A formação da nação de Israel abordagem histórica e política



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Transcrição:

A formação da nação de Israel abordagem histórica e política A ação de Deus pode ser percebida no processo de formação da nação israelita, mesmo que se faça uma abordagem histórica e política deste tema? A resposta é: depende. E antes que alguém possa se escandalizar, tento esclarecer: Alguém, certa feita, disse que para quem não tem fé, nenhuma explicação é suficiente; já para quem tem, nenhuma explicação é necessária. Ou seja, a ação de Deus somente poderá ser percebida através dos olhos da fé, pois, sabidamente, é possível explicar a formação de Israel através da história secular, como inúmeros estudiosos fizeram, fazem e farão. Obviamente, este tipo de abordagem passa por uma desqualificação da fonte bíblica, e como para este trabalho a narrativa bíblica é pressuposto verdadeiro e inquestionável, a argumentação que segue, sim, assume o propósito e a ação de Deus como o fio condutor de toda formação da nação de Israel. Por outro lado, não precisamos cair no extremismo de afirmar que nenhuma explicação é necessária.... Na verdade, a intenção deste breve trabalho é trilhar um caminho do meio, onde Deus age na História, mas não a invalida. E onde é possível até mesmo identificar fatores naturais e lógicos que determinaram a transformação de uma promessa, feita a um homem, em um povo numeroso, que formou um dos impérios mais prósperos da antiguidade. O povo de um homem só Podemos afirmar que a referência mais antiga ao povo de Israel se encontra no capítulo 12.1-3 do livro de Gênesis, quando Deus promete transformar a vida de um homem chamado Abrão: Ora, o SENHOR disse a Abrão: Sai-te da tua terra, da tua parentela e da casa de teu pai, para a terra que eu te mostrarei. E far-teei uma grande nação, e abençoar-te-ei e engrandecerei o teu nome; e tu serás uma bênção. E abençoarei os que te abençoarem, e amaldiçoarei os que te amaldiçoarem; e em ti serão benditas todas as famílias da terra. Teologicamente, este momento marca uma mudança na revelação de Deus ao homem, quando Ele se afasta da humanidade como um todo e se volta especificamente para um homem e, principalmente, para sua descendência. Entretanto, na prática, até este momento Israel não passava de uma promessa que gerou uma esperança (alguns diriam convicção...) no coração de um homem. Esta esperança, que daqui para frente chamaremos de fé, foi tão impactante que moveu Abrão a deixar Harã, uma cidade

desenvolvida para os padrões da época, e começar uma jornada através do deserto em direção a Canaã, a terra prometida. Antonio Gusso, em Panorama Histórico de Israel, faz uma observação interessante: Abraão havia recebido a promessa divina de que possuiria a terra de Canaã mas, de fato, ele mesmo nunca a possuiu, isto ficou para seus descendentes muitos séculos mais tarde. Isso quer dizer então que a promessa não se cumpriu? Segundo Gusso, não é bem assim. Ele lembra que os chamados Patriarcas não viam a vida após a morte como um cristão atualmente vê. Para eles quando o descendente recebesse o cumprimento da promessa, também o seu ascendente a receberia. Nesta época, cerca de 2000 a.c., o mundo onde vivia Abrão era marcado pela presença de duas regiões prósperas, situadas em vales pluviais: O Egito, banhado pelo Nilo; e a Mesopotâmia, pelos rios Tigre e Eufrates. Entre estes dois territórios, como ressalta o Atlas da Bíblia Paulus, se formou uma série de cidades fortificadas e pequenos reinos, por onde circulavam diversos grupos nômades ou seminômades buscando boas pastagens para seus rebanhos. Abrão, sua família e seus empregados formavam um destes grupos, que não tinham exatamente um paradeiro fixo, mas passavam um bom tempo em um mesmo lugar. Isso provavelmente permitia a criação de gado miúdo e comércio com outras tribos ou comunidades que estavam na mesma situação de peregrinação pelo deserto. Do filho da promessa ao cativeiro egípcio Somente com o nascimento de Isaque a promessa feita ao agora chamado Abraão começou a tomar forma, conforme narra o capítulo 21.1-3 de Gênesis: E o SENHOR visitou a Sara, como tinha dito; e fez o SENHOR a Sara como tinha prometido. E concebeu Sara, e deu a Abraão um filho na sua velhice, ao tempo determinado, que Deus lhe tinha falado. E Abraão pôs no filho que lhe nascera, que Sara lhe dera, o nome de Isaque. Existe algo mais natural do que o nascimento de uma criança? Provavelmente não, desde que seus pais não tenham em torno de 100 anos... Como o texto ressalta, tudo acontece como Deus tinha dito, como Deus tinha falado e como Deus havia prometido. Sem dúvida, tratava-se de Deus agindo na História para formar uma nação, no caso de Isaque, em uma intervenção claramente sobrenatural. Isaque é o patriarca de quem menos se tem informações. Fora ser citado como exemplo de prosperidade por teologias interessadas no assunto, ele não recebe grande destaque no texto bíblico. O fundamental, entretanto, é que nele Deus renovou a promessa feita a Abraão, conforme Gênesis 26.2-5:

E apareceu-lhe o SENHOR, e disse: Não desças ao Egito; habita na terra que eu te disser; Peregrina nesta terra, e serei contigo, e te abençoarei; porque a ti e à tua descendência darei todas estas terras, e confirmarei o juramento que tenho jurado a Abraão teu pai; E multiplicarei a tua descendência como as estrelas dos céus, e darei à tua descendência todas estas terras; e por meio dela serão benditas todas as nações da terra; Porquanto Abraão obedeceu à minha voz, e guardou o meu mandado, os meus preceitos, os meus estatutos, e as minhas leis. E foi em um dos episódios mais conhecidos da vida de Isaque quando é ludibriado pelo caçula Jacó - que Deus mostra que o cumprimento desta promessa independe dos mandos e desmandos dos homens. Mesmo quando o herdeiro legítimo, Esaú, troca a benção por um prato de lentilhas, Deus usa a vida de um salafrário para levar a cabo Seu plano eterno, como diz Gênesis 28.10-15: Partiu, pois, Jacó de Berseba, e foi a Harã; E chegou a um lugar onde passou a noite, porque já o sol era posto; e tomou uma das pedras daquele lugar, e a pôs por seu travesseiro, e deitou-se naquele lugar. E sonhou: e eis uma escada posta na terra, cujo topo tocava nos céus; e eis que os anjos de Deus subiam e desciam por ela; E eis que o SENHOR estava em cima dela, e disse: Eu sou o SENHOR Deus de Abraão teu pai, e o Deus de Isaque; esta terra, em que estás deitado, darei a ti e à tua descendência;e a tua descendência será como o pó da terra, e estenderse-á ao ocidente, e ao oriente, e ao norte, e ao sul, e em ti e na tua descendência serão benditas todas as famílias da terra; E eis que estou contigo, e te guardarei por onde quer que fores, e te farei tornar a esta terra; porque não te deixarei, até que haja cumprido o que te tenho falado. Jacó, aliás, mereceria um capítulo a parte, mas como o tempo não permite, apenas lembraremos que a renovação da promessa veio antes do conhecido episódio do ribeiro de Jaboque. Ou seja, a promessa veio antes até mesmo do que poderíamos chamar de a conversão de Jacó. E Deus continuava a agir na História. Através de um pai Jacó, rebatizado Israel - que fazia acepção entre os filhos, e de muitos irmãos cheios de inveja e raiva, Deus permitiu que um jovem vendido como escravo no Egito chegasse a uma das mais altas posições de comando em um dos mais poderosos povos da antiguidade. José foi o instrumento que Deus utilizou para acolher sua própria família em tempos de fome, o que garantiu a sobrevivência do que no futuro seria a nação israelita. O próprio José reconhece a poderosa mão de Deus coordenando todos estes acontecimentos em Gênesis 45.7-8:

Pelo que Deus me enviou adiante de vós, para conservar vossa sucessão na terra, e para guardar-vos em vida por um grande livramento. Assim não fostes vós que me enviastes para cá, senão Deus, que me tem posto por pai de Faraó, e por senhor de toda a sua casa, e como regente em toda a terra do Egito. Finalmente, um povo Como sabemos, a família de Israel se estabeleceu no Egito e cresceu em número, formando o que poderíamos chamar de povo. Durante séculos eles viveram bem em solo egípcio, acolhidos pelas autoridades locais. Entretanto, a bíblia cita que em um determinado momento a situação política mudou naquelas bandas, assumindo o poder um rei que não conhecia a história de José. O historiador Antônio Gusso defende a tese de que uma dinastia realmente egípcia tenha voltado ao poder, destronando os antigos monarcas, possivelmente de origem estrangeira. Segundo ele, existem boas chances do faraó opressor ser o famoso Ramsés II. O fato é que de hóspedes, os israelitas se transformam em escravos, e passam cerca de 400 anos executando trabalhos pesados para os egípcios. Neste contexto, surge o libertador, ou, de acordo com nossa abordagem, o novo porta-voz da promessa de Deus, Moisés, o profeta que via a Deus face a face (música para entrada triunfal...). O texto de Êxodo 3.6-10 relata o primeiro de muitos diálogos que Moisés teve com o Senhor: Disse mais: Eu sou o Deus de teu pai, o Deus de Abraão, o Deus de Isaque, e o Deus de Jacó. E Moisés encobriu o seu rosto, porque temeu olhar para Deus. E disse o SENHOR: Tenho visto atentamente a aflição do meu povo, que está no Egito, e tenho ouvido o seu clamor por causa dos seus exatores, porque conheci as suas dores. Portanto desci para livrá-lo da mão dos egípcios, e para fazê-lo subir daquela terra, a uma terra boa e larga, a uma terra que mana leite e mel; ao lugar do cananeu, e do heteu, e do amorreu, e do perizeu, e do heveu, e do jebuseu. E agora, eis que o clamor dos filhos de Israel é vindo a mim, e também tenho visto a opressão com que os egípcios os oprimem. Vem agora, pois, e eu te enviarei a Faraó para que tires o meu povo (os filhos de Israel) do Egito. Assim como Abraão se tornou o pai da fé porque creu na promessa, Moisés se tornou provavelmente a figura mais importante do Antigo Testamento porque conduziu um povo para a liberdade em um dos mais impressionantes relatos sobre migrações da

história. Estima-se em milhões o número dos descendentes de Israel que deixaram as terras do Nilo. Tudo isso, mais uma vez, por causa de uma promessa. Por mais dramática que possa ser a experiência de se viver como escravo, é inegável que o cativeiro teve um papel fundamental na formação daquilo que viria a ser a nação israelita. É bem razoável admitir que neste período, em função da segregação forçada pela escravidão, a família de Israel tenha consolidado o princípio de se reconhecer como um outro povo, que não aquele que o estava oprimindo. De alguma forma, é possível que a dor tenha mantido esta grande família sem miscigenar-se, o que fortaleceu sua identidade, apesar de estar sujeita a natural influência da cultura egípcia. Certamente, eles não conseguiam enxergar tudo isso. Um povo oprimido estava mais preocupado em se livrar das algemas do que entender o processo que um dia o levaria a se tornar uma nação. Felizmente, os propósitos de Deus nunca dependeram da compreensão do homem para serem cumpridos. No deserto, uma nação Quantas foram as mensagens pregadas, reflexões elaboradas, músicas compostas e livros escritos por cristãos de todas as gerações sobre a épica jornada dos hebreus e seu grande líder, Moisés, pelo deserto de Parã? Ninguém sabe. O mar se abrindo, a coluna de fogo, a nuvem, o Maná... Como lembra o pastor Paulo Bohn em seu livro Antigo Testamento, uma visão ao seu alcance, trata-se de um tempo único para a descendência de Israel, com intenso cuidado e revelação de Deus, mas também de purificação de um povo formado com uma mentalidade de escravo. Por várias vezes é acusado de ser um povo de dura cerviz, ou seja, teimoso e insubmisso. A incredulidade demonstrada no conhecido episódio dos espias - fez com que um trajeto que poderia ser concluído em 40 dias levasse 40 anos. Neste período, com exceção de Calebe e Josué, todos os homens com mais de 20 anos pereceram, dando origem a uma nova geração, capaz de se reconhecer como nação. O meio que Deus utilizou para estabelecer esta nação Teocrática foi, especialmente, um código legal, que hoje chamamos de Lei Mosaica, composta de uma lei moral e outra cerimonial. Dentre estas normas, uma série de instruções sobre o culto e a construção de um lugar para realizá-lo, chamado Tabernáculo. Antônio Gusso ressalta que apesar das dificuldades, foi no deserto que Israel passou a agir como uma nação. Era um povo organizado, que agia em conjunto, tinha um líder Moisés mas, principalmente, estava unido pelo mesmo Deus que adorava. Não há dúvida que foi neste período que Israel se firmou como povo e desenvolveu a sua religião. Deuteronômio 26.16-18 retrata bem esta realidade:

