Efeito da água de cal aplicada para consolidar superfícies calcárias alteradas no Claustro da Hospedaria, Mosteiro de Alcobaça

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Transcrição:

Efeito da água de cal aplicada para consolidar superfícies calcárias alteradas no Claustro da Hospedaria, Mosteiro de Alcobaça Inês Cardoso (1), Maria Fernandes (2), José Mirão (3) (1) Laboratório HERCULES, Universidade de Évora, Palácio do Vimioso, Largo Marquês de Marialva 8, 7000-809 Évora, Portugal, ineslemoscardoso@gmail.com (2) DEOF-DEPOF, Direção-Geral do Património Cultural, Palácio Nacional da Ajuda, 1349-021 Lisboa, Portugal, mfernandes@dgpc.pt (3) Laboratório HERCULES e Departamento de Geociências, Universidade de Évora, Rua Romão Ramalho 59, 7000-671 Évora, Portugal, jmirao@uevora.pt Resumo As superfícies calcárias do Claustro da Hospedaria do Mosteiro de Alcobaça apresentavam perda de coesão, levando à decisão de uma intervenção de conservação em 2010/11, na qual foram realizados testes de consolidação com água de cal. Sumariamente, neste trabalho, que foi realizado no âmbito do Projeto INOVSTONE em colaboração com a Direção Geral do Património Cultural, relata-se a investigação desenvolvida para confirmar a presença de vestígios do tratamento, realizado com água de cal em 2010/11, e procurar esclarecer o processo de perda de massa que se continua a registar nas superfícies tratadas. Através de análise macroscópica das superfícies, foram amostradas pedra não tratada, tratada e eflorescências. A observação através do microscópio eletrónico de varrimento com espectroscopia de raios-x dispersiva de energia acoplada (MEV-EDX) revelou ser a técnica analítica mais promissora na caracterização química e microestrutural de dois materiais com a mesma composição o carbonato de cálcio, nas suas morfologias diferentes: o tratamento com água de cal apresenta-se pouco compacto, bem distinto da textura do calcário oolítico. A presença de sais solúveis foi confirmada também por MEV- EDX e difração de raios-x. Conclui-se que a avaliação a médio/longo prazo dos efeitos dos tratamentos passados é um meio privilegiado para melhor compreender o seu comportamento e repensar opções de tratamento futuras, salientando-se igualmente a importância de realizar testes no local. Palavras-chave: Água de cal; Consolidação; Calcário; Conservação; Mosteiro de Alcobaça Portugal Lisboa 23-25 maio 2016 327

