EFEITO DA ENERGIA DE SOLDAGEM NA ZONA AFETADA PELO CALOR DO AÇO INOXIDÁVEL FERRÍTICO AISI 444

Documentos relacionados
EFEITO DA VARIAÇÃO DA CORRENTE NA SOLDAGEM DE LIGAS FE CR-MO COM DIFERENTES TEORES DE MOLIBDÊNIO

PRECIPITAÇÃO DA AUSTENITA SECUNDÁRIA DURANTE A SOLDAGEM DO AÇO INOXIDÁVEL DUPLEX S. A. Pires, M. Flavio, C. R. Xavier, C. J.

ANÁLISE DA SENSITIZAÇÃO DE JUNTAS SOLDADAS DE AÇO INOXIDÁVEL FERRÍTICO E AÇO CARBONO COM SOLDA DE ARAME TUBULAR MONOESTABILIZADO E BIESTABILIZADO

Palavras chave: corrosão, cromo, ensaios eletroquímicos, molibdênio

SOLDAGEM TIG. Prof. Dr. Hugo Z. Sandim. Marcus Vinicius da Silva Salgado Natália Maia Sesma William Santos Magalhães

Efeito dos elementos de liga nos aços

NOÇÕES DE SOLDAGEM. aula 2 soldabilidade. Curso Debret / 2007 Annelise Zeemann. procedimento de soldagem LIGAS NÃO FERROSAS AÇOS.

ESTUDO DA SENSITIZA ÇÃO EM AÇOS INOXIDÁVEIS AISI 321 QUE OPERAM EM REFINARIA DE PETRÓLEO EM TEMPERATURAS ENTRE 500 E C.

COMPARATIVO ENTRE JUNTAS SOLDADAS DE AÇO INOXIDÁVEL DUPLEX (UNS S32304) PELOS PROCESSOS DE SOLDAGEM POR RESISTÊNCIA E TIG*

Caracterização microestrutural do aço ASTM-A soldado por GMAW.

Avaliação das propriedades mecânicas em ligas ferríticas com 5% de Mo e diferentes teores de Cr

CAPÍTULO V CARACTERIZAÇÃO MICROESTRUTURAL E DE MICRODUREZA

AVALIAÇÃO DO DESEMPENHO DA SOLDAGEM DO AÇO AISI 444 EM APLICAÇÕES DE REVESTIMENTO DE TORRES DE DESTILAÇÃO

CORROSÃO INTERGRANULAR EM JUNTAS SOLDADAS - PARTE III

Avaliação do Desempenho da Soldagem em Liga de Aço 9Cr-5Mo

Aços de alta liga resistentes a corrosão II

EFEITO DA TEMPERATURA DE INTERPASSE DE SOLDAGEM SOBRE A MICROESTRUTURA, DUREZA E RESISTÊNCIA À CORROSÃO DO AÇO INOXIDÁVEL SUPERDUPLEX

Aço Inoxidável Ferrítico ACE P444A

4 Resultados e Discussão

ANÁLISE DA SENSITIZAÇÃO DE JUNTAS SOLDADAS EM AÇO INOXIDÁVEL AISI 439 PARA USO EM SISTEMA DE EXAUSTÃO VEICULAR

Caracterização de soldas dissimilares depositadas pelo processo MIG com uma superliga de níquel

AVALIAÇÃO DA SUSCEPTIBILIDADE À CORROSÃO INTERGRANULAR EM AÇOS INOXIDÁVEIS APLICADOS EM CHAPAS EXPANDIDAS

Metalurgia da Soldagem Particularidades Inerentes aos Aços Carbono

Nos gráficos 4.37 a 4.43 pode-se analisar a microdureza das amostras tratadas a

PROCESSOS DE FABRICAÇÃO III SOLDAGEM METALURGIA DA SOLDAGEM

CARACTERIZAÇÃO MICROESTRUTURAL DO AÇO INOXIDÁVEL DUPLEX UNS S32101: INVESTIGAÇÃO DE REAGENTES 1

Aços Inoxidáveis. A.S.D Oliveira

Influência das condições de tratamento isotérmico sobre a precipitação de fases secundárias em aço inox superduplex

