A VEGETAÇÃO NA TOPONÍMIA SUL-MATO- GROSSENSE: UM ESTUDO PRELIMINAR NAS MICRORREGIÕES DE CAMPO GRANDE E DO ALTO TAQUARI Marineide Cassuci Tavares 1 1 Mestrado em Letras Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS) Três Lagoas MS marineide11@hotmail.com Abstract. This paper is a toponymy study, on the onomastic branch studying the process of naming physical and human accidents and presenting partial results about the rural toponymy of Campo Grande (MS) and Alto Taquari (MS) micro-regions, emphasizing phyto-toponymy analysis, a vegetal nature toponym. Keywords: lexicon; toponymy; Campo Grande; Alto Taquari; vegetation. Resumo. Este trabalho enquadra-se na área da Toponímia, ramo da onomástica que estuda o processo de nomeação dos acidentes físicos e humanos e apresenta resultados parciais acerca da toponímia rural das microrregiões de Campo Grande (MS) e do Alto Taquari (MS), com ênfase para a análise dos fitotopônimos, os topônimos de índole vegetal. Palavras-chave. léxico; toponímia; Campo Grande; Alto Taquari; vegetação. 1. Introdução Quando se estuda a língua de um determinado grupo, há a possibilidade de estudar-se também a sua cultura, o que propicia a compreensão da relação do homem com o mundo que o cerca. Assim, língua, sociedade e cultura não podem ser concebidas separadamente, já que a língua reflete a cultura e, conseqüentemente, as idéias, a realidade sociocultural de um grupo de falantes. Essa realidade é refletida também nos nomes dos lugares, signos reveladores de costumes, de ideologias e de aspectos culturais de uma comunidade, visto que a visão de mundo do denominador determinará escolhas distintas quanto à forma de nomeação dos lugares. Nessa perspectiva, ao nomear, o homem toma o mundo em suas mãos, daí a importância da Onomástica e de suas duas Estudos Lingüísticos XXXIV, p. 322-327, 2005. [ 322 / 327 ]
subáreas de abrangência, a Antroponímia e a Toponímia, para o estudo dos nomes próprios de pessoas e de lugares, respectivamente. Ao estudar o processo de nomeação há que se destacar a importância do meio físico, neste caso, da presença das plantas, como fonte de motivação toponímica. É o que ocorre com os fitotopônimos, objeto de estudo deste artigo, que são topônimos de natureza vegetal. 2. A pesquisa Este trabalho faz parte de um estudo mais amplo, ainda em andamento, que reuniu, até o estágio atual da pesquisa, 1.143 nomes. O estudo analisa os fitotopônimos que nomeiam acidentes físicos (rios, córregos, ribeirões e cabeceiras) e acidentes humanos (povoados, vilas, distritos, colônias) das microrregiões 1 de Campo Grande (MR 04), composta por 08 (oito) municípios, e do Alto Taquari (MR 03) 2, que compreende 07 municípios. Além de examinar os topônimos do ponto de vista lingüístico, o trabalho procura recuperar aspectos históricos e sociais da memória local. O Quadro I, a seguir, apresenta a classificação geral do conjunto dos topônimos em análise 3. Quadro I Distribuição quantitativa das categorias toponímicas nas microrregiões de Campo Grande e do Alto Taquari 4. CATEGORIAS PERCENTUAL QUANTIDADE Fitotopônimos 13,90% 155 Hidrotopônimos 12,29% 137 Zootopônimos 11,57% 129 Litotopônimos 7,35% 82 Sem Classificação 7,62% 85 Animotopônimos 7,09% 79 Antropotopônimos 5,92% 66 Ergotopônimos 5,65% 63 Sociotopônimos 5,20% 58 Geomorfotopônimos 4,22% 47 Hagiotopônimos 3,95% 44 Dimensiotopônimos 3,86% 43 Numerotopônimos 1,35% 15 Corotopônimos 1,35% 15 Cromotopônimos 1,35% 15 Cardinotopônimos 1,26% 14 3. Aspectos metodológicos Estudos Lingüísticos XXXIV, p. 322-327, 2005. [ 323 / 327 ]
O corpus da pesquisa foi coletado das folhas cartográficas do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) de escala de 1: 250.000, datadas de 1987, que contemplam as microrregiões Alto Taquari (MR-03) e Campo Grande (MR-04). Esse material foi disponibilizado pela SEPLANCT Secretaria de Estado de Planejamento e de Ciência e Tecnologia do estado de Mato Grosso do Sul. Para o levantamento dos nomes dos acidentes humanos, foi consultado, ainda, um documento elaborado pelo Governo do estado de Mato Grosso do Sul 5, que somou dados aos obtidos por meio das cartas. Para a classificação dos topônimos, adotamos o modelo taxionômico proposto por Dick (1992) que apresenta 27 categorias, divididas em Taxionomia de Natureza Física (11 taxes), na qual enquadram-se os fitotopônimos, e de Natureza Antropo- Cultural (16 taxes). Dentre os 143 (cento e quarenta e três) fitotopônimos registrados nas duas microrregiões em estudo, 24 (vinte e quatro) nomeiam acidentes humanos e 119 (cento e dezenove) nomeiam acidentes físicos. 