criação de valor. 5

6 Figura 1: Framework RCOV Fonte: Adaptado de Demil, B., Lecocq, X (2010) Business Model Evolution: In Search of Dynamic Consistency. Long Range Planning, 43, Na dinâmica RCOV, o modelo de negócios engloba escolhas de uma organização para gerar renda em um sentido amplo como: volume de negócios, os direitos de propriedade intelectual, aluguéis, juros, subsídios, transferências de ativos, etc. (Demil & Lecocq, 2009). Mais especificamente, vemos o modelo de negócios como a forma pela qual uma organização dinâmica articula três componentes principais para gerar receitas e lucros, posteriormente. Esses três componentes básicos de um modelo de negócios determinam a estrutura e o volume de receitas e despesas de uma empresa e, em última instância, de seu lucro. A estrutura de custos é impulsionada pelos recursos e competências adquiridos e desenvolvidos pela empresa e pela gestão organizacional implantada para levar a diversas atividades de sua rede de cadeia de valor. Esses elementos correspondem ao conjunto de recursos e do sistema administrativo proposto por Penrose (1959) (Plé, Lecocq & Angot, 2010). A interação entre os componentes do modelo gera o caráter dinâmico do modelo RCOV. A dinâmica é dada pela interação entre seus componentes centrais e a resposta aos estímulos ambientais (positivos ou negativos). O ambiente, considerado uma variável exógena à organização, não se configura como um elemento do modelo sendo incorporado ao modelo através dos componentes e das respostas do modelo de negócios. As mudanças podem ser voluntárias, com origem na empresa ou emergentes, com origem no ambiente, positivas ou negativas (Demil & Lecocq, 2010). O modelo também ilustra como as mudanças estão inter-relacionadas. Algumas mudanças no ambiente podem ser ocasionadas por medidas voluntárias ou por escolhas estratégicas, entretanto, ambas podem ter consequências inesperadas em um emergente modelo de negócios. Essa capacidade de adaptação permite que se criem ciclos virtuosos na medida em que se modifica um componente do modelo de negócios (Demil & Lecocq, 2009). Considerando os componentes do modelo de negócios como uma coleção de recursos (visão Penrosiana da firma), o modelo RCOV permite integrar duas abordagens complementares em um processo interativo para a criação de valor, os recursos de propriedade da empresa e suas escolhas organizacionais. O modelo tem a ênfase na transformação e os processos de distribuição da empresa. Além da identificação de componentes, a abordagem do modelo de negócios frequentemente focaliza a atenção sobre a 6

7 forma como as peças do negócio se encaixam em um ajuste estratégico ou perspectiva configuracional. É através da abordagem dinâmica do modelo RCOV que se busca uma visão mais integradora do conceito de modelo de negócios, que fornece uma contribuição adicional para a visão tradicional da RBV. Ao invés de explicar o modelo de negócios através de uma forma linear, o modelo RCOV busca analisar a interação entre os componentes centrais e não os componentes centrais per si. Para esse metamodelo, os modelos de negócios deveriam representar a lógica econômica da empresa, através do resultado das interações entre os componentes centrais. Para buscar observar a interação entre os componentes do modelo RCOV, esse modelo será aplicado para duas instituições bancárias brasileiras, com forte controle estatal: o Banco do Brasil e a Caixa Econômica Federal. Essas instituições têm como premissa a criação de valor para os stakeholders através do desenvolvimento econômico. 