Introdução O Mosteiro de Alcobaça é um dos primeiros e mais belos exemplos da arquitetura gótica cisterciense, classificado como Monumento Nacional e Património Mundial pela UNESCO desde 1989 [Rodrigues, 2007] (Figura 1). Pela sua relevância histórica, artística e cultural, o Mosteiro de Alcobaça tem sido alvo de inúmeras ações de conservação, levadas a cabo pela instituição que o tutela, a Direção Geral do Património Cultural (DGPC). Um dos exemplos é a intervenção de valorização do Claustro da Hospedaria (Figuras 2 e 3a), que decorreu entre 2010/11. As superfícies calcárias constituintes dos pilares apresentavam-se bastante alteradas, sob a forma de lascagem, esfoliação e pulverulência, com perda de coesão dos seus constituintes, tendo sido realizados testes de consolidação com uma calda consolidante à base de cal aérea à qual se adicionou uma pequena percentagem de cal hidráulica e água, conforme se encontra descrito no relatório da referida intervenção [CERTO, 2011]. A utilização de uma solução de hidróxido de cálcio, ou água de cal (por isso, designado técnica da cal ) é considerada como um dos mais populares, naturais e compatíveis tratamentos no âmbito da consolidação de substratos carbonatados [Woolfitt, 2002]. O mecanismo de ação consiste na aplicação de uma solução que contenha hidróxido de cálcio; a que se sucede a reação com o dióxido de carbono presente no ar, a libertação de água no estado gasoso e a formação de carbonato de cálcio. No entanto, diversos estudos têm alertado para o facto da penetração destas partículas ser bastante reduzida. Resultados promissores têm sido obtidos a partir da tecnologia da nano-cal [Doehne et al, 2010]. No entanto, ao fim de poucos anos após a intervenção, constatou-se o reaparecimento dos fenómenos de perda de coesão dos materiais pétreos presentes nos pilares do Claustro da Hospedaria sobre os quais se realizaram os referidos testes de consolidação (Figura 3b). Além disso, à superfície, verificou-se a formação de uma camada branca e compacta. Mediante tal resultado, foi estabelecida uma colaboração entre a DGPC e o Laboratório HERCULES da Universidade de Évora, com o objetivo de investigar a presença de vestígios do tratamento, como também de procurar esclarecer a continuada perda de massa que se continuou a registar após o tratamento. A abordagem metodológica consistiu na análise macroscópica das superfícies, na seleção de locais e posterior realização de amostragem de pedra não tratada, tratada e com eflorescências. As amostras recolhidas foram analisadas por um conjunto de técnicas complementares, entre as quais se destacou a microscópia eletrónica de varrimento com espectroscopia de raios-x dispersiva de energia acoplada (MEV-EDX), pelo seu contributo inequívoco na caracterização química e microestrutural do substrato pétreo e dos vestígios do tratamento (ambos com a mesma composição química mas texturas bastante distintas), e também dos agentes de degradação. No presente artigo descrevem-se os resultados preliminares desta investigação, que se estão a revelar bastante promissores, tendo conduzido a que a mesma se estendesse a mais espaços do Mosteiro de Alcobaça, nos quais os materiais pétreos foram alvo de consolidação com outros produtos consolidantes. Deste modo, pretende-se que este estudo abra caminho para um novo olhar e reflexão sobre o efeito das ações de conservação dos materiais pétreos ao longo do tempo e promova a melhoria do processo de monitorização do comportamento dos tratamentos. 328 LABORATÓRIO NACIONAL DE ENGENHARIA CIVIL

a) b) c) Figura 1: a) Vista geral da fachada principal do Mosteiro de Alcobaça; b) interior da Igreja; c) Claustro D. Dinis. Claustro da Hospedaria Figura 2: Localização do Claustro da Hospedaria indicada na planta do Mosteiro de Alcobaça. a) b) Figura 3: a) Vista geral do Claustro da Hospedaria; b) Estado atual dos pilares intervencionados. Portugal Lisboa 23-25 maio 2016 329

Materiais e métodos Trabalho de campo Após observação das superfícies dos pilares que foram intervencionadas no Claustro da Hospedaria do Mosteiro de Alcobaça, procedeu-se à recolha de amostras de materiais pétreos sobre os quais terão sido realizados os testes com água de cal; para além destas, também se recolheram eflorescências que se encontravam sobre as pedras do pavimento. Na figura 4 ilustram-se os diferentes locais de amostragem. Neste processo houve o cuidado de recolher amostras em quantidade/dimensão, de modo a obedecer aos requisitos de conservação das estruturas e minimização do impacto estrutural e estético do conjunto. Por outro lado, recolheu-se amostra em quantidade/dimensão suficiente para garantir a sua representatividade, o cumprimento dos objetivos da caracterização e o sucesso das análises a efetuar, bem como para a criação de reserva para eventuais estudos futuros. A recolha das amostras foi realizada com recurso a maceta, escopros e espátulas de diferentes dimensões; as amostras recolhidas foram colocadas em embalagens de plástico transparentes, devidamente identificadas. O processo de amostragem foi acompanhado por registo fotográfico e registado sobre levantamento arquitetónico (cedido pela DGPC). Trabalho de laboratório Numa fase preliminar procedeu-se à realização de registo fotográfico das amostras (utilizando um máquina fotográfica Canon PowerShot SX100 IS), bem como à sua observação a olho nu e através da lupa binocular (Leica M205C, com aquisição de imagem pela câmara fotográfica Leica DFC290HD). Pequenos fragmentos representativos de algumas das amostras (CH1, CH2, CH3, CH5, CH6 e CH7) foram selecionados e impregnados, sob pressão e à temperatura ambiente, com resina epóxida (EpoFix Resin e EpoFix Hardener, Struers), conforme indicação do fabricante. Após a resina endurecer, procedeu-se ao desgaste e polimento mecânico da superfície com o auxílio da polidora RotoPol 35, Struers, até se obter uma superfície polida. As amostras foram observadas por estereomicroscopia (Leica M205C, com aquisição de imagem por Leica DFC290HD) e analisadas por recurso a um microscópio eletrónico de varrimento (MEV) Hitachi S-3700N. A composição química foi obtida através de microanálise de raios X por dispersão de energia (EDX), utilizando um espectrómetro Bruker XFlash 5010 Silicon Drift Detector (SDD), com uma resolução de 129 ev no K do Mn, e a microanálise foi realizada a 20 kv e a pressão variável. A natureza mineralógica das amostras CH2 e CH7 foi determinada por difração de raios-x (DRX). Para tal, procedeu-se à moagem das amostras em almofariz de ágata até obtenção de partículas com dimensão suficiente para atravessar um peneiro manual de malha 125 µm. Os difratogramas foram obtidos utilizando um difractómetro de raios-x, Bruker AXS-D8 Discover (Bruker AXS Inc, Madison, USA), equipado com um detector LYNXEYE, utilizando radiação Cu-K ( = 0.15406 nm), operando com uma tensão de aceleração de 40 kv e corrente de filamento de 30 ma. Os difractogramas de pó foram recolhidos com um varrimento entre 3-75º (2 ) em intervalos de 0.05º e com um tempo de medição de 2s por passo. Ainda para a determinação da composição mineralógica das amostras utilizou-se um Espetrómetro Micro-Raman, Horiba Xplora, com um laser de 638nm, e, redes de difracção 600T e 1200T e objetivas de x10 e x100. Os espectros foram adquiridos em 20 segundos cada um e o resultado final é uma acumulação de 20 espectros. 330 LABORATÓRIO NACIONAL DE ENGENHARIA CIVIL