EPS 10 FACIULDADE SENAI NADIR DIAS DE FIGUEIREDO

Seleção de Materiais

3 Material e Procedimento Experimental

Soldagem arco submerso III

ESFEROIDIZAÇÃO DO AÇO SAE 1080*

ESTUDO DO APORTE TÉRMICO DE SOLDAGEM NO COMPORTAMENTO BALÍSTICO DE UM AÇO DE ALTA DUREZA (HHA HIGH HARDNESS ARMOR)*

INFLUÊNCIA DE PARÂMETROS DE SOLDAGEM COMO TENSÃO E CORRENTE NA TAXA DE DEPOSIÇÃO PARA DIFERENTES ESPESSURAS DE CHAPA

INFLUÊNCIA DA TEMPERATURA DE RECOZIMENTO NA MICROESTRUTURA DO AÇO INOXIDÁVEL FERRÍTICO DURANTE A RECRISTALIZAÇÃO*

INFLUÊNCIA DO METAL DE ADIÇÃO NA MICROESTRUTURA E NAS PROPRIEDADES MECÂNICAS DE JUNTAS SOLDADAS DO AÇO INOXIDÁVEL FERRÍTICO AISI 444

Soldagem de Aços Inoxidáveis

SOLDABILIDADE DOS AÇOS INOXIDÁVEIS RESUMO DA SOLDABILIDADE DOS AÇOS INOXIDÁVEIS

Influência do aporte térmico sobre a microestrutura em juntas soldadas de aço inoxidável AISI 304

Pós-Graduação em Engenharia de Materiais Programa de Disciplinas

AVALIAÇÃO DAS PROPRIEDADES MECÂNICAS DA JUNTA SOLDADA COM AÇO INOXIDÁVEL MARTENSÍTICO DE BAIXA TEMPERATURA DE TRANSFORMAÇÃO

Keywords: AISI 316 steel, Electrochemical corrosion, Electrochemical polarization spectroscopy

Aços Inoxidáveis Duplex: Características, aplicação na indústria de Óleo & Gás e soldabilidade

AÇOS INOXIDÁVEIS (Fe-Cr-(Ni))

YGOR SILVA MARQUES ROCHA EDUARDO BARBOSA ZAMPROGNO

MARTENSITA DE NITROGÊNIO OBTIDA PELO PROCESSO DE SHTPN EM AÇOS INOXIDÁVEIS FERRITICOS

Tratamentos térmicos de aços inoxidáveis

ALTERAÇÕES MICROESTRUTURAIS ENTRE 550 C E 650 C PARA O AÇO UNS S31803 (SAF 2205) ABSTRACT

AVALIAÇÃO DA CORROSÃO POR PITE EM AÇOS INOXIDÁVEIS FERRÍTICOS UNS S44400 TRATADOS TERMICAMENTE E ANALISADOS EM ENSAIO DE POLARIZAÇÃO POTENCIODINÂMICA

EFEITO DOS ELEMENTOS DE LIGA NOS AÇOS RSCP/ LABATS/DEMEC/UFPR

ESPECIFICAÇÃO DE PROCEDIMENTO DE SOLDAGEM EPS 003

AVALIAÇÃO DA RESISTÊNCIA À CORROSÃO DE AÇOS INOXIDÁVEIS UTILIZADOS COMO REVESTIMENTOS DE TORRES DE DESTILAÇÃO DE PETRÓLEO

ENRIQUECIMENTO SUPERFICIAL COM CROMO E NITRETAÇÃO DO AÇO IF EM DESCARGA ELÉTRICA EM REGIME ANORMAL

ESTUDO DA INFLUÊNCIA DOS PARÂMETROS DE SOLDAGEM SOBRE UM EIXO RECUPERADO

Tabela 1. Composição química (% em massa) da liga em estudo. Liga C Mn Si Cr Mo 1 0,031 0,3 0,39 15,6 5,3 6,0 200 T ,0

INFLUÊNCIA DO TRATAMENTO TÉRMICO PÓS- SOLDAGEM NA MICROESTRUTURA E DUREZA DA ZTA DO AÇO 9%NI PARA APLICAÇÃO OFFSHORE

EFEITO DA VARIAÇÃO DA CORRENTE ELÉTRICA DE SOLDAGEM NA MICROESTRUTURA E NA MICRODUREZA DE LIGAS FE-CR-MO COM DIFERENTES TEORES DE MOLIBDÊNIO ABSTRACT

Correlação entre Microestrutura e Propriedades Mecânicas em Metal de Solda com DiferentesTeores de Mn, Submetido a Tratamentos Térmicos

Identificação das Condições de Sensitização em um Aço Inoxidável Austenítico AISI 304 Através da Análise Microestrutural