3.Método de Investigação Este trabalho utilizou a pesquisa descritiva comparativa. De acordo com Gil (2008), as pesquisas descritivas possuem como objetivo a descrição das características de uma população, de um fenômeno ou de uma experiência. As pesquisas descritivas geralmente assumem a forma de levantamentos. Quando o aprofundamento da pesquisa descritiva permite estabelecer relações de dependência entre variáveis, é possível generalizar resultados. As pesquisas descritivas caracterizam-se frequentemente como estudos que procuram determinar status, opiniões ou projeções futuras nas respostas obtidas. A sua valorização está baseada na premissa que os problemas podem ser resolvidos e as práticas podem ser melhoradas através de descrição e análise de observações objetivas e diretas. As técnicas utilizadas para a obtenção de informações são bastante diversas, destacando-se os questionários, as entrevistas e as observações. Neste trabalho, utilizou-se a pesquisa descritiva comparativa para a descrição dos modelos de negócios dos objetos a fim de que se tenha uma caracterização detalhada dos aspectos considerados relevantes do ponto de vista teórico. Na comparação, a finalidade é identificar semelhanças e diferenças entre os modelos de negócios para compor um metamodelo. A seguir são descritas as etapas da metodologia adotada neste trabalho, o que inclui a coleta, tabulação e análise dos dados da pesquisa. 3.1.Coleta documental de dados A coleta documental guarda estreitas semelhanças com a pesquisa bibliográfica. A principal diferença entre as duas é a natureza das fontes: na pesquisa bibliográfica os assuntos abordados recebem contribuições de diversos autores; na pesquisa documental, os materiais utilizados geralmente não receberam ainda uma tratamento analítico (por exemplo,documentos conservados em arquivos de órgãos público e privados: cartas pessoais, fotografias,filmes, gravações, diários, memorandos, ofícios, atas de reunião, boletins etc.) (Gil, 2008). Entretanto, as pesquisas elaboradas com base em documentos, as quais, em função da natureza destes ou dos procedimentos adotados na interpretação dos dados, desenvolvem-se de maneira significativamente diversa. Os documentos são fontes de dados brutos para o investigador e a sua análise implica um conjunto de transformações, operações e verificações realizadas a partir dos mesmos com a finalidade de se lhes ser atribuído um significado relevante em relação a um problema de investigação.essa discussão também objetiva balizar a pesquisa documental não como uma técnica ou procedimento de coleta de dados, mas sim como método de pesquisa. Esta modalidade de pesquisa apresenta uma série de vantagens. 7

8 Primeiramente considera-se que os documentos sempre se constituem em fonte rica e estável de dados. Como os documentos subsistem ao longo do tempo, tornam-se a mais importante fonte de dados em qualquer pesquisa de natureza histórica.outra vantagem da pesquisa documental está em seu custo. Como a análise dos documentos, em muitos casos, além da capacidade do pesquisador, exige apenas disponibilidade de tempo, o custo da pesquisa torna-se significativamente baixo, quando comparado com o de outras pesquisas. Em terceiro lugar a pesquisa documental não exige necessariamente o contato com os sujeitos da pesquisa. Como criticas mais frequentes a esse tipo de pesquisa referem-se à nãorepresentatividade e à subjetividade dos documentos, todavia, o pesquisador experiente tem condições para, ao menos em parte, contornar essas dificuldades (Cellard, 2008). De acordo com Gil (2008), o desenvolvimento de coleta documental deve seguir os seguintes passos: a) determinação dos objetivos; b) elaboração do plano de trabalho; c) identificação das fontes, localização das fontes e obtenção do material; d) tratamento dos dados e construção lógica. Este trabalho seguiu tais recomendações, a saber: a) Determinação dos objetivos: foram analisados os principais componentes dos modelos de negócios de duas instituições bancárias federais: Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal. A partir dessa análise, as informações foram aplicadas em um metamodelo conceitual: Modelo RCOV, de Demil e Lecocq (2010). b) Elaboração do plano de trabalho: este trabalho utilizou a leitura das principais referências teóricas sobre modelo de negócios e estratégia. A partir da leitura, foram analisados os Relatórios de Administração, no período de 2002 a Esses relatórios foram importantes para atingir os objetivos desta