a) b) c) Figura 4: a) Registo da localização das amostras recolhidas no Claustro da Hospedaria; b) Pilar onde se recolheram as amostras 1-5; c) Recolha da amostra CH4. Resultados e discussão Materiais pétreos sobre os quais se realizaram testes com água de cal Os materiais pétreos amostrados no Claustro da Hospedaria correspondem a calcários de cor branca a creme, de textura oolítica: oólitos microcristalinos, em matriz de grão fino; esta textura observa-se a olho nu e também através da lupa binocular (Figura 5) e por MEV (Figura 6a). Estes calcários são constituídos maioritariamente pelo elemento cálcio conforme os resultados de EDS (Figuras 6b e 6c), sendo confirmado por DRX (Figura 7) e Espectroscopia Raman que se trata de calcite (pelas bandas Raman a 1085, 711, 284, 156 cm -1 ). O veio cristalino da amostra CH5 é maioritariamente constituído por cálcio, sugerindose tratar-se de calcite (Figura 5b). Na generalidade das amostras, por MEV-EDX, detetam-se grãos constituídos por silício, que poderão tratar-se de quartzo; estes grãos, de pequena dimensão, encontram-se embebidos na matriz calcítica, preferencialmente no cimento que envolve os oólitos (Figura 6 b). Para além daqueles, mas em menor quantidade, também se detetaram partículas maioritariamente constituídas por ferro. Até ao momento, não foram encontradas referências sobre a proveniência das pedras utilizadas na construção deste espaço do Mosteiro de Alcobaça. No entanto, foram realizados estudos de proveniência sobre os materiais presentes no Mosteiro da Batalha, por Aires-Barros (2001), localizado a cerca de 20km a Nordeste de Alcobaça. Pela sua Portugal Lisboa 23-25 maio 2016 331

proximidade geográfica, mas também considerando as semelhanças na sua composição química e mineralógica, bem como os aspetos texturais e porosidade, admite-se que estes materiais também tenham sido extraídos de pedreiras localizadas no Maciço Calcário Estremenho, à semelhança do que é apontado para o Mosteiro da Batalha. a) b) Figura 5: Observações através da lupa binocular dos calcários oolíticos: a) superfície interior da amostra CH1; b) superfície polida da amostra CH5, com veio de calcite. a) b) c) Figura 6: a) Aspeto geral da microestrutura do calcário oolítico amostra CH3; b) Distribuição dos elementos cálcio, silício e cloro; c) Espectro EDX correspondente ao mapa elementar. 332 LABORATÓRIO NACIONAL DE ENGENHARIA CIVIL

