USO DE PÓ DE VIDRO COMO FUNDENTE NA PRODUÇÃO DE GRÊS PORCELANATO

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1 1 USO DE PÓ DE VIDRO COMO FUNDENTE NA PRODUÇÃO DE GRÊS PORCELANATO A. P. Luz; S. Ribeiro Polo Urbo Industrial Gleba AI-6, s/n, Bairro Mondesir, Lorena- SP, CP 116, CEP: , Faculdade de Engenharia Química de Lorena (FAENQUIL) - Departamento de Engenharia de Materiais (DEMAR) RESUMO O grês porcelanato apresenta elevadas propriedades técnicas como: resistência mecânica, química, elevada dureza, etc. Atualmente são realizados estudos de novos materiais, como resíduos, capazes de substituir os tradicionais fundentes sem alterar o processo e a qualidade do produto final. O objetivo deste trabalho é estudar o uso de resíduo de vidro, em massas cerâmicas, para a produção de grês porcelanato. Para isso preparou-se duas misturas contendo: argila e vidro e argila, vidro e feldspato; compactou-se os pós sob a forma de barras a 50 MPa. Sinterizou-se ao ar, por 30 minutos em temperaturas de 1000 a 1250 C, com intervalos de 50 C. As amostras sinterizadas apresentaram melhores resultados para a mistura com feldspato e vidro: massa específica de 2,29 g/cm 3, retração linear de 9,5% e absorção de água de 0%. Conclui-se que a utilização do vidro e feldspato proporciona a obtenção de peças com maior estabilidade dimensional e melhores propriedades. Palavras-chave: grês porcelanato; resíduos de vidro; sinterização por fase líquida; preservação do meio ambiente.

2 2 INTRODUÇÃO Grês porcelanato é um revestimento cerâmico que possui características técnicas elevadas, o que garante a possibilidade de aplicação nos mais variados ambientes, desde alto tráfego, onde demandam altíssimas resistências mecânicas e a abrasão, como nas fachadas onde o quesito impermeabilidade é fundamental (1, 2). Estes produtos são produzidos usando grandes quantidades de fundentes, tais como feldspatos sódicos e potássicos, nefelina, talco, boratos e recentemente até mesmo fritas cerâmicas (3). Pode-se definir revestimento porcelânico como sendo um revestimento cerâmico impermeável, totalmente vitrificado, esmaltado ou não, cuja peça queimada é branca ou colorida por meio de adição de pigmentos na composição inicial, e feita a partir de uma mistura de caulim (ou argilas cauliníticas), quartzo e feldspato (1, 4). A diminuição das reservas destas matérias-primas, associadas também à distância destas do local de utilização, vêm exercendo uma forte influência sobre os custos dos produtos finais (1, 2). Por esta razão, vários países têm interesse em reformular a composição de massas cerâmicas, pela substituição total ou parcial de uma das matérias-primas naturais por um resíduo industrial que seja barato, disponível em quantidades consideráveis e não perigoso. O uso do resíduo somente é viável se o processo industrial essencialmente não seja alterado e a qualidade e características do produto não sejam prejudicadas (3-6). O presente trabalho tem o objetivo de viabilizar o uso de um resíduo de vidro em massas cerâmicas de revestimentos do tipo grês porcelanato. O pó de vidro é um rejeito industrial que não pode ser reaproveitado no próprio processo e se misturado as matérias-primas para a produção do vidro, este é suspenso ao ar devido à ação dos queimadores, que sopram sobre os constituintes da mistura para que ocorra a fusão dos mesmos. Além disso, pó de vidro adicionado as matériasprimas gera bolhas no material devido ao ar adsorvido nas suas partículas. Ele é inerte, mas se levado aos rios pode aumentar o ph e a turbidez das águas. Este material quando adicionado à composição de uma massa cerâmica tem um bom potencial para atuar como um novo fundente em substituição ao tradicional feldspato e proporcionar uma boa vitrificação durante a queima do grês porcelanato.

