REGISTRO PALINOLÓGICO DE DEPÓSITOS SEDIMENTARES NEOPLEISTOCÊNICOS DO RIO MADEIRA, RONDÔNIA, AMAZÔNIA BRASILEIRA RESUMO

Documentos relacionados
Análise fitolítica e palinologia: vegetação e clima na costa norte do Espírito Santo, Brasil

2. MATERIAL E MÉTODOS

Universidade Guarulhos- Laboratório de Palinologia e Paleobotânica. Mestrado em Análise Geoambiental. Guarulhos, SP, Brasil.

Universidade Federal Fluminese (Brasil) e Universidade de Antofagasta (Chile); 5 - LOCEAN (CNRS, IRD, MNHN, UPMC), IRD, Bondy, France Nord.

Anuário do Instituto de Geociências - UFRJ

45 mm DINÂMICA VEGETACIONAL E CLIMÁTICA QUATERNÁRIA NO SETOR CENTRO-NORTE DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO (RESULTADOS PRELIMINARES)

45 mm PALEOQUEIMADAS NO HOLOCENO DA REGIÃO DE CABO FRIO, RJ

UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ INSTITUTO DE GEOCIÊNCIAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOLOGIA E GEOQUÍMICA DISSERTAÇÃO DE MESTRADO

Projeto de doutorado

MUDANÇAS DA VEGETAÇÃO NA ILHA DE MARAJÓ DURANTE O HOLOCENO SUPERIOR

45 mm EVIDÊNCIAS PALINOLÓGICAS DAS VARIAÇÕES PRETÉRITAS DA VEGETAÇÃO E DO CLIMA NA SERRA DO ESPINHAÇO MERIDIONAL, MINAS GERAIS, BRASIL

Laboratório de Palinologia, Dept de Geologia, 2 Laboratório de Ultra-estrutura Viral, Dept de Virologia, IOC, FIOCRUZ.

AREA DE ESTUDllO. Fig. i- hreo de estudio. I c

RECONSTRUÇÃO PALEOAMBIENTAL DO HOLOCENO DA BAÍA DE GUANABARA, RIO DE JANEIRO, BRASIL, ATRAVÉS DE ANÁLISE PALINOLÓGICA: RESULTADOS PRELIMINARES.

ESTUDOS DE PALINOLOGIA EM ÁREA DE MATA ATLÂNTICA COMO SUPORTE PARA MANEJO AMBIENTAL: PARQUE ESTADUAL DA PEDRA BRANCA, RIO DE JANEIRO

Anuário do Instituto de Geociências - UFRJ

PRIMEIRAS CONSIDERAÇÕES PALINOLÓGICAS E PALEOCLIMÁTICAS DO PLEISTOCENO TARDIO NA REGIÃO DE CAMPO MOURÃO, PARANÁ, BRASIL

MORFOLOGIA POLÍNICA DE ESPÉCIES DA TRIBO CYNODONTEAE (CHLORIDOIDEAE, POACEAE) COM OCORRÊNCIA NO RIO GRANDE DO SUL, BRASIL

ANÁLISE PALINOLÓGICA DE SEDIMENTOS DO QUATERNÁRIO TARDIO, A PARTIR DE ANOS AP, NA REGIÃO CENTRO-SUL DO ESTADO DE GOIÁS, BRASIL

REGISTROS PALINOLÓGICOS EM SEDIMENTOS HOLOCÊNICOS DA COSTA NORTE AMAZÔNICA.

A Amazônia é com freqüência lembrada como uma floresta arbórea exuberante

DINÂMICA DA VEGETAÇÃO DA REGIÃO DE HUMAITÁ-AM DURANTE O PLEISTOCENO TARDIO E O HOLOCENO

Amazonas (UFAM) Av. André Araujo, 2936, Aleixo, Manaus, Amazonas, CEP

Geografia. Aspectos Físicos e Geográficos - CE. Professor Luciano Teixeira.

DADOS PALINOLÓGICOS CARACTERIZAM PALEOAMBIENTE TROPICAL NOS CAMPOS GERAIS NO HOLOCENO TARDIO

3 Laura Helen de Oliveira Alves. 1

1º. ProjESimpósio de setembro 2013 RNV Linhares, ES

REGISTRO DE QUEIMADAS DURANTE O HOLOCENO, NA ÁREA DE ABRANGÊNCIA DA BACIA HIDROGRÁFICA DO ALTO CURSO DO RIO MEIA PONTE GOIÁS, BRASIL.

