I-009 METODOLOGIA PARA AVALIAÇÃO DA PERFORMANCE DE ESTAÇÕES DE TRATAMENTO DE ÁGUA Marcelo Libânio (1) Engenheiro Civil e Mestre em Engenharia Sanitária (UFMG), Doutor em Hidráulica e Saneamento (USP) e Professor Adjunto do Departamento de Engenharia Hidráulica e Recursos Hídricos da UFMG. Vanessa Cristina Lopes Engenheira Civil (Unicamp) e Mestre em Saneamento, Meio Ambiente e Recursos Hídricos (UFMG). Endereço (1) : Av. Contorno, 842/8 o andar - Centro - Belo Horizonte - MG 30.110-060 - Brasil - Telefone: (31) 3238.1004 - E-mail: mlibanio@ehr.ufmg.br RESUMO O presente trabalho tem como objetivo a apresentação de uma metodologia centrada nas etapas de coagulação, floculação, decantação e filtração - que permita às administrações de sistemas de abastecimento avaliar o desempenho das estações de forma a transcender o simples atendimento ao padrão de potabilidade vigente. Centrada em ensaios de fácil exequibilidade, esta metodologia permite avaliar o desempenho dos mencionados processos e operações unitárias e em muitas circunstâncias postergar ampliações então tidas como inevitáveis, além de poder melhorar a qualidade da água tratada e reduzir o custo de operação. PALAVRAS-CHAVE: Tratamento de água, avaliação de estações, performance, desempenho, ETA. INTRODUÇÃO E OBJETIVO A avaliação do desempenho das estações de tratamento de água deve transcender o simples atendimento ao padrão de potabilidade estabelecido pela Portaria 518/2004, preferencialmente, na produção de efluente filtrado com turbidez inferior 0,5 ut. A performance global da estação de tratamento consiste na conjunção da eficiência dos processos e operações unitárias inerentes à potabilização. Os fatores intervenientes neste desempenho referem-se, em primeira instância, à adequação das características da água bruta à tecnologia de tratamento e à relação vazão afluente/capacidade da unidade. A tais fatores somam-se o custo do tratamento, intrinsecamente vinculado à dosagem e tipo de coagulantes, a duração das carreiras de filtração mais especificamente o dispêndio de água de lavagem -, a existência de curtos-circuitos entre as unidades e a intangível acuidade da operação. Neste contexto, o trabalho objetiva apresentar metodologia de avaliação do desempenho das estações convencionais de tratamento de água centrando-se nas etapas de coagulação, floculação, decantação e filtração METODOLOGIA Para avaliação do desempenho de estações alguns equipamentos e dispositivos tornam-se imprescindíveis: i) Turbidímetro com faixa de variação de leitura entre 0 e 1000 ut; ii) Potenciômetro; iii) Preferencialmente, espectrofotômetro com faixa de variação do comprimento de onda entre 400 e 700 nm, para leituras de transmitância/absorvância - vale registrar que, apesar das limitações, a maioria das estações do País utiliza o disco comparador para determinação da cor verdadeira e aparente; iv) Equipamento de jar test apto a permitir coleta de água decantada e aplicação de coagulante simultâneas nos seis jarros, e capaz de conferir gradientes de velocidade de até 1500 s-1; v) Vidraria; vi) Caixa fibro-cimento de 500 litros para preparação das águas com características que se manifestam em período do ano distinto ao da realização dos ensaios de coagulação; vii) Dispositivo para coleta de material filtrante durante a lavagem dos filtros constituído de amostradores instalados a cada 5 cm em uma tubulação de PVC. ABES - Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental 1
Na Figura 1 são apresentados um dos modelos de equipamento de jar test recomendável para realização dos ensaios de coagulação e na Figura 2 o dispositivo para avaliação do grau expansão do meio filtrante durante a lavagem. Figura 1 - Aparelho de Jar Test recomendado para realização dos ensaios de coagulação Figura 2 - Dispositivo para avaliar o grau de expansão do meio filtrante durante a lavagem O primeiro passo consiste na avaliação da capacidade das unidades e levantamento dos parâmetros hidráulicos intervenientes nas etapas de coagulação, floculação, decantação e filtração. A elaboração de um gráfico como o da Figura 3 é uma alternativa para consistir tais informações tendo as recomendações da ABNT (1992) como premissa norteadora (RENNER & HEGG, 1992). Deste pode-se observar que a ETA em questão possui unidades de decantação e filtração suficientes para tratar a vazão de pico, no entanto a unidade de floculação é capaz de fornecer o tempo de detenção recomendado pela ABNT (1992) somente para vazões de até 62% da vazão de pico. ABES - Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental 2
