II-115 AVALIAÇÃO E COMPARAÇÃO ENTRE A ATIVIDADE METANOGÊNICA ESPECÍFICA DE LODOS DE ESGOTOS DOMÉSTICO E INDUSTRIAIS Maria Aparecida Guilherme da Rocha (1) Química, Universidade Católica de Pernambuco (UNICAP). Mestranda em Engenharia Civil, área de Tecnologia Ambiental e Recursos Hídricos, pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Técnica em Química no Departamento de Química Fundamental, CCEN UFPE. Lourdinha Florencio Engenheira Civil, UFPE. Mestre em Hidráulica e Saneamento - EESC USP. Cursos de Especialização em Engenharia Sanitária, UFC e em Digestão Anaeróbia, IHE Delft/WAU, Holanda. Ph.D em Tecnologia Ambiental, Wageningen Agricultural University. Profa. Adjunto do Depto. de Eng. Civil, Centro de Tecnologia e Geociências, UFPE. Coordenadora da Área de Tecnologia Ambiental e Recursos Hídricos do Mestrado em Engenharia Civil, UFPE. Professora do Mestrado em Gestão e Políticas Ambientais e pesquisadora do Núcleo de Saúde Pública, UFPE. Mario Takayuki Kato Engenheiro Civil, UFPR, Mestre em Hidráulica e Saneamento - EESC USP, Ph.D em Tecnologia Ambiental, Universidade Agrícola de Wageningen, Chefe do Laboratório de Saneamento Ambiental do Depto. de Eng. Civil UFPE, Prof. Adjunto do Depto. de Eng. Civil UFPE. Ana Maria Ribeiro Bastos da Silva Química Industrial, Universidade Católica de Pernambuco (UNICAP). Mestranda em Engenharia Civil, área de Tecnologia Ambiental e Recursos Hídricos, pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Técnica de Laboratório no Departamento de Engenharia Química, Centro de Tecnologia e Geociências da UFPE. Endereço (1) : Av. Acadêmico Hélio Ramos, s/n. Depto de Eng. Civil Centro de Tecnologia e Geociências - UFPE CEP 50740-530 Recife PE Brasil Tel (81) 3271 8743/ 8228, fax:3271-8219 - e-mail: magr@npd.ufpe.br RESUMO Neste trabalho comparou-se a atividade metanpgênica específica (AME) de lodo floculento de esgoto doméstico, lodo granular de cervejaria e de fábrica de alimentos. São apresentados os resultados obtidos de AME com diferentes concentrações de biomassa (SSV) e de substrato (acetato de sódio). O teste foi realizado em batelada, em sala climatizada a 30º C, em garrafas de soro de vidro de 600mL e sem agitação. A AME máxima obtida nos lodos granulares de cervejaria foi de 1,74 g DQO-CH 4. gssv -1. d -1, e de 1,20 g DQO- CH 4. gssv -1. d -1 para o da fábrica de alimentos. Para o lodo floculento de esgoto doméstico o valor foi de 0,21 g DQO-CH 4. gssv -1. d -1. PALAVRAS-CHAVE: Atividade Metanogênica Específica, Esgotos Domésticos, Esgotos Industriais, Lodos floculentos, Lodos granulares. INTRODUÇÃO Os processos anaeróbios de alta taxa têm se desenvolvido nos últimos anos devido, em grande parte, ao melhor conhecimento na área de microbiologia e bioquímica, o que resultou num aumento significativo de sua aplicação para o tratamento de diversos efluentes líquidos (Lettinga e Hulshoff Pol, 1991). Entretanto, para se obter a eficiência no tratamento desejado, deve-se manter dentro dos reatores uma biomassa adaptada, com alta atividade e resistente a choques. Essa biomassa pode ser monitorada através de técnicas que avaliam a atividade das bactérias metanogênicas (Dolfing, 1987; Alphenaar, 1994; Chernicharo, 1997). A partir do conhecimento da quantidade total de lodo presente no reator e de sua máxima atividade metanogênica específica (AME), pode-se estimar a carga orgânica máxima que poderia ser aplicada a um reator anaeróbio. Um monitoramento da atividade do lodo pode constatar antecipadamente a deterioração do lodo ABES Trabalhos Técnicos 1
