Avaliação das propriedades de uma zircônia estabilizada com ítria (ZrO 2



Documentos relacionados
AVALIAÇÃO DE PROPRIEDADES DE UMA CERÂMICA DENTÁRIA NACIONAL À BASE DE ZIRCÔNIA ESTABILIZADA COM ÍTRIA (ZrO 2 -Y 2 O 3 )

RELAÇÃO DO TEMPO DE SINTERIZAÇÃO NA DENSIFICAÇÃO E CONDUTIVIDADE ELÉTRICA EM CÉLULAS À COMBUSTÍVEL. Prof. Dr. Ariston da Silva Melo Júnior

DUREZA DE CORPOS SINTERIZADOS Por Domingos T. A. Figueira Filho

SÍNTESE QUÍMICA DE NANOCERÂMICAS VISANDO APLICAÇÕES EM ODONTOLOGIA

CARACTERIZAÇÃO DE CERÂMICAS À BASE DE ALUMINA E ZIRCÔNIA PARA APLICAÇÕES ODONTOLÓGICAS RESUMO

CARACTERIZAÇÃO MICROESTRUTURAL DE IMPLANTES DENTÁRIOS DE TITÂNIO POR MICROSCOPIA ELETRÔNICA E ENSAIOS MECÂNICOS

DESENVOLVIMENTO DE FERRAMENTA CERÂMICA COM TECNOLOGIA NACIONAL PARA MANUFATURA DE MATERIAIS ESPACIAIS

Propriedades do Concreto

4.Materiais e métodos

PREPARAÇÃO DE AMOSTRAS DE CERÂMICAS PARA OBSERVAÇÃO MICROESTRUTURAL

2 Materiais e Métodos

EFEITO DA ESTRUTURA BAINÍTICA EM AÇOS PARA ESTAMPAGEM

ENSAIOS MECÂNICOS Permitem perceber como os materiais se comportam quando lhes são aplicados esforços

SOLIDIFICAÇÃO/ESTABILIZAÇÃO DE LODO GALVÂNICO EM BLOCOS DE CONCRETO PARA PAVIMENTAÇÃO (PAVERS)

TRABALHO DE GRADUAÇÃO. Projeto. Curso de Engenharia Mecânica ( ) Integral (X) Noturno. Aluno: xxxxxxx n

Material para Produção Industrial Ensaio de Dureza

Influence of coarse aggregate shape factoc on concrete compressive strength

O conhecimento das dimensões permite determinar os vãos equivalentes e as rigidezes, necessários no cálculo das ligações entre os elementos.

Resultados e Discussões 95

ULTRA-SOM MEDIÇÃO DE ESPESSURA PROCEDIMENTO DE END PR 036

ORIENTAÇÕES SOBRE A PROVA DISCURSIVA

Ensacado - A Argila Expandida pode ser comprada em sacos de 50l, sendo transportada da mesma maneira. Cada 20 sacos equivalem a 1m 3.

CORROSÃO EM MEIO DE DIESEL DO AÇO CARBONO REVESTIDO COM COBRE. Danielle Cristina Silva (Universidade Estadual do Centro-Oeste - Brasil)

MATERIAIS METÁLICOS AULA 5

Conceitos básicos de Componentes SMD. Eng. Décio Rennó de Mendonça Faria

INFLUÊNCIA DA GRANULOMETRIA E TEMPERATURA DE QUEIMA SOBRE O GRAU DE DENSIFICAÇÃO DE ARGILAS DA REGIÃO DE MARTINÓPÓLIS SP

Instituto Federal do Espírito Santo

Blocos de. Absorção de água. Está diretamente relacionada à impermeabilidade dos produtos, ao acréscimo imprevisto de peso à Tabela 1 Dimensões reais

CONTROLE DE QUALIDADE DO CONCRETO REFORÇADO COM FIBRAS PARA TÚNEIS

Conceitos Iniciais. Forjamento a quente Forjamento a frio

Eliton Suldário da Silva Sousa Helton da Paixão Silva Joaquim Eliano Dutra Bezerra. Ensaios de dureza e microdureza do vergalhão GG50

TM703 Ciência dos Materiais PIPE Pós - Graduação em Engenharia e Ciências de Materiais

