Negócios Sociais na Prática: Estudo de Caso da R.I.S.A.D.A Rede Indígena Solidária de Arte e de Artesanato

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1 Negócios Sociais na Prática: Estudo de Caso da R.I.S.A.D.A Rede Indígena Solidária de Arte e de Artesanato Área Temática: Negócios Sociais e seus Desafios Estudos de casos de negócios sociais no Mundo e Brasil 1.Introdução De acordo com dados do Censo Demográfico de 2010 (IBGE, 2010) 817 mil brasileiros se autodeclararam indígenas, com concentração de 25% da população na região Nordeste e destes 7% no Estado da Bahia. A região do Litoral Sul da Bahia apresenta um total de habitantes, dos quais (25,74%) vivem na área rural. O IDH (índice de desenvolvimento humano) médio do território é 0,67, abaixo do índice médio do Brasil, de acordo com a Coordenação do Programa Territórios da Cidadania. (TERRITÓRIO LITORAL SUL BAHIA, 2012). É importante destacar que o estado da Bahia concentra o maior número de conflitos ambientais do Nordeste. Na região do Litoral Sul da Bahia, área de abrangência proposta do projeto, a maior causa dos conflitos está relacionada à irregularidade na demarcação de território tradicional e alteração no regime tradicional de uso e ocupação do território, e a população afetada são as comunidades tradicionais (pesqueiras, marisqueiras) e principalmente as comunidades indígenas (FIOCRUZ, 2011). Mesmo historicamente e legalmente reconhecidos como os primeiros homens que habitaram a região, a ignorância e o preconceito da sociedade reforça os discursos distorcidos sobre a conduta e os direitos das comunidades indígenas, e é nesse cenário em que a pobreza e a precária infraestrutura de acesso aos serviços básicos é problema comum as populações mais carentes, os indígenas como um grupo social onde a violência de todas as formas potencializa a exclusão, sofrem de uma forma acentuada em todas as esferas necessárias para o bem estar da vida: acesso à dignidade, liberdade, alimentação, educação, trabalho e saúde. O IDH desses municípios todos são baixíssimos, e o IDH nas zonas rurais indígenas é ainda mais baixo, com uma renda per capita menor do que R$ 100 mensais, apesar de ainda não existirem estatísticas oficiais sobre esses dados (THYDEWA, 2015). Com foco em potencializar o protagonismo dos indígenas de várias etnias da Bahia e de outros indígenas do Nordeste com foco no desenvolvimento de ações para melhoria da qualidade de vida e renda, foi formalizada, no ano de 2011, a R.I.S.A.D.A. Rede Indígena Solidaria de Arte e de Artesanato, com a cooperação da ONG Thydêwá. A RISADA é um projeto integrado a Organização Não Governamental Thydêwá, que foi fundada no ano de 2002, através de aliança entre indígenas e não indígenas com o objetivo de promover a consciência planetária, valendo-se do diálogo intercultural, da valorização da diversidade e das culturas e conhecimentos tradicionais; visando um desenvolvimento integral para todos em harmonia e paz (THYDEWA, 2015). Desde então até o ano atual (2015) foram executadas várias ações e projetos com esse foco nas áreas de educação, tecnologias, artes, história, entre outras, com o financiamento e parcerias como UNESCO, FINEP, MINISTÉRIO DA CULTURA, CAIXA ECONÔMICA FEDERAL, MINSITERIO DA EDUCAÇÃO, BNB, BNDES, SECULT-BA, SPM-PR, SPM-BA entre outros. O trabalho da rede contempla o universo potencial de indígenas, sendo que a fonte de renda principal de subsistência deles é através do acesso ao Programa Bolsa Família, aposentadorias, e de acordo com informações da comunidade, talvez apenas deles tenham renda de um salário mínimo mensal por atuarem em atividades profissionais remuneradas como professores, agentes de saúde ou serviços gerais para alguma prefeitura. De acordo com informações diretas dos representantes da RISADA, obtidas no mês de agosto de 2015, sistematicamente vários indígenas apontaram o comércio de artesanato como uma