ESPAÇOS CLIMÁTICOS E VEGETAÇÕES DA AMÉRICA

ANÁLISES PALINOLÓGICAS EM SEDIMENTOS HOLOCÊNICOS DA ILHA DO BANANAL (TO)

COMPARAÇÃO DE TÉCNICAS DE DISPERSÃO DE MATÉRIA ORGÂNICA EM SEDIMENTOS TURFOSOS PARA ANÁLISES GRANULOMÉTRICAS.

Novas informações sobre as hipóteses

Biologia Geral e Experimental


Variabilidade da Precipitação Pluviométrica no Estado do Amapá

CONSIDERAÇÕES A RESPEITO DA IDADE DO SISTEMA DE LAGOS DO BAIXO CURSO DO RIO DOCE (LINHARES, ES)

45 mm UTILIZAÇÃO DE PARAMETROS SEDIMENTARES DO LAGO DO SACI (PA) PARA RECONSTRUÇÃO PALEOCLIMÁTICA

PALEOCLIMA E PALEOAMBIENTE DO CERRADO DURANTE O QUATERNÁRIO COM BASE EM ANÁLISES PALINOLÓGICAS

Anuário do Instituto de Geociências - UFRJ Análise Palinológica e a Vegetação Pollen Analysis and the Vegetation

Geografia. Os Biomas Brasileiros. Professor Thomás Teixeira.

GEOGRAFIA - 1 o ANO MÓDULO 17 CLIMOGRAMAS

Palavras-Chave: evolução da paisagem, planalto central e quaternário tardio.

Biomas / Ecossistemas brasileiros

EVOLUÇÃO HOLOCÊNICA DA PLANÍCIE COSTEIRA SUL CATARINENSE (SANTA ROSA DO SUL, BRASIL), ATRAVÉS DE DADOS PALINOLÓGICOS E MICROFAUNÍSTICOS

A Palinologia como Ferramenta no Diagnóstico e Monitoramento Ambiental da Baía de Guanabara e Regiões Adjacentes, Rio de Janeiro, Brasil

DISSERTAÇÃO DE MESTRADO

DISSERTAÇÃO DE MESTRADO Nº 476 PALINOLOGIA DA FORMAÇÃO PIRABAS, NOS MUNICÍPIOS DE PRIMAVERA E SALINÓPOLIS, NORDESTE DO ESTADO DO PARÁ, BRASIL

ECO GEOGRAFIA. Prof. Felipe Tahan BIOMAS

A PALEOECOLOGIA E A ATUAL BIODIVERSIDADE DA MATA ATLÂNTICA DE LINHARES: ESTUDOS INTERDISCIPLINARES NO HOLOCENO

ANÁLISE DA VARIABILIDADE DE PRECIPITAÇÃO EM ÁREA DE PASTAGEM PARA A ÉPOCA CHUVOSA DE 1999 Projeto TRMM/LBA

GEOGRAFIA REVISÃO 1 REVISÃO 2. Aula 25.1 REVISÃO E AVALIAÇÃO DA UNIDADE IV

É importante que você conheça os principais biomas brasileiros e compreenda as características.

Fragmentação. Umberto Kubota Laboratório de Interações Inseto Planta Dep. Zoologia IB Unicamp

Definição. Unidade Territorial com características naturais bem. Por essa razão, muitas vezes o termo é usado

PALINOLOGIA FORENSE PAULO E. DE OLIVEIRA. Instituto de Geociências Universidade de São Paulo

TANINO COMO INDICADOR DE PALEOMANGUEZAIS NA ZONA COSTEIRA AMAZÔNICA TANNIN AS INDICATOR OF PALEOMANGROVE IN THE AMAZON COASTAL ZONE

CLÓVIS FERRAZ de OLIVEIRA SANTOS

Domínios Florestais do Mundo e do Brasil

Laboratório de Palinologia, Dept de Geologia, 2

UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE DEPARTAMENTO DE GEOQUÍMICA AMBIENTAL DAIANA FONTES

GEOMORFOLOGIA DO QUATERNÁRIO

CONSIDERAÇÕES SOBRE IDADES LOE DE DEPÓSITOS COLUVIAIS E ALÚVIO- COLUVIAIS DA REGIÃO DO MÉDIO VALE DO RIO PARAÍBA DO SUL (SP/RJ)

Biomas Terrestres. Prof. Bosco Ribeiro

Análise palinológica e evolução ambiental da região do Banhado da Cidreira, RS, Brasil

Formação Vegetal PROFESSORA NOELINDA NASCIMENTO

ÁREAS DE FLORESTA PRIMÁRIA DO SUL DE RORAIMA IMPACTADAS PELO FOGO NA PASSAGEM DO MEGA EVENTO EL NIÑO (2015 / 2016)

