O INTERNETÊS E O FENÔMENO DA ABREVIAÇÃO EM CHATS

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1 O INTERNETÊS E O FENÔMENO DA ABREVIAÇÃO EM CHATS Kárita Sena 1 karitaemanuelle@yahoo.com.br Diana Pilatti 2 dianapilatti@hotmail.com Resumo: Este artigo é voltado à análise da linguagem utilizada em chats da Web no que se refere ao fenômeno da abreviação. Com a Web, uma nova forma de linguagem se estabeleceu, um dialeto próprio do ambiente virtual que possui uma série de características próprias, conhecido como Internetês. Neste artigo apresentamos um perfil do sexo e idade dos usuários de chats na Web, antecedido por uma reflexão teórica em torno da linguagem da rede. Tomamos por base teórica a Socioliguistica Variacionista, de Labov. Palavras-chave: Internetês; Chats; Sociolingüística. 1. Introdução Com o advento da Web, muitas mudanças sociais e culturais surgiram nas relações humanas. A língua não ficou isenta dessas transformações e vem sofrendo uma série de intervenções com a rede mundial dos computadores que chegou a constituir uma nova variação linguística: o internetês ou a netspeak ("fala da rede ). Esse dialeto vem sendo objeto de recentes estudos que visam identificar como são e quais são as mudanças na língua, além de detectar como se dá esse processo. Para tanto, apresentamos o perfil de usuários de chats da Web ao fazerem uso do internetês, analisado por meio do programa Gold Varb. 2. A linguagem na internet e suas implicações sociais 1 Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Mestrado em Estudos de Linguagens da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul. 2 Mestre em Estudos de Linguagens, pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul e colaboradora neste artigo na utilização do programa Gold Varb. Web-Revista SOCIODIALETO: Bach., Linc., Mestrado Letras UEMS/Campo Grande, v. 1, nº 4, jul

2 A língua é um objeto social, feita pelos falantes e que sofre mudanças constantemente. Porém, essas mudanças e variações se dão de forma mais rápida na oralidade, já que na modalidade escrita o conservadorismo é maior, conforme Castilho (1978), quando afirma: a norma escrita é mais conservadora que a norma falada, dada a especialidade de seu veículo. Esse fato torna a língua oral a mais eficiente para analisar mudanças e variações a curto prazo. No entanto, essa situação começa a mudar. Com a escrita na internet que, muitas vezes, busca transcrever a oralidade, o internauta traz a espontaneidade da conversa instantânea e oral na linguagem escrita. O internetês é um dialeto usado no ambiente virtual por quem navega na rede, especialmente em chats, blogs e mensagens instantâneas (msn, por exemplo). Tal variedade da língua possui uma série de características próprias, adequadas à Web, ambiente que oferece a multimidialidade. A jornalista Sílvia Marconato publicou, em reportagem especial sobre o internetês para a revista Língua Portuguesa, uma entrevista com a antropóloga Anne Kirah, para quem o desejo por contato por parte dos usuários do computador teria estimulado o hábito de escrever mensagens e a busca de novas formas de expressão ligeira e funcional. Isso teria acarretado em simplificação da linguagem e farta eliminação de vogais. Segundo a publicação, a linguagem da internet é caracterizada pelas abreviações e simplificações de palavras, além da eliminação de acentos e de levar em consideração a pronúncia. O que vemos é que a linguagem usada, especialmente nos bate-papo virtuais, traz uma vinculação intrínseca com a relação grupal que se estabelece na internet. Essa busca pela identificação com o grupo é a principal mola propulsora da disseminação do internetês, ainda que inicialmente o motivo principal para as intervenções fosse a pressa ao se comunicar. Web-Revista SOCIODIALETO: Bach., Linc., Mestrado Letras UEMS/Campo Grande, v. 1, nº 4, jul

