GRUPOS DE PESQUISA E FORMAÇÃO DOS PROFISSIONAIS EM. GEOGRAFIA AGRÁRIA: um olhar sobre sua construção

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1 GRUPOS DE PESQUISA E FORMAÇÃO DOS PROFISSIONAIS EM GEOGRAFIA AGRÁRIA: um olhar sobre sua construção Vera Lúcia Salazar Pessôa 1 INTRODUÇÃO As novas configurações que vêm ocorrendo no espaço agrário brasileiro principalmente, a partir da década de 1990, quando a agricultura familiar ganha destaque com a publicação do Relatório FAO/INCRA (1995) 2, engendraram discussões acerca do rural e urbano, do campo e da cidade, das ruralidades e urbanidades. De forma específica, os Encontros Nacionais de Geografia Agrária, criados em 1978, se propuseram a discutir, dentre as diversas temáticas, aquelas referentes às questões teórico-metodológicas. No I ENGA (1978), realizado em Salgado (SE), o texto Geografia Agrária e Metodologia de Pesquisa 3 já apontava para esta preocupação. Entretanto, a discussão não avançou muito e é sempre uma expectativa nos Encontros a retomada da questão. Diante dessa preocupação surgiu a proposta do evento: I Encontro de Grupos de Pesquisa: agricultura, desenvolvimento regional e transformações socioespaciais, para debater a importância dos grupos de pesquisa na formação dos profissionais em geografia agrária, inserida na temática apresentada. Assim, o tema sugerido para a mesa-redonda A importância dos grupos de pesquisa na formação dos profissionais em Geografia Agrária é o ponto

2 2 de partida para refletir sobre a necessidade de um pensar coletivo sobre a contribuição que os geógrafos agrários têm dado para a discussão teóricometodológica dessa área do conhecimento. Esse pensar coletivo tanto pode ocorrer na esfera interdisciplinar, como multidisciplinar e até mesmo pluridisciplinar, em âmbito local ou interinstitucional. Ao pretendermos estabelecer a relação: grupos de pesquisa e formação de profissionais em Geografia Agrária, podemos iniciar a abordagem com as seguintes perguntas: a) qual a importância e que contribuição esperamos que os grupos possam ter na formação dos profissionais? b)os grupos de pesquisa, já existentes, têm contribuído para a discussão teórico metodológica da Geografia Agrária? Se sim, como? Se não, como poderão contribuir? c) Como os grupos poderão viabilizar suas pesquisas diante das dificuldades de recursos financeiros por parte dos órgãos de fomento? Para tentar cumprir o objetivo proposto, organizamos essa exposição em três momentos, além da Introdução e Considerações Finais. No primeiro momento faremos uma abordagem sobre a Universidade e a importância da pesquisa na construção do conhecimento. No segundo momento, discutiremos o papel da interdisciplinaridade na formação de grupos de pesquisa.no terceiro momento relataremos a experiência vivida em grupos de pesquisa.

3 3 1- A UNIVERSIDADE E A IMPORTÂNCIA DA PESQUISA NA CONSTRUÇÃO DO CONHECIMENTO A busca do conhecimento é uma constante no ser humano. É por meio do conhecimento que se aprende a desvendar a realidade do mundo. Esse conhecimento pode ser adquirido nas leituras de livros, nas conversas informais, na observação do cotidiano e no desenvolvimento da pesquisa. Cada forma escolhida proporciona um aprendizado novo. Entretanto, o caminho percorrido para obter este aprendizado será de acordo com o objetivo estabelecido. No caso específico de obter o conhecimento por meio da pesquisa, aqui considerada pesquisa científica, esta conduz aos questionamentos que vão fundamentar o senso crítico. Para compreender a realidade, o senso crítico busca a sua essência, o seu verdadeiro significado. E sua explicação pode ser encontrada pelo emprego da ciência (SEABRA, 2001, p.16). Assim, a ciência surge para proporcionar respostas mais seguras aos problemas levantados e consiste no estudo das relações existentes entre causa e efeito de um fenômeno qualquer, para que seja demonstrada a verdade dos fatos e suas aplicações práticas (SEABRA, 2001, p.16). Produzir ciência, produzir pesquisa (científica), ou seja, produzir conhecimento é uma tarefa das Universidades. Isto porque A Universidade é uma agência formadora da ciência e da tecnologia, assim com configura um lugar de produção do imaginário coletivo, capaz de articular, prática e simbolicamente, a sociedade política e a sociedade civil. Encontramos na Universidade o lugar necessário e adequado para desenvolver a atividade científica, da pesquisa científica entendida como o processo criativo que visa a produção do conhecimento. (TAVARES DOS SANTOS, [199-?], p.178).