DISSERTAÇÃO DE MESTRADO Nº 504

ANÁLISES PALINOLÓGICAS PRELIMINARES DE DEPÓSITOS FLUVIAIS RECENTES NA REGIÃO DO MÉDIO VALE DO RIO DOCE (MG)

Região Nordestina. Cap. 9

Biomas do Brasil. Ciências Humanas e suas Tecnologias. Professor Alexson Costa Geografia

TRABALHO FINAL DE GRADUAÇÃO

AMÉRICA LATINA: ASPECTOS NATURAIS

CST 304-3: Fundamentos de Ecologia e de Modelagem Ambiental Aplicados à conservação da Biodiversidade

INSTITUTO DE PESQUISA APLICADA EM DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO SUSTENTÁVEL IPADES DESTAQUES IPADES O BANCO BRICS E O CONTEXTO INSTITUCIONAL INTERNACIONAL

PALEOINCÊNDIOS EM DISTINTAS REGIÕES DO BRASIL

O CLIMA E A VEGETAÇÃO DO BRASIL

Reconstituição paleoclimática do vale do Rio Caí, nordeste do Rio Grande do Sul, com ênfase nas ocupações humanas

MONITORAMENTO DA COBERTURA FLORESTAL DA AMAZÔNIA POR SATÉLITES AVALIAÇÃO DETER JUNHO DE 2009 INPE COORDENAÇÃO GERAL DE OBSERVAÇÃO DA TERRA

DISSERTAÇÃO DE MESTRADO Nº 503

45 mm. Marcelo Accioly Teixeira de Oliveira 1 ; Gisele Leite de Lima 2 ; Vivian Jeske-Pieruschka 3.

MONITORAMENTO HIDROLÓGICO

LCF 5865 Silvicultura Urbana Prof.Dr. Demóstenes Ferreira da Silva Filho Aluna: Yukie Kabashima

FORMAÇÕES VEGETACIONAIS AULA 7

45 mm EVIDENCIAS DOS EVENTOS HOLOCENICOS DE TRANSGRESSÃO E REGRESSÃO NO RECONCAVO DA BAÍA DE GUANABARA NA REGIÃO DE DUQUE DE CAXIAS - RJ

RECONSTITUIÇÃO PALEOAMBIENTAL UTILIZANDO ISÓTOPOS ESTÁVEIS DO C E N E FITÓLITOS EM TURFEIRA NA REGIÃO DE CAMPO MOURÃO/PR BRASIL

MONITORAMENTO DA COBERTURA FLORESTAL DA AMAZÔNIA POR SATÉLITES AVALIAÇÃO DETER OUTUBRO DE 2009 INPE COORDENAÇÃO GERAL DE OBSERVAÇÃO DA TERRA

ANÁLISE GEOCRONOLÓGICA DE CONCHAS DA PLANÍCIE COSTEIRA DE ITAGUAÍ-RJ E SUAS IMPLICAÇÕES

DOMÍNIOS MORFOCLIMÁTICOS E AS FORMAÇÕES VEGETAIS DO BRASIL

DEPOSIÇÃO PALINOLÓGICA ATUAL EM SEDIMENTOS DE SUPERFÍCIE DO SOLO: MÉDIO VALE DO RIO PARAÍBA DO SUL (SP/RJ)

BIOMAS. Professora Débora Lia Ciências/Biologia

Variações Granulométricas durante a Progradação da Barreira Costeira Holocênica no Trecho Atlântida Sul Rondinha Nova, RS

ANÁLISES PALINOLÓGICAS DE AMOSTRAS DE SUPERFÍCIE EM ÁREA DE TRANSIÇÃO (OU ECÓTONO) NO MUNICÍPIO DE QUARAÍ NO RIO GRANDE DO SUL, BRASIL

CARACTERIZAÇÃO DA FLORA DE MONTANHA QUATERNÁRIA COM BASE EM ESTUDOS PALINOLÓGICOS DA BACIA DA FOZ DO AMAZONAS, BRASIL 1

MONITORAMENTO DA COBERTURA FLORESTAL DA AMAZÔNIA BRASILEIRA POR SATÉLITES

Atividades. As respostas devem estar relacionadas com o material da aula ou da disciplina e apresentar palavras

FRAGMENTOS FLORESTAIS

MONITORAMENTO DA COBERTURA FLORESTAL DA AMAZÔNIA POR SATÉLITES. AVALIAÇÃO TRIMESTRAL DO DETER Novembro de 2008 a Janeiro de

Anuário do Instituto de Geociências - UFRJ

BIOMAS. Os biomas brasileiros caracterizam-se, no geral, por uma grande diversidade de animais e vegetais (biodiversidade).