Ca Figura 7: Difratograma da amostra CH2. Efeito do tratamento com água de cal Atualmente, nos pilares em calcário sobre os quais foi aplicada a solução de água de cal, é possível observar esfoliações que apresentam uma cor branca à superfície, conforme se ilustra na figura 8a). Esta camada branca, de espessura fina (a variar de 60 a 200µm) e porosa, é maioritariamente constituída por cálcio/calcite (Figura 8b). Tanto pela sua localização na amostra, como pela sua textura e composição química, esta camada poderá evidenciar o resultado do tratamento de consolidação através da aplicação de uma solução à base de hidróxidos de cálcio, Ca(OH) 2 (CERTO, 2011). Deste modo, constata-se que a solução acabou por se concentrar preferencialmente sobre o substrato pétreo, sendo bastante reduzida a penetração no seu interior. Consequentemente, a restituição da coesão perdida acabou por não ser totalmente conseguida. Casos semelhantes, nos quais o efeito consolidante acabou por não ser o esperado, começaram por ser descritos por Price et al. (1988). Produtos de alteração sais solúveis no interior da pedra No momento da realização da amostragem não se observaram eflorescências nos pilares do Claustro. No entanto, no interior da pedra detetaram-se partículas constituídas por sódio e cloro indiciando tratar-se de sais solúveis, em maior quantidade nos poros e zonas de fractura das lascas de pedra. No poros da camada à superfície foi possível encontrar sais solúveis cristalizados de acordo com o sistema cúbico e compostos por sódio e cloro, sugerindo tratar-se de halite (NaCl) (Figura 8d), mas também por cloro e potássio (KCl). Noutros casos, o sódio encontra-se coincidente com o potássio e o cloro. Ainda à superfície, encontraram-se cristais hexagonais constituídos maioritariamente por potássio, enxofre e sódio, sugerindo tratar-se de aftitalite (Figura 9) [Frezzotti et al., 2012]. Portugal Lisboa 23-25 maio 2016 333

a) b) d) c) Figura 8: Observações através da lupa binocular da superfície dos calcários oolíticos tratados com água de cal: a) Superfície exterior da amostra CH1; b) Aspeto geral da microestrutura do calcário oolítico e da camada branca superficial amostra CH1; c) Espectro EDX correspondente ao mapa elementar; d) Distribuição dos elementos cálcio e cloro. a) b) Figura 9: a) Hábito hexagonal de um sal composto por potássio, enxofre e sódio - aptitalite; b) Espectro EDX correspondente à análise pontual do sal. Produtos de alteração eflorescências sobre materiais pétreos No momento da amostragem observaram-se eflorescências no pavimento do Claustro da Hospedaria, as quais foram amostradas (CH8). De acordo com os resultados obtidos por MEV-EDX, estas eflorescências são constituídas maioritariamente por sódio e enxofre (Figura 10). Por espectroscopia Raman confirmou-se a presença de Thenardite (Na 2 SO 4, bandas Raman através da banda muito intensa a 994 e as de menor intensidade a 452, 621, 334 LABORATÓRIO NACIONAL DE ENGENHARIA CIVIL

e 1103 cm -1 ). Para além deste, também se identificou Mirabilite, sal hidratado (Na 2 SO 4.10H 2 O, bandas Raman a 989, cm-1 e as de menor intensidade a 458, 627 e 1129 cm -1 ) (Figura 10d) (Frezzotti et al, 2012). Menos abundante, encontram-se ainda sais constituídos por sódio e cloro (NaCl, halite), mas também de potássio e cloro (KCl, silvite). a) b) c) d) Figura 10: a) Aspeto geral da microestrutura das eflorescências amostra CH8; b) Espectro EDX correspondente ao mapa elementar; c) Distribuição dos elementos enxofre e sódio; d) Espectro Raman da mirabilite. Conclusão No Claustro da Hospedaria do Mosteiro de Alcobaça recolheram-se amostras de materiais pétreos e de eflorescências (que se encontravam à superfície dos blocos de pedra do pavimento), com o objetivo de estudar não só a sua composição química, mineralógica e microestrutural, mas também avaliar o estado do tratamento de consolidação com água de cal aplicado em intervenção anterior. Nos calcários oolíticos amostrados, a calcite é o mineral predominante. As pedreiras da região são apontadas como a provável origem destes calcários, à semelhança do que se verificou nos estudos desenvolvidos para o Mosteiro da Batalha. No que diz respeito à avaliação do estado do tratamento de consolidação com água de cal, constata-se que ainda é possível encontrar vestígios do mesmo, nomeadamente, numa camada de espessura variável e porosa, constituída por cálcio/calcite. No interior dos vazios desta camada detetaram-se sais de halite. Apesar da compatibilidade química que existe entre este tratamento e o substrato pétreo carbonatado, e de se ter verificado pontualmente a acção consolidante da água de cal entre lascas de calcário, este produto não penetrou em profundidade suficiente para assegurar a restituição da coesão da pedra. Portugal Lisboa 23-25 maio 2016 335