Tratamentos Térmicos de Solubilização e Envelhecimento a 475 o C em Aços Inoxidáveis CF8M

Corrosão Intergranular

Efeitos do Tratamento Térmico Após Soldagem em Revestimento Anticorrosivo depositado pelo Processo Eletroescória

PROCESSO SELETIVO MESTRADO 2018 Projeto de Pesquisa

A INFLUÊNCIA DO TRATAMENTO TÉRMICO PÓS SOLDAGEM PARA ALÍVIO DE TENSÕES NA DUREZA DA SOLDA COM MATERIAL DE ADIÇÃO ER410NIMO *

CARACTERIZAÇÃO DE UMA UNIÃO SOLDADA DE AÇO INOXIDÁVEL DUPLEX*

Identificação das fases e evolução da microdureza durante a formação de fase sigma em aço inoxidável dúplex SAF 2205

ESTUDO COMPARATIVO DA SOLDABILIDADE DO AÇO PARA GASODUTOS API 5L X80 COM AÇOS TEMPERADOS E REVENIDOS

ASPECTOS DA CORROSÃO INTERGRANULAR DOS AÇOS INOXIDÁVEIS AUSTENÍTICOS AISI 304L, AISI 316L, AISI 321 E AISI 347, USADOS EM REFINARIAS

AVALIAÇÃO DA MICROESTRUTURA DOS AÇOS SAE J , SAE J E DIN100CrV2 APÓS TRATAMENTOS TÉRMICOS*

Laboratório de Materiais do Centro Universitário da FEI

AVALIAÇÃO DO DESEMPENHO DO AÇO AISI 316L PARA APLICAÇÃO COMO LINING EM TORRES DE DESTILAÇÃO

TÍTULO: ESTUDO E AVALIAÇÃO DA SUSCETIBILIDADE À CORROSÃO DE AÇOS INOXIDÁVEIS AUSTENÍTICOS EM AMBIENTE INDUSTRIAL

Efeito da temperatura de tratamento térmico sobre a dureza de um ferro fundido branco multicomponente com alto teor de molibdênio

CARACTERIZAÇÃO MICROESTRUTURAL DE JUNTA SOLDADA DE AÇO ASTM A 131M EH-36 UTILIZADO EM TUBULAÇÕES DE PETRÓLEO E GÁS

FRAGILIZAÇÃO E QUEDA DE RESISTÊNCIA À CORROSÃO EM AÇO INOXIDÁVEL DUPLEX FUNDIDO

Caracterização da junta soldada multipasses de aço inoxidável duplex UNS S31803

CORROSÃO INTERGRANULAR

AVALIAÇÃO DO GRAU DE SENSITIZAÇÃO EM JUNTAS SOLDADAS PELOS PROCESSOS GTAW E FCAW EM AÇOS INOXIDÁVEIS AUSTENÍTICO AISI 304 E AISI 304 L

ESTUDO DO DESGASTE ABRASIVO DE AÇO CARBONITRETADO EM DIFERENTES RELAÇÕES AMÔNIA/PROPANO

INFLUÊNCIA DA VARIAÇÃO DA ENERGIA DE SOLDAGEM NA FORMAÇÃO DA MICROESTRUTURA DO AÇO UNS S32304

Análise das regiões de uma junta soldada com e sem adição de calor através do Pré e Pós aquecimento.

CARACTERIZAÇÃO MICROESTRUTURAL E RESISTÊNCIA À CORROSÃO DE JUNTAS SOLDADAS DE LIGAS DE ALUMÍNIO

8º CONGRESSO IBEROAMERICANO DE ENGENHARIA MECANICA Cusco, 23 a 25 de Outubro de 2007

SOLDAGEM LASER ND:YAG PULSADO DO AÇO INOXIDÁVEL SUPERDUPLEX UNS S Resumo

CARACTERIZAÇÃO DE UMA JUNTA SOLDADA DE AÇO INOXIDÁVEL DUPLEX PELO PROCESSO TIG NA RAIZ E ENCHIMENTO COM PROCESSO MIG-MAG *

Universidade Estadual de Ponta Grossa/Departamento de Engenharia de Materiais/Ponta Grossa, PR. Engenharias, Engenharia de Materiais e Metalúrgica