pesquisa porque condensam todas as principais informações necessárias para o mapeamento dos modelos de negócios do Banco do Brasil e da Caixa Econômica Federal. Essas informações incluem: decisões tomadas, período de implantação, resultados obtidos, análise ambiental externa e interna, dados financeiros e objetivos e metas dos bancos. c) Identificação das fontes, localização das fontes e obtenção do material. Após a análise e compilação das informações dos Relatórios da Administração, elas foram aplicadas nos três metamodelos conceituais supracitados. d) Tratamento dos dados e construção lógica: A escolha do período decenal foi para que o estudo obtivesse uma análise consolidada do modelo de negócios das empresas, de uma forma mais agregada. Esse aspecto foi importante neste trabalho porque difere dos estudos sobre modelos de negócios na literatura. Via de regra, tais estudos adotam perspectivas transversais, nas quais o modelo de negócios de uma empresa é analisado com base em um período curto e específico, como, por exemplo, um ano. Neste estudo, adotou-se a perspectiva longitudinal. Para isso, mapeou-se os modelos de negócios do Banco do Brasil e da Caixa Econômica Federal em cada ano do período considerado. Feito isso, a massa de dados gerada foi analisada, com o intuito de encontrar diferenças e semelhanças nos modelos de negócios de um ano para o outro. Com base nessa análise, foi possível mapear um modelo de negócios consolidado, que representava a síntese do que o Banco do Brasil ou a Caixa Econômica Federal efetivamente fizeram no período considerado na pesquisa Justificativa para a escolha dos objetos de estudo Os bancos públicos brasileiros têm atuado em pelo menos quatro grandes dimensões: i) fomento ao desenvolvimento econômico, ofertando créditos para setores e modalidades em que os bancos privados não têm interesses, dados os maiores riscos e as menores rentabilidades habitação popular, rural, infraestrutura urbana, exportações etc. e/ou maiores prazos de maturação e maiores volumes inovação tecnológica, matriz energética, de 8

9 transporte e de telecomunicações etc.; ii) estímulo ao desenvolvimento regional, por razões semelhantes; iii) expansão da liquidez em momento de reversão do estado de confiança, caracterizando ação anticíclica; e iv) promoção da inclusão bancária. A capacidade de os bancos federais cumprirem suas funções típicas de instituições públicas foi fortemente condicionada pelas transformações estruturais por que passou o conjunto do sistema bancário brasileiro. Evidentemente, o impacto dessas mudanças não foi homogêneo entre as diferentes instituições. Esta seção procura discutir essas alterações mais gerais, realçando, sempre que possível, as que mais impactaram os bancos públicos. A escolha do estudo do modelo de negócios do Banco do Brasil como um dos objetos de estudo, se dá pela instituição ser o maior banco do sistema, em ativos, e a instituição bancária federal mais diversificada, com presença concorrencial ativa e passiva em praticamente todos os segmentos dos mercados bancário, de seguros, de capitalização e previdência, além de operar como principal agente financeiro do Tesouro Nacional. É o principal agente do sistema de crédito rural, respondendo por mais da metade de seus empréstimos; lidera também os empréstimos à pequena empresa e o mercado de câmbio, associado ao financiamento do comércio exterior, e é o maior gestor de recursos de terceiros do sistema. Além disso, tem presença nas principais praças financeiras do exterior (BCB, 2014). Já a escolha do modelo de negócios da Caixa Econômica Federal, se justifica pela instituição, por exemplo, atende ao financiamento da infraestrutura urbana, até aqui uma incumbência de estados e municípios, bem como ao financiamento habitacional eà construção civil, estes desenvolvidos tanto pelo setor público como privado; tal papel foi consolidado após a incorporação do antigo Banco Nacional da Habitação, em Esse atendimento é feito basicamente com recursos