PROPORÇÃO DE INÓCULO PARA BIODIGESTÃO ANAERÓBIA DE VINHAÇA - ADEQUAÇÃO DE ph INOCULUM RATIO FOR VINASSE ANAEROBIC BIODIGESTION ph SUITABILITY Taciana do Nascimento Santos (1) Nilson Vicente da Silva Medeiros (2) Rômulo Simões Cezar Menezes (3) Resumo O ph é um parâmetro extremamente importante quando se trata de biodigestão anaeróbica. Como a vinhaça, proveniente das usinas de cana de açúcar, possui ph ácido, para realização de biodigestão de vinhaça é preciso neutralizar o meio, utilizar microorganismos adaptados ao meio ácido e/ou utilizar o próprio inóculo para obter um ph mais favorável ao processo. Nesse trabalho foram testados dois inóculos diferentes: esterco bovino e lodo proveniente de estação de tratamento de efluentes. Foi avaliada a proporção vinhaça/inóculo mais adequada para o experimento em reator de bancada do tipo batelada e com isso foi possível obter biogás à partir da biodigestão de vinhaça, utilizando lodo como inóculo. Palavras-chave: Biogás. Esterco bovino. Lodo. Abstract The ph is a very important parameter when it comes to anaerobic digestion. As vinasse obtained from sugar cane plants has acid ph, for performing vinasse digestion it is necessary to neutralize the medium, use microorganisms adapted to acid medium and/or use the inoculum itself to obtain a ph more favorable to the process. In this task, two different inocula were tested: cattle manure and sludge from sewage treatment station. It was evaluated the most suitable vinasse/inoculum proportion for the experiment on the workbench batch reactor and it was possible to obtain biogas from the digestion of vinasse using sludge as inoculum. Keywords: Biogas. Sludge. Cattle manure. 1 Introdução Para cada litro de etanol são gerados de 10 a 15 litros de vinhaça, um resíduo de ph ácido, alta carga orgânica e de nutrientes. Trata-se de uma geração de mais de 250 bilhões de litros desse efluente a cada safra de cana-de-açúcar (CONAB, 2012). 1, 2, 3 Departamento de Energia Nuclear (DEN), Programa de Pós Graduação de Tecnologias Energéticas e Nucleares (PROTEN) - Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Recife PE, Brasil. E-mail contato: taciana.ns@gmail.com 73
A vinhaça tem um potencial poluidor que é atualmente pouco considerado pelas autoridades, visto que a legislação é relativamente branda. Da mesma forma que a eliminação da prática da queima para a colheita representa redução das emissões, o uso mais racional da vinhaça pode representar ganhos expressivos. No entanto, para que sejam sugeridas alternativas ao uso da vinhaça faz-se necessário que existam pesquisas consolidadas a respeito do seu aproveitamento para outros fins, que não a fertirrigação. Nesse sentido, um dos processos que se destacam é a biodigestão anaeróbica da vinhaça para produção de biogás. Pesquisas indicam que o tratamento anaeróbico é capaz de converter mais da metade da carga orgânica do efluente em biogás e que pode ser operado com sucesso mesmo com altas taxas de carga orgânica, sendo uma tecnologia relativamente simples e de baixo custo (WILKIE et al., 2000; SATYAWALI e BALAKRISHNAN, 2008). 2 Material e Métodos A vinhaça utilizada nesse experimento foi coletada em usina localizada na zona da mata norte do estado de Pernambuco. O esterco bovino foi coletado na cidade de Recife, bem como o lodo, que foi proveniente de biodigestor anaeróbio ascendente de Estação de Tratamento de Esgoto. Para avaliar o ph da mistura de vinhaça com inóculo (tanto esterco, quanto lodo), foi pesado 50 g de inóculo em béquer de 100 ml. Posteriormente foi adicionada a quantidade desejada de vinhaça, o material foi agitado com bastão de vidro e a leitura do ph realizada em phmetro de bancada. Os experimentos de biodigestão foram realizado em laboratório, em triplicata, em reator de vidro de 2,5 L (Figura 1) e manômetro de 1 kgf/cm² para aferição da pressão gerada pela produção de biogás (MEDEIROS et al., 2013). Figura 1- Reator de bancada 74
O reator foi alimentado com inóculo e vinhaça, em proporção estabelecida a partir do ph do meio. No experimento com esterco utilizou-se 1000 ml do volume do reator com biomassa (esterco + vinhaça), enquanto no reator com lodo foram utilizados 800 ml (500 g de lodo; 250 ml de água e 50 ml de vinhaça). O restante do volume (1500 a 1700 ml) é o espaço vazio entre o nível do líquido e o topo do reator, onde o gás se acumula. Após a vedação e verificação de possíveis vazamentos, o ar contido no reator foi retirado com o auxílio de uma bomba à vácuo. Os reatores foram armazenados em incubadora BOD à 35ºC. A cada três dias foi aferida a pressão resultante da formação de biogás e realizada a liberação do biogás gerado. O percentual de metano foi medido ao fim do experimento (20 dias de biodigestão) com o aparelho GEM 2000. O cálculo do potencial de geração de biogás foi realizado de acordo com as equações (1) e (2) (HARRIES et al., 2001). (eq 1) Onde: T: Tempo (dias) PF (mbar): Pressão do frasco em milibar VUF (L): Volume útil do frasco em litros TF (K): Temperatura do frasco em Kelvin VGA (ml): Volume de biogás acumulado (eq 2) 3 Resultados e Discussão Para que a biodigestão anaeróbia ocorra satisfatoriamente, o ph do sistema deve ser mantido entre 6 e 8, podendo ser considerado ótimo de 7 a 7,2, pois as bactérias anaeróbias (metanogênicas) são sensíveis a presença de ácido (CORTEZ et. al., 2007). Como a vinhaça apresenta ph ácido (na faixa de 4), quanto maior a proporção de vinhaça no reator, menor o ph do meio. Na Figura 2 estão apresentadas a variação do ph em função da proporção de vinhaça e esterco. Figura 2- Relação entre as quantidades de inóculo (esterco) e substrato (vinhaça) utilizados no ph do sistema. 75
A partir da Figura 2, foi decidido testar a biodigestão anaeróbia de vinhaça em duas proporções vinhaça/esterco: 1 e 0,25. A proporção vinhaça/esterco igual a um, significa a mesma quantidade de substrato e inóculo, enquanto na proporção de 0,25 é utilizado 4 vezes mais inóculo do que substrato. Ambos os reatores apresentaram problemas. O primeiro possivelmente devido ao baixo teor de ph, o que levou a geração de CO 2 ao invés de CH 4, e o segundo devido a alta carga de sólidos, resultante da grande quantidade de inóculo utilizada, dificultando a transferência de massa no sistema. Foi utilizado, então, o lodo de estação de tratamento de esgoto como inóculo. Da mesma forma, foi analisada a variação do ph em função da proporção de vinhaça e lodo (Figura 3). Figura 3- Relação entre as quantidades de inóculo (lodo) e substrato (vinhaça) utilizados no ph do sistema. Dessa vez, para a biodigestão anaeróbia, foi utilizada proporção vinhaça/lodo de 0,1 nos reatores. Dessa forma, o ph inicial do sistema foi de aproximadamente 6,5, estando de acordo com o proposto por Cortez et. al. (2007). Vale ressaltar que para não haver problemas devido à carga de sólidos alta, o que dificulta a transferência de massa no reator, foi 76
adicionado 250 ml de água ao meio. Nessa configuração, em poucos dias os reatores começaram a produzir biogás, conforme pode ser observado na Figura 4. Figura 4- Biogás gerado durante a realização do experimento para três reatores operando sob as mesmas condições. Como a quantidade de vinhaça utilizada foi pequena (50 ml de vinhaça para 500 ml de lodo) a produção máxima por intervalo de tempo foi rapidamente alcançada (7º dia). A partir daí o reator passou a gerar menor quantidade de gás por intervalo de tempo e após 20 dias praticamente não havia geração de biogás. A produção média acumulada foi de 0,69 kgf/cm 2, o que corresponde a 1013 ml de biogás. A análise do biogás ao final do experimento mostrou que 53% do biogás era metano. Dessa forma, a produção de metano foi de quase 540 ml, utilizando apenas 50 ml de vinhaça. 4 Conclusão Como o ph inicial dos inóculos estudados estavam próximo da neutralidade, a adição de pequenas quantidades de vinhaça já era suficiente para observar queda no ph para valores não indicados para a biodigestão e os inóculos não demonstraram capacidade de tamponar o meio. O uso de grandes quantidades de inóculo, a fim de obter um ph desejável, pode levar a uma elevada carga de sólidos no reator, dificultando a transferência de massa e, consequentemente, o processo de biodigestão. A adição de água pode resolver essa questão. No entanto, em escala industrial, essa não é uma alternativa viável. No entanto, utilizando proporção de vinhaça adequada foi possível produzir metano a partir da biodigestão com lodo. Referências 77
CONAB, Companhia Nacional de Abastecimento. Acompanhamento de safra brasileira: canade-açúcar segundo levantamento. Brasília: Conab, 2012. CORTEZ, L. A. B.; SILVA, A.; LUCAS JUNIOR, J.; JORDAN, R. A.; CASTRO, L. R. Biodigestão de efluentes. In: CORTEZ, L. A. B.; LORA, E. S. (Coord.). Biomassa para energia. Campinas: Editora da UNICAMP, cap. 15, p. 493-529, 2007. HARRIES C. R.; CROSS C. J.; SMITH R. Development of a biochemical methane potential (BMP) test and application to testing of municipal solid waste samples. In: Proceedings Sardinia, Eighth International Waste Management and Landfill Symposium. Cagliari: CISA. v. 1, p. 579-588, 2001. MEDEIROS, N. V. S.; MENEZES, R. S. C.; CARVALHO, A. L.; QUEIROZ, R. O.; CARVALHO, E. X. Análise de reator anaeróbico de bancada para biodigestão controlada em laboratório. In: Jornada de Ensino, Pesquisa e Extensão, 13., 2013. Serra Talhada. Anais... Serra Talhada: UFRPE, 2013. SATYAWALI, Y.; BALAKRISHNAN, M. Wastewater treatment in molasses-based alcohol distilleries for COD and color removal: A review. Journal of Environmental Management, v. 86, p. 481-497, 2008. WILKIE, A. C.; RIEDESEL, K. J.; OWENS, J. M. Stillage characterization and anaerobic treatment of ethanol stillage from conventional and cellulosic feedstocks. Biomass and Bioenergy, v. 19, p. 63-102, 2000. 78