Des 405 356 198 0 100 200 300 400 Vazão (L/s) Floculação Decantação Filtração Valores adotados segundo NBR 12216 3 : Tempo mínimo de detenção = 30 min Taxa de filtração = 360 m 3 /m 2.d Taxa de aplicação superficial = 40 m 3 /m 2.d Dimensões das unidades da ETA: Vazão de pico = 320 L/s Floc = 5 câmaras (4,45 x 4,45 m) Dec = 3 unidades (28 x 9,15 m) Filt = 4 unidades (4,5 x 5,4 m) Profundidade média floc = 3,6 m Calculo da capacidade das unidades: Floc = 4,45*4,45*5*1000/20*60 = 198 L/s Dec = 28*9,15*3,6*3*1000/40 = 356 L/s Filt = 4,5*5,4*4*1000*360/86400 = 405 L/s Figura 3 Diagrama para avaliação da capacidade das unidades Em relação à avaliação das condições da mistura rápida, maior atenção deve ser direcionada à homogeneidade da dispersão dos coagulantes, do que aos parâmetros hidráulicos anteriormente determinados, pois há consenso no meio técnico acerca da menor relevância do gradiente de velocidade (Gmr) e do tempo de reação na mistura rápida (Tmr) para eficiência da coagulação realizada no mecanismo da varredura. Para elaboração do diagrama de coagulação objetivando definir a dosagem, e eventualmente o tipo de coagulante e o ph de coagulação, os parâmetros para os ensaios de jar test devem ser determinados de modo a reproduzirem com maior fidedignidade as condições reais estação. Este diagrama consiste de um gráfico no qual plota-se em ordenadas a dosagem do coagulante em mg/l ou a concentração molar do metal, alumínio ou ferro, e nas abcissas o ph de coagulação. Cada ponto do interior do gráfico corresponde à remoção percentual do parâmetro de interesse, usualmente cor aparente ou turbidez, associado ao par de valores ph-dosagem de coagulante. A definição da dosagem freqüentemente permite a produção de água decantada que favorecerá carreiras de filtração mais longas e maior qualidade da água filtrada, mesmo para unidades filtrantes ora operando com sobrecarga. Para estações dotadas de medidores Parshall como unidades de mistura rápida, os ensaios em reatores estáticos devem ser realizados com Tmr de 5 s e Gmr superior a 800 s -1. Quando o equipamento não permitir gradientes desta magnitude, deve-se utilizar o valor máximo possível e Tmr da ordem de 30 s. Os parâmetros referentes à floculação, gradiente de velocidade(gf) e tempo de detenção (Tf), devem merecer abordagem distinta. O primeiro - constante ou variável ao longo das câmaras - é de mais fácil determinação, a partir das dimensões das passagens para unidades hidráulicas ou da rotação e geometria das paletas para as unidades mecanizadas. O tempo de floculação deve ser definido fundamentado em duas vertentes. Para as unidades hidráulicas dotadas de mais de oito câmaras, o tempo de floculação adotado nos ensaios pode ser idêntico ao tempo de detenção da unidade em escala real. Em outro contexto, para unidades com menor número de câmaras são raras as unidades de floculação mecanizadas dotadas de mais de cinco câmaras o tempo de floculação deverá ser determinado por meio de ensaio com traçador. Recomenda-se o emprego de ácido fluorsilíssico, ou mesmo sal de cozinha para estações que não realizam a fluoretação, com o tempo real de floculação podendo ser determinado de forma expedita por meio da concentração máxima do traçador. Resultados típicos de ensaios com traçador por meio do monitoramento da concentração de fluoreto são apresentados na Figura 4 (a). Para estações com mais de uma unidade de floculação, como a referida na Figura 4, os ensaios com traçador, além de definir o tempo de floculação a ser utilizado no jar test, prestam-se também à avaliação da equanimidade na distribuição das vazões. Por fim, a definição do tempo de sedimentação vale afirmar da velocidade de sedimentação pode ser realizada com o emprego da própria taxa de aplicação superficial dos decantadores. Uma segunda alternativa baseia-se na coleta de uma amostra de água na saída da última câmara de floculação, utilizando-se do frasco do aparelho de jar test, e determinação da turbidez ou cor aparente para sucessivas coletas de alíquotas a ABES - Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental 3