do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), dos depósitos judiciais (que as partes em litígio depositam em juízo), sobre os quais ela tem monopólio constitucional, e recursos que mobiliza com a caderneta de poupança. Com o mesmo fim,combinado com propósitos comerciais, a Caixa Econômica Federal atua na chamada indústria de fundos. Ela também concede crédito geral ao público e é o principal agente do governo para um conjunto diversificado de programas de natureza social. Opera as loterias federais e utiliza as agências lotéricas como correspondentes bancários,controlando a maior rede do gênero no mercado brasileiro (BCB, 2014) 4. Resultados conclusões e suas implicações 4.1. Modelo RCOV - Banco do Brasil Para Demil e Lecocq (2010), as escolhas para desenvolver uma proposta de valor serão sucedidas por interações entre os componentes para criar combinações de recursos ou para fazer mudanças no sistema organizacional e verificar os impactos que essas adaptações terão sobre os outros componentes e seus elementos subsidiários. A aplicação do modelo RCOV para Banco do Brasil mostrará a dinâmica das interações entre os seus recursos, sua organização e a capacidade para a criação de valor. As informações referentes aos componentes organizacionais da instituição foram extraídas dos Relatórios da Administração, no período A Tabela 2 sintetiza os elementos que compõem as variáveis do Modelo RCOV para a instituição: 9

10 Tabela 2: Elementos do Modelo RCOV para o Banco do Brasil Componente Elementos Recursos e Competências (RC) Estrutura Organizacional (O) Proposições de Valor (V) Nota. Fonte: Elaborado pelos autores - A estrutura de fontes de recursos do Banco do Brasil apresenta diversificação de canais de atendimento e negócios. - Serviços para população de baixa renda. - Maior rede de agências no Brasil e no Exterior. - Atendimento entre Atacado e Varejo. - Atendimento aos Mercados Nacionais e Internacionais. - Folha de Pagamentos de Governos - Principal agente arrecadador do INSS e Receita Federal. - Compartilhamento com a Caixa. - Aquisição de bancos estrangeiros. - Segmentação de Clientes - Aperfeiçoamento da segmentação de clientes. Atualmente, os recursos do banco são oriundos da gestão de depósitos e operações de crédito direcionados ao varejo, atacado e governo. O banco é o agente financeiro do Tesouro Nacional, responsável pela conta única da União e pelo repasse de recursos a outros entes da Federação, com outros órgãos federais, atuando também na captação de recursos de fundos e programas. Na busca pela criação de valor aos stakeholders, o banco tem como objetivo gerar retorno adequado aos acionistas, expandir os relacionamentos estáveis, ampliar a carteira de crédito, melhorar a eficiência operacional e a produtividade e realizar negócios rentáveis e com geração de valor social (Banco do Brasil, 2012). Assim, pode-se observar que três componentes principais do modelo (recursos e competências, organização, proposições de valor) abrangem vários elementos diferentes (tipos de recursos, parcerias com empresas diferentes dentro da rede de valor, tipos de produtos oferecidos aos clientes, etc.). Sendo assim, evidencia-se a necessidade de demonstrar a inter-relação entre os principais componentes do modelo e o processo de criação de valor no Banco do Brasil. Essa demonstração será exposta através do framework RCOV, proposto por Demil e Lecocq (2010) e adaptado pelos autores desta pesquisa: 10

