A influência do lago da UHE de Itá nas precipitações mensais em Marcelino Ramos (RS) Ariel Biavati 1 Rosangela Abel Fagundes 1 Daniel Souza 1 Fabio Sanches 2 1 Universidade Federal da Fronteira Sul campus Erechim (RS) (UFFS) arielbiavati@yahoo.com.br rosangelaabel@gmail.com daniccr@gmail.com 2 Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM) fsanches.73@gmail.com Resumo O presente estudo teve como objetivo comparar as precipitações mensais em Marcelino Ramos (RS), buscando encontrar evidências modificações no comportamento das chuvas em função da formação do lago da UHE de Itá. Foram utilizados dados pluviométricos diários da Agência Nacional de Águas <http://hidroweb.ana.gov.br> referentes ao posto pluviométrico de Marcelino Ramos (RS), localizado nas margens do lago da UHE de Itá. Os dados diários foram organizados em totais mensais identificando dois períodos distintos: pré-enchimento (1999-2000) e pós-enchimento (2001-2010). Análises estatísticas (média, máximo, mínimo, desvio padrão e coeficiente de variação) demonstraram que os totais mensais em ambos os períodos apresentaram comportamento similar. A aplicação do Teste t de student também demonstrou que os dados de ambos os períodos são, estatisticamente, homogêneos. Sendo assim, pode-se afirmar que formação do lago da UHE de Itá não alterou o comportamento das precipitações mensais em Marcelino Ramos. Palavras-chave: Microclima em lagos artificiais, mudanças climáticas, testes estatísticos. Abstract This study aimed to compare the monthly rainfall in Marcelino Ramos (RS), trying to find changes in the behavior of rains due to the formation of the Ita Hydropower. Daily rainfall data from the National Agency were used Water <http://hidroweb.ana.gov.br> for the post of rainfall Marcelino Ramos (RS), located on the shores of the lake Ita Hydropower. Daily data were organized into monthly totals identifying two periods: pre-filling (1999-2000) and post-filling (2001-2010). Statistical analysis (average, maximum, minimum, standard deviation and coefficient of variation) showed that the monthly totals in both periods showed similar behavior. The Student's t test also showed that the data from both periods are statistically homogeneous. Thus, one can say that the formation of the lake Ita Hydropower did not change the behavior of monthly rainfall in Marcelino Ramos. Key-words: Microclimate in artificial lakes, climate change, statistical tests.
1. Introdução Lagos artificiais para a produção de hidroeletricidade são responsáveis por diversas mudanças nas características locais, passíveis de promoverem diferentes alterações no Meio Ambiente. No entanto, ainda são poucos os trabalhos científicos que procuraram avaliar o efeito microclimático da troca de vegetação, em decorrência da formação da lâmina d água (SANCHES e FISCH, 2005). Os estudos que avaliam o impacto resultante da construção de reservatórios, no microclima de uma região, são realizados através do uso de séries históricas, simulações numéricas e experimentações. A análise de dados históricos permite caracterizar o clima nas localidades próximas aos reservatórios e comparar os períodos de pré e pós-enchimento do lago. Em geral, estes estudos sugerem mudanças no comportamento de variáveis meteorológicas como temperatura e umidade do ar (RODRIGUES & CANÔNICA, 2008). Sobre essa temática, destacam-se os trabalhos de Goodland (1977), Baxter e Glaude (1980), Grimm (1988), Campos (1990), Sanches e Fisch (2005), Rodrigues e Canônica (2006) e Czarnobai et al. (2006), Barros e Galvani (2010) e Silva Filho e Rabelo (2012). Sobre o Lago da UHE de Itá, Czarnobai et al., (2006), analisaram o comportamento do ciclo diurno da velocidade e direção do vento e a ocorrência de brisas lacustres para a região da Usina Hidrelétrica Itá, localizada no rio Uruguai, entre os Estados de Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Já no trabalho de Rodrigues e Canônica (2006), os autores investigaram as possíveis alterações de temperatura e precipitação associadas à formação do reservatório da Usina Hidrelétrica de Itá, no município de Itá (SC) O objetivo do trabalho consiste em comparar as precipitações mensais anteriores e posteriores à formação do lago da UHE de Itá, em Marcelino Ramos (RS), buscando evidências de modificações no comportamento das chuvas devido a formação de seu lago.
