Conselho Regulador da Entidade Reguladora para a Comunicação Social. Deliberação 1/DJ/2010



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Transcrição:

Conselho Regulador da Entidade Reguladora para a Comunicação Social Deliberação 1/DJ/2010 Queixas do Sindicato dos Jornalistas e da Confederação Portuguesa dos Meios de Comunicação Social contra o Clube Desportivo Nacional da Madeira por alegada violação dos direitos dos jornalistas (acesso e recolha de imagens) Lisboa 17 de Fevereiro de 2010

Conselho Regulador da Entidade Reguladora para a Comunicação Social Deliberação 1/DJ/2010 Assunto: Queixas do Sindicato dos Jornalistas e da Confederação Portuguesa dos Meios de Comunicação Social contra o Clube Desportivo Nacional da Madeira por alegada violação dos direitos dos jornalistas (acesso e recolha de imagens) I. Exposição 1. No dia 27 de Agosto de 2009 deram entrada duas queixas subscritas, respectivamente, pela Confederação Portuguesa dos Meios de Comunicação Social (doravante, CPMCS e pelo Sindicado dos Jornalistas (doravante, SJ ), por alegada violação do direito de acesso dos jornalistas às fontes de informação. 2. Na Queixa apresentada pela CPMCS, refere esta organização que as equipas de televisão nacionais e estrangeira que pretendiam recolher imagens do jogo Nacional da Madeira/Zenit foram impedidas de o fazer por dirigentes do clube. 3. Acrescenta ainda que, segundo declarações do Presidente do Nacional da Madeira, serão aplicadas limitações semelhantes aos jogos da Liga Sagres em que o Clube esteja envolvido. 4. Neste seguimento argumenta a CPMCS que está em causa uma violação dos Direitos que assistem aos órgãos de comunicação social consagrados designadamente no artigo 29º da lei da Televisão (direito a estratos informativos). Considera a CPMCS que o acto configura um crime e é passível de contra-ordenação. 5. No mesmo dia também foi também recebida uma participação do SJ, reportando-se essencialmente aos mesmos factos. Na exposição que efectua o SJ imputa ao Presidente do Nacional da Madeira as seguintes afirmações: 1

Relativamente às televisões que não têm contrato nenhum para a transmissão dos jogos, o Nacional limitará a presença das câmaras a três minutos durante os seus espectáculos desportivos A lógica de que se filmará o jogo para fazer um resumo de três minutos não colhe. Os jornalistas passarão a entrar no estádio da Madeira para fazerem três minutos de cobertura do espectáculo desportivo, menos aqueles que têm contrato e pagam ao Nacional para desenvolver o seu espectáculo. 6. Alega o SJ que tais medidas constituirão uma violação ostensiva do direito de acesso à informação (artigos 9º e 10º do Estatuto do jornalista) e corresponderão à prática de um atentado à liberdade de informação (artigo 19º do Estatuto do jornalista). 7. Assinala ainda o SJ a violação iminente da garantia legal de recolha de imagens para efeitos de cobertura informativa de eventos que podem ser objecto de direitos exclusivos de transmissão (artigo 33º da Lei da Televisão). II. Posição do denunciado 1. O Clube Desportivo Nacional da Madeira veio pronunciar-se sobre a matéria de queixa, ao abrigo do exercício do contraditório, no dia 18 de Setembro de 2009. 2. Em primeiro lugar esclarece o Denunciado que as queixas apresentadas, respectivamente, pelo CPMCS e pelo SJ estão completamente destorcidas da realidade, pois em tempo ou situação alguma o Clube Desportivo Nacional da Madeira, ou algum seu dirigente, violou o direito à informação, conforme vem referido no ofício do Sindicato dos jornalistas ( ) todo e qualquer jornalista cuja credenciação foi solicitada previa e atempadamente, teve total liberdade para exercer. 3. Prossegue referindo que a recolha de imagens de um evento desportivo é autorizada pela sua entidade organizadora, ou gratuitamente ou mediante pagamento pela utilização da imagem do clube, dos seus jogadores e do próprio jogo. 2