4 4 A partir desse raciocínio, a Universidade, com destaque, principalmente para a Universidade Pública, se estruturou no tripé: ensino, pesquisa e extensão. No que tange à pesquisa, os professores, na sua maioria, têm que dedicar parte de sua carga horária a esta atividade, muitas vezes apoiada em financiamentos internos e externos. Entretanto, a Universidade Pública tem enfrentado uma crise (a que considerada, financeira). Esta crise, conforme afirma Sousa Santos (2004, p.191) por via da descapitalização é um fenômeno global, ainda que sejam significativamente diferentes as suas conseqüências no centro, na periferia e na semiperiferia do sistema mundial. Nas Universidades Públicas brasileiras a situação não tem sido diferente. A redução dos investimentos públicos que vem ocorrendo para a educação superior e, conseqüentemente, para as áreas de pesquisa, sobretudo quando se enviam projetos para órgãos de fomento (CNPq, FAPEMIG), tem sido um dos empecilhos para que a pesquisa possa ser desenvolvida. Entretanto, as pesquisas de caráter individual ou coletivo, quer no âmbito dos Programas de Pós-Graduação ou nos Projetos de Iniciação Científica dos Cursos de Graduação, têm contribuído para esse crescimento científico. Nesse sentido, retomando as idéias de Tavares dos Santos ([199-?], p.186), acerca do papel que a Universidade desempenha no contexto científico, vemos que a Universidade não pode deixar de ser o lugar da inovação, de busca da produção de um saber original e da descoberta científica, lugar da revolução do conhecimento científico, da inovação cultural e rebelião cultural. Ao formar cidadãos para o tempo futuro, também a

5 5 Universidade propicia imaginar como resolver as práticas do relacionamento com o outro e como resolver os sistemas de pensamento. 2- A INTERDISCIPLINARIDADE: uma prática importante para os grupos de pesquisa (?) A discussão sobre a formação de grupos de pesquisa pressupõe não só o trabalho na mesma área de atuação do pesquisador, como também a noção de interdisciplinaridade, ou seja, a integração de diferentes disciplinas com uma tal disposição de saberes em que diferentes disciplinas se fundiria num único saber mais abrangente (VEIGA-NETO, 2002, p. 27). Nesse sentido, a interdisciplinaridade de conhecimentos é importante para o desenvolvimento das pesquisas. Somada à interdisciplinaridade está a multidisciplinaridade. Tanto o sujeito coletivo (grupo) quanto o sujeito uno (pesquisador individual) podem pesquisar na perspectiva interdisciplinar, multidisciplinar, como interinstitucional. Assim, a interdisciplinaridade [...] seria um caminho para superar a compartimentalização do saber e a dicotomização do conhecimento e a acentuada especialização, sendo que essa superação apenas é possível e fecunda a partir de um trabalho em equipe, onde se forma uma espécie de sujeito coletivo. (VEIGA NETO, 2002, p.15). Essa afirmativa vem reforçar a importância dos grupos de pesquisa, envolvendo docentes e discentes, mesmo tendo a convicção de que a praxis interdisciplinar não é tarefa fácil porque cada área do conhecimento, de acordo

6 6 com sua especificidade, utilizará estratégias diversificadas no trabalho de cooperação(nóbrega, 2002,). Ainda nessa mesma linha de raciocínio, Domingos Sobrinho (2002, p.52) diz que não se rompe com a fragmentação herdada do cartesianismo, nem se assume a complexidade da produção dos fenômenos que nos rodeiam. Entretanto, para que os resultados possam atingir seus objetivos, os pesquisadores precisam superar estas diferenças para realizar a tarefa de formar futuros profissionais. 3 - OS GRUPOS DE PESQUISA: uma experiência vivida Nesse item, pretendemos fazer um breve relato da experiência vivida em dois grupos de pesquisa tanto interdisciplinar, quanto interinstitucional. A primeira experiência (Interinstitucional) foi no Projeto: Realidade Agrária do Norte Paranaense: transformações recentes e novas perspectivas, com um grupo de pesquisadores das Universidades: Federal de Uberlândia e Estaduais: Londrina e Maringá 4. O objetivo foi compreender a realidade agrária do norte do Paraná a partir da intensificação das relações capitalistas de produção, das transformações de que foi palco, face ao processo de modernização do setor, procurando investigar os reflexos desse processo sob a ótica social, econômica, política e espacial. No período 1997/1999 foram desenvolvidos, pelo grupo, quatro subprojetos: 1) As relações campo-indústria no norte do Paraná; 2) As faces