Transcrição:

DOI 10.5935/0100-929X.20120009 Revista do Instituto Geológico, São Paulo, 33 (2), 41-48, 2012 REGISTRO PALINOLÓGICO DE DEPÓSITOS SEDIMENTARES NEOPLEISTOCÊNICOS DO RIO MADEIRA, RONDÔNIA, AMAZÔNIA BRASILEIRA Maria Ecilene Nunes da Silva Meneses Etiene Fabbrin Pires Átila Augusto Stock Da RosA Luciano Artemio LEAL Laís Aguiar da Silveira MENDES Milton José de PAULA Francisco Edinardo Ferreira de SOUZA José Rafael Wanderley BENÍCIO Leomir dos Santos CAMPOS RESUMO O presente trabalho apresenta um estudo de identificação das assembléias palinológicas de uma camada de sedimentos numa área atualmente dominada por floresta, localizada na Bacia Hidrográfica do Alto Curso do Rio Madeira, na região de influência do Aproveitamento Hidrelétrico (AHE) Jirau, Estado de Rondônia, Amazônia Brasileira. Datações radiométricas pelo método do radiocarbono (AMS) indicam que o registro da camada compreende o intervalo entre 41.350 e 43.500 anos Antes do Presente (A.P.), correspondente ao Neopleistoceno. Os resultados mostram um conjunto de palinomorfos marcado por baixa diversidade polínica, essencialmente dominado por elementos de floresta tropical, e com aumento de tipos polínicos característicos de ambientes úmidos em direção ao topo da camada, como é o caso de Ludwigia, sugerindo provavelmente o desenvolvimento de um brejo. De forma geral, os dados mostram concordância com registros palinológicos de outras áreas estudadas na região da Floresta Amazônica, que indicam a estabilidade do ambiente florestal durante o mesmo período. Palavras-chave: Palinologia, Neopleistoceno, vegetação, Estado de Rondônia, Amazônia Brasileira. ABSTRACT The present paper presents a study of identification of palynological assemblages from a layer of sediment taken from a modern forested area situated in the upper course of the Madeira River, within the region of influence of the AHE Jirau, Rondônia, Brazilian Amazon. Radiometric carbon dating using 14 C (AMS method) furnished ages between 41,350 and 43,500 years Before Present (B.P.), or Late Pleistocene, for the studied layer. The results reveal a set of palynomorphs marked by low diversity of pollen families with predominantly tropical forest types showing an upward increase in pollen grains typical of wet environments, probably suggesting the installation of a swamp. No other vegetational change was observed during the period recorded in this study, and in general the data are in agreement to palynological records obtained from other areas of the Amazon forest region that indicate a steady forested environment for the same period. Keywords: Palynology, Late Pleistocene, vegetation, Rondônia state, Brazilian Amazon. 41