11 Figura 2: Framework RCOV - Banco do Brasil a 2012 Fonte: Adaptado de Demil, B., Lecocq, X (2010) Business Model Evolution: In Search of Dynamic Consistency. Long Range Planning, 43, Como a instituição é utilizada como ferramenta de políticas públicas pelo Governo Federal, os recursos e competências são destinados a atender grande parte da população brasileira, tanto no quesito renda, quanto no quesito de extensão territorial. Os recursos são distribuídos através dos diversos canais de atendimento disponíveis ao público. Para gerar um processo de criação de valor, a instituição propõe a segmentação dos clientes. Assim, o processo de distribuição de recursos para os diversos perfis atendidos, como: varejo, atacado e governo, se torna mais eficaz. Essa distribuição de recursos se torna possível através da sinergia entre os diversos perfis de clientes. A principal fonte de recursos da instituição advém dos depósitos (Banco do Brasil, 2012). Como a instituição é ligada ao Governo Federal e tem uma presença no cenário histórico brasileiro, é vista como um safe-harbour para vários investidores. Em relação aos custos, são em grande parte oriundos das despesas administrativas e com pessoal. Sendo detentor de grande fonte de recursos, o Banco do Brasil busca a criação de valor para os stakeholders através da distribuição de crédito para, principalmente: atacado, varejo e governos. Para que essa distribuição gere uma dinâmica de criação de valor, o banco busca utilizar de vários canais de atendimento, disponibilizando, assim, crédito para o público-alvo. A eficácia da distribuição de recursos para o público-alvo depende da segmentação dos clientes, a fim de que a disponibilização de crédito segmentado tenha atendimento também segmentado. Essa segmentação facilita a atração de depósitos dos correntistas (e não correntistas, em alguns casos), o que gera um aumento de receitas, possibilitando a criação de margens para os stakeholders. Essa dinâmica pode ser observada na Figura 3: 11

12 Crédito e Atendimento Crédito disponível através dos diversos canais de atendimento Atendimento segmentado nos diversos canais Segmentação de Clientes: Atacado e Varejo Atração de depósitos Maior fonte de depósitos Criação de margens para os steakholders Geração de Receitas Figura 3: Dinâmica RCOV - Banco do Brasil a 2012 Fonte: Elaborado pelos autores Os bancos públicos brasileiros têm atuado em pelo menos quatro grandes dimensões: i) fomento ao desenvolvimento econômico, ofertando créditos para setores e modalidades em que os bancos privados não têm interesses, dados os maiores riscos e as menores rentabilidades habitação popular, rural, infraestrutura urbana, exportações etc. e/ou maiores prazos de maturação e maiores volumes inovação tecnológica, matriz energética, de transporte e de telecomunicações etc.; ii) estímulo ao desenvolvimento regional, por razões semelhantes; iii) expansão da liquidez em momento de reversão do estado de confiança, caracterizando ação anticíclica; e iv) promoção da inclusão bancária. A capacidade de os bancos federais cumprirem suas funções típicas de instituições públicas foi fortemente condicionada pelas transformações estruturais por que passou o conjunto do sistema bancário brasileiro. Evidentemente, o impacto dessas mudanças não foi homogêneo entre as diferentes instituições. Através do modelo RCOV, pode-se notar que a interação entre os componentes centrais da empresa cria uma dinâmica que busca criar valor para os stakeholders. Ou seja, os componentes analisados de forma isolada e estática, a princípio, não possibilitariam o processo de criação de valor. Para efeito de comparação do modelo RCOV, depois de realizada a aplicação para o Banco do Brasil, ele será aplicado para outra instituição financeira pública federal, a Caixa Econômica Federal, tendo como base o mesmo período Modelo RCOV - Caixa Econômica Federal Fundada em 12 de janeiro de 1861 pelo imperador Dom Pedro II, a Caixa nasceu como banco voltado para o incentivo à poupança popular, e cresceu como entidade fomentadora do desenvolvimento nacional. Por meio de atuação em setores como habitação, saneamento básico, infraestrutura e prestação de serviços financeiros, uma instituição 100% pública, a empresa desempenha tanto o papel básico de prover a população com serviços bancários quanto a função estratégica de implementar e executar iniciativas do governo federal (Caixa Econômica Federal, 2012). Com relação aos recursos da instituição, em 2012, a instituição foi responsável por injetar cerca de R$ 525 bilhões na economia. Ao final desse ano, a Caixa administrava R$1,3 trilhão de ativos, dos quais R$ 702,9 bilhões de ativos próprios, o que corresponde ao aumento de 37,8% em 12 meses (Caixa Econômica Federal, 2012). 12