2 fonte de renda importante, que ainda se encontra injustamente remunerada, com muitas dificuldades para a comercialização da produção. Mesmo assim, a produção e comercialização do artesanato resiste como uma das principais atividades econômicas das comunidades indígenas. Até o mês de agosto de 2015, a rede RISADA realizou apenas 10 vendas (pela internet) e um número superior à itens comercializados com êxito em eventos nos quais as comunidades indígenas participam, um resultado bastante satisfatório e desejável. Contudo, a prática permitiu perceber que alguns aspectos precisam ser ampliados e fortalecidos. Especialmente a formação para a gestão da rede com autonomia, autogestão profissionalizada e a construção de um modelo de negócios para o comércio eletrônico. A partir do ano de 2015 teve início uma mobilização coletiva entre as comunidades indígenas participantes da RISADA, ONG THYDEWA e UESC Universidade Estadual de Santa Cruz, localizada em Ilhéus, Bahia, com foco em realizar a estruturação da RISADA como um negócio social. Neste contexto o presente artigo tem como objetivo geral apresentar e discutir o cenário da RISADA e o processo de estruturação como um negócio social com base na pesquisa bibliográfica, documental e análise do estudo de caso. 2. A RISADA como um negócio social: A RISADA SOCIAL O conceito de negócios sociais adotado pela equipe segue a perspectiva européia, na qual o negócio social é considerado como aquele no qual a razão de existir é direcionada pelos impactos sociais e não há geração de dividendos para terceiros, ou seja, todo o lucro gerado deverá ser reinvestido na ampliação dos impactos sociais propostos, na distribuição justa da renda e na melhoria da qualidade de vida dos participantes e comunidades envolvidas na construção, implantação e implementação dos negócios sociais (COMINI,FISHER&ASSAD, 2012). A forma de organização dos negócios sociais na perspectiva da discussão conceitual européia se caracteriza principalmente por cooperativas ou associações. Para Yunus, Moingeon, Lehmann-Ortega (2009) o negócios sociais não são caridade e a mentalidade gerencial deve ser semelhante a um negócio convencional, porém o objetivo é diferente de uma empresa que visa apenas a maximização dos lucros. Apesar do objetivo de incorporar ferramentas e práticas da gestão convencional para otimizar a obtenção dos lucros com foco no reinvestimento para a potencialização dos impactos sociais, a proposta visa manter também a essência dos princípios da economia solidária e seu caráter revolucionário na proposição da autogestão e na construção coletiva e cooperativa de um modo alternativo de produção, onde há justiça e solidariedade. De acordo com Singer (2002, p.16), o objetivo máximo dos sócios da empresa solidária é a promoção da economia solidária tanto para geração de trabalho e renda para quem precisa, como para difundir no país (ou no mundo) formas de produção e gestão democráticas e igualitárias de organização das atividades econômicas. Na perspectiva de Paul Singer (2002, p.120) a economia solidária só se tornará uma alternativa superior ao capitalismo quando ela ter a capacidade de oferecer a grande número de pessoas oportunidades concretas para a autosustentabilidade, com o mesmo bem estar médio que os empregos convencionais proporcionam. Com a utilização da metodologia CANVAS (apresentação do modelo de negócios numa folha de papel), proposta no Brasil por Finocchio Junior (2013) para a construção do modelo de negócios e adaptada pelo Yunus Negócios Sociais Brasil (2015) para o segmento dos negócios sociais; foi realizada através do uso de metodologias participativas e com o subsídio das informações obtidas no estudo preliminar do mercado, a construção do modelo de negócio social da RISADA e o estabelecimento de indicadores de avaliação de impacto do negócio.

3 A figura 1 a seguir apresenta a imagem do Canvas da RISADA SOCIAL, construído coletivamente no mês de outubro de 2015: Figura 1: CANVAS DA RISADA SOCIAL Fonte: Elaborado pelos autores. A solução proposta através do desenvolvimento da RISADA é impulsionar o negócio social cooperativo da comercialização da arte e do artesanato indígena brasileiro via internet para ajudar as comunidades indígenas na melhoria da qualidade de vida, renda, justiça social e ambiental. Tem como indicadores de avaliação a meta do aumento da renda individual oriunda do comércio arte e artesanato de R$ 300,00 / mês (atuais) para R$ 800,00 / mês no período de 12 meses. O foco para o alcance dos resultados é integrar o trabalho cooperativo da rede a perspectiva de gestão profissional dos negócios sociais, com a consequência do impulso da produtividade, comercialização, geração de valor e melhoria da qualidade de vida. O mercado consumidor identificado para alcance da RISADA SOCIAL são consumidores interessados em obter um artesanato com identidade, autenticidade, originalidade, história; consumidores interessados no exercício do consumo político, arte, artesanato colecionadores, pesquisadores de arte e artesanato indígena. De acordo com Canclini (2006, p.70) O consumo é visto não como uma mera possessão individual de objetos isolados, mas como apropriação coletiva, em relações de solidariedade e distinção com outros, de bens que proporcionam satisfações biológicas e simbólicas, que servem para enviar e receber mensagens.