4. Os fitotopônimos Como ilustra o Quadro I, a categoria dos fitotopônimos ocupa o primeiro lugar na totalidade do corpus pesquisado. O fato de ser essa a categoria mais produtiva é compreensível, sobretudo num espaço geográfico onde a vegetação ainda é bastante preservada e também porque juntamente com outros elementos, há que se considerar que o importante, talvez, seria não perder de vista que a vegetação é parte integrante de um conjunto natural, em que relevo, constituição do solo, acidentes hidrográficos, regimes climáticos, compõem um verdadeiro biossistema imprescindível ao homem e à qualidade de vida que nele pretenda instalar ou, pelo menos, usufruir (DICK, 1990: 146). Focalizamos, neste estudo, alguns exemplos de topônimos, procurando associá-los à presença de plantas nativas na área investigada que possam ter exercido influência positiva na vida dos homens e, conseqüentemente, no processo denominativo. A começar pelas madeiras de lei, citamos os exemplos de angico (córrego Angico Campo Grande) e cedro (córrego do Cedro Alcinópolis) que emprestaram seus nomes à toponímia local. São árvores úteis ao homem como fornecedoras de madeira forte, que podem ter sido utilizadas nos primeiros ranchos construídos junto aos povoados. Já guariroba serve de nome para Córrego Guariroba (Rio Verde de Mato Grosso, Camapuã e Campo Grande), Cabeceira Guariroba (Bandeirantes), Córrego da Guariroba (Sidrolândia). Houaiss (2001) registra guariroba como palmeira de até 20 m, dispostas em espiral, nativa do Paraguai e do Brasil (BA ao PR, MS, GO) e muito cultivada como ornamental, pelos frutos verde-amarelados, comestíveis, e pelo palmito amargo, com propriedades medicinais e muito usada em culinária. Já Cunha (1999) esclarece que guariroba é uma variedade de palmeira, também chamada coqueiro-amargoso; Teodoro Estudos Lingüísticos XXXIV, p. 322-327, 2005. [ 324 / 327 ]
Sampaio (1987), por sua vez, apresenta o vocábulo como corr. Guará-iroba, o indivíduo amargo; o pau-amargoso; é uma espécie de palmito (Cocos oleracea, Mr.). A par dessas árvores temos a presença do buriti (Córrego Buriti) e do jataí (Córrego Jataí). O primeiro, uma designação comum a plantas [...] de folhas [...] coletadas para coberturas de casas rústicas e esp. para extração de fibras, us. em inúmeras obras trançadas (HOUAISS, 2001). Se considerarmos que buriti é uma planta nativa do Brasil, verificaremos, ao consultar outros estudos, que o referente em questão motiva a nomeação de acidentes físicos de várias localidades do Brasil, dada à sua importância na flora brasileira. Jataí, por seu turno, tanto nomeia uma palmeira de até 12 m [...] com estipe de que se extrai fécula (a farinha de jataí), [...], us. para a produção de álcool, com sementes vermífugas e de que se extrai óleo alimentar, como uma abelha de ampla distribuição brasileira, de cabeça e tórax pretos, abdome escuro e pernas pardacentas, medindo até 4 mm de comprimento, ambas acepções do lexicógrafo Houaiss (2001). Teodoro Sampaio (1987) 6, por sua vez, registra jatahy corr. Yá-atã-yba, contrato em ya-atã-y, a árvore de fruto duro (yá-atã). Acrescenta, ainda, que designa também uma qualidade de abelha, que toma este nome pela predileção de se aninhar nesta árvore. Se considerássemos a motivação do nome do acidente advinda de abelha, o nome poderia enquadrar-se na categoria dos zootopônimos. Registramos, ainda, o córrego da Lixa, no município de Alcinópolis. Acreditamos tratar-se da recuperação do nome da planta, lixeira, conhecida também como lixa. Lorenzi (1992) esclarece que lixeira recebe os nomes populares de lixa, cajueiro-bravo, cambarba (MT), marajoara (PA), entre outros. É encontrada nas áreas de cerrado. Fornece madeira pesada, compacta, muito durável, sob condições naturais, que é própria para obras internas. Suas folhas são altamente silicosas e ásperas, o que permitiu, no