Neste dia, o SENHOR teu Deus te manda cumprir estes estatutos e juízos; guarda-os pois, e cumpre-os com todo o teu coração e com toda a tua alma. Hoje declaraste ao SENHOR que ele te será por Deus, e que andarás nos seus caminhos, e guardarás os seus estatutos, e os seus mandamentos, e os seus juízos, e darás ouvidos à sua voz. E o SENHOR hoje te declarou que tu lhe serás por seu próprio povo, como te tem dito, e que guardarás todos os seus mandamentos. A terra da promessa Por definição, um povo só se torna uma nação quando tem um pedaço de terra para chamar de seu. Para fins didáticos, portanto, poderíamos afirmar que Israel era uma nação sem pátria. Felizmente, desde que anunciou Seu plano ao bom e velho Abraão, 600 anos antes, Deus já tinha avisado que o Seu povo não seria um povo sem terra. E coube ao braço direito de Moisés Josué - a grande honra de conduzir o povo de Israel a conquista da terra prometida. Mais uma vez, lá está ela, a promessa... Vejamos Josué 1.1-6: E sucedeu depois da morte de Moisés, servo do SENHOR, que o SENHOR falou a Josué, filho de Num, servo de Moisés, dizendo: Moisés, meu servo, é morto; levanta-te, pois, agora, passa este Jordão, tu e todo este povo, à terra que eu dou aos filhos de Israel. Todo o lugar que pisar a planta do vosso pé, vo-lo tenho dado, como eu disse a Moisés. Desde o deserto e do Líbano, até ao grande rio, o rio Eufrates, toda a terra dos heteus, e até o grande mar para o poente do sol, será o vosso termo. Ninguém te poderá resistir, todos os dias da tua vida; como fui com Moisés, assim serei contigo; não te deixarei nem te desampararei. Esforça-te, e tem bom ânimo; porque tu farás a este povo herdar a terra que jurei a seus pais lhes daria. Após a famosa queda de Jericó, Josué empreendeu uma vitoriosa campanha militar, que culminou no estabelecimento dos israelitas em Canaã. É verdade que esta conquista não atingiu a totalidade do território cananeu. Os filisteus continuaram em suas cidades na planície costeira e muitas cidades do interior eram dominadas por povos hostis, como os edomitas e moabitas. De qualquer forma, pela primeira vez na história as doze tribos tinham um endereço, um lugar pra cair morto, e esse fato é fundamental para a compreensão de Israel como nação escolhida por Deus. Afinal, a promessa feita a Abraão estava cumprida.