DESENVOLVIMENTO DE UM SOFTWARE NA LINGUAGEM R PARA CÁLCULO DE TAMANHOS DE AMOSTRAS NA ÁREA DE SAÚDE

ÁREA DE ENSAIOS ALVENARIA ESTRUTURAL RELATÓRIO DE ENSAIO N O 36555

UERJ CRR FAT Disciplina ENSAIOS DE MATERIAIS A. Marinho Jr

RECOBRIMENTO DE HIDROXIAPATITA EM AÇOS INOXIDÁVEIS AUSTENÍTICOS PELO MÉTODO BIOMIMÉTICO

IMPORTÂNCIA DA CURA NO DESEMPENHO DAS ARGAMASSAS IMPORTÂNCIA DA CURA NO DESEMPENHO DAS ARGAMASSAS

Módulo: REFRATÁRIOS Agosto/2014

TUDO PARA VOCÊ FAZER UM TRABALHO DE QUALIDADE

FICHA TÉCNICA - MASSA LEVE -

Os paquímetros distinguem-se pela faixa de indicação, pelo nônio, pelas dimensões e forma dos bicos.

Ficha Técnica de Produto

Influence of Austenitizing Temperature On the Microstructure and Mechanical Properties of AISI H13 Tool Steel.

PROCESSOS DE FABRICAÇÃO PROCESSOS DE CONFORMAÇÃO MECÂNICA

Dureza de materiais metálicos

UNIVERSIDADE SANTA. Objetivo Metodologia Introdução. Método Experimental Resultados Experimentais Conclusão Grupo de Trabalho

A INFLUÊNCIA DO SISTEMA DE VÁCUO NAS PROPRIEDADES FÍSICAS DOS PRODUTOS DE CERÂMICA VERMELHA.

ÍNDICE CORROSÃO E MEDIDAS DE PROTEÇÃO ESPECIFICAÇÃO DE AÇOS, LIGAS ESPECIAIS E FERROS FUNDIDOS (Módulo I)... 4 ACABAMENTO DE SUPERFÍCIE...

Aplicação de Técnicas de Processamento e Análise de Imagem na Análise Automática da Quantidade e do Tamanho do Grão em Imagens Metalográficas

EFEITO DA ADIÇÃO DE Sn NA ESTABILIDADE DE FASES E PROPRIEDADES DE LIGAS Ti-10Mo RESFRIADAS RAPIDAMENTE E ENVELHECIDAS. flaviamec@fem.unicamp.

Copyright 2013 VW Soluções

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL ESCOLA DE ENGENHARIA DEPARTAMENTO DE ENGENHARIA MECÂNICA ENG03108 MEDIÇÕES TÉRMICAS

Faculdade de Ciência e Tecnologia Universidade Fernando Pessoa Exercícios de Ciências dos Materiais

TRATAMENTOS TÉRMICOS: EFEITO DA VELOCIDADE DE RESFRIAMENTO SOBRE AS MICROESTRUTURAS DOS AÇOS ABNT 1045

O Secretário de Vigilância Sanitária d Ministério da Saúde, no uso de suas atribuições legais e considerando:

DETERMINAÇÃO DO TEOR DE UMIDADE E DENSIDADE BÁSICA PARA ESPÉCIES DE PINUS E EUCALIPTO

Comparação entre Tratamentos Térmicos e Método Vibracional em Alívio de Tensões após Soldagem

Ensaio de Emissão Acústica Aplicado em Cilindros sem Costura para Armazenamento de Gases

CONCEITOS. Prof. Roberto Monteiro de Barros Filho. Prof. Roberto Monteiro de Barros Filho

SECAGEM DE GRÃOS. Disciplina: Armazenamento de Grãos

Curso de Engenharia de Produção. Processos de Fabricação

Qualificação de Procedimentos

DA INFLUÊNCIA DA RUGOSIDADE NO DESENVOLVIMENTO DE RESVESTIMENTOS CERÂMICOS ANTICORROSIVOS EM SUBSTRATOS METÁLICOS DE AÇO AISI 316L

AVALIAÇÃO DA RESISTÊNCIA À CORROSÃO DE AÇOS INOXIDÁVEIS SUBMETIDAS A CICLOS DE FADIGA TÉRMICA.