Apesar do recurso a um conjunto de técnicas analíticas complementares, a MEV-EDX revelou-se a mais promissora na caracterização química e microestrutural de dois materiais com morfologias diferentes, mas com a mesma composição. Ou seja, apesar de ambos serem constituídos por carbonato de cálcio, o tratamento com água de cal apresenta-se pouco compacto, bem distinto da textura do calcário oolítico. Por outro lado, o MEV-EDX permitiu ainda identificar e situar os elementos químicos atribuídos aos sais solúveis (preferencialmente localizados na camada de carbonato de cálcio, localizada à superfície, resultante do tratamento), correspondentes a minerais com cloro (halite e silvite) e com enxofre, como a aptitalite, corroborados pelos resultados obtidos por DRX (encontra-se em curso investigação para clarificar a sua possível origem). Os resultados obtidos neste estudo revelaram-se bastante promissores, merecendo ser desenvolvidos e aprofundados em investigação futura, no sentido de acompanhar os processos de degradação e de investigação das suas causas, nomeadamente, dos sais solúveis, por se tratarem de uma das principais causas de degradação dos materiais pétreos. Por outro lado, pretende-se estender o estudo a outros espaços do Mosteiro que sofreram intervenções no passado, com o objectivo de avaliar o efeito desses tratamentos. Com este estudo, constata-se que a avaliação a médio/longo prazo dos efeitos dos tratamentos é um meio privilegiado para melhor compreender o seu comportamento e repensar opções de tratamento futuras, salientando-se igualmente a importância de realizar testes no local. Agradecimentos Os autores agradecem à EEA Grants, ao Quadro de Referência Estratégico Nacional (QREN), ao COMPETE Programa Operacional Factores de Competitividade, ao Projeto INOV STONE Novas Tecnologias para a Competitividade da Pedra Natural 13854 e à União Europeia. Os autores gostariam ainda de agradecer ao Arq. João Seabra Gomes (DGPC) e à Dra. Isabel Costeira (Mosteiro de Alcobaça), bem como ao Luís Dias (Laboratório HERCULES, Universidade de Évora). Referências bibliográficas AIRES-BARROS, L. 2001. As rochas dos monumentos portugueses. Tipologias e patologias, Lisboa, IPPAR. CERTO, (2011). Mosteiro de Santa Maria de Alcobaça Circuito de visita alargado e valorização dos claustros da portaria Conservação e restauro Relatório técnico Fevereiro 2011, Tomar: CERTO, Centro de Restauro de Tomar, Lda. Doehne, E., Price, C. (2010). Stone conservation: an overview of current research. Los Angeles: Getty Conservation Institute, 2ª edição. Rodrigues, J. (2007). Mosteiro de Alcobaça. Scala Publishers, 1ª edição Woolfitt, C. (2002). Lime method evaluation - A survey of sites where lime-based conservation tecniques have been emloyed to treat decaying limestone, Stone Building Materials, Construction and Associated Component Systems: Their Decay and Treatment, J. Fidler, Editor. English Heritage: London, England. 29-44. Frezzotti, M. L., Tecce, F., Casagli, A. (2012) Raman spectroscopy for fluid inclusion analysis. Journal of Geochemical Exploration. Vol.112.1-20. Price, C., Ross, K. & White, G. 1988. A Further Appraisal of the 'Lime Technique' for Limestone Consolidation, Using a Radioactive Tracer. Studies in Conservation, 33, 178-186. 336 LABORATÓRIO NACIONAL DE ENGENHARIA CIVIL