4. Sublinha o Nacional da Madeira que o jogo com o Zenit desenrolou-se no âmbito da Liga da Europa, a transmissão televisiva tem regras próprias, em total respeito e integral cumprimento da lei da concorrência. 5. Reafirma o direito à informação não foi vedado, nem a recolha de imagens o foi apenas foram colocadas algumas condições à sua recolha, o que é legítimo, porque ninguém está obrigado a ceder gratuitamente o único produto que tem para venda. 6. Por último, no referente à aplicabilidade do artigo 33º da Lei da Televisão defende que o mesmo refere-se a eventos públicos e não a eventos desportivos, que são privados, com permissão de acesso de público em geral mediante a aquisição de ingresso válido. Continua, citando o n,º 2 do referido preceito, onde se lê. o exercício do direito à informação previsto no número anterior, os operadores podem utilizar o sinal emitido pelos titulares dos direitos de exclusivos, suportando apenas os custos que eventualmente decorram da sua disponibilização, ou recorrer, em alternativa, à utilização de meios técnicos próprios, nos termos legais que asseguram o acesso dos órgãos de comunicação social a locais públicos. No entendimento do Denunciado, a parte final do preceito legal vem clarificar a sua aplicabilidade a locais públicos. 7. Conclui, afirmando que não restam dúvidas sobre a inaplicabilidade do referido preceito ao caso concreto, não tendo o Clube Desportivo Nacional da Madeira violado qualquer direito dos jornalistas ou de acesso destes à informação. III. Outras Diligências 1. Medidas preliminares A. Emissão de comunicado à imprensa A Entidade Reguladora para a Comunicação Social manifestou, em comunicado emitido a 28 de Agosto, a sua profunda preocupação com as declarações proferidas pelo Presidente do Clube Desportivo Nacional da Madeira acerca de restrições que este clube teria a intenção de adoptar, no tocante à captação de imagens pelos operadores televisivos dos jogos a disputar no seu estádio. 3

A ERC reafirmou a sua determinação em garantir que a recolha de imagens com vista à difusão de extractos informativos seja feita em condições técnicas e de acesso que permitam que os serviços informativos não sejam prejudicados para efeitos de percepção do conteúdo essencial dos eventos que reportam. O Conselho Regulador declarou ainda que esta medida (limitar os operadores televisivos que não tenham contrato para a transmissão dos jogos a uma presença de apenas três minutos durante os seus espectáculos desportivos), pela sua repercussão imediata no direito à informação, bem como pelos seus efeitos perniciosos na liberdade editorial, justificaria a intervenção da ERC. 2. Audiência de conciliação 1. No dia 8 de Outubro de 2009, foi realizada, pelas 15h00, nos termos do artigo 57.º dos Estatutos da ERC, aprovados pela Lei n.º 53/2005, de 8 de Novembro, uma audiência de conciliação na qual participaram, na qualidade de Queixoso, o Secretário-Geral da Confederação Portuguesa dos Meios de Comunicação Social, acompanhado por Advogado e o Clube Desportivo Nacional da Madeira, na qualidade de Denunciado, o qual se fez representar por Advogada. 2. Estiveram ainda presentes na audiência dois representantes do Sindicato dos Jornalistas. 3. Aberta a audiência de conciliação pelas 15:00 horas, foi dada a palavra às partes, as quais dialogaram sobre os contornos do litígio. Todavia, não lograram alcançar um entendimento que permitisse sanar o diferendo na origem da apresentação da Queixa. 4. Os Queixosos reafirmaram a matéria inscrita na Queixa apresentada. O Denunciado fez alusão aos argumentos constantes da sua Oposição, sendo sua convicção que os limites impostos à recolha de imagens dos jogos realizados no estádio do Nacional da Madeira (matéria no centro do litígio) são legítimos. 4