CORROSÃO POR PITES DE AÇOS INOXIDÁVEIS AUSTENÍTICOS 316L E 317L SOLDADOS PELO PROCESSO GTAW E SOLUBILIZADOS A 1080 C

SOLDABILIDADE DO AÇO INOXIDÁVEL FERRÍTICO

Título do projeto: SOLDABILIDADE DE UM AÇO ACLIMÁVEL DE ALTO SILÍCIO PARA CONSTRUÇÃO METÁLICA COM RESISTENCIA EXTRA A CORROSÃO MARINHA

ESTUDO DA POROSIDADE EM AÇO INOXIDÁVEL DÚPLEX OBTIDO POR MOAGEM DE ALTA ENERGIA

O Aço Sem Manchas (Stainless Steel)

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS Curso de Pós-Graduação em Engenharia Metalúrgica e de Minas. Dissertação de Mestrado

9.1 Medição do hidrogênio difusível pela técnica de cromatografia gasosa

Metalurgia da Soldagem dos Aços Inoxidáveis Duplex

3. PROCESSO DE SOLDAGEM COM ELETRODO REVESTIDO

ANÁLISE DO CICLO TÉRMICO DE UM AÇO DE ALTA RESISTÊNCIA BAIXA LIGA UTILIZANDO MÉTODO DIRETO E EQUAÇÕES DE SOLDAGEM

Avaliação do Efeito da Energia de Soldagem sobre as Tensões Residuais Resultantes em Juntas Soldadas com Multipasse

CARACTERIZAÇÃO DE SOLDAS DISSIMILARES DEPOSITADAS PELO PROCESSO MIG COM UMA SUPERLIGA DE NÍQUEL

Aço Inoxidável Ferrítico com 11% de Cromo para Construção Soldada. Columbus Stainless. Nome X2CrNil2. Elementos C Mn Si Cr Ni N P S

Transcrição:

EFEITO DA ENERGIA DE SOLDAGEM NA ZONA AFETADA PELO CALOR DO AÇO INOXIDÁVEL FERRÍTICO AISI 444 Rodrigo Freitas Guimarães Instituto Federal de Educação Ciência e Tecnologia do Ceará rodrigofg@ifce.edu.br Nathália Cândido Figueiredo Graduanda do Curso de Engenharia Metalúrgica da Universidade Federal do Ceará. nc.figueiredo@metalmat.ufc.br Hélio Cordeiro de Miranda Universidade Federal do Ceará. hmiranda@ufc.br Jesualdo Pereira Farias Universidade Federal do Ceará. jpf@secrel.com.br RESUMO Na soldagem de aços inoxidáveis ferríticos, o ciclo térmico pode causar alterações na zona afetada pelo calor (ZAC) tornando-a fragilizada. Para tornar possível a soldagem desses materiais, é importante que se conheçam os problemas que poderão surgir na ZAC os mesmos. O presente trabalho tem por objetivo caracterizar a ZAC do aço inoxidável ferrítico AISI 444. Chapas de aço AISI 444 foram soldadas em três níveis de energia, utilizando eletrodos austeníticos AWS E316L-17 e AWS E309MoL-16. Foi realizada microscopia óptica e eletrônica, além do levantamento dos perfis de microdureza Vickers, ao longo da ZAC. Os resultados indicaram que a ZAC do aço AISI 444 apresentou significativo crescimento de grão e diminuição dos valores de dureza em relação ao metal de base na região mais próxima da linha de fusão. Nesta mesma região, encontrou-se uma distribuição de finíssimas precipitações que possivelmente sejam fase de Laves. Palavras-Chave: soldagem, aço AISI 444, ZAC ABSTRACT Ferritic stainless steel is susceptible to weld embrittlement when heated during a certain time in 400 o C - 550 C temperature interval. This phenomenon increases the material hardness and decreases ductility and corrosion resistance. To weld those kind of materials, it is important to know the problems that might come along in the zone affected by the heat (HAZ). This work intends to caracterize the AISI 444 HAZ, welded with three energy levels using AWS E316L-17 and AWS E309MoL-16 austenitic electrodes. Optical and electron microscopy was performed, and also an assessment of Vickers microhardness through the HAZ. The sow that the AISI 444 HAZ presents significant grain growth and hardness reduction related to the base metal in the region nearer the fusion line. In the same region, it was found a very fine precipitation distribution which could be Laves phase. Keywords: welding, AISI 444 ferritic stainless steel, HAZ steel. 1 INTRODUÇÃO A utilização crescente dos aços inoxidáveis no campo industrial impulsionou o desenvolvimento tecnológico dessas ligas e de seus processos de fabricação, visando a melhoria de suas propriedades mecânicas e da resistência à corrosão. Embora tais ligas possuam consideráveis propriedades mecânicas e excelente resistência à corrosão, a união das mesmas por meio de processos que utilizam fontes de calor, como a soldagem a arco elétrico, pode gerar alguns problemas metalúrgicos que comprometem suas propriedades mecânicas e sua resistência à corrosão. Aços inoxidáveis ferríticos são suscetíveis à fragilização quando aquecidos por um determinado período de tempo na faixa de 400 a 550 C. Segundo Kah e Dickinson [1] e Van Zwieten e Bulloch [2] esse fenômeno, conhecido como Fragilização a 475 C, aumenta o limite de ruptura e a dureza do material, diminui a ductilidade, a resistência ao impacto e a resistência à corrosão [3 6]. Na soldagem de aços inoxidáveis ferríticos, determinadas regiões da zona afetada pelo calor (ZAC) experimentam os efeitos dessa faixa de temperatura de fragilização e, dependendo da composição do aço e do nível da energia de soldagem empregada, essas regiões poderão ser fragilizadas. Atualmente, nas unidades de refino da Petrobras, a recuperação das torres de destilação que sofreram corrosão naftênica é realizada por meio da aplicação de um lining de aço inoxidável austenítico. Uma técnica alternativa para a recuperação dessas torres seria a aplicação de um lining de aço inoxidável ferrítico AISI 444, que apresenta resistência à corrosão comparável com a dos austeníticos, possui resistência à corrosão sob tensão 41