3 3 Considerando as semelhanças entre pó de vidro e feldspato sódico, a composição de duas massas cerâmicas foram reformuladas, substituindo todo e parcialmente o feldspato sódico por pó de vidro. Os efeitos do uso do pó de vidro foram investigados em experimentos de laboratório e os resultados foram discutidos em termos de tempo de sinterização, propriedades físicas-mecânicas e microestruturais. MATERIAIS E MÉTODOS DE ANÁLISE Materiais As matérias-primas utilizadas foram: 1 - argila caulinítica da região do Vale do Paraíba, fornecida pela cerâmica Nova Canas Sociedade Agro-industrial Ltda; 2 - feldspato sódico, fornecido pela Prominex Mineração Ltda; 3 - pó de vidro que é um resíduo gerado devido à lapidação de peças de vidro e respectiva lavagem, doado pela empresa Pilkington Brasil Ltda. A composição química destes materiais encontra-se na Tabela I. Tabela I Composição química dos materiais (% em massa). Composição Argila Feldspato Pó de vidro SiO 2 50,94 69,0-72,0 72,4 Al 2 O 3 28,2 16,5-19,5 0,7 Fe 2 O 3 3,41 0,05-0,25 0,11 CaO 0,17 <0,42 8,6 MgO 0,84 <0,01 4,0 Na 2 O 0,19 7,6-8,5 13,6 K 2 O 2,02 1,0-2,0 0,3 TiO 2 0,93-0,02 Perda ao fogo 12,8 0,40-0,55 - SO ,2 Métodos Foram preparadas duas misturas: AV20V e AV15FV cuja composição encontra-se na Tabela II. A quantidade de pó de vidro adicionado teve como base de cálculo os teores de Na 2 O e K 2 O contidos neste e correlacionados com as quantidades de K 2 O e Na 2 O contidos no trabalho apresentado por Mateucci et al (4).

4 4 Foi escolhido este artigo dentre outros, devido à semelhança entre as composições das matérias-primas deste com as que serão utilizadas neste trabalho. Tabela II Composição das misturas usadas (% em massa seca). Mistura Matérias-primas Argila Feldspato Pó de Vidro AV20V AV15FV As matérias-primas foram pesadas em balanças com capacidade de 2,5 kg, com precisão de 0,01. Após pesagem nas quantidades pré-estabelecidas (Tabela II), os materiais foram colocados em um moinho de aço revestido internamente com alumina, contendo bolas de alumina, em meio aquoso durante 60 minutos. A suspensão foi separada das bolas de alumina por meio de uma peneira 40 mesh (0,425 mm) e posteriormente seca a 100 C, em evaporador rotativo. O material obtido apresentou-se sob a forma de grandes aglomerados que foram quebrados em um pilão, e passados em peneira de 40 mesh (0,425 mm). Foi determinada a umidade dos pós das misturas, e corrigida para teores que variaram entre 8 a 10%. Amostras foram prensadas uniaxialmente a 50 MPa, na forma de barras de massa em torno de aproximadamente 40 g, medindo 114x25x7 mm 3. As amostras foram queimadas em um forno elétrico de laboratório, nas temperaturas de 1000 a 1250ºC, com intervalos de 50ºC. As taxas de aquecimento usadas foram 5, 7 e 10ºC/min e o tempo de permanência na temperatura máxima foi de 30 minutos. A massa específica das amostras queimadas foi determinada pelo método geométrico, usando um paquímetro com precisão de 0,01mm e balança analítica com precisão de 10-5 g. A retração linear das amostras foi calculada a partir da Equação (A) (8) : onde: L v = comprimento da amostra a verde (mm); Lv Ls % RL = 100 (A) L v

5 5 L s = comprimento da amostra sinterizada (mm); %RL = percentagem de retração linear. O ensaio de absorção de água foi realizado com as amostras secas em estufas até massa constante, mergulhadas em água a 100 C por 2 horas. Determinou-se a massa úmida, e então a absorção de água, segundo a Equação (B) (8). mu ms % AA = 100 (B) m s onde : m u = massa úmida (g); m s = massa seca (g); %AA = percentagem de absorção de água. A partir dos valores de retração linear e absorção de água foram construídos os diagramas de gresificação para as amostras nas várias condições de queima. Foram realizadas análises de difração de raios X para a identificação das fases formadas após a queima das amostras nas temperaturas em que se obteve os melhores resultados de absorção de água e retração linear. As análises foram realizadas num difratômetro de raios X da Rich Seiferst & Co, modelo Iso- DEBYEFLEX 1001 Co, com ânodo de Cu emitindo radiação Cu kα, utilizando energia de 25 ma, 30 kv, num intervalo de 10 a 80 o, com tempo de interação igual a 3 segundos e passo de 0,05 o. RESULTADOS E DISCUSSÃO A Figura 1 traz os resultados de massa específica das amostras variando a temperatura de queima e o tempo de isoterma.