IV. Normas Aplicáveis Para além dos dispositivos estruturantes fixados no n.º 1 do artigo 37.º e alínea b) do n.º 2 do artigo 38.º da Constituição da República Portuguesa, as normas aplicáveis ao caso vertente são as previstas nos n.º s 1, 2 e 4 do artigo 9.º, n.º s 1 e 2 do artigo 10.º e n.º 1 do artigo 19.º do Estatuto do Jornalista, em conjugação com o disposto nas alíneas a) e d) do artigo 8.º e alínea c) do n.º 3 do artigo 24.º dos Estatutos da ERC. Aplica-se também o disposto da Lei 27/2007, de 30 de Julho (Lei da Televisão ou LTV ), em especial no respeita à matéria disciplinada no artigo 33º deste preceito legal. V. Análise e Fundamentação 1. O direito de acesso dos jornalistas e o seu exercício encontram-se salvaguardados nos n.º s 1 e 2 do artigo 9.º e n.º s 1 e 2 do artigo 10.º do Estatuto do Jornalista, disposições que emanam do n.º 1 do artigo 37.º e alínea b) do n.º 2 do artigo 38.º da Constituição da República Portuguesa, tendo o seu enquadramento no conjunto dos direitos, liberdades e garantias consagrados neste texto fundamental. 2. À luz do contexto jurídico supra referido, importa analisar duas factualidades distintas. Em primeiro lugar, decidir-se-á sobre a legalidade, ou não, do impedimento à recolha de imagens no jogo, para a Liga Europa, entre o Clube Desportivo Nacional da Madeira e o Zenit. O segundo aspecto alvo de análise reporta-se à verificação da conformidade das alegadas regras de recolha de imagens que o Presidente do Clube anunciou com o disposto na Lei da Televisão. 3. Ora, com respeito ao jogo de futebol realizado no Estádio do Nacional da Madeira, onde o clube defrontou o Zenit, os operadores de televisão que se apresentaram nas instalações do Nacional da Madeira foram impedidos, conforme alega o CPMCS, de recolher imagens. 4. O Nacional da Madeira, na defesa apresentada, não nega esta factualidade. Discorda, contudo, que tenha violado o direito de acesso dos jornalistas à informação. 5

Não foi o direito à informação que foi vedado, mas apenas a recolha de imagens foi, de certo modo, condicionada, explicita o Denunciado. 5. A liberdade de informação, a qual compreende o direito à informação, é concebida como a liberdade de procurar, difundir e receber livremente informações e opiniões (neste sentido, cfr. Parecer n.º 17/93 da Procuradoria Geral da República, in Procuradoria - Geral da República, Pareceres, Vol. III, Direito e desporto, 1998, pág. 299). 6. No ordenamento interno o direito à informação recebe tutela constitucional, com densificação infra-constitucional. A própria liberdade de imprensa tende a configurar-se como uma forma do direito de informar. A comunicação social tem uma forma e um contexto precisos, a informação quer-se rica, rigorosa e verdadeira. Os órgãos de comunicação social, enquanto veículos de informação, estão ao serviço do público e satisfazem um interesse público. Esta dimensão suporta o correlativo direito de acesso às fontes de informação, a uma informação objectiva, verdadeira e possível. 7. No caso, a limitação da possibilidade de recolha de imagens por cada um dos operadores de televisão levaria, no limite, a que todos eles tivessem de recorrer a imagens gravadas pelo próprio Clube Desportivo Nacional da Madeira, ou pelo detentor do exclusivo de transmissão (caso o houvesse). Semelhante condicionalismo reduz a diversidade de conteúdos e conduz ao empobrecimento da qualidade da informação que é veiculada ao público. A cobertura do mesmo evento por diferentes órgãos de comunicação social aumenta o pluralismo informativo. 8. Ademais, o direito à informação não assegura unicamente o direito a receber a informação; tutela, também o direito a procurar essa informação, a seleccioná-la e a captá-la segundo o critério editorial de interesse e relevância que o próprio órgão lhe confere. Sendo certo que, quando não tenha os direitos de transmissão sobre um determinado espectáculo, o órgão de comunicação social apenas pode transmitir extractos informativos. Este direito compreende necessariamente a faculdade de seleccionar, captar e trabalhar esses extractos. O órgão de comunicação social que esteja nesta posição pode optar por usar imagens do titular do exclusivo, ou para o efeito deslocar ao local uma equipa própria. Todavia, a opção é sua e não pode ser restringida, salvo condições logísticas excepcionais, pelo organizador do espectáculo. Não colhe o 6