7 7 do movimento imigratório: o caso do norte do Paraná; 3) Os movimentos organizados pela reforma agrária no norte do Paraná; 4) O café e a soja na (re) organização do espaço do Triângulo Mineiro/Alto Paranaíba. No período 1999/2001 os subprojetos desenvolvidos foram: 10 A sericicultura no norte do Paraná: situação atual e perspectivas; 2) A ação governamental na retenção das migrações internas: Programas Vilas Rurais no Paraná; 3) Os movimentos rurais organizados pela reforma agrária no norte do Paraná; 4) O cooperativismo no Triângulo Mineiro/Alto Paranaíba: evolução e transformações. O projeto Realidade agrária do norte paranaense: transformações recentes e novas perspectivas teve o apoio do CNPq e foi importante ao possibilitar a constituição e consolidação de um grupo emergente de pesquisa no contexto da ciência geográfica. A partir de seus espaços de atuação profissional: Uberlândia, Londrina e Maringá, os pesquisadores refletiram sobre diversos aspectos da ocupação humana e uso econômico da terra agrícola. Por meio de material publicado em anais de eventos e de outras atividades (orientação de trabalhos científicos), os pesquisadores contribuíram para um melhor entendimento desses espaços de referência. Para dar continuidade ao trabalho do grupo de pesquisa propusemos um novo projeto: Agricultura familiar e territorialização dos movimentos sociais no norte do Paraná e Triângulo Mineiro/Alto Paranaíba, para o período 2001/2003. Porém, o mesmo não foi aprovado. Diante disso, o trabalho do grupo de pesquisa se encerrou. A segunda experiência com grupo de pesquisa foi institucional e interdisciplinar. O projeto: Gestão ambiental da bacia do rio Araguari (MG):

8 8 rumo ao desenvolvimento sustentável, do Programa Centro-Oeste de Pesquisa e Pós-Graduação (PCCOPG-CNPq) foi desenvolvido por um grupo de pesquisadores do Instituto de Geografia da Universidade Federal de Uberlândia (ago/2000/nov/2002) e teve como objetivo conhecer a problemática socioambiental da bacia hidrográfica do rio Araguari para oferecer subsídios ao desenvolvimento sustentável das atividades realizadas na área de pesquisa. Dentre os subprojetos que compõem o tema central, o subprojeto: A dinâmica rural urbana na bacia do rio Araguari (MG) foi desenvolvido com o objetivo de compreender as transformações ocorridas no espaço agrário dos municípios da bacia, com destaque para as questões ambientais e os reflexos dessas transformações para esses municípios. O grupo de pesquisadores 5 recebeu o apoio do CNPq e os resultados obtidos foram publicados em forma de artigos em eventos científicos, além das orientações de trabalhos. O projeto final culminou com a publicação do livro: Gestão ambiental da bacia do rio Araguari: rumo ao desenvolvimento sustentável, reunindo diversas pesquisas realizadas pelos pesquisadores das linhas de pesquisa Relações campo-cidade e gestão do espaço rural e Análise, Planejamento e gestão do espaço urbano-regional. As duas experiências vividas em grupos de pesquisa nos mostrou que o resultado é positivo, principalmente quando o trabalho é coordenado de forma sistemática e com discussões e que a práxis coletiva, já destacada no item 2, não é tarefa fácil de conduzir diante dos interesses diversificados dos grupos e da individualidade de cada um. Mas, é viável. Além das experiências citadas, há também o nosso envolvimento com o Grupo de Pesquisa: Dinâmica Territorial da Cidade e do Campo (CNPq),

9 9 criado em Entretanto, os trabalhos da equipe aumentaram em fins de 1997, quando foi criado o Programa de Pós-Graduação em Geografia/IG/UFU. O enfoque multidisciplinar do Programa tem permitido a integração de discentes com diferentes formações (economistas, arquitetos,engenheiros, biólogos, agrônomos,advogados, historiadores, pedagogos...) ao grupo de pesquisa enriquecer os conteúdos de sua produção acadêmica. O objetivo do grupo é desenvolver pesquisas integradas e interdisciplinares em nível local e regional. Outro envolvimento com grupos de pesquisa refere-se aos dois eixos temáticos, por nós desenvolvidos no Programa de Pós-Graduação em Geografia: 1) Espaço rural, globalização e políticas públicas: transformações e perspectivas. O objetivo é compreender as transformações ocorridas no espaço agrário brasileiro, a partir da década de 1970, resultado do processo de modernização da agricultura e a exclusão entre os agricultores, regiões e produtos, procurando ver as perspectivas para os atores envolvidos nesse processo. O eixo 2: O novo mundo rural: desafios e perspectivas. O objetivo é compreender as novas dimensões espaciais do mundo rural, a partir da década de 1990, seus desafios e perspectivas. Nesse grupo incluem se o orientador e os orientandos. O resultado tem sido as dissertações apresentadas e os artigos publicados em eventos científicos. Considerações Finais