EFEITO DA ENERGIA DE SOLDAGEM NA ZONA AFETADA PELO CALOR DO AÇO INOXIDÁVEL FERRÍTICO AISI 444 superior, coeficiente de expansão térmica mais próximo do coeficiente do próprio material das torres de destilação, o que proporcionará uma expansão térmica razoavelmente uniforme na união entre os dois materiais, além de ter seu custo reduzido quando comparado aos austeníticos; entretanto, para essa alternativa tornar-se viável, é de extrema importância que se conheçam os problemas que poderão surgir na ZAC desses aços, quando soldados em diferentes níveis de energia. Além do mais, a Petrobras utiliza os eletrodos inoxidáveis austeníticos AWS E316L-17 e E309Mol-16 para a soldagem de recuperação de aços inoxidáveis ferríticos, daí a importância na realização de estudos que caracterizem o comportamento da ZAC de aços inoxidáveis ferríticos, soldados com eletrodos austeníticos. 2 OBJETIVOS Caracterizar a ZAC do aço inoxidável ferrítico AISI 444, soldado em três níveis de energia, utilizando os eletrodos austeníticos AWS E316L-17 e AWS E309MoL-16. Para isto, foram realizadas microscopias ópticas e eletrônicas, além do levantamento dos perfis de microdureza Vickers, ao longo da ZAC. 3 METODOLOGIA O material utilizado foi o aço inoxidável ferrítico AISI 444, cuja composição química encontra-se na Tabela 1. Observa-se o baixíssimo teor de carbono, típico dessa geração de aços ferríticos e o alto teor de cromo, ambos são responsáveis pela estabilidade da fase ferrítica e presença de titânio e nióbio, adicionados a esta liga, para evitar a formação de carbonetos de cromo [7]. Para caracterizar o aço no estado em que foi recebido, foram realizadas microscopias ópticas, eletrônicas e medição de microdureza Vickers. Os ataques químicos foram realizados com o reagente de Vilella (100 ml de álcool etílico + 1 g de ácido pícrico + 5 ml de ácido clorídrico) [8]. Foram realizadas simples deposições de metal de solda em chapas de aço AISI 444 de 150 mm x 50 mm x 3 mm com dois eletrodos austeníticos (Tabela 2). As deposições foram em corrente contínua, eletrodo no positivo. Os valores de corrente utilizados são os fornecidos pelo Catálogo do Fabricante. Neste catálogo, o fabricante fornece uma faixa de corrente de aplicação dos eletrodos. Adotaram-se os valores extremos e a média dessa faixa de corrente. As energias de soldagem obtidas foram aproximadamente iguais para os dois tipos de eletrodos para fins de comparação. Na Tabela 3, são apresentados os valores dos parâmetros de soldagem utilizados: velocidade de soldagem (Vs), corrente eficaz (Ief), tensão eficaz (Uef) e energia de soldagem (Es). Após a realização da soldagem, a ZAC foi caracterizada por meio de microscopia óptica e eletrônica, além do levantamento dos perfis de microdureza Vickers. Todos os ataques químicos foram realizados com o reagente de Vilella. Tabela 3: Parâmetros de soldagem utilizados para os dois eletrodos. Vs Ief Uef Es Eletrodo Ensaio (cm/min) (A) (V) (kj/cm) AWS E316L-17 1 80 63 26,3 12,4 2 92 53 24,6 8,5 3 130 43 25,5 5,2 Tabela 1: Composição química do aço AISI 444 (% em massa). C Mn Si Ni Mo Cr 0,015 0,12 0,54 0,20 1,85 17,55 Al Cu Co V Nb Ti AWS E309MoL-16 4 90 72 26,8 12,8 5 120 64 26,2 8,4 6 170 57 27,2 5,4 0,01 0,03 0,02 0,045 0,16 0,13 Foram utilizados dois tipos de eletrodos revestidos inoxidáveis austeníticos de 2 mm de diâmetro cujas composições químicas dos metais depositados, fornecidas pelo fabricante, encontram-se na Tabela 2. Tabela 2: Composição química dos eletrodos segundo fabricante (% em massa). Eletrodos C Cr Ni Mo Mn Si AWS E316L-17 <0,03 18,3 11,8 2,5 0,7 0,9 AWS E309MoL-16 <0,03 23 13 2,5-4 RESULTADOS E DISCUSSÃO A microestrutura do aço inoxidável ferrítico AISI 444 como foi recebido e sua análise dispersiva de raio-x estão mostrados nas Figuras 1a e 1b. Este aço apresentou nesta condição uma dureza em torno de 199 HV. Ao longo da matriz ferrítica e de alguns contornos de grão, é possível observar a presença de precipitações que, após a análise por EDX, constatou-se que são carbonitretos de titânio, conforme relatado por Modenesi et al. [9]. Essas precipitações estão diretamente relacionadas com os teores de carbono, titânio e nitrogênio, presentes na solução sólida. O elemento, titânio, funciona como 42