6 6 Massa específica aparente (g/cm 3 ) 2,3 2,2 2,1 2,0 1,9 1,8 1,7 Misturas AV20V AV15FV Temperatura ( C) Figura 1: Massa específica aparente das amostras após a queima. Analisando a Figura 1 observa-se que as amostras que possuem feldspato em sua composição atingem os maiores valores de massa específica aparente na temperatura de 1200ºC, o mesmo não acontece para as amostras que contém somente vidro como aditivo. As amostras da mistura AV20V atingem os melhores resultados na temperatura de 1150ºC, atingindo o valor de 2,21 g/cm 3. Isto ocorre, pois o pó de vidro basicamente acelera o processo de densificação, aumentando a retração linear e diminuindo a porosidade aberta, consequentemente gerando baixos valores de absorção de água (1, 2), conforme é observado na Figura 2. O pó de vidro proporciona a formação de uma fase líquida pouco viscosa, que aumenta o molhamento das partículas sólidas durante a queima proporcionando baixos valores de porosidade aberta (absorção de água) e a formação de porosidade fechada que como consequência ocasiona menores valores de massa específica aparente quando comparadas as amostras que contém feldspato. A presença de feldspato ocasiona a formação de uma fase líquida mais viscosa e consequentemente o preenchimento inter-partícula é mais difícil. Os gases formados durante a queima podem ser eliminados com dificuldade devido a alta viscosidade do líquido (1, 2). Estes fatores contribuem para reduzir a retração linear e proporcionar uma densificação mais lenta (Figura 3(a)). As Figuras 2 e 3 apresentam os diagramas de gresificação e as fotografias das amostras queimadas nas várias temperaturas em estudo.

7 7 ) Retração Linear (% Tempo de isoterma = 30 minutos Retr.Linear Abs.Água Temperatura (ºC) (a) Absorção de Água (%) 10,45 cm (b) Temp. 1000ºC 1050ºC 1100ºC 1150ºC 1200ºC 1250ºC Figura 2: (a) Diagrama de gresificação e (b) fotografia das barras da mistura AV20V queimadas com tempo de isoterma de 30 minutos. Tempo de isoterma = 30 minutos Retração Linear (%) Retr.Linear Abs.Água Temperatura (ºC) (a) Absorção de Água (%) 10,94 cm (b) Temp. 1000ºC 1050ºC 1100ºC 1150ºC 1200ºC 1250ºC Figura 3: (a) Diagrama de gresificação e (b) fotografia das barras da mistura AV15FV queimadas com tempo de isoterma de 30 minutos. Ao se atingir a densificação máxima, com o aumento da temperatura ocorre o fenômeno conhecido como inchamento bloating das amostras, ocasionando o aumento do número de poros e diminuição dos valores de densidade final do produto. O inchamento ocorre a elevadas temperaturas, quando o Fe 2 O 3 é parcialmente reduzido com a produção de gases, gerando grandes poros dentro do corpo queimado e determinando a diminuição da densidade (7-9). O aumento da temperatura ocasiona uma diminuição da viscosidade da fase líquida formada, tornando as peças mais deformáveis, enquanto que a pressão do gás nos poros excede a pressão capilar, causando a expansão das peças. Este efeito é observado

8 8 principalmente nas peças da mistura AV20V a partir da temperatura de 1200 e 1250ºC. A mistura AV15FV, que apresenta a formação de uma fase líquida mais viscosa, apresenta uma diminuição no valor da massa específica aparente na temperatura de 1250ºC, porém, esta é menos acentuada em comparação com a outra mistura. É possível observar o inchamento das amostras na temperatura de 1250ºC nas Figuras 2(b) e 3(b). Os valores de retração linear encontrados foram altos para a mistura com vidro. Para corrigir este problema, deve ser adicionado as misturas um material não plástico, como por exemplo quartzo, que irá causar a diminuição dos valores de retração linear. Outra solução é não usar somente o pó de vidro, mas usá-lo em adição com feldspato como fundentes, o que irá proporcionar um aumento na viscosidade da fase líquida formada ocasionando maior estabilidade dimensional as peças. Nas temperaturas de 1150ºC e 1200ºC para as misturas AV20V e AV15FV respectivamente, foi possível atingir a absorção de água próximo de zero, o que caracteriza o material grês porcelanato. Desta forma, o pó de vidro proporcionou a obtenção de um material vitrificado em temperaturas menores quando comparado com a mistura que utiliza feldspato como fundente. Intensidade (%) Anortita Quartzo Mulita (a) (b) θ Figura 4 Difratogramas das amostras: (a) AV20V queimada a 1150ºC e (b) AV15FV queimada a 1200ºC. De acordo com os difratogramas de raios X apresentados (Figura 4), verifica-se principalmente a presença de quartzo, mulita e anortita. A anortita e mulita são alumino-silicatos e apresentam-se na forma de CaO.Al 2 O 3.4SiO 2 e Al 6 Si 2 O 13 respectivamente. Ambos resultados da análise de raios X estão de acordo com os dados apresentados por Santos (10), onde a fase alumina-silício transforma-se em