devido, dentre outras coisas, à toxicidade, deficiência de nutrientes e acúmulo de sólidos suspensos. (Field et al., 1988). Apesar do teste de AME ser um instrumento muito importante, seus resultados devem ser utilizados com reservas, visto que não existe uma padronização aceita internacionalmente para o mesmo. Dessa forma, metodologias e condições experimentais diferentes, podem levar a resultados de AME também diferentes, tornando-se difíceis de serem comparados entre si. Em virtude disso, os resultados obtidos representam as atividades específicas relativas e não necessariamente as absolutas. No entanto, mesmo que os resultados sejam relativos, são muito importantes para o monitoramento e avaliação dos reatores anaeróbios (CHERNICHARO, 1997). Supondo-se que a concentração de sólidos suspensos voláteis (SSV) do reator represente a concentração de biomassa, a atividade metanogênica do lodo pode ser calculada a partir da relação entre a quantidade de DQO convertida em metano e a concentração de SSV, por unidade de tempo (Foresti et al., 1999). Da produção de metano nos reatores anaeróbios, aproximadamente 70% é devido ao acetato e o restante ao H 2 / CO 2. Portanto, para que os reatores obtenham um desempenho satisfatório, é necessário que o lodo apresente atividade metanogênica acetoclástica ( Foresti et al., 1999). Nos testes de AME com frascos estáticos, o lodo sedimenta e forma uma capa que limita a difusão do substrato. Os problemas de difusão podem ser minimizados diminuindo-se as concentrações do lodo utilizadas no ensaio (de Zeeuw, 1984). A concentração de lodo é mais crítica quando não se aplica agitação e deve-se utilizar uma concentração de substrato suficientemente alta para minimizar os problemas de difusão através do leito de lodo (Field et al., 1988). Esse trabalho tem a finalidade de avaliar e comparar os resultados do teste de AME de lodos anaeróbios. Estudou-se o efeito da concentração de biomassa e de substrato para serem utilizados em testes de AME, visando ao monitoramento e controle dos reatores anaeróbios em escala real. Para isso foram utilizados lodos floculentos, obtidos na estação de tratamento de esgotos sanitários da Mangueira, pertencente à COMPESA Companhia Pernambucana de Saneamento, e granulares provenientes de reatores UASB tratando efluentes de cervejaria e de fábrica de alimentos (processamento de milho), todos localizados na Região Metropolitana do Recife PE. MATERIAIS E MÉTODOS TESTE DE ATIVIDADE METANOGÊNICA O teste de atividade foi feito em batelada, em duplicata e em garrafas de soro de vidro com capacidade de 600 ml, deixando-se um espaço vazio de 17% do volume total do recipiente. A incubação foi realizada em uma sala climatizada a 30 ± 2ºC. O volume de metano produzido foi medido diariamente a partir do deslocamento da solução de NaOH (30g/L) de uma garrafa de soro de 1000 ml invertida, causado pela entrada do biogás no sistema de medição. Uma vez que o CO 2 contido no biogás era absorvido pelo meio básico e transformado em carbonato de sódio e, como o metano é insolúvel na água, o mesmo ocuparia o espaço livre do recipiente de medição, expelindo uma quantidade equivalente de NaOH, a qual correspondia ao CH 4 produzido. A Figura 1 apresenta uma vista do teste de AME. 2 ABES Trabalhos Técnicos
Figura 1 Sistema utilizado no teste de AME sem agitação BIOMASSA Os lodos utilizados eram proveniente de UASB tratando esgotos domésticos, de efluente de cervejaria ( Figura 2) e de alimentos ( Figura 3), todos em escala real. As análises do teor de sólidos totais e sólidos suspensos voláteis dos lodos foram feitas de acordo com o Standard Methods for the Examination of Water and Wastewater, 19ª edição, obtendo-se : 10,26 % de ST e 8,33% de SSV para o lodo de cervejaria, 10,15% ST e 9,43% SSV para o lodo da fábrica de alimentos e 28% de ST e 9,8 % de SSV para o esgoto doméstico. As concentrações de sólidos suspensos voláteis utilizadas nos experimentos foram 0,23; 0,46; 0,58; 0,92; 1,12; 1,69, 2,25, 3,38 e 4,50 g SSV/L para o lodo granular de cervejaria; 0,25 g SSV/L para o lodo granular de alimentos e 0,57; 0,92 e 1,85 g SSV/L para o lodo floculento. SUBSTRATO O substrato utilizado foi o acetato de sódio com as concentrações de 1, 2 e 4 g DQO/L, visto que ele é o precursor de cerca de 70% do gás metano produzido em condições anaeróbias. Normalmente a AME será maior na 2 a alimentação que na 1 a alimentação, em virtude da adaptação da biomassa ao substrato ou do crescimento de novas bactérias. A atividade a ser considerada será a obtida na 2 a alimentação, exceto se o aumento for devido ao crescimento de novas bactérias. Nesse caso, a atividade real será a da 1 a alimentação. REAGENTES Os reagentes utilizados para o teste da AME se encontram nas Tabelas 1 e 2. Tabela 1 - Soluções nutriente NH 4 Cl MgSO 4.7H 2 O NaHCO 3 K 2 HPO 4.3H 2 O 280 mg/l 100 mg/l 400 mg/l 330 mg/l CaCl 2.2H 2 O 10 mg/l Levedura 100 mg/l Solução de micronutrientes 1 ml ABES Trabalhos Técnicos 3