um estabilizador, combinando-se com o nitrogênio e o carbono, evitando a formação de carbonetos de cromo [10,11]. Essas precipitações são comuns em aços inoxidáveis ferríticos devido à baixa solubilidade de nitrogênio e carbono na fase ferrítica, ao contrário dos aços inoxidáveis austeníticos. A Figura 2a mostra uma microscopia eletrônica dos carbonitretos de titânio e a Figura 2b mostra seu respectivo EDX. Figura 2. Carbonitreto de titânio em imagem de elétrons retro espalhados. Aumento: 4000x. Análise dispersiva de Raio-X (EDX) do carbonitreto de titânio apresentado na Figura 2a. Figura 1. microestrutura do aço AISI 444 como recebido. Aumento 200x. Análise da composição química obtida por EDX. Conforme relatado por Modenesi et al. [9] e também comprovado neste trabalho, a ZAC do aço inoxidável ferrítico AISI 444 é marcada por intenso crescimento de grão nas proximidades da linha de fusão e também pela existência de algumas precipitações muito finas tanto nos contornos, como nos grãos. Foi constatado também que o tamanho dos grãos são diferentes para as energias de soldagem utilizadas. As Figuras 3, 4 e 5 mostram as microscopias ópticas na região próxima à linha de fusão, para os dois tipos de eletrodos utilizados e para os três níveis de energia empregados, conforme Tabela 3. Pode-se observar claramente, nas Figuras 3 a 5 que quanto maior for a energia de soldagem, maiores serão os grãos na ZAC. Este crescimento de grão exagerado é um dos principais problemas na soldagem de aços inoxidáveis ferríticos. Na ZAC, nas proximidades da linha 43

EFEITO DA ENERGIA DE SOLDAGEM NA ZONA AFETADA PELO CALOR DO AÇO INOXIDÁVEL FERRÍTICO AISI 444 de fusão, existem em alguns contornos de grão e na matriz ferrítica, algumas precipitações muito finas, que podem ser carbonetos ou carbonitretos, finamente precipitados. Este comportamento foi constatado em todos os níveis de energia de soldagem e para os dois tipos de eletrodos. Figura 4. ZAC do aço AISI 444. Ensaio 2. Ensaio 5. Aumento de 50x. Energia 8,5 kj/cm. Figura 3. ZAC do aço AISI 444. Ensaio 3. Ensaio 6. Aumento de 50x. Energia 5,4 kj/cm. Figura 5. ZAC do aço AISI 444. Ensaio 1. Ensaio 4. Aumento de 50x. Energia 12,6 kj/cm. A princípio, esses precipitados poderiam caracterizar o fenômeno de sensitização, uma vez que, para os aços ferríticos, é esta a região que atinge temperaturas 44