3 Monteiro (2002) afirma que não há novidade alguma em se falar que a língua e a sociedade são realidades que se inter-relacionam. O autor afirma ainda que é impossível conceber-se uma separado da outra, já que elas se afetam mutuamente: Com efeito, a finalidade básica de uma língua é servir como meio de comunicação e, por isso mesmo, ela costuma ser interpretada como produto e expressão da cultura que faz parte. (p.13) Na Web isso é patente, pois temos como principal objetivo dos bilhões de internautas em todo o mundo a comunicação, o relacionamento com o outro. Tanto é assim que os principais fenômenos da rede são os blogs, os chats, as redes sociais e as mensagens instantâneas. No caso dos blogs, por exemplo, de acordo com Coutinho e Junior (2007), a cada dia, são 75 mil novos blogs. No prefácio do livro virtual Blogs.com: estudos sobre blogs e comunicação, Lemos (2009) aponta que, a cada dia, são criados mais de 175 mil novos blogs e produzidos 1,6 milhões de posts 3, o que dá em média dezoito por segundo. Para Lévy (1998), o espaço virtual propicia o modelo de comunicação revolucionário chamado de todos para todos. Diferentemente dos meios tradicionais como a imprensa, o rádio e a televisão que seguem um modelo estelar, um para todos e do correio e telefone um para um, a Web combina vantagens dos meios anteriores, propiciando interação entre todos que dela se utilizam. Na rede todos podem ser emissores e receptores, simultaneamente. O modelo todos para todos é um dos principais agentes transformadores das formas de linguagem que se pode encontrar no ciberespaço. Isso pode ser atribuído à descentralização de poder que o formato propicia. Uma das implicações é justamente a linguagem criada, própria do meio, que vem gerando discussões que extrapolaram há algum tempo o meio acadêmico. Debates na mídia, nas escolas e nos lares já são frequentes. Em grande parte isso se deve à 3 Post: Do inglês postar. Trata-se da mensagem publicada em um blog. Web-Revista SOCIODIALETO: Bach., Linc., Mestrado Letras UEMS/Campo Grande, v. 1, nº 4, jul

4 preocupação de educadores e pais acerca da influência da linguagem da Internet, principalmente escrita, na norma padrão da língua. Muitos defendem que o uso freqüente da linguagem da internet prejudicaria a leitura-escrita das pessoas, especialmente crianças em fase de alfabetização. No site Desciclopédia ( temos: Ou na Wikipédia, a Enciclopédia livre: Internetês é um desevolução da língua Portuguesa. Muito simples de aprender pois desrespeita todas e quaisquer regras da gramática. Esta anomalia gerou vários sub-dialetos,como o Otakês e o Miguxês. Internetês é um neologismo (de: Internet + sufixo ês) que designa a linguagem utilizada no meio virtual, em que "as palavras foram abreviadas até o ponto de se transformarem em uma única expressão, duas ou no máximo três letras", onde há "um desmoronamento da pontuação e da acentuação", pelo uso da fonética em detrimento da etimologia, com uso restrito de caracteres e desrespeito às normas gramaticais.[1] No entanto, outros defendem que o internetês não se trata de uma ameaça ao idioma, tal qual não o foi a grafia dos telégrafos ("vg" para vírgula) ou o caipirês de Chico Bento. Em entrevista a MARCONATO (2009), Sírio Possenti, afirma que não há fator de risco: Uma coisa é a grafia; outra, a língua. Não há linguagem nova, só técnicas de abreviação no internetês. As soluções gráficas são até interessantes, pois a grafia cortada é a vogal. A palavra "cabeça", por exemplo, vira "kbça", e não "aea". A primeira forma contém os fonemas indispensáveis ao entendimento. David Crystal, em entrevista à TEIXEIRA (2009), na revista Veja, afirma que ainda é impossível prever a forma e a extensão da mudança que a internet está causando no caráter das línguas. Leva muito tempo para que uma transformação efetiva se manifeste numa língua, lembrando que há apenas cerca de quinze anos a internet chegou de fato à vida das pessoas. É muito recente, declara. Web-Revista SOCIODIALETO: Bach., Linc., Mestrado Letras UEMS/Campo Grande, v. 1, nº 4, jul

5 Castilho (1978) reitera um aspecto fundamental revelado pela Sociolingüística, de que não há português errado, mas modalidades prestigiadas e desprestigiadas da língua. O que difere a netspeak de algumas variedades regionais e sociais desprestigiadas é a busca de muitos falantes por utilizar essa linguagem, mesmo que condenada por alguns. Ou seja, ela detém prestígio entre os falantes. Na Web muitos tentam escrever e interpretar os códigos lingüísticos próprios do meio. É o que vemos na análise realizada nos chats esse fenômeno de comunicação interpessoal da Web que é um perfeito modelo do todos para todos, relatado por Lévy. Outro ponto a ser destacado é que o internetês é mais uma variedade que o usuário pode dominar, não a única, o que amplia sua gama de saber. A idéia de ensino exclusivo do português padrão é altamente combatida pelos sociolingüístas, pois é excludente e preconceituosa. Esses argumentos ajudam a esclarecer o fenômeno da linguagem da rede, pois como dissemos, ainda é muito cedo para afirmações categóricas. Daí a necessidade de pesquisas sobre o tema que possam esclarecer o uso dessa linguagem e o que ela pode acarretar. É o que nos propusemos a realizar neste trabalho, oferecendo pequena contribuição nesse sentido. 3. As características dos Chats e do Internetês Os chats são as ferramentas mais utilizadas na Web para quem quer para baterpapo (termo correspondente no português). As conversas simultâneas que se dão nos chats se verificam especialmente com desconhecidos, com a principal intenção de fazer amigos, trocar conhecimentos e idéias. Isso foi fomentado com o advento da Web, que expandiu consideravelmente o horizonte comunicacional, abrindo-nos a possibilidade de conversar e interagir com pessoas de todas as partes do mundo, tendo como única fronteira o idioma utilizado. Assim, fica muito evidente perceber a semelhança do chat com a conversação tradicional. Mas o fato é que os bate-papos virtuais possuem características muito Web-Revista SOCIODIALETO: Bach., Linc., Mestrado Letras UEMS/Campo Grande, v. 1, nº 4, jul