distintos tempos de sedimentação. A partir da alíquota, e respectivo tempo de sedimentação, que apresentar o valor mais próximo de turbidez ou cor aparente em relação à água decantada definirá este último parâmetro para elaboração do diagrama de coagulação. Após a definição da dosagem de coagulante e ph de coagulação, e eventual alteração do coagulante primário, deve-se efetuar a comparação dos valores de turbidez ou cor aparente remanescente produzidos com as novas condições de coagulação com a água coagulada na estação. Para tal, com água coletada na entrada dos floculadores da estação e água bruta coagulada nas condições definidas pelo diagrama, realizam-se coletas sucessivas para distintas velocidades de sedimentação permitindo avaliar com maior confiabilidade o eventual aumento da eficiência. Por fim, a aplicação em escala real e o monitoramento da água decantada apontará o quão exitosas foram as etapas anteriores. A última fase da avaliação da performance foca-se no desempenho das unidades de filtração. Usualmente carreiras de filtração mais curtas estão associadas a três principais fatores: i) elevadas taxas de filtração; ii) maior aporte de partículas às unidades filtrantes vinculado às etapas anteriores; iii) mau estado do meio filtrante. O fator (iii) usualmente está relacionado a deficiências na lavagem, quer por baixas velocidades ascensionais quer pela má distribuição da água de lavagem pelo sistema de drenagem. A avaliação da lavagem deve ser realizada simultaneamente pela aferição do grau de expansão do meio filtrante inserindo-se o dispositivo da Figura 3 durante a operação e pelo monitoramento da turbidez da água de lavagem. O monitoramento da turbidez da água de lavagem consiste na coleta de sucessivas amostras a intervalos de 30s e 1min. Ao se plotar tais resultados, determina-se o tempo de duração da lavagem, ou seja, o tempo a partir do qual não se verifica nenhuma alteração significativa na turbidez da água de lavagem. Para unidades de maior porte, com área superior a 10m 2, recomenda-se a coleta em dois pontos diametralmente opostos com o fito de também avaliar a uniformidade da distribuição de água de lavagem. O gráfico da Figura 4 (b) apresenta o resultado desta avaliação realizada em uma das sete unidades de uma estação de grande porte (Q 1,1m 3 /s), culminando por confirmar a equanimidade da distribuição e por redefinir para 8min.a duração da lavagem. 1,4 1,2 1 0,8 0,6 0,4 0,2 0 0 5 10 15 20 25 30 35 40 TEMPO (min) UNIDADE ESQUERDA UNIDADE DIREITA turbidez ( ut ) 140 120 100 80 60 40 20 0 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 tempo ( min ) câmara B - extremidade câmara B - centro (a) Ensaio com traçador realizado em estação de médio porte (b) Resultado de monitoramento da turbidez de água de lavagem Figura 4 Durante este monitoramento, a estimativa do tempo de ascensão da água de lavagem no interior do filtro permitirá também inferir, com razoável acurácia, a real velocidade ascensional de água de lavagem e o grau de expansão e eventual intermescla para filtros de dupla camada do meio filtrante. Na amostra apresentada na Figura 2(b) a expansão foi da ordem de 35 cm, para uma velocidade ascensional de 0,90 m/min, e não sendo verificada intermescla dos meios filtrantes. ABES - Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental 4
CONSIDERAÇÕES FINAIS Diante da tendência de aumento das restrições constantes do padrão de potabilidade e da perspectiva de que o simples cumprimento da Portaria 518/20041 não necessariamente assegura a remoção de cistos e oocistos de protozoários como Giardia e Cryptosporidium, é necessário o desenvolvimento de metodologias capazes de nortear um processo de otimização do desempenho do processo de potabilização de água. A metodologia proposta tem o objetivo de cumprir esta função, valorizando a pré-avaliação das unidades por meio de gráficos simples, como o proposto na Figura 1, e o estabelecimento de diretrizes para a realização de ensaios. Recentemente esta metodologia foi empregada em uma estação de tratamento convencional com filtração de escoamento ascendente potabilizando vazão média de 180 L/s, com pico de 200 L/s. Os resultados permitiram postergar a construção de nova unidade de decantação embora as existentes operassem com velocidade de sedimentação de até 4,0 cm/min (a NBR 12216 recomenda 2,78 cm/min), melhorar a qualidade da água decantada e elevar a duração das carreiras de filtração. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. ABNT - Projeto de Estação de Tratamento de Água para Abastecimento Público, NBR 12216, Rio de Janeiro, ABNT, 1992 2. MINISTÉRIO DA SAÚDE Normas e Padrão de Potabilidade de Águas Destinadas ao Consumo Humano, Portaria 518, março 2004. 3. RENNER, R. C. & HEGG, B. A. Self-Assessment Guide for Surface Water Treatment Plant Optimization, AWWA Research Foundation, 213 p., USA, 1997. ABES - Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental 5