9 9 mulita a partir de 1100 C. A presença de mulita nas peças é de fundamental importância uma vez que as propriedades físico mecânicas dos materiais cerâmicos dependem grandemente da presença desta fase. A amostra AV20V, Figura 4(a), apresenta picos de mulita menos intensos e definidos do que os da amostra AV15FV (Figura 4(b)). Este resultado pode ser explicado devido a menor quantidade de alumina contida na fase líquida e a presença da fase anortita também contribuiu para a diminuição da formação da mulita (1). Na mistura AV20V a formação de uma fase líquida com uma viscosidade tal que permitiu a vitrificação da peça em uma temperatura menor quando comparada com a outra mistura em estudo. A 1150ºC, o valor de absorção de água encontrado foi de 0,2% e a amostra apresentou pequenos poros como é mostrado na Figura 6 e 7(a). Figura 6 Micrografia da superfície de fratura das amostras: (a) AV20V queimada a 1150ºC e (b) AV15FV queimada a 1200ºC. A amostra AV15FV apresenta uma fase líquida com maior viscosidade e a capacidade do líquido molhar e reagir com as partículas sólidas é menor do que a da mistura AV20V, isto explica a presença de áreas com porosidade interconectada (Figura 6 e 7(b)).

10 10 Figura 7 Micrografia da superfície polida e atacada com solução de HF 4% por 30 segundos, das amostras: (a) AV20V queimada a 1150ºC e (b) AV15FV queimada a 1200ºC. Com uma maior viscosidade da fase líquida as bolhas de gases formados durante a sinterização serão eliminados com uma maior dificuldade, contribuindo para reduzir a retração linear, tornar o processo de densificação mais lento. CONCLUSÕES O vidro demonstrou ser um bom fundente para aditivar massas cerâmicas, podendo ser usado em menor quantidade e proporcionando a sinterização à temperaturas mais baixas. A utilização de pó de vidro em adição com feldspato parece ser a alternativa mais viável, pois proporciona a obtenção de peças com uma maior estabilidade dimensional e melhores propriedades técnicas. AGRADECIMENTOS Agradecemos à FAPESP (Fundação de Apoio à Pesquisa do Estado de São Paulo), projeto nº 02/ e à empresa Pilkington Brasil Ltda, pelo apoio e incentivo ao desenvolvimento desse trabalho. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

11 11 1. A. TUCCI, L. ESPOSITO, E. RASTELLI, C. PALMONARI, E. RAMBALDI, J. Eur. Ceram. Soc., 24, (2004), F. MATTEUCCI, M. DONDI, G. GUARINI, Ceramics International, v. 28 (2002), R. GENNARO, P. CAPPELLETTI, G. CERRI, M. GENNARO, M. DONDI, G. GUARINI, A. LANGELLA, D. NAIMO, J. Eur. Ceram. Soc., 23 (2003), P. APPENDINO, M. FERRARIS, I. MATEKOVITS, M. SALVO, J. Eur. Ceram. Soc., 24 (2004), M. CAMPOS, F. VELASCO, M. A. MARTINEZ, J. M. TORRALBA, J. Eur. Ceram. Soc., 24 (2004), V. K. MARGHUSSIAN, A. MAGHSOODIPOOR, Ceramics International, 25 (1999), C. R. CHEESEMAN, C. J. SOLLARS, S. McENTEE, Resources, conservation and recycling, 40 (2003), P. DURAN, J. TARJAT, C. MOURE, Ceramics International, 29 (2003), P. S. SANTOS, Ciência e Tecnologia de Argilas, 2 a Edição, Edgard Blücher, São Paulo, Brasil (1989), v. 1, p M. DONDI, G. ERCOLANI, C. MELANDRI, C. MINGAZZINI, M. MARSIGLI, Interceram, 28, n. 2 (1999), USE OF GLASS POWDER AS A FLUXING AGENT IN MANUFACTURING OF PORCELAIN STONEWARE ABSTRACT Porcelain stoneware has excellent technical characteristics such as: good flexural strength, chemical resistance, surface hardness, etc. Nowadays, it has been realized research of new materials, as non-hazardous wastes, that are able to replace the traditional fluxing agents without change the process or quality of the final products. The aim of this work is to study the use of scrap glass, in ceramic masses, for manufacturing of porcelain stoneware tiles. It was prepared two mixtures containing: clay and glass and clay, glass and feldspar. The samples were fired reaching different maximum temperatures in the range C, at regular

12 12 temperature intervals of 50 C, with a soaking time of 30 minutes. The fired samples were characterized and showed better results for the mixture containing feldspar in addition with glass powder waste: specific mass 2,29 g/cm 3, linear shrinkage 9,5% and water absorption 0%. It was concluded that the samples containing feldspar and glass presented larger dimensional stability and better technical properties. Key-words: porcelain stoneware; glass residues; sintering for liquid phase; physics properties; environments.