Meneses et al. 1 INTRODUÇÃO A palinologia constitui uma ferramenta amplamente utilizada para o reconhecimento dos tipos de vegetação, ambientes e climas que vigoraram no passado. A Amazônia corresponde a uma extensa região atualmente dominada por florestas, porém, rica em outras formações vegetais. Apesar dos múltiplos esforços, os estudos palinológicos nessa região ainda são escassos e pontuais para se compreender as mudanças ambientais e climáticas vigentes ao longo do Holoceno e, principalmente do Pleistoceno, cujos registros são ainda mais raros. No âmbito dos trabalhos que contemplam o período do Pleistoceno destaca-se o estudo pioneiro de ABSY et al. (1991), que reconheceram períodos de retração da floresta e sua substituição por savana na Serra dos Carajás durante o Neopleistoceno, inferidos pelo aumento de ervas de Poaceae, Asteraceae, Borreria e Cuphea, típicas de ambientes savânicos. Segundo esses autores, tais períodos estiveram sob influência de um paleoclima mais seco que o atual. Por outro lado, dados palinológicos obtidos por COLINVAUX et al. (1996) e BUSH et al. (2004) na região do Morro dos Seis Lagos (noroeste da Amazônia) mostraram a presença contínua da cobertura florestal durante o Neopleistoceno e Holoceno. Estes autores, entretanto, também registraram a presença de elementos adaptados a climas frios, como Ilex e Hedyosmum, o que evidencia a dominância de um clima mais frio que o atual durante o Neopleistoceno. Tais resultados levaram os referidos autores a argumentarem contra a teoria dos refúgios florestais proposta por HAFFER (1969), segundo a qual a floresta tropical amazônica teria sofrido fragmentação durante os períodos glaciais, sendo reduzida a ilhas ou refúgios de florestas úmidas em meio ao domínio de savanas herbáceas e arbustivas, vegetação adaptada a condições climáticas mais secas. Diante desta controvérsia, há ainda outros estudos que sugerem que a região amazônica permaneceu florestada durante o último ciclo glacial, embora tenha havido expansão de savanas nas regiões periféricas (MAYLE et al. 2009). Dessa forma, ainda não há um consenso geral entre a comunidade de pesquisadores acerca de como eram realmente as paisagens amazônicas durante o último ciclo glacial. No entanto, muitos acreditam que diversas regiões apresentaram diferentes condições climáticas que afetaram de modo diferenciado os ecossistemas amazônicos (COLINVAUX et al. 2000, BEHLING & HOOGHIEMSTRA 2001, BUSH et al. 2004, BURBRIDGE et al. 2004). É neste contexto que se insere o presente trabalho, cujo objetivo é contribuir para a identificação de paleoambientes na região amazônica e reconstituição das mudanças ambientais e climáticas ocorridas ao longo do Quaternário tardio, tendo como base a identificação das assembléias de grãos de pólen e esporos de suas paleofloras. O presente estudo foi realizado no canteiro de obras do Aproveitamento Hidrelétrico (AHE) Jirau, no Estado de Rondônia. Estudos dessa natureza haviam sido realizados somente ao longo de um trecho de 250 km entre a cidade de Porto Velho e a região de Humaitá (sul do Amazonas), numa área de ecótono savanafloresta, e se restringiam ao Holoceno (PESSENDA et al. 1998). A partir do trabalho conjunto de um grupo de pesquisadores do Programa de Investigação, Salvamento e Monitoramento Paleontológico do AHE Jirau, foi possível coletar amostras de sedimentos em um perfil exposto pelas escavações. 2 MATERIAIS E MÉTODOS O canteiro de obras do AHE Jirau está localizado nas imediações da Ilha do Padre, alto curso do Rio Madeira, a cerca de 120 km a sudoeste da cidade de Porto Velho, Rondônia (Figura 1). O clima deste estado é do tipo equatorial (quente e úmido), com médias anuais de temperatura superiores a 26 C, e índice de precipitações elevado (entre 2.000 e 3.000 mm anuais), sobretudo entre os meses de dezembro a maio. A vegetação atual é caracterizada pela floresta tropical úmida, com manchas de cerrado. Especificamente, na região de abrangência do AHE Jirau, a vegetação é típica da floresta amazônica. As amostras utilizadas para este estudo foram coletadas em um perfil exposto pelas escavações, no ponto denominado Estaca 93 (Figura 1), local de encontro do eixo da barragem com a casa de força, na margem direita do Rio Madeira, durante o mês de julho de 2011. Um total de 10 amostras foram coletadas em intervalos fixos de 10 cm ao longo de uma camada de argila orgânica de 95 cm para datação e análises palinológicas. Para as datações foram retiradas duas amostras, respectivamente, da base e do topo da camada. As datações por radiocarbono foram realizadas com a técnica de espectroscopia de aceleração de massa (AMS) no laboratório da Beta Analytic, Flórida, EUA. As idades C 14 obtidas foram calibradas em anos antes do presente (A.P.) a partir do software CALIB 6.0 (STUIVER & REIMER 1993), utilizando-se a curva de calibração para o Hemisfério Sul. 42

Revista do Instituto Geológico, São Paulo, 33 (2), 41-48, 2012 FIGURA 1 Localização geográfica do canteiro de obras do AHE Jirau e do afloramento Estaca 93. A camada de argila orgânica amostrada para estudo palinológico é indicada pelo asterisco na foto do afloramento. As análises palinológicas consistiram na identificação e quantificação dos grãos de pólen e esporos contidos nas amostras e foram realizadas nos Laboratórios de Paleobiologia, Genética e Bioquímica da Universidade Federal do Tocantins - UFT, Campus de Porto Nacional. Para estas análises foram utilizadas pastilhas de sedimentos com cerca de 2 cm 3, subamostradas de cada amostra. Estas foram submetidas ao tratamento químico padrão com a finalidade de obter como elemento residual somente grãos de pólen e esporos, conforme método adotado por FAEGRI & IVERSEN (1989). Um tablete de Lycopodium clavatum foi adicionado a cada amostra a fim de se calcular a concentração de grãos de pólen e de esporos nos sedimentos (grãos/cm 3 ). O tratamento químico envolveu ataque com ácido clorídrico (HCL) para eliminação de possíveis carbonatos (CO 3 ) presentes no sedimento, ácido fluorídrico (HF) para eliminação dos silicatos e, finalmente, tratamento com acetólise (ERDTMAN 1952), para a remoção da celulose e polissacarídeos das amostras por oxidação. Uma vez que o material processado já se encontrava com tonalidades claras, não houve necessidade de submetê-lo ao tratamento com hidróxido de potássio (KOH), normalmente usado para auxiliar na eliminação de matéria orgânica. A partir do material residual foram preparadas lâminas semi-permanentes utilizando-se gelatina glicerinada. A identificação taxonômica dos palinomorfos foi realizada com auxílio de bibliografia especializada, mais especificamente, ABSY (1979), ROUBIK & MORENO (1991) e COLINVAUX et al. (1999). Para calcular e plotar os diagramas polínicos foi utilizado o softwares TILIA e TILIAGRAPH (GRIMM 1987), programa de uso licenciado. Neste programa foi realizada uma análise de cluster (programa CONISS). 43