6 próprias e mesmo inovadoras. A conversação virtual é eminentemente escrita, não obstante as múltiplas semioses possíveis. Apenas isso transforma em muito o diálogo cotidiano e confere marcas próprias ao meio, apesar da escrita na Internet manter forte proximidade com a linguagem oral. Costa (2008) tece as características da linguagem usada nos chats: escrita abreviada, sincopada, parecida com a escrita escolar inicial. Os usuários de internet usam um código discursivo escrito complexo (alfabético, semiótico, logográfico), em que, simultaneamente, misturam alfabeto tradicional, caretinhas, scripts, etc. para conversar teclando,portando escrevendo. Usam abreviações, síncopes e outros recursos (alongamentos, caixa alta, etc.). Trata-se de um novo código discursivo e cultural, espontaneamente construído, que se caracteriza como um conjunto de recursos icônicos, semióticos, logográficos, tipográficos e telemáticos.(p.56) A abreviação, como vemos, é um fenômeno muito comum, talvez o mais representativo dessa linguagem. Na análise abaixo, pesquisamos a ocorrência de tal fenômeno em conversas na Web. 4. Análise A partir de agora apresentaremos os resultados de uma pesquisa feita sobre o uso do Internetês em chats da Web especialmente focado no fenômeno da abreviação. Foram selecionados trechos de conversas via computador entre os dias 26 a 30 de setembro de As variáveis lingüísticas que elegemos para a análise são: variável dependente (redução/abreviação do vocábulo) e variantes (presença ou ausência). Nesta pesquisa iremos nos voltar às variáveis sociais. As variáveis que perfazem o perfil dos entrevistados que serviram de base para a pesquisa são: Sexo: variantes masculino e feminino Idade: variantes menos de 20 anos e mais de 20 anos. Web-Revista SOCIODIALETO: Bach., Linc., Mestrado Letras UEMS/Campo Grande, v. 1, nº 4, jul

7 Os dados foram computados e submetidos à análise quantitativa do programa Gold Varb 2001, seguidas de análise qualitativa, a partir dos resultados obtidos. 4.1 Resultados O fenômeno da abreviação foi analisado sob as perspectivas acima, partindo de variáveis sociais e analisando suas respectivas influências no fenômeno. A primeira é o Sexo: Tabela 01: Sexo. No que tange à abreviação nas conversas em chats da Web, as mulheres são mais conservadoras que os homens. Elas abreviaram apenas 36% dos termos passíveis de abreviaturas por nós compilados (68 ocorrências) enquanto que eles abreviaram 49% (das 110 ocorrências). Do total das abreviações coletadas, 58% foram feitas pelos homens e 42% pelas mulheres. Exemplo: Homem, Menos de 20 anos: (12:17:32) _koyote_ (reservadamente) fala para nanda: oi!!! vc gostaria de tc? Mulher, Menos de 20 anos: (12:18:21) nanda reservadamente fala para _koyote_: oi, claro q sim Outra grande discussão sobre as abreviações na Web refere-se à idade dos usuários. Na nossa pesquisa, obtivemos: Sexo Fatores Abreviação Padrão rências cação Norma Ocor- Apli- Masc. 49% 50% 110 0,49 Fem. 36% 63% 68 0,37 Idade Abreviação Padrão rências cação Norma Ocor- Apli- Fatores Menos de 20 52% 48% 75 0,52 Web-Revista SOCIODIALETO: Bach., Linc., Mestrado Letras UEMS/Campo Grande, v. 1, nº 4, jul