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU EM ODONTOLOGIA CURSO DE DOUTORADO

TRATAMENTOS TÉRMICOS DOS AÇOS

4. Programa Experimental

Ensaios Mecânicos de Materiais. Aula 10 Ensaio de Torção. Prof. MSc. Luiz Eduardo Miranda J. Rodrigues

UM ENSAIO DO PROCESSO DE RECOZIMENTO PLENO

BT 0011 BOLETIM TÉCNICO RESINA PC 26_ENDURECEDOR G 226_ CARGA EF 35/P

COMPORTAMENTO DOS MATERIAIS SOB TENSÃO. Prof. Rubens Caram

REBOLOS RESINÓIDES (LIGA RESINÓIDE)

4. RESULTADOS & DISCUSSÃO

1. Objetivo Referências Condições gerais Condições específicas Inspeção 2. Tabela 1 - Características elétricas e mecânicas 4

Protemp TM 4. Material Provisório à Base de Bisacril. Restauração provisória. qualidade. com a 3M ESPE

Propriedades Mecânicas dos Aços DEMEC TM175 Prof Adriano Scheid

Engenharia Diagnóstica

1ª Semana de Composites Avançados São José dos Campos - SP III CONGRESSO SAMPE BRASIL

EME405 Resistência dos Materiais I Laboratório Prof. José Célio

5 Discussão dos Resultados

Aula 7 - Ensaios de Materiais

avaliação dos modos de descolagem e a presença de fraturas no esmalte, após os ensaios mecânicos.

ANÁLISE DE FALHA EM VIRABREQUIM DE MOTOR V8

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

ARG. COLANTE REVESTIMENTO REJUNTE COMPONENTES DO REVESTIMENTO

Catálogo de Gaxetas, Raspadores e Guias

REFINO DE GRÃO ATRAVÉS DE TRATAMENTO TÉRMICO SEM MOVIMENTAÇÃO DE MASSA

SEQUÊNCIA DE POLIMENTO DE CERÔMEROS

ANÁLISE DE VIABILIDADE TÉCNICA E ECONÔMICA DO DESENVOLVIMENTO DE BLOCOS CERÂMICOS PARA CONFECÇÃO DE PROTESES DENTÁRIAS

Retificação: conceitos e equipamentos

Ensaios Mecânicos de Materiais. Conceitos Fundamentais. Prof. MSc. Luiz Eduardo Miranda J. Rodrigues

ESTUDO DE CARACTERÍSTICA FÍSICA E MECÂNICA DO CONCRETO PELO EFEITO DE VÁRIOS TIPOS DE CURA

TTT VI Conferência Brasileira sobre Temas de Tratamento Térmico 17 a 20 de Junho de 2012, Atibaia, SP, Brasil

Os procedimentos para determinar a resistência do condutor são:


Ensaio de tração: cálculo da tensão

I CONFERÊNCIA LATINO-AMERICANA DE CONSTRUÇÃO SUSTENTÁVEL X ENCONTRO NACIONAL DE TECNOLOGIA DO AMBIENTE CONSTRUÍDO

Título: TREFILAÇÃO DE ARAME ATRAVÉS DE FIEIRAS E ANÉIS

VALIDAÇÃO DO MODELO DE ELETROCOAGULAÇÃO FLOTAÇÃO NO TRATAMENTO DE EFLUENTE TÊXTIL VISANDO À REMOÇÃO DE DQO, UTILIZANDO REATOR EM BATELADA.

Transcrição:

Full Dent. Sci. 2013; 5(17):117-122. 117 Avaliação das propriedades de uma zircônia estabilizada com ítria (ZrO 2 ) de uso odontológico Evaluation of an yttria-stabilized zirconia ceramic (ZrO 2 ) used as dental material Roberto de Oliveira Magnago 1 Rômulo Marczuk Schetinno 2 Vera Cristina Marczuk 2 Rafael Bernardino da Silva Júnior 2 Charles Cleiton Aparecido Moreira 3 Claudinei dos Santos 1 Resumo Este trabalho tem por objetivo o estudo das propriedades de uma cerâmica comercial de zircônia estabilizada com ítria, tendo como base comparativa as exigências da norma ISO 6872. Blocos pré-sinterizados de zircônia estabilizada com 3% em mol de ítria (ZrO 2-3%mol Y 2 ) foram sinterizados a 1530 º C-2h com taxa de aquecimento de 8 º C/min. As fases cristalinas da zircônia foram identificadas por difração de Raios-X (DRX) e análise microestrutural foi realizada utilizando Microscopia Eletrônica de Varredura (MEV). Os materiais foram avaliados mecanicamente por sua dureza e tenacidade à fratura, utilizando a técnica de indentação Vickers, e por sua resistência a fratura por flexão em quatro pontos. Ensaio de dilatometria, testes biológicos de citotoxicidade e avaliação da solubilidade química foram realizados visando demonstrar a biocompatibilidade e estabilidade química do material com vistas a sua aplicação como prótese sobre implante. Os resultados dos testes mecânicos indicaram que a cerâmica estudada apresenta dureza superior a 1200HV, tenacidade à fratura da ordem de 8 MPam 1/2 e resistência à flexão superior a 900 MPa. Essas avaliações mecânicas aliadas às caracterizações químicas e biológicas realizadas no produto indicam que o mesmo pode ser classificado dentro das exigências da norma ISO 6872, podendo ser utilizado em casos extremos de confecção de próteses multielementares. A zircônia estudada neste trabalho não apresenta potencial tóxico, comprovado pelos testes de citotoxicidade. Descritores: Biomateriais, materiais dentários, prótese dentária, zircônia. Abstract This study aimed at studying the properties of a commercial ceramic of zirconia stabilized with yttria, with the requirements of the norm ISO 6872 as comparative basis. Pre-sintered zirconia blocks (ZrO2-3%mol.Y2O3) were sintered at 1530 C-2h with a heating rate of 8 C/min. The crystalline phases of zirconia were identified by X-Ray Diffraction (XRD) and microstructural analysis was performed using Scanning Electron Microscopy (SEM). The materials were 1 Prof. do Curso de Mestrado em Materiais - UniFOA; Prof. Fac. Tecnologia - UERJ. 2 Alunos de Mestrado em Materiais - UniFOA. 3 Técnico Lab. Química - UniFOA. E-mail do autor: claudinei@pesquisador.cnpq.br Recebido para publicação: 12/09/2013 Aprovado para publicação: 02/12/2013 Como citar este artigo: 2 3

118 Full Dent. Sci. 2013; 5(17):117-122. evaluated for their hardness and fracture toughness, using the Vickers Indentation Technique, and its strength by four point bending testing. Tests of dilatometry, biological and cytotoxicity tests and evaluations of chemical solubility were conducted to demonstrate the biocompatibility and chemical stability of the material focusing their application as implant-supported prosthesis. The results of the mechanical tests indicate that the studied ceramic presents hardness greater than 1200HV, fracture toughness on the order of 8MPam1/2 and flexural strength exceeding 900MPa. These assessments allied to mechanical chemical and biological characterizations performed on the product indicate that it can be classified within the requirements of ISO 6872 and can be used in extreme cases of prosthesis design multi-element. The zirconia studied in this work has no toxic potential, as confirmed by cytotoxicity tests. Descriptors: Biomaterials, dental materials, dental prosthesis, zirconia. Introdução Entre os materiais utilizados para confecção das próteses dentárias, a cerâmica odontológica é reconhecidamente o melhor material para restaurar as características funcionais e estéticas da estrutura dentária perdida 9. Os materiais cerâmicos, por sua característica bioinerte, são bem tolerados pelos tecidos orais e permitem reproduzir com precisão as propriedades ópticas dos dentes naturais. Porém, por vezes, suas propriedades mecânicas não são adequadas para resistir às severas cargas oclusais que lhe são impostas 1,8. Vários biomateriais cerâmicos foram desenvolvidos e utilizados com a finalidade de melhorar o desempenho mecânico de sistemas de próteses/implantes. Entre eles, a zircônia (ZrO 2 ) é a que tem despertado maior interesse, devido a sua boa estabilidade química e dimensional, resistência mecânica incomparável, dureza e um módulo de elasticidade da mesma magnitude do aço inoxidável 7,10,12,13. A zircônia pode apresentar três formas polimórficas (monoclínica, tetragonal e cúbica) a diferentes temperaturas. Essas estruturas possuem diferentes propriedades mecânicas e podem ser estabilizadas a diferentes temperaturas por meio da adição de óxidos metálicos (CaO, MgO, Y 2, Ce 2 ). Destes óxidos adicionados à zircônia, a ítria (Y 2 ) é a mais empregada. Com a adição de ítria na zircônia é possível a obtenção de uma fase metaestável tetragonal à temperatura ambiente, que quando sujeita a estímulos termomecânicos sofre transformação para a fase monoclínica com aumento de 3-5% no volume 14. Esse mecanismo inibe a propagação de trincas por gerar tensões compressivas e contribui significativamente para o aumento da tenacidade à fratura da zircônia. Em face dessas características, investigações sobre as propriedades de interesse da zircônia são de interesse para a comunidade acadêmica de forma a propiciar maior confiança de seu uso em clínicas e laboratórios. Assim, este trabalho tem por objetivo o estudo das propriedades de uma cerâmica comercial a base de zirconia estabilizada com ítria, tendo como base comparativa as exigências da norma ISO 6872. Material e métodos Lote com 05 blocos pré-sinterizados de ZrO 2 (Y 2 ), modelo VIPIBLOCK ZIRCONN (VIPI, Pirassununga - SP, Brasil), código 4K-4O/06-13, com diâmetro 98,5 mm e altura de 14 mm, foram utilizados neste trabalho. Diferentes corpos de prova foram confeccionados para cada ensaio proposto, em posições totalmente aleatórias dentro dos blocos cerâmicos. As especificações deste produto estão descritas no Quadro 1. Processamento Amostras de dimensão de 4x3x45 mm foram cortadas em cortadora ISOMET, e submetidas à sinterização, em forno com resistência de MoSi 2, MAITEC F1650, seguindo o ciclo de sinterização representado no Quadro 2. Modelo comercial Formulação (% em peso) Densidade Modulo de elasticidade VIPI BLOCK ZIRCONN ZrO 2 99,0% em peso Al 2 0,1% / SiO 2 0,05% Fe 2 0,05% / Na 2 O 0,05% HfO 2 0,75% Características dos blocos de zircônia pré-sinterizados (dados do fabricante). 6,05g/cm 3 190GPa