2. Metodologia de Trabalho O municipio de Marcelino Ramos está localizado no norte do estado do Rio Grande do Sul, na confluência dos rios Canoas e Pelotas. A Figura 1 demonstra a localização do município de Marcelino Ramos, seu posto pluviométrico, e da UHE de Itá. O lago da UHE de Itá possui 103 km² de área inundada, tendo a formação do lago concluída no final do ano de 2000 (http://www.tractebelenergia.com.br/). Figura 1. Localização de Marcelino Ramos, do posto pluviométrico e da UHE de Itá. Fonte: adaptado de http://maps.google.com Os dados pluviométricos foram obtidos por meio da plataforma eletrônica (Hidroweb) da Agência Nacional de Águas (ANA) ((http://hidroweb.ana.gov.br/), sendo selecionados dados diários do posto Marcelino Ramos (2751018) do período de 1992 a 2011. Os dados diários foram agrupados em totais mensais e, posteriormente, organizados em dois períodos distintos: o período de pré-enchimento (1992-2000) e o período de pós-enchimento (2001-2011). O passo seguinte consistiu-se em se obter, de ambos os períodos, os valores médios, máximos, mínimos, desvio padrão e coeficiente de variação das séries mensais.
Por fim, os totais mensais de precipitação (pré e pós-enchimento) foram submetidos ao Teste t de student (teste de homogeneidade) em um nível de significância de 95% (α= 0,05), para verificar a homogeneidade de ambas as séries. 3. Resultados e Discussão Os procedimentos iniciais consistiram em verificar a existência ou não de falhas nos dados do posto Marcelino Ramos (nº 2751018). Foram identificada falhas nos meses de novembro de 1995 (pré-enchimento), maio, junho, julho e agosto de 2006 (pós-enchimento), setembro e novembro de 2007 (pós-enchimento), setembro, novembro e dezembro de 2009 (pósenchimento). Nesse caso, nenhum procedimento para o preenchimento das falhas foi adotado, visto que os novos dados poderiam mascarar a possível influência do lago nas precipitações do período de pós-enchimento. Sendo assim, passou-se para as análises estatísticas junto aos dados organizados (pré e pós-enchimento), extraíndo-se os valores médios, máximos, mínimos, desvio padrão e coeficiente de variação (Tabelas 1 e 2). Tabela 1 Precipitação mensal do período de pré-enchimento (1992-2000). Jan Fev Mar Abr Mai Jun Jul Ago Set Out Nov Dez 1992 46,8 180,8 120,8 36,1 391,2 175,0 218,0 213,2 164,3 107,8 174,0 72,2 1993 199,6 68,9 87,6 75,7 137,1 83,0 218,5 12,7 188,1 195,6 110,1 184,0 1994 81,9 319,6 76,1 212,0 92,4 113,3 261,3 30,2 124,1 345,5 215,0 91,0 1995 165,6 110,0 101,6 97,0 17,6 181,5 74,2 106,9 162,7 202,5 * 70,9 1996 296,3 226,1 148,8 56,4 46,5 145,9 97,6 185,4 244,8 165,1 204,2 158,7 1997 96,1 211,0 51,6 53,2 111,7 191,3 160,3 207,4 122,1 597,7 299,1 193,3 1998 283,3 496,0 188,2 360,6 149,5 78,4 114,6 232,2 255,3 169,4 35,0 107,6 1999 226,0 118,3 31,0 222,8 72,5 89,4 247,5 22,0 75,0 201,6 38,7 171,9 2000 74,8 106 102,5 132,7 92,1 131,6 146,4 89,1 299,7 217,4 106,1 169,6 Med. 163,4 204,1 100,9 138,5 123,4 132,2 170,9 122,1 181,8 244,7 147,8 135,5 Máx. 296,3 496 188,2 360,6 391,2 191,3 261,3 232,2 299,7 597,7 299,1 193,3 Mín. 46,8 68,9 31,0 36,1 17,6 78,4 74,2 12,7 75,0 107,8 35,0 70,9 D.Pad. 93,5 134,0 48,0 107,3 108,6 43,9 68,1 89,1 72,7 146,8 91,9 49,6 CV (%) 57 66 48 77 88 33 40 73 40 60 62 37 * Corresponde ao mês com ausência de dados.