Meneses et al. 3 RESULTADOS A camada analisada é constituída da base até o topo por sedimento argiloso de coloração preta, compactado, com 95 cm de espessura, e é recoberta por um pacote de sedimentos areno-sílticos pedogenizados de coloração amarela (Figura 1). As idades estão compreendidas entre o intervalo de 41.350 a 43.500 anos calibrados A.P. (Neopleistoceno), conforme tabela 1. TABELA 1 Idades convencionais e calibradas para a base e o topo da camada de argila estudada Código do laboratório Amostras Profundidade (cm) Idade C 14 Convencional Idade Calibrada anos AP (Sigma 2) Erro Beta - 312037 Estaca 93 base 90-95 43.500 43.500 +/- 290 Beta - 312038 Estaca 93 topo 0-05 36.200 41.350 +/- 290 Foram identificados 62 tipos polínicos pertencentes a 30 famílias nas 10 amostras analisadas. Cerca de 7 tipos não foram identificados. Os tipos polínicos e esporos mais abundantes são ilustrados na figura 2. A figura 3 apresenta o diagrama palinológico de porcentagens dos principais tipos e famílias ao longo do perfil. O registro dos grupos ecológicos, a soma polínica, bem como os valores de concentração (grãos/cm 3 ) e de influxo (grãos/ cm/ano) são apresentados na figura 4. FIGURA 2 Fotomicrografias dos principais tipos polínicos e esporos identificados nas amostras. A - Bignoniaceae, B - Bombacaceae, C - Euphorbiaceae (Alchornea), D - Euphorbiaceae, E - Fabaceae, F - Malpighiaceae, G - Onagraceae (Ludwigia), H - Sapindaceae, I - Monolete psilado, J - Parkeriaceae (Ceratopteris), K - Trilete psilado. 44

Revista do Instituto Geológico, São Paulo, 33 (2), 41-48, 2012 FIGURA 3 Diagrama palinológico de porcentagem, mostrando os principais tipos e famílias, agrupados em floresta, brejos e pteridófitas. FIGURA 4 Diagrama palinológico mostrando as somas dos grupos ecológicos, idades radiocarbono e calibradas, litologia, valores de concentração e influxo polínicos e zonas palinológicas. A análise de cluster baseada na ocorrência dos palinomorfos de ambiente terrestre permitiu reconhecer duas zonas palinológicas: EST I e EST II. A Zona EST I (90 60 cm; 43.500 42.800 cal. anos A.P.) é marcada pela alta representação de elementos de floresta (88 92%), com destaque para Alchornea (6 12%), Fabaceae (6 12%), Euphorbiaceae (7 9%), Bombacaceae (5 9%), Malpighiaceae (4 6%), Malvaceae (4 6%) e Bignoniaceae (3 6%). Demais famílias representativas de floresta ocorrem em valores mais 45