acima de 925 C, onde ocorre este fenômeno; mas, em alguns contornos bem mais afastados dessa região, ou seja, regiões que, possivelmente, atingem temperaturas abaixo de 925 C, este fenômeno também é observado. Na Figura 6, é possível visualizar essas finas precipitações tanto na matriz ferrítica, quanto nos contornos de grão. por meio de microscopia eletrônica que se tratava de fase de Laves. Figura 6. Precipitação de possíveis carbonetos e/ou carbonitretos logo abaixo da linha de fusão. Aumento de 500x. As amostras soldadas, após serem observadas no microscópio eletrônico, revelaram um comportamento interessante: bem abaixo da linha de fusão existem precipitações finíssimas em formato de agulha que medem entre 0,5 e 0,7 µm de espessura. Esse comportamento foi verificado em todas os níveis de energia de soldagem empregados para os dois eletrodos. Essas precipitações, por estarem no limite da resolução do microscópio eletrônico utilizado (0,5 µm) não foram analisadas pelo EDX. As Figuras 7a e 7b mostram as precipitações resultantes para os dois tipos de eletrodo. Constatou-se nessas figuras que praticamente não existem carbonitretos de titânio na região onde finas precipitações ocorrem. Isto pode indicar que esses carbonitretos se solubilizaram com a alta temperatura e, a seguir, no resfriamento, se reprecipitaram finamente. A Figura 8 mostra essas finas precipitações com maiores detalhes. Após consultas a literaturas especializadas em aços inoxidáveis, observaram-se algumas semelhanças geométricas entre essa fase precipitada no aço inoxidável ferrítico soldado e algumas precipitações de fases intermetálicas que ocorrem em aços inoxidáveis austeníticos. Dentre as fases intermetálicas, a que mais se assemelhou com a fase precipitada na ZAC do aço inoxidável ferrítico foi a fase de Laves. Esta hipótese é reforçada quando se considera a pesquisa de Faria [12] que, em seu trabalho encontrou fases de aspecto semelhante às Figuras 5 e 6, na soldagem de aço inoxidável ferrítico (AISI 409) e comprovou Figura 7. Microscopia eletrônica ZAC. 200x. Ensaio 3. Microscopia eletrônica da ZAC. 200x. Ensaio 6. Figura 8. Precipitações logo abaixo da linha de fusão. 4000x. Ensaio 6. Foram levantados os perfis de microdureza da ZAC para todas os níveis de energia e os dois tipos de eletrodo. As Figuras 9 a 12 mostram esses perfis de microdureza para o menor e maior nível de energia de 45

EFEITO DA ENERGIA DE SOLDAGEM NA ZONA AFETADA PELO CALOR DO AÇO INOXIDÁVEL FERRÍTICO AISI 444 soldagem. Pode-se observar que nos grãos mais grosseiros, juntos à linha de fusão, a dureza é inferior à dureza do metal de base que foi aproximadamente de 199 HV. Para a ZAC das amostras soldadas com eletrodo AWS E316L-17, esses valores de dureza tendem a cair ao longo da ZAC. Para a ZAC das amostras soldadas com eletrodo AWS E309MoL-16, esses valores de dureza tendem a cair até certa altura da ZAC e depois crescem significativamente para valores próximos à do metal de base. Isto pode ser atribuído à distribuição dos tamanhos de grão ao longo da ZAC ou a presença de precipitados ou fases fragilizantes. Uma vez que, nas proximidades da linha de fusão, os grãos foram demasiadamente grandes, de uma maneira geral, para os perfis de microdureza levantados, essa região apresentou dureza considerável, provavelmente, devido à precipitação da fase de Laves, que provoca endurecimento. 200 195 190 185 180 175 170 165 160 AWS E316L-17 E=5,2 KJ/cm 155 0 0.5 1 1.5 2 2.5 3 Figura 9. Perfil de microdureza ao longo da ZAC para amostra soldada com o eletrodo AWS E316L-17 e energia de soldagem de 5,2 kj/cm 188 182 176 170 164 158 AWS E309MoL-16 E= 5,4kJ/cm 152 0 0.4 0.8 1.2 1.6 2 2.4 2.8 Figura 11. Perfil de microdureza ao longo da ZAC para amostra soldada com o eletrodo AWS E309MoL-16 e energia de soldagem de 5,4 kj/cm 176 172 168 164 160 156 AWS E309MoL-16 E=12,8kJ/cm 152 0 0.4 0.8 1.2 1.6 2 2.4 2.8 Figura 12. Perfil de microdureza ao longo da ZAC para amostra soldada com o eletrodo AWS E309MoL-16 e energia de soldagem de 12,8 kj/cm 200 AWS E316L-17 E=12.4kJ/cm 4 CONCLUSÕES 190 180 170 160 150 140 130 0 0.4 0.8 1.2 1.6 2 2.4 2.8 Figura 10. Perfil de microdureza ao longo da ZAC para amostra soldada com o eletrodo AWS E316L-17 e energia de soldagem de 12,4 kj/cm. Dos conceitos e argumentos emitidos neste trabalho, pode-se concluir: A ZAC do aço inoxidável AISI 444 soldado com os eletrodos AWS E316L-17 e AWS E309MoL-16 apresentou significativo crescimento de grão e diminuição dos valores de dureza em relação ao metal de base na região mais próxima da linha de fusão. Foi observada a presença de finíssimas precipitações próximo da linha de fusão, semelhante a fase de Laves, independentemente da energia de soldagem e do tipo de eletrodo utilizado. 46

