Parte IV - Raízes dispersas, ramos indissociáveis: síntese e jogo

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Transcrição:

Parte IV - Raízes dispersas, ramos indissociáveis: síntese e jogo Luzia Aparecida Oliva dos Santos SciELO Books / SciELO Livros / SciELO Libros SANTOS, LAO. O percurso da indianidade na literatura brasileira: matizes da figuração [online]. São Paulo: Editora UNESP; São Paulo: Cultura Acadêmica, 2009. 447 p. ISBN 978-85-7983-020-4. Available from SciELO Books <http://books.scielo.org>. All the contents of this work, except where otherwise noted, is licensed under a Creative Commons Attribution-Non Commercial-ShareAlike 3.0 Unported. Todo o conteúdo deste trabalho, exceto quando houver ressalva, é publicado sob a licença Creative Commons Atribuição - Uso Não Comercial - Partilha nos Mesmos Termos 3.0 Não adaptada. Todo el contenido de esta obra, excepto donde se indique lo contrario, está bajo licencia de la licencia Creative Commons Reconocimento-NoComercial-CompartirIgual 3.0 Unported.

PARTE IV RAÍZES DISPERSAS, RAMOS INDISSOCIÁVEIS: SÍNTESE E JOGO

Encontram-se, nesta parte, dois autores expoentes no projeto literário brasileiro, por serem considerados ponta de lança. A atitude presente nas obras dos dois antropófagos, um do barroco setecentista Gregório de Matos, outro, do modernismo Oswald de Andrade, filia-os à reação sistemática contra os mecanismos do poder com raízes na estrutura econômica e na sociedade patriarcal. O que no barroco de Gregório de Matos apoia-se na apropriação da realidade, para degluti-la posteriormente, desliza para a reflexão sobre ela no modernismo de Oswald. Assim, segundo Ávila (1975, p.34), o que o Barroco trouxera remotamente como abertura criativa ao primeiro esboço de uma expressão brasileira [...] é retomado e revigorado pelo movimento de 1922, que, no entanto, já não o conceitua mais como artifício de ornamento da linguagem, porém como pesquisa de linguagem. Os poemas escolhidos dentre a obra satírica de Gregório de Matos são exemplares no tocante ao aspecto de apropriação da linguagem e da realidade que emergem das duas essências culturais presentes na nova terra. Na leitura feita por Ávila (1975, p.31), por esse viés, Gregório viabiliza pela primeira vez uma saída brasileira na expressão literária de língua portuguesa. Assim, sua poesia articula novos materiais significantes, expostos pelo cotidiano e pela oralidade, o que lhe concede entoar a língua brasileira, na captação de seu léxico híbrido, constituído a partir do índio, do negro e do colonizador. De modo particular, e atendendo aos objetivos deste trabalho, tomamse, por referência, dois poemas em que a língua tupi, fiada no tecido barroco, soa, conforme aponta Bosi (2004, p.40), como uma nota mordaz,