Full Dent. Sci. 2013; 5(17):117-122. 119 Ciclo de sinterização Parâmetro utilizado Rampa 1 8ºC/mim Temperatura final 900ºC Patamar 1 30 minutos Rampa 2 5ºC/mim Temperatura final 1530ºC Patamar 2 120 minutos Resfriamento 5ºC/mim Ciclos de sinterização utilizados na sinterização dos corpos de zircônia. Caracterização dos produtos sinterizados O cálculo da massa específica das amostras sinterizadas foi executado utilizando o Princípio de Arquimedes, ou seja, com a imersão do corpo de prova por um fio de nylon, utilizando água destilada a 20 º C como veículo. Foram utilizadas 5 amostras sinterizadas de cada bloco utilizado nos experimentos, totalizando 25 amostras. A densidade relativa média foi então calculada pela relação entre a massa específica da cerâmica sinterizada e a massa específica teórica do material. As fases presentes nas amostras sinterizadas foram identificadas por Difração de Raios-X, utilizando radiação Cu-K com varredura entre 20 º e 80 º, com passo de 0,05 º e velocidade de 3 segundos / ponto de contagem. Os picos foram identificados através de comparação com microfichas do arquivo JCPDS 6. As amostras sinterizadas foram lixadas, polidas e atacadas termicamente (1400 º C-2h) e as superfícies submetidas à metalização foram observadas por microscopia eletrônica de varredura (HITACHI TM3000). Esses ensaios foram realizados em duplicata. Propriedades mecânicas A metodologia utilizada para a determinação dos valores de dureza das amostras seguiu a norma ASTM- -C-1327-03 4. Por razões estatísticas, foram realizadas 20 impressões Vickers nas superfícies de cada uma das 25 amostras sinterizadas devidamente polidas, utilizando-se uma carga de 2000 gf aplicada durante dez segundos. Foi utilizado microdurômetro modelo Micromet 2004. A tenacidade à fratura foi calculada a partir dos resultados de dureza obtidos baseados na norma ASTM-C-1421-99 2, medindo-se o comprimento de trinca em cada vértice das indentações piramidais. Foi calculado o comprimento médio de trinca para cada uma das 20 indentações para obtenção da tenacidade das amostras (K IC ), utilizando a Equação (1). E K C = 0,016 ( ) 1/2.P.b H - 3/2 V Onde: K IC =Tenacidade à fratura [MPa.m 1/2 ]; E=Módulo de elasticidade=190gpa; H V =Dureza Vickers (1) [GPa]; P=Carga de indentação [MPa]; b=comprimento médio de trinca [m]. Para realização de testes de flexão, 20 amostras com dimensões de 4x3x45 mm foram lixadas, polidas e testadas por flexão em 4 pontos, com espaçamento entre roletes de 40 e 20 mm e taxa de carregamento de 0,5 mm/s. Os ensaios de flexão foram realizados em máquina de ensaios mecânicos Universal servo-hidráulica modelo MTS 810.23M. Para a realização dos testes, lote contendo 30 amostras com dimensões finais de 3x4x45 mm 3, foram sinterizados e, em seguida, cortados em disco diamantado. Os corpos de prova foram retificados, chanfrados, lixados e polidos, seguindo a norma ASTM-C-1161-02 3. Avaliação quantitativa dos resultados foi realizada por analise estatística utilizando a determinação da média aritmética de cada espaço amostral de um referido ensaio (densidade relativa, dureza Vickers, tenacidade à fratura e resistência à flexão), associada ao seu respectivo desvio-padrão (raiz quadrada da variância), conforme exigência normativa da ISO 6872. Ensaio de dilatometria Ensaio de dilatometria foi realizado em duplicata, visando determinação do coeficiente de expansão térmica linear em temperaturas entre 200 º C e 900 º C, faixa de temperaturas de interesse para determinação das porcelanas de recobrimento a serem aplicadas nos materiais durante a confecção de próteses dentárias. Os testes foram realizados em Dilatômetro Netzsch DIL-402, em duplicata, ao ar, com taxa de aquecimento fixa de 10 º C/min, utilizando padrão de alumina densa. Corpos de prova sinterizados de formato paralelepídico com seção transversal de 5x5 mm 2 e altura de 10 mm foram utilizados nestes testes. As amostras foram aquecidas em temperatura de até 900 º C, com taxa de aquecimento de 10 º C/min. Ensaio de solubilidade química Os testes de solubilidade química foram realizados em triplicata, seguindo o roteiro determinado pela norma ISO 6872 5. Utilizou-se uma solução de ácido acético (4% em volume) em água. As amostras foram lavadas e, em seguida, secas a 150 º C-4h. Após período de secagem, as amostras foram então pesadas em balança analítica (precisão de 0,1mg), sendo posteriormente imersas em 100ml da solução a 80 º C, estabilizada durante 16h. Após este procedimento as amostras foram novamente lavadas, secas a 150 º C-4h e repesadas. A diferença de massa entre as amostras antes e após os testes de solubilidade química indica a solubilidade química do material. Ensaios de radioatividade e citotoxicidade Os ensaios de radioatividade foram realizados Magnago RO, Schetinno RM, Marczuk VC, Silva Jr RB, Moreira CCA, Santos C.