Meneses et al. baixos (< 4% cada). O grupo ecológico de brejo apresenta baixos valores (2 6%), tendo como elemento principal o gênero Ludwigia, que varia de 1 a 6%, aumentando em direção à parte superior desta zona. Os valores de esporos de pteridófitas variam de 33 a 58%, sendo os triletes psilados (15 24%) os mais abundantes, seguidos pelos monoletes psilados (8 18%) e Ceratopteris da família Parkeriaceae (1 12%). Os valores de concentração polínica são estáveis nesta zona (6,760 12,420 grãos/cm 3 ), assim como os valores de influxo (282 519 grãos/cm 2 /ano). A Zona EST II (50 0 cm; 42.600 41.350 cal. anos A.P.), semelhantemente à zona anterior, é caracterizada pela abundância relativa de grãos de pólen de floresta (77 83%), devido à contribuição dos mesmos táxons, a saber, Alchornea (9 14%), Fabaceae (8 10%), Euphorbiaceae (7 10%), Bombacaceae (4 7%), Malpighiaceae (3 7%), Sapindaceae (3 6%), Bignoniaceae (3 5%) e Malvaceae (2 5%). Entretanto, os valores percentuais de pólen de floresta apresentam-se ligeiramente decrescentes em comparação à zona EST-I, devido ao aumento relativo verificado para o grupo de brejos (13 a 20%), em especial dos grãos de pólen de Ludwigia (9 16%). Poaceae e Asteraceae, que foram incluídas neste grupo, ocorrem em porcentagens mais baixas (< 5%). O grupo de pteridófitas apresenta valores entre 51 e 80%, sendo, portanto, maiores que na zona anterior, aumentando progressivamente em direção ao topo da camada, especialmente Ceratopteris (14 23%), seguidos de triletes psilados (16-28%) e monoletes psilados (12 18%). A concentração polínica é maior nesta zona (12,300 18,000 grãos/cm 3 ), assim como os valores de influxo (534 753 grãos/cm 2 /ano). 4 DISCUSSÃO E CONCLUSÕES A dominância de grãos de pólen das famílias polínicas Alchornea, Fabaceae, Euphorbiaceae, Bombacaceae, Malpighiaceae, Bignoniaceae, Malvaceae e Sapindaceae indica um ambiente local florestado, uma vez que a maioria destes tipos polínicos são zoófilos, ou seja, não percorrem grandes distâncias como os grãos polinizados pelo vento, representando assim a vegetação local e circundante. A presença de Alchornea, que é um gênero pioneiro, pode ainda sugerir tratar-se de um ambiente perturbado naturalmente sob regeneração. Este ambiente, provavelmente um lago de planície aluvionar circundado por floresta, foi se tornando cada vez mais raso devido ao processo natural de colmatação, conforme sugerido pelo aumento expressivo de pteridófitas, que podem ter colonizado o local em função da diminuição da lâmina d água. Além disso, o aumento de grãos de pólen de Ludwigia da família Onagraceae em direção ao topo da camada indica possível desenvolvimento local de um brejo ou outro ambiente de águas rasas, uma vez que este gênero, seja na forma de arbusto ou macrófita aquática, adapta-se bem a estes tipos de habitat. O aumento de Ceratopteris (Parkeriaceae) em direção ao topo da camada reforça essa interpretação, por se tratar de uma pteridófita típica de ambientes brejosos tropicais. Ao contrário de estudos realizados em outros locais da região amazônica sobre o Neopleistoceno, os dados obtidos neste trabalho não confirmaram a presença de tipos polínicos adaptados a climas mais frios (ex. Hedyosmum, Ilex, etc), tais como os encontrados nos sedimentos da Lagoa da Pata, extremo noroeste da Amazônia (BUSH et al. 2004). Também não foram identificados grãos de pólen exóticos como Alnus, proveniente dos Andes, que poderia alcançar a área de estudo através do transporte fluvial. De forma geral, pode-se inferir que o registro polínico desta área no período em questão representa a vegetação local. Além disso, está em conformidade com a vegetação moderna da região, atualmente encontrada na flora ciliar do rio Madeira. Entretanto, é conveniente ressaltar que os dados aqui apresentados são lateral e temporalmente descontínuos. Somente com a aquisição de mais informações, provenientes de outros locais, será possível a reconstituição das mudanças ambientais e climáticas na bacia do Rio Madeira, de forma a contribuir para o conhecimento da dinâmica das paisagens amazônicas e da América do Sul. 5 AGRADECIMENTOS Os autores agradecem à Energia Sustentável do Brasil S.A., pelo apoio dado para a apresentação de trabalhos e liberação dos dados para publicação, aos editores e aos revisores anônimos, pelas correções e melhorias sugeridas no manuscrito original. 6 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ABSY, M.L. 1979. Palynological study of Holocene sediments in the Amazon Basin. University of Amsterdam, Amsterdam, Thesis, 102 p. ABSY, M.L.; CLEEF A.L.M.; FOURNIER, M.; MARTIN, L.; SERVANT, M.; SIFEDDINE, A.; DA SILVA, M.F.; SOUBIÈS, F.; SUGUIO, K.; TURCQ, B.; VAN DER HAMMEN, T. 1991. Mise en évidence de quatre phase d ouverture de la forêt dense dans le sudest 46