Os juízes e o teocentrismo Bom seria se a partir de agora pudéssemos dizer que todos viveram felizes para sempre. Infelizmente não foi isso que aconteceu. Pelo contrário, Israel entrou em um processo de decadência espiritual e opressão por parte dos povos inimigos, conforme está descrito no livro de Juízes. Fica evidente que o motivo pelo qual tudo isso aconteceu foi, mais uma vez, a desobediência. Apesar de terem sido orientados a dizimar os povos das terras que invadiam, os israelitas não fizeram isso. Pelo contrário, deixaram-se contaminar pelos cultos pagãos dedicados a Baal, e adotaram casamentos mistos - com estrangeiras como uma prática corriqueira. Essa situação levou o povo a um círculo vicioso que poderia ser esquematizado da seguinte forma: pecado (idolatria) opressão dos inimigos retorno a Deus socorro do Senhor através de um libertador tempo de paz pecado (idolatria)... O tempo que Israel permaneceu neste ciclo não é facilmente determinável, já que a principal fonte histórica do período é a própria Bíblia, que não está organizada em ordem cronológica. Os historiadores variam suas projeções de 200 até 350 anos. Para o objetivo deste trabalho, entretanto, o mais importante é que politicamente Israel se organizava de forma diferente de todos seus vizinhos. Enquanto estes tinham um governo central, com reis e príncipes, as doze tribos eram autônomas, unidas apenas pelo vínculo religioso. Em vários momentos do livro de Juízes é cunhada a seguinte frase, como no cap 17.6: Naqueles dias não havia rei em Israel: cada um fazia o que lhe parecia mais reto Apesar disso, o historiador Antônio Gusso ressalta que um israelita de coração, que se considerava um verdadeiro vassalo de Iavé, abominava a idéia de uma monarquia. Admitir o governo de um homem significava uma traição a orientação de Deus. Desta forma, mesmo enfrentando dificuldades para defender seu território das nações inimigas, Israel se manteve sem um governo central ou uma capital. Se supõe que o ponto focal desta confederação tribal seria o local de adoração, onde estava a Arca da Aliança, e onde todos se reuniam em época de festas. O povo pede um rei Mesmo advertido pelo juiz, sacerdote e profeta Samuel, o povo de Israel exigiu que sobre ele fosse colocado um rei, a exemplo do que acontecia nas nações vizinhas. Obviamente, havia razões bastante objetivas para esta inclinação dos israelitas. Primeiro, uma crise no sacerdócio, já que os filhos de Samuel, a exemplo dos filhos de Eli, se tornaram corruptos e levaram o povo à indignação. Segundo, e mais importante, uma

sensação de insegurança devido aos constantes ataques filisteus e a percepção de que um governo central aprimoraria as defesas e a organização militar de Israel. Isso não impediu, entretanto, que Deus entendesse que o povo havia rejeitado Seu senhorio, como mostra o trecho que inicia em 1Samuel 8.5: E disseram-lhe (o povo para Samuel): Eis que já estás velho, e teus filhos não andam pelos teus caminhos; constitui-nos, pois, agora um rei sobre nós, para que ele nos julgue, como o têm todas as nações. Porém esta palavra pareceu mal aos olhos de Samuel, quando disseram: Dá-nos um rei, para que nos julgue. E Samuel orou ao SENHOR. E disse o SENHOR a Samuel: Ouve a voz do povo em tudo quanto te dizem, pois não te têm rejeitado a ti, antes a mim me têm rejeitado, para eu não reinar sobre eles. Conforme a todas as obras que fizeram desde o dia em que os tirei do Egito até ao dia de hoje, a mim me deixaram, e a outros deuses serviram, assim também fazem a ti. Agora, pois, ouve à sua voz, porém protesta-lhes solenemente, e declara-lhes qual será o costume do rei que houver de reinar sobre eles. E falou Samuel todas as palavras do SENHOR ao povo, que lhe pedia um rei. E disse: Este será o costume do rei que houver de reinar sobre vós; ele tomará os vossos filhos, e os empregará nos seus carros, e como seus cavaleiros, para que corram adiante dos seus carros. E os porá por chefes de mil, e de cinqüenta; e para que lavrem a sua lavoura, e façam a sua sega, e fabriquem as suas armas de guerra e os petrechos de seus carros. E tomará as vossas filhas para perfumistas, cozinheiras e padeiras. E tomará o melhor das vossas terras, e das vossas vinhas, e dos vossos olivais, e os dará aos seus servos. E as vossas sementes, e as vossas vinhas dizimará, para dar aos seus oficiais, e aos seus servos. Também os vossos servos, e as vossas servas, e os vossos melhores moços, e os vossos jumentos tomará, e os empregará no seu trabalho. Dizimará o vosso rebanho, e vós lhe servireis de servos. Então naquele dia clamareis por causa do vosso rei, que vós houverdes escolhido; mas o SENHOR não vos ouvirá naquele dia. Porém o povo não quis ouvir a voz de Samuel; e disseram: Não, mas haverá sobre nós um rei. E nós também seremos como todas as outras nações; e o nosso rei nos julgará, e sairá adiante de nós, e fará as nossas guerras. Ouvindo, pois, Samuel todas as palavras do povo, as repetiu aos ouvidos do SENHOR. Então o SENHOR disse a Samuel: Dá ouvidos à sua voz, e constitui-lhes rei. Desta forma, por volta de 1000 a.c., Samuel unge o primeiro rei de Israel, o benjamita Saul, e tem início a monarquia entre os descendentes de Abraão. O reinado de Saul, por sinal, não é marcado por grandes alterações na estrutura interna de Israel.