120 Full Dent. Sci. 2013; 5(17):117-122. em duplicata, baseando-se na detecção de atividade de urânio-238 por espectroscopia gama. Cada amostra testada não pode ter concentração de atividade de mais de 1,0 Bq.g -1 de urânio238. Os ensaios de citotoxicidade que objetivam determinar a resposta biológica de células de mamíferos in vitro com o uso de parâmetros biológicos adequados, foram realizados seguindo a norma ISO 10993-5, através da avaliação de dano celular por meios morfológicos e medições desses danos, do crescimento celular e de aspectos específicos do metabolismo celular. Os testes foram realizados utilizando Linhagem celular NCTC Clone 929 (ATCC CCL-1). Resultados A Figura 1 apresenta difratograma de raios-x de amostra sinterizada, indicando a presença única da fase tetragonal como fase cristalina. Não há, dentro do limite de detecção do aparelho, vestígios de outra fase cristalina residual. A Figura 2 apresenta resultados das caracterizações realizadas por microscopia eletrônica de varredura. A Tabela 1 apresenta os resultados da densidade relativa e do coeficiente de expansão térmica dos produtos sinterizados, assim como a Tabela 2 apresenta um resumo das propriedades analisadas nos produtos sinterizados. Difratograma de raios-x da amostra sinterizada a 1530 º C-2h. 2 (3%Y 2 ) sinterizadas a 1530 º C-2h.