13 A estrutura organizacional é composta por uma rede com 62 mil pontos de atendimento. São 3,5 mil agências e postos de atendimento bancário - PAB, 33,6 mil correspondentes "Caixa Aqui" e lotéricos, além de 24,9 mil máquinas espalhadas nos postos e salas de autoatendimento (Caixa Econômica Federal, 2012). A implementação de políticas públicas, promoção da cidadania e desenvolvimento sustentável do país, oferecendo produtos e serviços a preço mais baixo que os concorrentes, seria a proposta de valor para a instituição, pois influenciaria a melhoria da condição e da qualidade de vida da sociedade brasileira (Caixa Econômica Federal, 2012). A Tabela 3 sintetiza os elementos que compõem as variáveis do Modelo RCOV para a instituição: Tabela 3: Elementos do Modelo RCOV para a Caixa Econômica Federal Componente Elementos Recursos e Competências (RC) Estrutura Organizacional (O) Proposições de Valor (V) Nota. Fonte: Elaborado pelos autores - Administração de recursos de terceiros. - Pagamentos de salários, benefícios, cobrança bancária e tributos. - Agências e Postos de Atendimento. - Autoatendimento. - Correspondentes Caixa Aqui. - Lotéricas. - Caixa Participações S/A CAIXAPAR. - Desenvolvimento urbano e habitação social. - Gestão de ativos de terceiros. - Redução do déficit habitacional e das desigualdades sociais e regionais. A exposição da dinâmica e da interação entre os principais componentes organizacionais da Caixa Econômica Federal será feita por meio do modelorcov, proposto por Demil e Lecocq (2010) e adaptado pelos autores deste trabalho: 13

14 Figura 4: Framework RCOV - Caixa Econômica Federal a 2012 Fonte: Adaptado de Demil, B., Lecocq, X (2010) Business Model Evolution: In Search of Dynamic Consistency. Long Range Planning, 43, Para se entender a dinâmica do modelo de negócios da Caixa Econômica Federal, há de se observar a natureza da instituição em atuar como instituição financeira e agente de políticas públicas, presente em todo o país. Para isso, a Caixa mantém uma ampla cadeia de relacionamentos externos, o que inclui envolvimento com clientes, beneficiários de programas sociais e de transferência de renda; entidades governamentais; fornecedores; instituições da sociedade e organizações setoriais. A Caixa exerce a competência delegada pelo Governo Federal, na administração de recursos de terceiros como: FGTS, PIS e Bolsa Família. A instituição exerce essa função através da sua rede de atendimento direito e correspondentes, que abrange todo território nacional. O objetivo dessa função é de promover o desenvolvimento e facilitar a habitação social. Assim, a proposição de valor da instituição está em transferir recursos para as camadas mais baixas de renda da população. Grande parte das receitas que a instituição tem de captação é através das cadernetas de poupança. A instituição detém 35,4% do mercado e, no ano de 2012, apresentava um saldo de R$ 175,6 bilhões, pois garante 100% de devolução do valor aplicado na poupança em caso de falência (Caixa Econômica Federal, 2012). Sendo assim, o processo de criação de valor da Caixa depende da interação entre os componentes do seu modelo de negócios. A instituição detém grande volume de recursos de terceiros (como exemplo, o FGTS), devido às funções delegadas pelo Governo Federal. Para que esses recursos sejam distribuídos em vários tipos de programas, como de habitação, bolsas assistenciais, seguro-desemprego, etc., a Caixa utiliza de canais alternativos de atendimento. Essa dinâmica de expansão de canais de atendimento, como as Lotéricas e representantes Caixa Aqui, seria uma forma de diluir o atendimento aos clientes nas agências bancárias. Essa expansão de alguma forma facilitaria os programas de transferência de renda delegados à Caixa. 14

