estética & filosofia da arte

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1 estética & filosofia da arte carlos joão correia ºSemestre

2 Clive Bell. Art. London: Chatto & Windus ( ). Tr. R.C.Mendes. Lisboa: Texto & Grafia Clive Bell

3 "A teoria é essencialmente a seguinte: alguns objectos, criados por mãos humanas, foram, por algum motivo, dotados com o poder de produzir uma emoção estética nos espectadores sensíveis. Estes objectos estão por todo o lado; e quando estamos interessados neles enquanto obras de arte é irrelevante quando foram feitos, quem os fez ou porquê. O poder para produzir uma emoção estética é inerente à forma significante. A forma significante é uma combinação de linhas, formas e cores em certas relações. Nem toda a forma é significante; mas se um objecto tem uma forma significante, tem-na por causa das relações entre essas linhas, formas e cores. A forma significante, defendeu Bell, é «a única qualidade comum a todas as obras de arte visual». A representação o que uma pintura pinta é irrelevante para a nossa apreciação das obras de arte como arte. Não se trata de Bell achar que existe algo de intrinsecamente errado com a representação; mas antes que o valor artístico da arte visual se encontra noutro lado" Nigel Warburton. O que é a arte? Lisboa: Bizâncio. 2007: 22; the Art Question. London/New York: Routledge. 2003: 10

4 delacroix. la liberté guidant le peuple. 1830

5 van gogh

6 1ª objecção: walking 1967

7 2ª objecção: ET

8 Que ninguém pense que a representação é má em si; uma forma realista pode ser tão significante, enquanto parte do desenho, como uma forma abstracta. Mas se uma forma figurativa tem valor, é como forma, não como representação. O elemento figurativo numa obra de arte pode ou não ser prejudicial, mas é sempre irrelevante. [...] A arte transporta-nos do mundo da actividade humana para o mundo da exaltação estética. Por um momento somos afastados dos interesses humanos; as nossas previsões e recordações são aprisionadas; somos elevados acima do fluxo da vida. Clive Bell 1949:25; 2009:31

9 3ªobjecção: arte e acção humana richard long. land art

10 burne-jones. perseus and the graiae. c1875

11 No seu pior, as pinturas descritivas apenas transmitem informação e, se têm um efeito emotivo nos espectadores é porque sugerem emoções em vez de funcionarem como objectos de emoções. Este argumento surge na sua discussão de Paddington Station ( ) de William Powell Frith, que Bell declara não se tratar de uma obra de arte, mas apenas de «um documento interessante e divertido». Nesta pintura, que mostra uma plataforma cheia de gente na estação de Paddington, [...] linhas e cores são usadas para contar histórias, sugerir ideias e indicar os maneirismos e costumes de uma época: não são usadas para provocar uma emoção estética. (18) Warburton 2007: 23-24; 2003: 11-12

12 william powell frith paddington station ( )

13 Paddington Station é um aglomerado de pequenos quadros com o objectivo de intrigar. Por exemplo, o artista pintou-se a si próprio e à sua mulher e filhos num grupo familiar a dizer adeus a um rapaz que presumivelmente parte para o colégio interno; noutra parte da plataforma dois detectives londrinos de renome, Michael Haydon e James Brett, estão a prender um homem prestes a entrar no comboio; e o negociante de arte, Louis Victor Flatow, que encomendou a pintura, encontra-se representado a falar com o maquinista. A tela está repleta de tais interacções. Frith pintou provavelmente a cena a partir de uma série de fotografias, o que contribui para a composição algo desarticulada. Segundo Bell, o que o observador obtém de tal pintura é, na melhor das hipóteses, uma distracção agradável trazida por um avivar de memórias de emoções previamente sentidas. E assegura-nos que tal não é o objectivo da arte:" Warburton 2007: 23-24; 2003: 11-12