Full Dent. Sci. 2013; 5(17):117-122. 121 Resultados dos testes de dilatometria em faixas de temperaturas distintas. Ensaio 200-500 (x10-6 /ºC) 200-700 (x10-6 /ºC) 200-900 (x10-6 /ºC) Densidade relativa (%) 1 10,57 10,58 2 10,58 10,58 10,59 Média 10,575 10,58 10,595 99,2±0,4 Propriedades mecânicas e biológicas da zircônia sinterizada. Propriedades (1530ºC-2h) Resistência à fratura Dureza (HV 2kgf ) Tenacidade à fratura (K IC ) Solubilidade química Radioatividade 950 ± 30 MPa 1200 ± 20 HV 8,0 ± 0,3 MPa.m 1/2 <1μg/cm 2 <0,1Bq/g Citotoxicidade / Cultura de Células ISO 10993-5 Inofensivo - Não citotóxico Discussão Os resultados de difração de raios-x apresentados na Figura 1 indicam a presença de fase tetragonal como única fase cristalina. Esta fase cristalina é essencial para melhoria das propriedades mecânicas deste tipo de zircônia, pois permitem ao material um incremento considerável de resistência mecânica quando solicitado. No processo de fratura e abertura de uma trinca, os grãos adjacentes submetidos à compressão, sofrem uma transformação espontânea de fase com crescimento volumétrico dos grãos da ordem de 3%, a qual inibe o crescimento da trinca e evitam a falha do material em uso. Assim, o tamanho dos grãos de fase tetragonal e sua consequente população no material sinterizado, são fatores importantes para discussão das propriedades mecânicas deste material. Na Figura 2, observa-se um tamanho de grão médio medido próximo a 0,5μm. Estudos anteriores 14 indicam que esta cerâmica, sinterizada nas condições propostas, apresenta tamanho de grão médio inferior a 0,7μm, o que promove no material uma maior resistência à degradação do que cerâmicas com tamanhos de grão muito superiores a este. Os parâmetros de sinterização utilizados neste trabalho promoveram alta densificação nos corpos sinterizados, com resultados de densidade relativa superiores a 99%, conforme mostra a Tabela 1. Vale salientar que o aumento excessivo da temperatura final de sinterização pode levar a um crescimento exagerado de grãos Classe Classe 2b Classe 4a Classe 4b Classe 5 Classe 6 Indicações de recomendações clínicas Cerâmicas de subestrutura adesivamente cimentadas para próteses unitárias anteriores ou posteriores. Cerâmicas de subestruturas não cimentadas adesivamente, unitárias ou próteses anteriores ou posteriores. Cerâmicas de subestruturas para próteses de três elementos não envolvendo restauração de molares. Cerâmicas de subestruturas para próteses de três elementos envolvendo restauração de molares. Cerâmicas de subestruturas para próteses envolvendo quatro ou mais elementos. 5. de zircônia, o que reduz a resistência mecânica do material e o deixa mais suscetível à degradação 10,12,13. Os resultados dos testes de dilatometria apresentados nesta Tabela indicam que a zircônia sinterizada possui coeficiente de expansão térmica média de 10,6x10-6 / º C, compatíveis com as porcelanas comerciais que variam entre 8,5 e 9,5 x10-6 / º C. A diferença de coeficientes de expansão térmica entre o substrato de zircônia e as porcelanas inferior a 15% tem por objetivo criar tensões térmicas residuais entre as duas fases, buscando inibir o crescimento de trincas por esta interface. Propriedades mecânicas e biológicas Segundo a norma ISO 6872, cerâmicas dentárias são classificadas em dois tipos: Tipo I Produtos cerâmicos sob a forma de pós, pastas ou aerossóis. Tipo II Todas outras formas de produtos cerâmicos. Cerâmicas a base de zircônia estabilizada com ítria (ZrO 2-3%molY 2 ) comercializada sob a forma de blocos pré-sinterizados, são classificada como cerâmicas dentárias Tipo II, para técnicas de prototipagem CAD/ CAM (computer-aided Design and Computer-Aided Manufacturing). Dentro destes dois tipos, existem classes de produtos, que possuem exigências e atribuições segundo suas aplicações finais. O Quadro 3 apresenta as classes nas quais a zircônia está inserida, assim como as indicações clínicas e propriedades mínimas requeridas. Resistência à flexão mínima Solubilidade química máxima 100MPa 2000μg/cm 2 300MPa 2000μg/cm 2 300MPa 2000μg/cm 2 500MPa 2000μg/cm 2 800MPa 100μg/cm 2 Magnago RO, Schetinno RM, Marczuk VC, Silva Jr RB, Moreira CCA, Santos C.