Com base nos dados da Tabela 1 é possível observar uma das principais características das precipitações mensais da subtropicalidade: a ausência de uma estação seca. Em relação aos valores máximos, foram quatro casos de precipitações máximas superiores a 300 mm. Quanto aos valores mínimos, foram seis valores inferiores a 50 mm. No entanto, mesmo com regularidade nos valores médios mensais, o coeficiente de variação (CV) demonstra a acentuada variabilidade nos totais mensais, com variações superiores a 50% em sete meses do ano no decorrer da série de pré-enchimento. Tabela 2 Precipitação mensal do período de pós-enchimento (2001-2010). Jan Fev Mar Abr Mai Jun Jul Ago Set Out Nov Dez 2001 168,6 162,5 71,7 209,4 185,4 169,8 142,1 33,4 169,6 243,0 116,5 76,4 2002 108,0 76,9 99,8 68,5 202,7 132,4 108,1 172,1 166,3 289,3 195,7 186,1 2003 220,6 139,7 104,5 148,8 98,5 122,0 78,8 41,3 50,1 177,1 110,1 342,1 2004 107,2 119,9 23,4 138,6 115,7 60,9 148,3 44,1 197,6 209,3 128,3 15,9 2005 176,1 11,1 76,7 243,0 213,1 235,2 123,5 144,9 189,1 282,4 66,1 74,2 2006 166,9 118,0 132,3 39,0 * * * * 128,5 87,8 237,8 111,5 2007 155,3 171,9 132,5 258,4 281,4 42,8 245,9 79,1 * 188,6 * 90,4 2008 76,6 86,5 165,9 216,6 61,7 235,8 2,4 97,4 167,8 369,9 120,0 56,2 2009 138,8 93,8 77,3 33,9 168,3 62,4 193,4 233,9 * 135,9 * * 2010 138,4 150,4 152,7 323,7 208,4 54,0 159,1 61,0 117,0 145,5 83,4 308,1 2011 96,8 173,4 266 151,1 175,1 193,4 268,6 222,8 122,9 231,0 84,3 54,9 Med. 141,2 118,6 118,4 166,5 171,0 130,9 147,0 113,0 145,4 214,5 126,9 131,6 Máx. 220,6 173,4 266 323,7 281,4 235,8 268,6 233,9 197,6 369,9 237,8 342,1 Mín. 76,6 11,1 23,4 33,9 61,7 42,8 2,4 33,4 50,1 87,8 66,1 15,9 D.Pad. 41,9 49,2 63,9 93,9 64,0 75,0 77,8 75,6 45,9 80,3 55,8 111,5 CV (%) 30 41 54 56 37 57 53 67 32 37 44 85 * Corresponde aos meses com ausência de dados. Já nas informações da Tabela 2 (período pós-enchimento) é possível observar um comportamento similar aos valores apresentados na Tabela 1 (período pré-enchimento). Os valores médios reforçam as características da subtropicalidade (ausência de estação seca). No entanto, verifica-se uma redução nos valores máximos mensais para três casos com chuvas superiores a 300 mm. Em relação aos valores mínimos mensais, houve um aumento de seis para sete casos com chuvas inferiores a 50 mm comparando-se os períodos.