8 Tabela 02: Idade. anos Mais de 20 anos 38% 61% 103 0,39 Assim, 58% de todas as abreviações coletadas foram feitas por jovens de até 20 anos. Já os de mais de 20 anos realizaram 42% das abreviações. Os jovens abreviam mais da metade dos termos, 52% dos 75 termos, ou seja, 39 vezes. Já os mais velhos escreveram 103 termos que poderiam ser abreviados, mas apenas 38% o foram realmente. Mulher, Mais de 20 anos: Flor38 20:08:12 reservadamente fala com du é, uma escola municipal de educação infantil de 04 a 06 anos Mulher, Menos de 20 anos: (07:36:07) Luana Spencer (reservadamente) fala para rodiskreyson: Nda nen da pra sai di casa com esta chuva Ainda assim, podemos constatar relacionando os dados da pesquisa que, apesar de as abreviações serem um importante fenômeno do internetês, as críticas de que essas abreviações chegam a prejudicar o entendimento do texto não procedem. Embora as críticas a respeito, o total de abreviações não chega a metade das palavras. Do total, 44% dos termos foram abreviados e 56% escritos conforme dita a norma padrão da língua. 5. Considerações Finais A partir das reflexões feitas e dos resultados obtidos na análise, percebemos que o internetês é uma realidade que precisa e merece estudos e pesquisas. Enquanto para muitas pessoas trata-se de um retrocesso na linguagem, encontramos nos teóricos da Sociolinguística fundamento adequado para afirmar que o internetês é, acima de tudo, Web-Revista SOCIODIALETO: Bach., Linc., Mestrado Letras UEMS/Campo Grande, v. 1, nº 4, jul

9 uma importante forma de expressão e de comunicação entre as pessoas e que, apesar de fugir à norma padrão, não deve, de forma alguma, ser encarado como ofensa à mesma. Trata-se, antes de mais nada, de um dialeto que representa a identidade de um grupo, pessoas que se comunicam virtualmente, que buscam sintetizar o mais possível a linguagem, tornando-a objetiva o bastante para ser rápido na conversa, mantendo, no entanto, a inteligibilidade da mesa. Ao contrário do que muitos apregoam, acreditamos que a linguagem da Internet requer uma gama de conhecimentos muito grande, relacionada à escrita, oralidade e linguagem visual, reunindo diferentes semioses em cada conversa o que não ocorre isolando-se a conversa oral ou escrita. As abreviações, recorrentes na conversa, não prejudicam a comunicação, como foi comprovado em diversas pesquisas a respeito. Com a pesquisa pudemos traçar um perfil dos usuários que mais abreviam: São os homens com menos de 20 anos. As mulheres seguem mais a norma padrão. Esses dados apontam a necessidade da continuidade de pesquisas voltadas à análise do Internetês, estudando ainda os efeitos das linguagens visuais e aprofundando na oralidade presente nas conversas. Esclarecimentos a respeito ajudam a entender melhor o que se passa na rede e, principalmente, o que pode ocorrer fora dela, adiantando seus possíveis efeitos e trabalhando na solução de eventuais problemas, assim como no melhor aproveitamento de seus benefícios. 6. Referências CASTILHO, Ataliba de. Variação Lingüística, Norma Culta e Ensino da Língua Materna. In: Subsídios à Proposta Curricular de Língua Portuguesa para o 1º e 2º graus. São Paulo: SE/CENP/Unicamp, Web-Revista SOCIODIALETO: Bach., Linc., Mestrado Letras UEMS/Campo Grande, v. 1, nº 4, jul

10 COSTA, Sérgio Roberto. Dicionário de Gêneros Textuais. Belo Horizonte: Autêntica Editora, COUTINHO, Clara Pereira; JUNIOR, João Batista Bottentuit. Blog e Wiki: Os Futuros Professores e as Ferramentas da Web 2.0. In: IX Simpósio Internacional de Informática Educativa - SIIE Porto, Disponível em < Acesso em: 09 set DESCICLOPEDIA. Internetês, < acessado em 02 fev LEMOS, André. Introdução. In: AMARAL, Adriana; RECUERO, Raquel; MONTARDO, Sandra P. (orgs.). Blogs.com: estudos sobre blogs e Comunicação. São Paulo: Momento Editorial, LEVY, Pierre. A Revolução contemporânea em matéria de comunicação. In: Revista Famecos, nº 9. Porto Alegre, MONTEIRO, José Lemos. Para compreender Labov. Petrópolis: Vozes, MARCONATO, Sílvia. A Revolução do Internetês. In: Revista Língua Portuguesa, maio/2009. TEIXEIRA, Jerônimo. Uma Revolução sem gramática. In: Revista Veja, 20 maio WIKIPEDIA, a enciclopédia livre. Internetês, < acessado em 02 fev Bibliografia SILVA, Rosangela Villa da. Aspectos da pronúncia do <S> em Corumbá-MS: uma abordagem sociolingüística. Campo Grande: Editora UFMS, TERRA, Bate-Papo. acessado em 30 set UOL, Bate-Papo. acessado em 27 set Recebido Para Publicação em 18 de junho de Aprovado Para Publicação em 25 de julho de Web-Revista SOCIODIALETO: Bach., Linc., Mestrado Letras UEMS/Campo Grande, v. 1, nº 4, jul