10 10 A partir da concepção de que a ciência, por meio das pesquisas, produz o conhecimento e que a Universidade é o lócus dessa produção, é importante considerar que a formação de grupos de pesquisa é o caminho a seguir. É cada vez mais premente esta realidade, principalmente porque pesquisamos para a academia e para as agências de fomento. É importante também a construção teórico-metodológica dos grupos para que a ciência geográfica e, de forma específica, a geografia agrária possam fazer a interdisciplinaridade/multidisciplinaridade com as áreas afins. Notas Professora no Programa de Pós-Graduação em Geografia (Mestrado e Doutorado) do Instituto de Geografia, Universidade Federal de Uberlândia. 2 FAO/INCRA. Diretrizes da política agrária e desenvolvimento sustentável: resumo do relatório final do Projeto UTF/BRA/ versão. Brasília: FAO/INCRA, mar CERON, Antônio O.; GERARDI, Lúcia H. de O. Geografia agrária e metodologia de pesquisa. Boletim de Geografia Teorética, Rio Claro, v.9, n.17/18, p.59-68, Os pesquisadores: Vera Lúcia Salazar Pessoa (Universidade Federal de Uberlândia/UFU), Alice Yatio Asari, Ruth Youko Tsukamoto, José Barreira (Universidade Estadual de Londrina) e Elpídio Serra (Universidade Estadual de Maringá). 5 Vera Lúcia Salazar Pessoa, João Cleps Júnior, Geisa D. Gumiero Cleps e Beatriz Ribeiro Soares (Instituto de Geografia/UFU).

11 11 Referências ASARI, Alice Y. et al. Realidade agrária do norte paranaense: transformações recentes e perspectivas. Londrina/UEL; Maringá: UEM; Uberlândia: UFU, p. Relatório. ASARI, Alice Y. et al. Realidade agrária do norte paranaense: transformações recentes e perspectivas. Londrina/UEL; Maringá: UEM; Uberlândia: UFU, 2001, 426p. Relatório. CLEPS Júnior, João (Coord.). Dinâmica rural e gestão ambiental da bacia do rio Araguari (MG): rumo ao desenvolvimento sustentável. Uberlândia: UFU, p. Relatório. DOMINGOS SOBRINHO, Moisés. Campo científico e interdisciplinaridade. In: FERNANDES, Aliana; GUIMARÃES, Flávio R.; BRASILEIRO, Maria do Carmo E. (Org.). O fio que une as pedras: a pesquisa interdisciplinar na pósgraduação. São Paulo: Biruta, p D ONOFRIO, Salvatore. Metodologia do trabalho intelectual. 2.ed. São Paulo: Atlas, NÓBREGA, Geralda Medeiros. Interdisciplinaridade: uma visão dos tempos atuais. In: FERNANDES, Aliana; GUIMARÃES, Flávio R.; BRASILEIRO, Maria do Carmo E. (Org.). O fio que une as pedras: a pesquisa interdisciplinar na pós-graduação. São Paulo: Biruta, p SEABRA, Giovanni de F. Pesquisa científica: o método em questão. Brasília: EDUNB, SOUSA SANTOS, Boaventura de. A descapitalização da universidade pública. In:. A universidade no século XXI: para uma reforma democrática e emancipatória da universidade. São Paulo: Cortez, p (Coleção de Nossa Época, v.120). TAVARES DOS SANTOS, José V. a nova organização do trabalho científico. In: MOROSINI, Marília C. (Org.). Universidade no Mercosul. São Paulo: Cortez; Porto Alegre: FAPERGS/CNPq, [199-?].p

12 VEIGA-NETO, Alfredo. Interdisciplinaridade na pós-graduação: isso é possível? In: FERNANDES, Aliana; GUIMARÃES, Flavio R.; BRASILEIRO, Maria do Carmo E. (Org.). O fio que une as pedras: a pesquisa interdisciplinar na pós-graduação. São Paulo: Biruta, p