Revista do Instituto Geológico, São Paulo, 33 (2), 41-48, 2012 del Amazonie au cours des 60 000 dernières années. Premiére comparaison avec d autres régions tropicales. C.R. Académie Science Paris, 312: 673-678. BEHLING, H.; HOOGHIEMSTRA, H. 2001. Neotropical savanna environments in space and time: Late Quaternary interhemispheric comparisons. In: V. Markgraf (ed.) Interhemispheric Climate Linkages, Academic Press, p. 307-323. BURBRIDGE, R.E.; MAYLE, F.E.; KILLEEN, T.J. 2004. Fifty-thousand-year vegetation and climate history of Noel Kempff Mercado National Park, Bolivian Amazon. Quaternary Research, 61: 215-230 BUSH, M.B.; DE OLIVEIRA, P.E.; COLINVAUX, P.A.; MILLER, M.C.; MORENO, J.E. 2004. Amazonian paleoecological histories: one hill, three watersheds. Palaeogeography, Palaeoclimatology, Palaeoecology, 214: 359-393. COLINVAUX, P.A.; DE OLIVEIRA, P.E.; MO- RENO, J.E.; MILLER, M.C.; BUSH, M.B. 1996. A long pollen record from lowland Amazonia: forest and cooling in glacial times. Science, 247: 85-88. COLINVAUX, P.A.; DE OLIVEIRA, P.E.; PATI- NO, J.E.M. 1999. Amazon Pollen Manual and Atlas. Harwood Academic Publishers, Singapore, 330 p. COLINVAUX, P.A.; DE OLIVEIRA, P.E.; BUSH, Y.M.B. 2000. Amazonian and neotropical plant communities on glacial time-scales: the failure of the aridity and refuge hypotheses. Quaternary Science Reviews 19: 141-169. ERDTMAN, G. 1952. Pollen morphology and plant taxonomy: Angiosperms. Almqvist & Wiksell, Stockholm, 539 p. FAEGRI K.; IVERSEN, J. 1989. Textbook of Pollen Analysis. John Wiley & Sons, New York, 328 p. GRIMM, E.C. 1987. CONISS: A Fortran 77 program for stratigraphically constrained cluster analysis by the method of the incremental sum of squares. Computer and Geosciences, 13: 13-35. HAFFER, J. 1969. Speciation in Amazonian forest birds. Science, 165: 131-37. MAYLE, F.E.; BURN, M.J.; POWER, M.; URREGO, D.H. 2009. Vegetation and fire at the Last Glacial Maximum in tropical South America. In: F. Vimeux, F. Sylvestre & M. Khodri (eds.) Past Climate Variability in South America and Surrounding Regions From the Last Glacial Maximum to the Holocene. Springer Science Business Media B. V, p. 89-112. PESSENDA, L.C.R.; GOMES, B.M.; ARAVENA, R.; RIBEIRO, A.S.; BOULET, R.; GOUVEIA, S.E.M. 1998. The carbon isotope record in soils along a forest-cerrado ecosystem transect: implication for vegetation changes in Rondônia State, southwestern Brazilian Amazon region. The Holocene, 8: 631-635. ROUBIK, D.W.; MORENO, J.E. 1991. Pollen and spores of Barro Colorado Island. Missouri Botanical Garden, 36, 270 p. STUIVER, M.; REIMER, P.J. 1993. Extended 14C database and revised CALIB radiocarbon calibration program. Radiocarbon, 35: 215-230. Endereço dos autores: Maria Ecilene Nunes da Silva Meneses, Laís Aguiar da S. Mendes, Milton José de Paula, Francisco Edinardo Ferreira de Souza e José Rafael Wanderley Benício Universidade Federal do Tocantins, Rua 15, Quadra 12, s/n, Setor Jardim dos Ipês, CEP 77500-000, Porto Nacional, TO. E-mails: mariaecilene @ yahoo.com.br, laisasmendes@gmail.com, miltonuft@yahoo.com.br, edinardo.souza@yahoo.com.br, rafaeljwbenicio @yahoo.com.br Etiene Fabbrin Pires Universidade Federal do Tocantins, Rua Teotônio Segurado, nº 150, Setor Jardim Brasília, CEP 77500-000, Porto Nacional, TO. E-mail: etienefabbrin@uft.edu.br 47

Meneses et al. Átila Augusto Stock Da Rosa Universidade Federal de Santa Maria, Avenida Roraima, 1000, Camobi, CEP 97105-900, Santa Maria, RS. E-mail: atila@smail.ufsm.br Luciano Artêmio Leal e Leomir dos Santos Campos Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia, Avenida José Moreira Sobrinho, S/N, Jequiezinho, CEP 45.206-190, Jequié, BA. E-mails: luciano.artemio@ gmail.com, leomirsxc@yahoo.com.br Artigo submetido em 10 de janeiro de 2013, aceito em 2 de outubro de 2013. 48