Tabela 2 - Soluções de micronutrientes FeCL 2.4H 2 O 2000 mg/l ZnCl 2 50 mg/l MnCl 2.4H 2 O NiCl 2.6H 2 O NaSeO 3.5H 2 O Resazurin HCl (36 %v.v) H 3 BO 3 EDTA CuCl 2.2H 2 O CoCl 2.6H 2 O AlCl 3.6H 2 O (NH 4 ) 6.Mo 7 O 24.4H 2 O 500 mg/l 160 mg/l 164 mg/l 200 mg/l 1mL 50 mg/l 1000 mg/l 38 mg/l 2000 mg/l 90 mg/l 50 mg/l A solução de NaOH empregada foi de 30 g/l. Todos os produtos químicos utilizados foram de grau P.A., preparados com água deionizada e de acordo com metodologia empregada por Florencio (1994). ORIGEM DOS LODOS O lodo de cervejaria utilizado estava acondicionado em geladeira por aproximadamente 3 anos, enquanto que o da fábrica de alimentos e o lodo floculento foram coletados nas estações alguns dias antes dos testes. Figura 2 Lodo granular de cervejaria 4 ABES Trabalhos Técnicos
Figura 3 Lodo granular de fábrica de alimentos RESULTADOS E DISCUSSÃO A Figura 4 apresenta a influência da concentração dos sólidos suspensos voláteis e da concentração de acetato de sódio sobre a atividade metanogênica do lodo granular proveniente da cervejaria. As concentrações de acetato testadas foram 2 e 4 g DQO.L -1, e as de SSV variaram entre 0, 58 g SSV/L e 4,5 g SSV/L. O valor máximo de AME encontrado nesta série foi 1,26 g DQO-CH 4. gssv -1. d -1 para 0,58 g SSV.L -1 e 4 g de DQO.L - 1. Entretanto, para as concentrações de substrato e biomassa testadas, não foi possível determinar a atividade metanogênica específica máxima maximorum. A Figura 5 ilustra a influência de três concentrações de acetato com os sólidos suspensos voláteis do lodo granular, variando entre 0,23 a 0,92 g SSV.L -1. Os valores são expressos como sendo uma percentagem do controle (2 gdqo.l -1 e 0,46 g SSV.L -1 ). Para a concentração de 1g de DQO.L -1 com 0,46 g SSV.L -1 houve uma redução da atividade metanogênica em cerca de 50% da atividade do controle, enquanto que para 4g de DQO.L - 1 e com a mesma concentração de SSV foi observado um aumento de 115%. Em ambas as séries (Figuras 4 e 5), os resultados encontrados mostram que a AME diminuiu com o aumento da concentração de sólidos suspensos voláteis e aumentou com a concentração do substrato, nas condições dos testes. Atividade metanogênica específica (g DQO/g SSV.d) 1,5 1,2 0,9 0,6 0,3 0 0 1 2 3 4 5 g SSV/L média 2 g DQO/L média 4 g DQO/L Figura 4- Influência da concentração dos sólidos suspensos voláteis e da concentração de acetato de sódio sobre a atividade metanogênica do lodo granular de cervejaria. ABES Trabalhos Técnicos 5
300 Atividade (% controle) 250 200 150 100 50 0 0 0,2 0,4 0,6 0,8 1 g SSV/L 1 g DQO/L 2 g DQO/L 4 g DQO/L Figura 5 - Influência da concentração do acetato de sódio e dos sólidos suspensos voláteis sobre a atividade metanogênica do lodo granular de cervejaria. A atividade é expressa como porcentagem do controle ( 2 g DQO/L e 0,46 g SSV/L). A Figura 6 ilustra o efeito da concentração de biomassa na atividade metanogênica do lodo floculento de esgoto doméstico. As concentrações de sólidos utilizadas foram 0,57; 0,92 e 1,85 g SSV/L com acetato a 2 g DQO.L -1. A atividade máxima encontrada foi de 0,21 g DQO-CH 4.gSSV -1. d -1 para a concentração 0,57 g SSV.L -1. A Figura 7 mostra a comparação entre as atividades dos lodos floculento e granular expressa como porcentagem de controle (2 gdqo.l -1 e 0,46 g SSV.L -1 do lodo granular). As atividades metanogênicas para o lodo floculento foram menores do que para os lodo granular, cujos valores foram 4 vezes superiores. Para ambos os lodos, as atividades decrescem com o aumento da concentração dos sólidos. Atividade metanogênica específica (g DQO/ g SSV.d) 0,25 0,2 0,15 0,1 0,05 0 0 0,4 0,8 1,2 1,6 2 g SSV/L média 2 g DQO/L Figura 6 Influência da concentração dos sólidos suspensos voláteis sobre a atividade metanogênica do lodo de esgoto doméstico. 6 ABES Trabalhos Técnicos