passado, seu uso para lixar madeira e ainda são utilizadas por alguns grupos humanos, os moradores do Pantanal da Nhecolândia, por exemplo, para lavar panelas de alumínio, em substituição à esponja de aço. Vale também registrar a unidade lexical pindaíba, que nomeia o córrego Pindaíbão, município de Rio Verde de Mato Grosso. Pindaíba designa um arbusto [...] nativo do Brasil, de ramos flexíveis, cuja casca é us. como bucha para espingarda e fornece fio branco us. em cordoaria,[...] (HOUAISS, 2001). Sampaio (1987), citando Batista Caetano, registra pindahyba como corr. Pindá-yba, a vara do anzol, a cana do anzol. Pode provir ainda de pindá-ayba e significar o anzol ruim. A dicção popular estar na pindaíba é alusão à má fortuna de quem se vê reduzido à vara do anzol para viver. 5. Algumas considerações Finais Pelo exposto, pode-se concluir que a grande incidência de fitotopônimos na toponímia das microrregiões pesquisadas pode ser justificada pela importância das plantas no cotidiano do homem, pois são imprescindíveis à sua qualidade de vida. Essa Estudos Lingüísticos XXXIV, p. 322-327, 2005. [ 325 / 327 ]
parece ser uma das possíveis causas da valorização da vegetação no processo de nomeação daquilo que existe ao redor dos seres humanos. Percebemos, durante a análise dos dados, que ao escolher um nome para os acidentes físicos e humanos, o homem procurou retratar o que tinha de mais valioso no local que acabara de conquistar, estando entre esses valores a vegetação local. É desta vegetação que o homem consegue seu alimento, retratado em nomes como Córrego Abóbora (RVMT); sua moradia por meio de plantas que oferecem madeira forte como Córrego Angico (CG RO), ou de plantas utilizadas para cobertura de casas como em Córrego Buriti (RN); e uma paisagem exuberante, marcada por diversas plantas ornamentais como Córrego das Flores (SO). Percebe-se, pois, que, quando o homem nomeia, ele se apropria daquilo que o cerca já que é nomeando que o homem dá existência a tudo que está ao seu redor: designar é chamar à existência, tirar do nada. O que não é nomeado não pode existir, seja de que maneira for (GUSDORF, 1995: 38). Notas 1 - Estamos adotando a divisão em microrregiões utilizada pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), publicada em 1991. 2 - Municípios que englobam a microrregião Alto Taquari: Sonora, Pedro Gomes, Alcinópolis, Coxim, Rio Verde de Mato Grosso, São Gabriel do Oeste e Camapuã. Municípios que englobam a microrregião Campo Grande: Rio Negro, Bandeirantes, Corguinho, Rochedo, Jaraguari, Terenos, Campo Grande e Sidrolândia. 3 Não foram inseridas no Quadro as categorias que tiveram percentual inferior a 1%. 4 Nesses dados estão computados os topônimos do município de Ribas do Rio Pardo (Microrregião de Três Lagoas) também contemplado na pesquisa em desenvolvimento como dissertação de Mestrado (Programa de Mestrado em Letras da UFMS). 5 - Referimo-nos ao documento Perfil do município. SEPLAN-MS (Secretaria de Planejamento e coordenação geral) e FIPLAN-MS (Fundação instituto de apoio ao planejamento do Estado). Campo Grande, 1989. 6 - Estamos utilizando, para este trabalho, a 5ª edição, de 1987. 6. Referências Bibliográficas CUNHA, A. G. Dicionário Histórico das palavras portuguesas de origem tupi. 5. ed. São Paulo: Companhia Melhoramentos; Brasília: Universidade de Brasília, 1999. DICK, M. V. de P. A motivação toponímica e a realidade brasileira. São Paulo: Arquivo do Estado, Tese de Doutoramento, 1990. O problema das taxeonomias toponímicas. Uma contribuição metodológica. In: DICK, M. V. A. de P. Toponímia e antroponímia no Brasil: Coletânea de estudos. 3. ed. São Paulo: 1992, p. 23 34. Estudos Lingüísticos XXXIV, p. 322-327, 2005. [ 326 / 327 ]
GUSDORF, G. A Palavra: Função Comunicação Expressão. Lisboa: edições 70, 1995. HOUAISS, A; VILAR, M. S. Dicionário eletrônico Houaiss da língua portuguesa.. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001. LORENZI, H. Árvores brasileiras: Manual de identificação e cultivo de plantas arbóreas nativas do Brasil. Nova Odessa - São Paulo: Editora Plantarum, 1992. SAMPAIO, T. O tupi na geografia nacional. 5. ed. São Paulo: Editora Nacional, 1987. Estudos Lingüísticos XXXIV, p. 322-327, 2005. [ 327 / 327 ]