argumento utilizado pelo Denunciado que pugna pela existência da possibilidade de recolha de imagens próprias apenas em lugares públicos. A parte final do artigo 33º, n.º 2, da LTV é uma remissão para a lei que regula a matéria de acesso, ou seja, para as disposições correspondentes do Estatuto do Jornalista não visa estabelecer um regime diferenciado. 9. Quando estejam contratualizados os direitos de transmissão do jogo de futebol, e, por via desse acordo, determinado operador detenha o exclusivo de transmissão televisiva do espectáculo, ainda assim o exclusivo é limitado por força do direito à informação. A lei procura uma conjugação justa e equitativa dos interesses em confronto, conforme referido na Deliberação n.º 3/OUT-TV/2009 [n]ão merece igualmente discussão a circunstância de o direito a informar, quando incide sobre eventos objecto de direitos exclusivos, se encontrar sujeito a limites que procuram o justo equilíbrio entre os dois direitos concorrentes. Do artigo 33.º da Lei da Televisão, e quanto a esta matéria, retira-se ainda um princípio de suficiência, isto é, que o direito a informar deve ser exercido obedecendo a um critério estrito de produção da informação que atende à percepção do conteúdo essencial dos acontecimentos em questão (alínea a) do n.º 3 do artigo 33.º da Lei da Televisão), e que, do lado do titular dos direitos exclusivos, não deverá haver oposição ao exercício do direito a extractos informativos nem a cobrança de qualquer tipo de contrapartida a não ser a que, eventualmente, decorra da disponibilização do sinal. Com efeito, a lei procura regular as limitações impostas ao titular do exclusivo, dispondo ainda sobre a duração do extracto, a natureza dos programas, a oportunidade da sua difusão e a identificação da fonte. 10. Importa, todavia, precisar que a matéria que aqui nos ocupa coloca problemas enquadráveis num prisma paralelo. Na verdade, nenhum dos operadores se sente prejudicado nas situações em que existe concessão do exclusivo a uma determinada entidade, exercendo o direito a extractos informativos de acordo com o disposto na Lei da Televisão. 11. A questão que aqui se coloca incide sobre o núcleo mais sensível desta problemática: a compatibilização do direito ao espectáculo com o direito à informação. É indiscutível que o Clube Desportivo Nacional da Madeira, enquanto responsável e 7

organizador do espectáculo desportivo, comercializa um bem economicamente valioso, correspondente ao aproveitamento do espectáculo, seja através da cobrança de um valor àqueles que pretendam assistir presencialmente ao espectáculo, seja através da comercialização da exploração audiovisual desse espectáculo. 12. O direito ao espectáculo pertence ao organizador do evento e tem um conteúdo essencialmente negativo: o de impedir que terceiros desfrutem do espectáculo sem a sua autorização. O objecto do direito consiste no próprio espectáculo enquanto bem incorpóreo. Para o que aqui importa, de entre as faculdades inerentes ao titular do espectáculo compreende-se a possibilidade de autorizar a radiodifusão televisiva do objecto sobre o qual incide o seu direito de exclusivo. 13. Sabendo isto, há que passar à problemática da conjugação de diferentes direitos subjectivos. Conforme OLIVEIRA ASCENSÃO, nenhum direito é absoluto, no sentido de que o seu conteúdo possa ser tratado abstraindo doutros direitos igualmente tutelados pela ordem jurídica (cfr. Ascensão, José de oliveira, Direito à Informação e Direito ao espectáculo, publicado na Revista da Ordem dos Advogados, Ano 48, 1988, Lisboa, pp. 15-35). Assim, e embora não se discuta que assiste ao titular do direito ao espectáculo o poder de restringir o acesso a esse espectáculo, não o pode fazer em termos absolutos, isto é, em moldes que aniquilem o respeito pelo direito à informação. Estando em causa dois direitos fundamentais, a sua restrição obedecerá ao princípio da proporcionalidade e da adequação, não podendo aniquilar-se um deles em função do outro. 14. Foi essa conjugação que a Lei da Televisão procurou fazer ao regular, no artigo 33º, não só as situações em que as transmissões de espectáculos tenham sido acordadas, mas também aquelas onde os direitos de radiodifusão não foram negociados. Note-se a redacção do artigo 33º, n.º 1 da LTV, o qual prescreve que [o]s responsáveis pela realização de espectáculos ou outros eventos públicos que ocorram em território nacional, bem como os titulares de direitos exclusivos que sobre eles incidam, não podem opor-se à transmissão de breves extractos dos mesmos, de natureza informativa, por parte de qualquer operador de televisão, nacional ou não. 15. O direito à informação está consagrado na nossa Constituição: prescreve o artigo 38º, n.º 1, do texto fundamental que é garantida a liberdade de imprensa, 8