Figura 7 Comparação entre a atividade dos lodos de esgotos doméstico e industrial de cervejaria. A atividade é expressa como porcentagem do controle. 100 Atividade (% controle) 80 60 40 20 0 0 1 2 3 g SSV/L 2 g DQO/L (lodo doméstico) 2 g DQO/L (lodo de cervejaria) O lodo de cervejaria obteve a máxima AME com 0,23 g SSV/L e 4g DQO/L. Com base nesse resultado, o teste de AME do lodo da fábrica de alimentos, foi realizado com iguais concentrações de biomassa e substrato. A AME máxima da 1 a alimentação da cervejaria foi de 1,12 g DQO-CH 4 /g SSV. d, enquanto que a da fábrica de alimentos foi de 0,80 g DQO-CH 4 /g SSV. d. Na 2 a alimentação os resultados foram 1,74 e 1,20 g DQO-CH 4 /g SSV. d, para cervejaria e fábrica de alimentos, respectivamente. Observou-se que o lodo de cervejaria apesar de ter sido acondicionado em geladeira por aproximadamente 3 anos, ainda assim, o resultado foi uma AME cerca de 70% maior que a do lodo da fábrica de alimentos, em ambas as alimentações. Isso provavelmente se deve ao fato de que o efluente de cervejaria é mais facilmente biodegradável do que o da fábrica de alimentos. CONCLUSÕES A AME máxima encontrada no lodo de cervejaria foi de 1,26 g DQO-CH 4. gssv -1. d -1 para 0,58 g SSV.L -1 e 4 g de DQO.L -1. Ao se reduzir a concentração de biomassa para 0,23 g SSV.L -1 e fixar a de substrato em 4 g de DQO.L -1, obteve-se uma AME máxima de 1,74 g DQO-CH 4. gssv -1. d -1. Para o lodo granular de fábrica de alimentos com 0,25 g SSV.L -1 e 4 g de DQO.L -1, a AME máxima foi de 1,20 g DQO-CH 4. gssv -1. d -1. Conclui-se que o efluente de cervejaria possui uma maior biodegradabilidade em relação ao da fábrica de alimentos. Observou-se ainda que a AME máxima encontrada para o lodo floculento foi de 0,21g DQO-CH 4. gssv -1.d -1, para as concentrações de 0,57 g SSV.L -1 e 2 g de DQO.L -1. Os resultados obtidos nos experimentos confirmam os dados encontrados na literatura, mostrando que a atividade metanogênica específica (AME) para o lodo granular é bem maior que o de lodo floculento. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. APHA- AWWA- WEF(1995) Standard Methods for Examination of Water and Wasterwater, 19 th edition, Washington. 2. ALPHENAAR, A. (1994) Anaerobic granular sludge: characterization, and factors affecting its functioning. Tese de doutorado. Wageningen Agricultural University. Wageningen, The Netherlands. 3. CHERNICHARO, C. A. L (1997). Reatores anaeróbios, Belo Horizonte, Departamento de Engenharia Sanitária e Ambiental UFMG, pp. 24 41; 70 75. 4. DE ZEEUW (1984) Aclimatization of anaerobic sludge for UASB reactor start-up. Tese de doutorado. Wageningen Agricultural University. Wageningen, The Netherlands. 5. DOLFING, J. (1987) Microbiological aspects of granular slugde. Tese de doutorado. Wageningen Agricultural University. Wageningen, The Netherlands. 6. FIELD, J.; ALVAREZ, R.S.; LETTINGA, G. (1988). Ensayos anaeróbios. In: Depuracion anaerobia de aguas residuales. Actas del 4 seminario D.A.A.R. Valladolid,España, 23-25 noviembre 1988. Edición ABES Trabalhos Técnicos 7
coordinada por POLANCO, F.Fdz.; GARÇIA, P.A.; HERNANDO, S. Valladolid: Secretariado de Publicaciones, Universidad, D.L. 7. FORESTI, E.; FLORENCIO, L., van Haandel, A., Zaiat, M. e Catunda, P. F. C (1999).Tratamento de esgotos sanitários por processo anaeróbio e disposição controlada no solo/ José Roberto Campos ( Coordenador) ABES, Rio de Janeiro RJ. 8. FLORENCIO, L. (1994). The fate of Methanol in anaerobic bioreactors. Ph.D. dissertation. Wageningen Agricultural University. Wageningen, The Netherlands. 8 ABES Trabalhos Técnicos