300 LUZIA APARECIDA OLIVA DOS SANTOS encorpada pela oposição e denúncia que incide sobre os caramurus, cujo torpe idioma é Cobepá. Ao inserir sua mordacidade num campo em que reinava absoluta a forma clássica, desestabilizou o cânone e deslocou o olhar para a cultura local. Isso não se dá apenas no plano temático, pois os símbolos trazidos da língua, por exemplo, contribuem para dar novo significado ao confronto que se eleva em mão dupla: rebaixa os governantes (caramurus) e, ao mesmo tempo, imprime a cultura indígena por meio de seu léxico. Ao representar o índio pela sua língua, o código barroco instalado na poesia satírica gregoriana é um duplo dizer, conforme aponta Campos (1983, p.114), pois ao dizer um código de alteridades, detona uma cápsula de humor dessacralizante, digerindo a língua-mãe dos cronistas. Com essas características, nasceu uma poesia adulta, ao se posicionar como resposta à realidade utópica construída sobre o signo do novo mundo. Segundo Gomes (1985, p.293), esses recursos se ajustavam aos objetivos da sátira, funcionando os tupinismos como arma de desmoralização das veleidades aristocráticas dos seus conterrâneos, a fidalguia mazomba tão malsinada pelo poeta. Em Gregório de Matos, a representação do nativo pela língua devora o que se opõe ao panorama local, ao mesmo tempo, dá vazão à tendência lúdica de sua poesia, ao prazer de combinar termos raros ou pouco usuais para obter efeitos humorísticos, ou no nível das rimas, ou no próprio corpo do poema (Gomes, 1985, p.293). Em Oswald de Andrade, encontra-se um caminho mais profundo em Pau-brasil (1924), obra basilar na leitura da figuração do indígena. Do confronto entre civilização invasora e selva inculta invadida, os poemas escolhidos escavam a matéria-prima na linguagem do invasor para recompor-se em matéria antropofágica no fazer poético que busca o frescor na linguagem primitiva. Na leitura esclarecedora de Chamie (2002), dois aspectos são apontados ante a visão de Oswald aos textos dos cronistas. Esses dois pontos são imprescindíveis para o entendimento do espaço que os poemas-referência ocupam neste exercício de leitura. Segundo o crítico, a bipartição revela, de um lado, que são textos espontâneos, frutos do deslumbramento do invasor diante das impressões primeiras da terra, nos quais se deixam marcar pela ingenuidade e não pelo caráter letrado ao qual estavam inseridos os cronistas. De outro lado, vê nos textos a presença escolarizada, marcada na retórica envolvida pela máscara do poder. Assim, sob o revestimento da retórica, encontram-se os preceitos e as convenções, e, sob o revestimento do poder,

O PERCURSO DA INDIANIDADE NA LITERATURA BRASILEIRA 301 sublinham-se os rituais de cerimônia e protocolo. Sendo os textos escritos sob essa óptica, perdem sua originalidade para incorporarem as substâncias que o poder lhe empresta. Desse modo, o trabalho de escavação que Oswald realiza na Carta de Achamento, de Pero Vaz de Caminha, é, antes de tudo, a compreensão da montagem do seu discurso por meio da apropriação. Aliado à concepção antropofágica e à poesia Pau-brasil, o poeta pauta-se pela vertente inculta e natural para opor o contexto ritualizado do poder protocolar do cronista. O trabalho arqueológico feito desliza, então, para aspectos que levam a pontos de intersecção com a cultura indígena, vista por Oswald como um dos elementos encobertos pelo texto protocolar, uma espécie de paródia, feita pelo cronista-autor, dos gestos e ações do nativo. Na poesia Pau-brasil, a presença indígena, embutida no texto de Pero Vaz, foi redescoberta, para fazer emergir a fala adâmica, existente antes da fala invasora e seus artifícios gramaticalizados. A poesia Pau-brasil é fruto do desentranhamento e da garimpagem, conforme termos de Chamie (2002), para recapturar a essência, ocultada pela retórica do poder invasor. Sob o fascínio que a diferença nativa exerce, Pero Vaz descreve a existência de uma realidade a partir do expansionismo cristocêntrico, o que o leva a interpretar o que vê e o que lhe parece ser do modo que desejar, resumindo, assim, a moral, a metafísica, a gramática, a religião, a política, a economia que nutrem e fundamentam o discurso invasor (idem, p.84). Para refazer o texto da Carta, Oswald realiza uma dupla troca e substituição de papéis para apropriar-se às avessas do discurso apropriado. Entenda-se nos dois papéis a do sujeito mitológico do discurso, como poeta, e o de persona indígena, ao investir-se como coautor do cronista Pero Vaz. Com o poder de reescrever o texto, desembaraça o feito da descoberta e chega à inocência pré-lógica, na qual prevalece a percepção intuitiva, sem as amarras do saber oriundo do invasor. Por esses aspectos apontados, não se pode ler, ingenuamente, a poesia Pau-brasil como uma simples paródia dos textos dos cronistas. A paródia existe, sem dúvida, porque são evidentes os resquícios do texto-matriz nos poemas garimpados, mas a originalidade do texto oswaldiano é chancelada na concepção de uma cultura primitiva que ressurge como realidade genuína, a partir da apropriação do colonizador, em seu discurso deformado. Com a autonomia do ver com olhos livres, o to be or not to be será deglutido por outra questão: tupi ou not tupi.