O aumento do nível de energia de soldagem resultou no aumento dos grãos na ZAC: grão grosso, em ambos os eletrodos. Apesar de os grãos serem demasiadamente grandes, próximo da linha de fusão, de uma maneira geral, esta região apresentou dureza considerável, provavelmente, devido à precipitação da fase de Laves. REFERÊNCIAS [1] KAH, D. H.; DICKINSON, D. W. Weldability of the Ferritic Stainless Steels. Welding Journal, v. único, New York, p. 135s-142s, ago 1981. [2] VAN ZWIETEN, A. C. T. M.; BULLOCH, J. H.; Some Considerations on the Toughness Properties of Ferritic Stailess Steels A Brief Review. International Journal Pressure Vessel & Piping, England, v. 56, n.1, p. 1-31, 1993. [3] CORTIE, M. B.; POLLAK H. Embrittlement and aging at 475 C in an experimental ferritic stainless steel containing 38 wt.% chromium. Materials Science and Engineering A, v. 199, n. 2, pp 153-163, Aug. 1995. [4] SAHU, J. K.; KRUPP U.; GHOSH R. N.; CHRIST H. J. Effect of 475 C embrittlement on the mecanical properties of duplex stainless steel. Materials Science and Engineering A, v. 508, n. 1 and 2, pp 1-14, May 2009. [5] HOAQUAN, W. Influence of annealing and aging treatments on the embrittlement of type 446 ferritic stainless steel, Journal Material Engineering, New York, v. 9, n.1, pp 51-61, March 1987. [6] TAVARES, S.S.M.; NORONHA, R.F. DE; SILVA, M.R. DA; M. NETO, J.; PAIRIS, S. 475 C Embrittlement in a Duplex Stainless Steel UNS S31803, Materials Research, v. 4, n. 4, pp. 237-240, Oct. 2001. [7] VILLAFUERTE, J.C.; KERR, H.W. Phase transformations in stainless steel weld metal and heat-affected zones. Key Engineering Materials, Switzerland, v. 69&70, p.129-148, 1992. [8] G.F.V. Voort, H. James, M.K. Mills, J.R. Davis, J.D. Destefani, D.A. Dieterich, G.M. Crankovic, M.J. Frissell. ASM Handbook: Metallography and Microstructures. Vol, 9, USA: ASM International, p. 284, 1992. [9] P. J. Modenesi, P. V. Marques, D. B. dos Santos. Curso de Metalurgia da Soldagem. Belo Horizonte, UFMG, 1992 [10] E. Folkard. Welding Metallurgy of Stainless Steels, Springer, Vienna, 1988. [11] A.J. Sedricks. Corrosion of Stainless Steels. Wiley-Interscience Publications, second edition, New York, USA, 1996. [12] R. A. Faria. Efeito da Composição Química de Aços Inoxidáveis Ferríticos no Desempenho de Juntas Soldadas pelo Processo a Arco Metálico Gasoso (SAMG). 200 folhas. Dissertação (Mestrado em Engenharia Metalúrgica), Universidade de São Paulo, São Paulo- SP, 2000. 47