14 4ªobjecção: informação Las Meninas.Velázquez

15 Bell usa «emoção estética» como um termo técnico: para ele não significa apenas qualquer emoção que possamos [sentir]. A emoção estética é própria da nossa apreciação da arte, e nos raros casos em que é despertada por objectos naturais isto é de certo modo derivado do seu significado primário. A beleza que reconhecemos e sentimos quando olhamos para as asas de uma borboleta ou para uma flor não é, para Bell, do mesmo tipo que a forma significante de uma pintura. A combinação de linhas e cores produzidas pelas mãos humanas pode despertar a emoção estética, uma emoção que no seu auge pode ser extática (...). As emoções que a beleza natural desperta são de tipo diferente. Warburton 2007:25; 2003: 12

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17 5ªobjecção: natural/artificial gerhard richter. tulpen. 1995

18 Scarlett Johansson Quentin Matsys. The Ugly Duchess (c. 1513) George Clooney

19 A arte bela mostra precisamente a sua excelência no descrever de coisas que na natureza seriam feias ou desagradáveis. As fúrias, as enfermidades, devastações da guerra, enquanto coisas danosas, podem ser descritas muito belamente, até mesmo ser representadas em pintura Kant. Crítica da Faculdade do Juízo. 48

20 goya. saturno devorando a un hijo. c1819 Pinturas negras/quinta del Sordo

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22 goya. viejo y vieja tomando sopa. c1819

23 goya. perro semihundido. c1819

24 Para compreender as implicações práticas da teoria da arte de Bell, vejamos como abordaria uma pintura particular. Lac d'annecy, de Cézanne, pintado em 1896, está exposto na Courtauld Gallery, em Somerset House, Londres. É uma imagem serena de uma luxuosa casa de campo ao fundo de umas colinas vistas do outro lado de um lago. As formas foram simplificadas e tornadas abstractas, mas o tema continua a ser reconhecível. Ao mesmo tempo, esta é uma pintura vibrante dominada por planos de azuis ricos e verdes mais suaves. De modo a podermos apreciar uma obra como esta, de acordo com Bell, precisamos de olhar para as suas formas, pondo de lado as associações da paisagem representada ou o conhecimento que tenhamos da vida do pintor. Pressuporemos que a pintura tem uma forma significante e que esta é a causa da requintada emoção que faz vibrar os observadores sensíveis. Esta emoção é muito diferente de tudo o que possamos sentir perante a própria paisagem. A simplificação das formas de Cézanne é uma exemplificação do credo expresso por Bell: «Qualquer sacrifício feito à representação é algo roubado à arte.»

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27 Esta pintura ilustra bem a teoria de Bell uma vez que Cézanne manipulou as relações entre as partes da composição a favor da forma, e teve pouca preocupação com a correcção literal. Por exemplo, da perspectiva de Cézanne, a casa de campo encontrase na realidade a um quilómetro e meio de distância na outra margem do lago, e teria parecido minúscula numa fotografia da paisagem. Mas na pintura impera. Do mesmo modo, as encostas da montanha que surgem no plano de fundo foram estilizadas para criar uma relação mais simétrica das formas do que seria visível na paisagem. Neste caso, Cézanne está conscientemente a criar «uma harmonia paralela à natureza». Não está a tentar espelhar a natureza. Está antes a criar um padrão que iguala a experiência visual do cenário e que expressa também a reacção emocional que provoca no artista. A verdadeira paisagem apenas fornece o «problema estético» para o qual a pintura é a solução. A verdadeira preocupação, contudo, é com a forma. E também esta deveria ser a preocupação do observador. Ver esta pintura pode dar origem a uma profunda emoção estética e talvez mesmo transportar-nos para lá do mundo do dia-a-dia das meras aparências em que normalmente vivemos. Bell produziu a sua teoria trabalhando a partir da sua experiência de pinturas como Lac d'annecy. Percebeu que neste tipo de pintura era a forma, a cor e o design que o comoviam, e não o tema, e depois generalizou, a partir deste caso, para toda a arte. Warburton 2007: 29-31; 2003: 16-18