Em relação aos coeficientes de variação (CV), apenas seis meses apresentaram valores inferiores a 50%. Dessa forma, procedeu-se a aplicação dos testes de homogeneidade para aprofundar as análises entre as séries. Outra técnica adotada para verificar se a formação do lago da UHE de Passo Fundo influenciou no comportamento das precipitações mensais foi à aplicação de testes de homegeneidade. O Teste t de student foi utilizado nos trabalhos de Campos (1990) sobre as precipitações mensais na UHE de Sobradinho, em Grimm (1998), analisando as chuvas mensais na UHE de Itaipu e, Sanches e Fisch (2005) no caso das chuvas mensais na UHE de Tucuruí. Na Tabela 3 observam-se os resultados estatísticos após a aplicação do Teste t nas séries de pré e pós-enchimento. Tabela 3 Resultado da estatística t de student. Jan Fev Mar Abr Mai Jun Jul Ago Set Out Nov Dez Teste t 0,65 1,81-0,70-0,61-1,14 0,04 0,71 0,23 1,26 0,55 0,55 0,09 Após a aplicação do teste t, a condição para a aceitação da hipótese H 0, ou seja, de que não há diferenças significativas entre ambas as séries, é que o escore (α) da estatística t deve ser -1,96 α 1,96. Assim, segundo informações da Tabela 3, os totais mensais de precipitação das séries de pré e pós-enchimento da UHE de Itá, em Marcelino Ramos, são, estatisticamente, homogêneos. Com base nessa informação é possível afirmar que não houve mudança significativa nos acumulados mensais de precipitação na área de estudo após a formação de seu lago. 4. Considerações Finais A estatística dos totais mensais de precipitação (média, máximo, mínimo, desvio padrão e coeficiente de variação), anteriores e posteriores a formação do lago da UHE de Itá, em Marcelino Ramos, demonstraram características muito similares com pequena redução nos totais máximos e aumento dos totais mínimos, após a formação do lago. De forma geral, a variabilidade nos valores mensais se manteve em ambos os períodos, no entanto, sem a caracterização de uma estação seca, nem a formação de uma estação chuvosa.
Os resultados obtidos a partir da aplicação do Teste t de student permitiram afirmar que o lago da UHE de Itá, em Marcelino Ramos, não modificou o comportamento das precipitações mensais posteriores a sua formação. Como não foram encontradas diferenças significativas no comportamento dos dados entre ambas as séries (pré e pós-enchimento) é possível considerar que a formação do lago da UHE de Itá, em Marcelino Ramos, não modificou o comportamento das chuvas mensais. Referências Baxter, R. M.; Glaude, P. Environmental effects of dams and impoundments in Canada: experience and prospects. Ottawa: Department of Fisheries and Oceans, 1980. 34 p. Campos, F. S. Estudo de variabilidade de precipitação. São José dos Campos, 1990. 56p. Monografia (Graduação) - Instituto Tecnológico de Aeronáutica. Czarnobai, A.F.; Prudencio, R.S.; Rodrigues, M.L.G. A circulação atmosférica loca na região da Usina Hidrelétrica de Itá. In: XIV Congresso Brasileiro de Meteorologia. Anais. Florianópolis, 2006. Goodland, R. J. A. Environmental optimization in hydrodevelopment of tropical forest regions. In. MAN-MADE LAKES AND HUMAN HEALTHY. Paramaribo, Suriname, 1977. Proceedings of the symposium on man-made and human healthy, Faculty of Medicien, University of Suriname, Paramaribo: ed. Panday R.S, 1977. P. 73. Grimm, A. M. Verificação de Variações Climáticas na área do Lago de Itaipu In: CONGRESSO BRASILEIRO DE METEOROLOGIA, 5, 1988. Rio de Janeiro. Anais. Rio de Janeiro: Universidade Federal do Paraná, 1988. Rodrigues, M.L.G.; Canônica, E. Análise preliminar do impacto do reservatório de Itá no clima local. In: XIV Congresso Brasileiro de Meteorologia. Anais. Florianópolis, 2006. Sanches, F.; Fisch, G. As possíveis alterações microclimáticas devido a formação do lago artificial da hidrelétrica de Tucuruí PA. Acta Amazonica. vol. 35 n.1 Manaus, 2005. Silva Filho, V.; Rabelo, J.K.L. Detecção de possíveis diferenças ocorridas no comportamento da atmosfera local, como consequência da introdução do lago Castanhão no estado do Ceará. In: XVII Congresso Brasileiro de Meteorologia, Anais. Gramado-RS, 2012. Souza, M.B.; Galvani, E. Formação de reservatórios e influências no microclima: estudo da cidade de Presidente Epitácio, Estado de são Paulo, Brasil. In: VI Seminário Latino-ameriano de Geografia Física e II Seminário Ibero-americano de Geografia Física. Anais. Universidade de Coimbra, Portugal, 2010.
Agradecimentos Os autores agradecem a Pró-reitoria de Pesquisa e Pós-graduação da UFFS pela bolsa de Iniciação Científica (EDITAL Nº 464/UFFS/2014) do primeiro autor sob orientação do quarto autor.