especificando o n.º 2 que essa liberdade implica, entre outros aspectos, o direito dos jornalistas, nos termos da lei, ao acesso às fontes de informação. 16. Também o direito de acesso à informação não é absoluto, antes deve ser compaginado com as prerrogativas dos titulares do direito ao espectáculo ou dos titulares de direitos de propriedade sobre determinado espaço não aberto ao público. A Constituição remete para a lei ordinária a determinação dos modos de acesso às fontes de informação. 17. Por sua vez, nos termos da lei ordinária, o direito de acesso dos jornalistas é garantido por uma protecção específica. De acordo com artigo 9º, n.º 1, do Estatuto do Jornalistas, os jornalistas têm o direito de acesso a locais abertos ao público desde que para fins de cobertura informativa. O número seguinte prevê uma extensão deste regime aos locais que, embora não acessíveis ao público, sejam abertos à generalidade da comunicação social. No caso, não se recolheram indícios de que o Clube Desportivo Nacional da Madeira tenha actuado de forma discriminatória. As ditas regras de recolha de imagem aplicam-se, segundo os dados do processo, a todos os operadores de televisão. Mas, ainda assim, pode considerar-se que a actividade destes agentes está limitada. Com efeito, sempre que os eventos estejam abertos à generalidade da comunicação social, a todos os órgãos deve ser facultado o acesso ao evento para fins de cobertura informativa. Permitir o acesso dos operadores de televisão, sem permitir a recolha de imagens é conceder um acesso meramente formal, pois os agentes estão impedidos de seleccionar e trabalhar conteúdos audiovisuais. Atente-se, a este propósito, no disposto no artigo 10º, n.º 2, do Estatuto do Jornalista, o qual prevê que para a efectivação do direito previsto no número anterior [exercício do direito de acesso], os órgãos de comunicação social têm direito a utilizar os meios técnicos e humanos necessários ao desempenho das suas funções. 18. Ademais, quando a CRP remete para lei ordinária a efectivação da garantia do acesso às fontes de informação, essa referência inclui naturalmente a Lei da Televisão, a qual, como se viu, tutela o direito de acesso à informação, conjugando-o com o direito ao espectáculo. 9

19. Pretendeu-se na presente Deliberação clarificar a matéria e demonstrar que os interesses de ambas as partes são atendíveis. Todavia, a questão é de simples resolução, uma vez que foi alvo de clara regulação legal. 20. O Clube Desportivo Nacional da Madeira tem o direito de contratualizar a transmissão, em exclusivo, dos seus jogos com quem entender. O titular do direito ao espectáculo não é, nem poderia ser, espoliado da exploração económica do objecto tutelado. Todavia, a exploração económica do espectáculo não pode ser protegida ao ponto de impedir o acesso do público à notícia da sua realização, através de extractos que reproduzam o conteúdo nuclear do evento. 21. O direito a extractos informativos permite a recolha de imagens que, até pela sua duração, servem mormente para ilustrar a realização do espectáculo e dar notícia ao público da sua realização e aspectos de caracterização essencial. Num jogo de futebol esta distinção é claríssima: é inconfundível a transmissão de 90 minutos de um jogo de futebol, da integralidade do espectáculo (algo que só pode ocorrer com a autorização do titular do direito ao espectáculo), com alguns segundos que ilustram apenas determinados momentos, os quais, como a própria designação legal indica, são apenas extractos informativos, são momentos fraccionados de um espectáculo que são, por esta via, levados ao conhecimento do público, e não o próprio espectáculo na sua integralidade. 22. Da exposição efectuada resulta claro que não assiste ao Clube Desportivo Nacional da Madeira o direito a restringir o exercício por parte dos operadores de televisão do direito a extractos informativos. Acrescente-se que o n.º 2 do artigo 33º especifica que os operadores têm o direito de utilizar meios técnicos próprios na recolha dos de extractos informativos. A recolha por meios técnicos próprios não está, nos termos da lei, limitada temporalmente. Não pode o Clube Desportivo Nacional da Madeira impor essa limitação. Os operadores de televisão podem legalmente fazer a recolha de imagens referentes a todo o espectáculo, todavia só lhes será permitida a exibição de pequenos extractos com a duração legalmente prevista (salvo acordo das partes em contrário). A selecção das imagens que irão integrar o extracto informativo faz parte da liberdade editorial de cada operador de televisão. Aliás, a própria ratio legis do preceito aponta para a garantia desta liberdade. Os extractos informativos são 10