4 Nessa perspectiva sobre a politização do consumo, o grupo terá como foco ampliar a participação nos canais de comunicação e distribuição para alcance de nichos de consumo que estejam relacionados em ações de defesa as causas das comunidades indígenas e tradicionais do Brasil e América Latina. O modelo de receita planejado para o negócio é que 60% dessa seja oriunda da comercialização na plataforma de comércio eletrônico: RISADA.ORG; 30% de origem da comercialização direta via pessoa jurídica e 10% advindos de doações e subsídios/incentivos via captação de recursos, como estratégias de crowdfunding. Para atingir esse cenário planejado no período de 12 meses deverão ser realizados esforços de marketing e vendas, pois no modelo atual (out/2015): 50% da receita advém das vendas diretas (feiras, comércio local), 49% de doações, e apenas 1% via comércio eletrônico no site RISADA.ORG. Os principais concorrentes na perspectiva de resolução do mesmo problema são as redes de comércio solidário de artesanato: Solidarium, Asta, Mundaréu, Tucum, artesãos individuais. Com foco na mesma solução: artesãos individuais, mercados de artesanato, feiras, artesanato oriundo da China. E na competição pelo mesmo orçamento, grandes varejistas de móveis e artesanatos como Etna, Tok Stok. É visualizado que alguns concorrentes também podem ser parceiros, através da adoção de estratégias cooperativas para ampliação dos canais de comercialização, acessar novos mercados e intercâmbio de conhecimentos. Os diferenciais da RISADA SOCIAL incluem o foco no reinvestimento socioambiental de 10% do lucro obtido na comercialização dos produtos, oferta de produtos originais, contato direto do consumidor com o artesão indígena comércio afetivo, possibilidade de integração de comunidades indígenas do Brasil, possibilidade do consumidor conhecer a origem e história do produto e valorização histórica e cultural do artesanato indígena. 3. CONCLUSÕES Para que a Rede Indígena Solidária de Arte e Artesanato RISADA, se torne um negócio social, onde haja o equilíbrio entre o retorno financeiro, lucratividade e impactos sociais, são necessárias ações estruturadas para a implantação e gestão do modelo de negócio. A existência de uma rede de cooperação das comunidades indígenas ativa há mais de 3 anos sinaliza uma força do grupo, com relação a persistência e os objetivos compartilhados para a ação. Na perspectiva dos negócios sociais é identificada como uma fortaleza o processo histórico da RISADA que surgiu a partir da demanda das próprias comunidades indígenas para a construção de um negócio social com base em estratégias de solidariedade e cooperação. A dependência atual (outubro de 2015) de 50% dos recursos para a sustentabilidade do negócio originárias de doações sinaliza uma fraqueza que inviabiliza hoje a concretização da rede como um negócio social, limitando-se a representatividade de um projeto social, com alto risco de ser inviabilizado em médio prazo caso não construa alternativas de modelo de receita com base na autossustentabilidade financeira. As questões chaves para o impulso da rede como negócio social residem entorno da necessidade da identificação de parcerias estratégicas e mercados consumidores que sejam capazes de garantir a construção de ações efetivas para a sustentabilidade financeira. Questões chaves que passaram a integrar o desafio de outras organizações não governamentais e de projetos sociais no Brasil, no contexto da redução dos investimentos não reembolsáveis e no surgimento de novas demandas por parte dos investidores (que também surgem em novos perfis), principalmente relacionadas a necessidade de comprovação de que os projetos apresentem indicadores que garantam a sobrevivência dos impactos sociais em médio e longo prazo, com a inclusão de estratégias para a autossustentabilidade econômica. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS CANCLINI, Néstor García. Consumidores e cidadãos: conflitos multiculturais da globalização. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2006.

5 COMINI, Graziella M.; FISCHER, Rosa Maria; ASSAD, Fernando. Social Business in Brazil. Voluntas (Manchester), FINOCCHIO JÚNIOR, José. Projeto Model Canvas: Gerenciamento De Projetos Sem Burocracia. Editora Campos, FIOCRUZ. Fundação Oswaldo Cruz. FASE. Publicação on-line: Mapa de conflitos envolvendo injustiça ambiental e saúde no Brasil. Disponível em: Acesso em: 20 ago IBGE. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Os indígenas no Censo Demográfico Primeiras considerações. Disponível em: Acesso em 07 de setembro de RISADA. Rede Indígena Solidária de Arte e Artesanato. Disponível em: Acesso em 07 de setembro de SINGER, P. Introdução à economia solidária. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, TERRITÓRIOS DA CIDADANIA (2012). Território Litoral Sul da Bahia. Disponível em: Acesso em: 12 out THYDEWA ESPERANÇA DA TERRA. Sobre a Thydewa. Disponível em: Acesso em 21 de outubro de YUNUS SOCIAL BUSINESS. Material de apoio utilizado no curso de formação de professores em negócios sociais no Sebrae MS, julho de Campo Grande, MS, YUNUS, M.; MOINGEON, B.; LEHMANN-ORTEGA, L. Building social business models: lessons from the Grameen experience. Paris: HEC, (Working Paper, 913).