122 Full Dent. Sci. 2013; 5(17):117-122. Os valores de propriedades mecânicas apresentados na Tabela 2 indicam dureza superior a 1200HV, com um valor mínimo de porosidade, inferior a 1% do volume do material. A tenacidade à fratura e a resistência à fratura por flexão em 4 pontos são de 8MPam 1/2 e 950MPa, respectivamente, valores superiores a classe 6 da Norma ISO6872, onde são apresentadas aplicações mais rigorosas para cerâmicas dentárias. Os níveis mínimos de solubilidade química, radioatividade e citotoxicidade do produto sinterizado apresentados na Tabela 2, indicam que a zircônia estudada neste trabalho é extremamente estável, com níveis desprezíveis de radioatividade e com características biológicas de não citotoxicidade, ou seja, não promove morte celular em diferentes concentrações de extratos, o que dá uma característica biológica inofensiva ao material. Todas as caracterizações realizadas na zircônia neste estudo indicam que o mesmo pode ser classificado dentro das exigências da norma ISO6872, com destaque para o tipo de aplicação do produto que pode ser classificado como de total versatilidade de aplicações, já que a zircônia, fabricada nas condições propostas neste trabalho, alcançaram valores superiores aos mínimos exigidos para uso em material de infraestrutura para próteses multielementares. A microestrutura que consiste integralmente de grãos de ZrO 2 tetragonal, com tamanho médio de 0,5 m, medidos pelo uso do software ImageJ 11, é interessante pois permite ao material resistir a possíveis propagações de trincas garantindo a tenacificação do material por tempos prolongados, o que é possível com alta densidade relativa, a qual também possibilita aumento dos índices de translucidez. Desta forma, a associação de alta quantidade de fase tetragonal, com grãos de tamanho submicrométrico e isenção de porosidade, garante ao material excelente resistência mecânica com efeitos estéticos positivos. Agradecimentos Os autores agradecem a FAPERJ pelo apoio financeiro dado a este trabalho. Referências bibliográficas 1. Andreiuolo R., Gonçalves A.S., Dias K.R.H.C. A zircônia na Odontologia restauradora. Rev. Bras. Odontol. 2011; 68(1): 49-53. 2. ASTM: C 1421-99. Standard test method for determination of fracture toughness of advanced ceramics at ambient temperature, 1999. 3. ASTM: C 1161-02. Standard test method for determination for flexural strength of advanced ceramics at ambient temperature, 2002. 4. ASTM: C 1327-03. Standard test method for Vickers indentation hardness of advanced ceramics, 2003. 5. ISO 6872, Dentistry Ceramic Materials, 2008. 6. JCPDS - International Centre for Diffraction Data 2000, Advances in X-ray Analysis. 7. Kelly R. Denry I, Stabilized zirconia as a structural ceramic: An overview. Dental Materials, 2008; 24: 289-298. 8. Kina S. Cerâmicas dentárias. R. Dental Press. Estét., 2005; 2 (2): 112-128. 9. Martins L.M. Comportamento biomecânico das cerâmicas odontológicas. Cerâmica, 2010; 56 (338): 148-155. 10. Mukaeda L.E., Santos C., Borges S.P.T., Robin A.L. Effect of ph and fluoride on behavior of dental ZrO2 ceramics in artificial saliva. Materials Science Fórum, 2010, 660-661: 879-884. 11. Sá L.F.C. Técnicas e implementação de rotinas para caracterização microestrutural de materiais com grãos equiaxiais. Dissertação (Mestrado) Centro Universitário de Volta Redonda, Volta Redonda-RJ, 2011, 123p. 12. Santos C., Elias C.N. Comparação das propriedades e biocompatibilidade de blocos de zircônia nacionais e importados para uso em prótese dentárias. Rev. Bras. Implant, 2007, 13 (3): 13-16. 13. Santos C., Elias C.N., Melo A.M., Monteiro S.N. Zirconia blocks properties used for CAD/CAM dentistry restorations. Materials Science Forum, 2012, 727-728: 804-808. 14. Stevens R. An introduction to zirconia: Zirconia and zirconia ceramics. 2nd Ed Twickenham: Magnesium elektrum, 1986, (Magnesium Elektron Publications, n113). Conclusão Os resultados indicaram que a zircônia atende às exigências da norma ISO 6872 e viabilizam o material para uso como prótese dentária. Após sinterização, esta cerâmica apresenta biocompatibilidade comprovada pela não citotoxicidade. Os níveis de estabilidade química, atestados pelo teste de solubilidade (índice de solubilidade <1μg/cm 2 ), indicam que o material pode suportar diferentes agentes corrosivos nocivos que, porventura, possam ser submetidos em ambientes bucais. A zircônia apresentou resistência à fratura média de 950 MPa, dureza de 1200 HV e tenacidade à fratura de 8,0 MPam 1/2, o que confere ao material potencial de uso como cerâmica de subestrutura com possibilidade de fabricação de próteses multielementares em diferentes indicações como próteses dentárias.