salvaguardados enquanto limitações ao exercício dos direitos de exclusivo dos titulares do direito ao espectáculo, em homenagem ao direito à informação. Em última análise, porque existe um interesse público em saber sobre o desenvolvimento daquele evento. Só após o decurso do espectáculo - e não em simultâneo com a sua realização - é possível aos operadores televisivos determinar quais os momentos que são jornalisticamente relevantes e devem, em consequência, ser levados ao conhecimento do público. 23. Note-se que a violação dos condicionalismos previstos no artigo 33º da LTV, de onde destacamos, pela importância para o caso, o respeito pelas limitações legais à duração dos extractos, é passível de contra-ordenação grave, nos termos do artigo 76º, n.º 1 da LTV. Por esta via protegem-se os interesses dos organizadores do espectáculo, não podendo estes, como medida de defesa preventiva, limitar a duração de recolha de imagens, nem se compreendendo que o façam em face da existência de procedimento contra-ordenacional para a violação do artigo 33º, n.º 3º, da LTV. 24. A relevância do direito de acesso dos jornalistas, enquanto manifestação do direito a informação, é tal que o ordenamento jurídico o compreende como um bem digno de tutela penal. Consta do artigo 19º do Estatuto do Jornalista a cominação da violação do disposto no artigo 9º, n.ºs. 1 e 2 (direito de acesso), com responsabilidade criminal. Também a Lei da Televisão prevê disposições criminais para quem atente contra a liberdade de informação (cfr. artigo 74º da LTV). Não compete à ERC averiguar sobre o preenchimento de qualquer destes ilícitos criminais. Não obstante, por força do artigo 67º, n.º 3, dos seus Estatutos, a ERC está obrigada a reportar às autoridades competentes potenciais ilícitos criminais de que tome notícia. Por esta razão, deve ser dado conhecimento das matérias em causa ao Ministério Público, atendendo ao comportamento do Clube Desportivo Nacional da Madeira no encontro de futebol com o clube Zenit. 11

VI. Deliberação O Conselho Regulador da ERC delibera, ao abrigo do disposto nas alíneas a) e d) do artigo 8º, alínea c) do nº 3 do artigo 24º e artigo 58º dos Estatutos anexos à Lei n.º 53/2005, de 8 de Novembro: 1. Considerar procedentes as queixas que lhe foram submetidas relativamente ao Clube Desportivo Nacional da Madeira, no respeitante à garantia do acesso a extractos informativos; 2. Participar os factos ao Ministério Público para efeitos do apuramento da eventual responsabilidade penal dos agentes envolvidos, ao abrigo do disposto nas alíneas a) e d) do artigo 8º, e nº 3 do artigo 67º dos seus Estatutos, que impõem à ERC o dever de assegurar o livre exercício do direito à informação e à liberdade de imprensa e de garantir o respeito pelos direitos, liberdades e garantias a ele associados. Lisboa, 17 de Fevereiro de 2010 O Conselho Regulador José Alberto de Azeredo Lopes Elísio Cabral de Oliveira Luís Gonçalves da Silva Maria Estrela Serrano Rui Assis Ferreira 12