15 A dinâmica e as interações resultantes do modelo RCOV podem ser observadas na Figura 5: Programas delegados pelo Governo Federal Recursos de terceiros Pagamentos de salários e benefícios Atendimento em agências, lotéricas e correspondentes Atração de depósitos em poupança Desenvolvimento Urbano Criação de margens para os steakholders Transferência de Renda Figura 5: Dinâmica RCOV - Caixa Econômica Federal a 2012 Fonte: Elaborado pelos autores A partir do modelo RCOV, pode-se observar que a dinâmica interativa do processo de criação de valor da Caixa tem como foco principal a transferência de renda, principalmente para a população com menor renda. Assim, toda a estrutura do banco é organizada para atendimento a esses programas, o que gera, em muitos casos, uma sobrecarga sobre a instituição financeira, de modo a propiciar que essa instituição, em muitos casos, não se apresente eficaz, como um banco comercial Conclusões O modelo RCOV proposto por Demil e Lecocq (2010) tem o pressuposto básico de que uma empresa constrói o seu modelo de negócios para gerar receitas a partir de diferentes escolhas. Tais escolhas consideram recursos e competências, bens e serviços oferecidos e a organização interna e externa da empresa. A dinâmica do modelo RCOV refere-se ao resultado das interações entre os seus recursos, sua organização e a capacidade da organização para criar proposições de valor. A decisão sobre a manutenção, ajustes ou adaptações mais relevantes em seu modelo de negócios faz parte dos desafios das organizações que vão redefinindo suas estruturas ao longo do tempo. Por fim, a criação de valor é dada pela interação entre seus componentes centrais e a resposta aos estímulos. Demil e Lecocq (2010) identificam duas diferentes abordagens na análise de um modelo de negócios: a estática e a dinâmica. Todavia, os autores ressaltam que são raros os artigos que discutem o modelo de negócios na perspectiva dinâmica. Via de regra os estudos na área tendem a focar em um dado componente do modelo de negócios e a negligenciar as interações entre os componentes e seus respectivos resultados. O modelo RCOV busca descrever o modelo de negócios como resultado da dinâmica entre os componentes que promovem a lógica econômica de uma determinada empresa. Com a aplicação do modelo RCOV em dois bancos públicos federais, pode-se compreender como funciona a lógica econômica de ambos. Em relação ao processo de criação de valor de ambas instituições nota-se que a dinâmica dos bancos federais funciona como unidades de geração de gastos do Governo Federal. 15

16 O Banco do Brasil inter-relaciona o volume de depósitos captados à concessão de crédito segmentado, através de sua rede de atendimento. A empresa distribui o crédito aos principais segmentos de clientes (atacado, varejo e governos) de acordo com as especificidades de cada um. O volume depositado é originado, em sua maioria, pela instituição ter como atrativo ser um porto seguro para os clientes. Já a Caixa inter-relaciona os recursos oriundos de terceiros aos programas de transferência de renda, através de sua rede e correspondentes. Como o objetivo da criação de valor é o desenvolvimento econômico e social, esses bancos acabam privilegiando o desenvolvimento regional, em detrimento a outras movimentações de capitais financeiramente mais rentáveis. Além disso, há um excesso de atividades realizadas pela empresa, o que sobrecarrega essas instituições. Quanto ao Banco do Brasil, a expressiva expansão desta instituição na concessão de empréstimos e financiamentos para a indústria, chegando a ultrapassar o BNDES no terceiro bimestre de 2008, é algo que também chama atenção. É evidente que as duas instituições possuem atribuições distintas. Apesar de não haver dados disponíveis, é sabido que o Banco do Brasil, por sua fonte de funding, não é instituição especializada na concessão de financiamento de longo prazo (Banco do Brasil, 2012). A Caixa detém pouca participação no segmento de crédito industrial. Seu maior foco, como discutido adiante, é o crédito habitacional o que não significa afirmar que o crédito industrial seja irrelevante para sua carteira. Na verdade, esta modalidade