Também não houve a criação de uma grande máquina estatal central. Neste primeiro momento, o rei se ocupou principalmente em organizar o exército de Israel, já que exerceu todo reinado em guerra. O final do reinado de Saul é marcado por um grande avanço filisteu, e é neste contexto que assume a bronca o mais importante rei de todos os tempos em Israel (que rufem os tambores...), Davi, aquele que dispensa apresentações... Com a morte de Saul, Davi assume primeiro o reinado de Judá e, dois anos depois, de Israel. Ele conquista Jerusalém, leva a Arca para a cidade e a transforma em capital da nação. Com o reino mais uma vez unido, Israel pára de lutar apenas para se defender, e Davi coloca em prática uma agressiva política expansionista, impondo diversas derrotas militares aos filisteus. Neste período, Israel alcança a sua maior extensão territorial em todos os tempos. Como sucessor, Davi escolhe seu filho Salomão, o rei que gostava de cortar criancinhas ao meio... Conhecido por sua sabedoria, acabou se revelando um excelente administrador, mas um péssimo exemplo espiritual para o seu povo. Em sua gestão, Israel alcançou um estágio econômico que jamais se repetiria em sua história. Salomão não demonstrou interesse em empreitadas militares, e preferiu organizar e desenvolver o império que seu pai o tinha entregado. Se aproveitou especialmente da posição geograficamente estratégica que ocupava e transformou Israel em um corredor comercial entre o Egito e a Mesopotâmia, as duas regiões mais desenvolvidas da antiguidade. Enriqueceu cobrando impostos e formando alianças comerciais, com Egito e Tiro, por exemplo, como constata o texto de 1Reis 10.23: Assim o rei Salomão excedeu a todos os reis da terra, tanto em riquezas como em sabedoria. Infelizmente, estas alianças fizeram com que Salomão formalizasse diversos casamentos com estrangeiras, o que era expressamente proibido pela Lei. Ele chegou ao impressionante número de 700 esposas e 300 concubinas e, conforme o relato bíblico, o mesmo homem que construiu um exuberante Templo para Deus, se tornou, em sua velhice, um idólatra. Essa decadência se refletiu especialmente em sua sucessão, que levou as tribos a se dividirem definitivamente entre Judá e Israel. Essa entretanto, é uma outra história...

Conclusão A história da formação da nação de Israel, retratada de forma brevíssima neste trabalho, mostra que Deus agiu, sim, na e através da história, sem nunca, entretanto, abrir mão do relacionamento com o Seu povo. Inúmeras vezes, inclusive, este povo colheu os frutos da qualidade - ou falta dela deste relacionamento. Deus sempre quis governar sobre Israel, mesmo quando Israel sequer existia, mas sempre deu liberdade para Seus filhos escolherem conscientemente seu caminho. A vida de Abraão, Isaque, Jacó, José, Moisés, Josué, Samuel, Saul, Davi, Salomão e outros tantos não citados aqui deixa clara esta realidade. Muito mais do que conhecido, Deus queria ser amado, e mesmo quando se revelava através da Lei, sua intenção era de cuidado e proteção. A unificação, ou seja, o caminho entre a tribo nômade de Abrão e o riquíssimo império de Salomão teve a inequívoca condução da mão do Deus dos hebreus, manifesta através de uma promessa e vivenciada pela fé. Bibliografia e fontes de pesquisa GUSSO, Antônio Renato. Panorama Histórico de Israel para estudantes da Bíblia. Ed. A. D. Santos. BOHM, Paulo G. O Antigo Testamento Uma visão ao seu alcance. Ed. Photo e Cia Atlas da Bíblia Paulus. Ed. Paulus. JONES, Bill. Montando o Quebra-Cabeça do Antigo Testamento. Ed. Betânia. REINKE, André. Polígrafo da disciplina de Panorama do Antigo Testamento. Instituto Bereia, Porto Alegre, RS.