O QUE HÁ EM UM NOME? Aníbal Bruno Uma caldeira sempre prestes a explodir tem o nome de um grande pernambucano Diante da pergunta, a mente viaja em direção a Romeu e Julieta, os apaixonados protagonistas de uma das mais conhecidas tragédias shakespearianas. Deixando-se para trás a Verona renascentista, no entanto, tem-se, aqui, no Recife, também uma tragédia. E das grandes. E, o que é pior, real. E também com mortes. Não as mortes dos dois jovens plenos de uma paixão tolhida pelas desavenças de Montechios e Capuletos, mas a morte miserável de homens desprovidos de amor e de dignidade. O que há em um nome? O que chamamos rosa não teria, com outro nome, o mesmo perfume?, indagou Julieta ao seu amado. No caso pernambucano, todavia, o que há em um nome é um presídio, uma caldeira sempre prestes a explodir, como, aliás, explode freqüentemente, trazendo rebeliões e assassinatos chocantes. Uma cadeia degradante, ironicamente edificada em uma avenida de nome Liberdade, e onde campeiam a aids, a tuberculose, os piolhos, a sífilis, os estupros, os assassinatos e, enfim, todas as coisas que fazem da vida uma abjeção. E que, apesar de tudo, tem o nome de um grande pernambucano, como você verá a seguir. 1 / 5
Aníbal Bruno de Oliveira Firmo nasceu em Palmares, onde fez o curso primário, e aos onze anos de idade, atingido pela orfandade de pai, morava no Recife, onde passou a cursar Humanidades no Ginásio Pernambucano. Aprendeu a enfrentar a vida sozinho, o que o fez, desde cedo, maduro e responsável, plasmando-se o grande homem que viria a ser. Em 1913, como funcionário dos Correios e Telégrafos, formou-se em ciências jurídicas e sociais pela Faculdade de Direito do Recife e passou também a ensinar português em diversos colégios recifenses. Mais adiante, corria o ano de 1925, graduou-se em ciências médicas pela Faculdade de Medicina do Recife. Para muitos, dois cursos superiores já seriam bastantes, mais ainda naqueles tempos em que poucos se graduavam, mas Aníbal Bruno era um homem múltiplo. Assim, dedicou-se a ensinar, a transmitir conhecimentos, a contribuir à sua maneira para uma sociedade mais eqüitativa. Foi professor da Faculdade de Filosofia e Ciências Sociais de Pernambuco, do Instituto de Educação de Pernambuco, da Escola Normal Pinto Júnior, da Escola Normal do Estado, da Faculdade de Direito do Recife e, como livre-docente, ressalte-se, da Faculdade de Medicina do Recife e do Ginásio Pernambucano onde estudara aos onze anos de idade. Relembre-se que Aníbal Bruno tinha a determinação de fazer. E fazia. E parecia elastecer o tempo. Dirigiu o Departamento de Educação de Pernambuco, onde demonstrou toda a sua efervescência; propôs o plano de reforma da Escola Normal Oficial; criou os serviços de escoteiros e bandeirantes nas escolas primárias do estado, o seminário pedagógico, a biblioteca central dos professores, o Museu Pedagógico Central, o Boletim de Educação do Estado, e os serviços de educação física, música e canto orfeônico nas escolas primárias; e organizou o serviço de antropologia, psicologia e medicina escolar. Por sua fundamental importância na educação pernambucana e pelo tanto que realizou, Aníbal Bruno, um dos fundadores e diretores da Universidade Popular do Recife, representou Pernambuco em muitos congressos educacionais. 2 / 5
O que para as pessoas comuns já seria bastante, para Aníbal Bruno ainda era pouco. Professor de carreira, médico, jurista e filólogo, membro da Academia Pernambucana de Letras, nos legou diversos trabalhos nas mais diversas áreas. Entre 1926 e 1940 produziu O equilíbrio ácido-base do sangue; Das glândulas paratireóides em patologia; Chaucer na língua e na literatura inglesa; O exame alfa (um estudo de psicologia e psicotécnica); O romantismo; Interjeições e onomatopéias; Um programa educacional; Contribuição ao estudo da fisiopatologia constitucional; A perigosidade criminal; Tobias Barreto criminalista; Biologia e direito; Medidas de segurança e Língua portuguesa (quatro volumes). Aníbal Bruno, repita-se, era incansável. Tanto que, de 1941 a 1945, escreveu A Faculdade de Direito do Recife e o pensamento jurídico-penal brasileiro; Culpabilidade, imputabilidade, responsabilidade formas de culpabilidade o dolo e a culpa, além de Estado de necessidade e Legítima defesa. Foi entre 1956 e 1969, contudo, que publicou aqueles que são, provavelmente, os mais importantes dos seus livros: Direito penal, em quatro volumes, e Comentários ao código penal, em dois volumes. Por tudo isso, sempre que você vir notícias alarmantes sobre o presídio Aníbal Bruno, lembre-se de que por trás do nome está Aníbal Bruno de Oliveira Firmo, uma cultura ampla, um jurista refinado, um nome que honra a pernambucanidade. 3 / 5
Há que se perguntar então: como um homem tão brilhante dá nome a um antro, um local tão selvagem, tão desprezível? Talvez porque, fazendo-se da música metáfora, As estrelas lá do céu também refletem na lama, como ensina um tango de Herivelto Martins e Nelson Gonçalves. O pernambucano Aníbal Bruno de Oliveira Firmo nasceu a 22 de março de 1890, em Palmares, e morreu 86 anos depois, a 17 de abril de 1976, no Rio de Janeiro. Pensando bem, será que, com uma obra tão vasta, não terá conquistado a imortalidade? *Marcelo Alcoforado é publicitário e jornalista marceloalcoforado@speedmais.com.br 4 / 5
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