vem registrando aumento expressivo, desde 2004, quando esta instituição passou a atuar com empresas de médio e grande porte, especialmente nos setores químico e petroquímico. Não sendo a CEF um importante intermediário financeiro do BNDES, é provável que seus créditos ao setor industrial estejam essencialmente concentrados em operações de curto prazo, como o financiamento para capital de giro (Caixa Econômica Federal, 2012). No modelo dos autores, existe um processo dinâmico de retroalimentação entre as margens e os recursos e competências, ou seja, o aumento nas margens colabora para reforçar as interrelações. Porém, o que se observou no Banco do Brasil e na Caixa Econômica Federal, é que os recursos e competências delegados pelo Governo Federal não apresentariam uma relação direta com as margens, devido ao foco estratégico serem as políticas públicas federais. 5. Referências Afuah, A. (2013). The Theoretical Rationale for a Framework for Appraising The Profitability Potential of a Business Model Innovation. Assaf Neto, A. (2012). Estrutura e análise de balanços: um enfoque econômico-financeiro. 9ª. ed. São Paulo. Banco do Brasil (2002). Relatório da Administração. Disponível em Acesso em 21 de Março de Banco do Brasil (2003). Relatório da Administração. Disponível em Acesso em 21 de Março de Banco do Brasil (2004). Relatório da Administração. Disponível em Acesso em 21 de Março de

17 Banco do Brasil (2005). Relatório da Administração. Disponível em Acesso em 21 de Março de Banco do Brasil (2007). Relatório da Administração. Disponível em Acesso em 21 de Março de Banco do Brasil (2008). Relatório da Administração. Disponível em Acesso em 21 de Março de Banco do Brasil (2009). Relatório da Administração. Disponível em Acesso em 21 de Março de Banco do Brasil (2010). Relatório da Administração. Disponível em Acesso em 21 de Março de Banco do Brasil (2011). Relatório da Administração. Disponível em Acesso em 21 de Março de Banco do Brasil (2012). Relatório da Administração. Disponível em Acesso em 21 de Março de Barney, J.B (1991). Firm resources and sustained competitive advantage. Journal of Management, 17, Boussemart, Jean-Philippe, et al. (2013). A method to analyze profit differential between firms. No ECO-01. IESEG School of Management. Brito, R. P. ;Brito, L. A. L. (2012). Vantagem Competitiva, Criação de valor e seus efeitos sobre o desempenho. RAE Eletrônica (Online), v. 52, p. 70/5-84. Caixa Econômica Federal (2002). Relatório da Administração. Disponível em Caixa Econômica Federal (2003). Relatório da Administração. Disponível em Caixa Econômica Federal (2004). Relatório da Administração. Disponível em 17

18 Caixa Econômica Federal (2005). Relatório da Administração. Disponível em Caixa Econômica Federal (2006). Relatório da Administração. Disponível em Caixa Econômica Federal (2007). Relatório da Administração. Disponível em Caixa Econômica Federal (2008). Relatório da Administração. Disponível em Caixa Econômica Federal (2009). Relatório da Administração. Disponível em Caixa Econômica Federal (2010). Relatório da Administração. Disponível em Caixa Econômica Federal (2011). Relatório da Administração. Disponível em Caixa Econômica Federal (2012). Relatório da Administração. Disponível em Casadesus-Masanell, R. & Ricart, J. E (2010). From strategy to business models and onto tactics. Long Range Planning, 43 (2 3): Cellard, A.(2008) A análise documental. In: POUPART, J. et al. A pesquisa qualitativa:enfoques epistemológicos e metodológicos. Petrópolis, Vozes. Demil, B., & Lecocq, X. (2009). Evolución de modelos de negocio: Hacia una visión de la estrategia en términos de coherencia dinámica. Universia Business Review, (23), Demil, B., Lecocq, X (2010) Business Model Evolution: In Search of Dynamic Consistency. Long Range Planning, 43, Foss, N. J., & Stieglitz, N. (2014). Business Model Innovation: The Role of Leadership. Gil, A. C.(2008) Como elaborar projetos de pesquisa. 5. ed. São Paulo: Atlas. 18

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