Tendo presente o tema da oração, que estou desenvolvendo atualmente nas catequeses, gostaria de convidar-vos hoje a refletir sobre o modo como ela faz parte da vida da Sagrada Família de Nazaré. A casa de Nazaré, com efeito, é uma escola de oração, na qual se aprende a ouvir, a meditar, a penetrar o significado profundo da manifestação do Filho de Deus, tomando como exemplo Maria, José e Jesus. [ ] Das narrações evangélicas sobre a infância de Jesus, podemos tirar alguns elementos sobre a oração, sobre a relação da Sagrada Família com Deus. Podemos partir do episódio da apresentação de Jesus no templo. São Lucas relata que Maria e José, quando chegou o dia fixado pela Lei de Moisés para a purificação, levaram-no a Jerusalém para apresentá-lo ao Senhor (2, 22). Tal como qualquer família judaica cumpridora da Lei, os pais de Jesus foram ao templo para consagrar a Deus seu primogênito e oferecer o sacrifício. Animados pela fidelidade às prescrições, partem de Belém rumo a Jerusalém, com Jesus que tem apenas quarenta dias; em vez de um cordeiro de um ano apresentam a oferta das famílias simples, ou seja, duas pombas. 1/7
A Sagrada Família é o ícone da Igreja doméstica, chamada a rezar em conjunto Sagrada Família Igreja da Santa Cruz, Grijota (Espanha) A peregrinação da Sagrada Família é a peregrinação da fé, da oferenda dos dons, símbolo da oração, e do encontro com o Senhor, que Maria e José já veem no seu filho Jesus. Maria vive do olhar de Deus A contemplação de Cristo tem em Maria o seu modelo inigualável. O rosto do Filho pertence-lhe a título especial, porque foi em seu seio que ele se formou, tomando d Ela também um semblante humano. Ninguém se dedicou à contemplação de Jesus com tanta assiduidade 2/7
quanto Maria. O olhar do seu coração concentra-se sobre Ele já no momento da Anunciação, quando Ela O concebe por obra do Espírito Santo. Nos meses subsequentes, sente pouco a pouco a sua presença, até o dia do nascimento, quando seus olhos podem fixar com ternura materna o rosto do seu Filho, enquanto O envolve em faixas e O coloca na manjedoura. As recordações de Jesus, gravadas na mente e no coração de Maria, marcaram cada momento de sua existência. Ela vive com os olhos postos em Cristo e valoriza cada uma das suas palavras. Diz São Lucas: Quanto a Maria, conservava todas essas coisas e as meditava no seu coração (Lc 2, 19). Assim descreve ele a atitude de Maria diante do Mistério da Encarnação, uma atitude que se prolongará por toda a sua existência: conservar as coisas e meditá-las em seu coração. Lucas é o Evangelista que nos faz conhecer o Coração de Maria, sua fé (cf. 1, 45), sua esperança e sua obediência (cf. 1, 38), de modo particular sua interioridade e sua oração (cf. 1, 46-56), sua livre adesão a Cristo (cf. 1, 55). E tudo isso procede do dom do Espírito Santo, o qual desce sobre Ela (cf. 1, 35) como descerá sobre os Apóstolos, segundo a promessa de Cristo (cf. At 1, 8). Esta imagem de Maria transmitida por São Lucas nos apresenta a Virgem como modelo de cada crente que conserva e confronta as palavras e as ações de Jesus, um confronto que é sempre um progredir no conhecimento d Ele. Na esteira do Beato João Paulo II (cf. Carta apostólica Rosarium Virginis Mariæ), podemos dizer que a recitação do Rosário tem o seu modelo precisamente em Maria, porque consiste em contemplar os mistérios de Cristo em união espiritual com a Mãe do Senhor. A capacidade de Maria de viver do olhar de Deus é, por assim dizer, contagiosa. José entregou-se totalmente a Maria e a Jesus O primeiro a fazer essa experiência foi São José. Seu humilde e sincero amor à sua prometida e a decisão de unir sua vida à de Maria o atraíram e introduziram também a ele, que já era um homem justo (Mt 1, 19), numa singular intimidade com Deus. 3/7
De fato, com Maria e depois, sobretudo, com Jesus, ele inicia uma nova forma de relacionar-se com Deus, de O acolher na própria vida, de entrar no seu projeto de salvação, cumprindo a sua vontade. Depois de ter seguido com confiança a indicação do Anjo não temas receber Maria, tua esposa (Mt 1, 20) ele A tomou consigo e partilhou sua vida com Ela; entregou-se deveras totalmente a Maria e a Jesus, e isto o conduziu à perfeição da resposta à vocação recebida. O Evangelho, como sabemos, não conservou palavra alguma de José. A sua presença é silenciosa, mas fiel, constante, laboriosa. Podemos imaginar que também ele, como sua esposa e em íntima consonância com Ela, tenha vivido os anos da infância e da adolescência de Jesus, deleitando- se, por assim dizer, com a sua presença na família. José cumpriu plenamente o seu papel paterno, sob todos os aspectos. Certamente educou Jesus na oração, junto com Maria. Ele, em particular, tê-lo-á levado consigo à sinagoga, aos ritos do sábado, assim como a Jerusalém, para as grandes festas do povo de Israel. José, segundo a tradição judaica, terá guiado a oração doméstica quer no dia a dia de manhã, à noite, nas refeições -, quer nas principais festas religiosas. Assim, no ritmo dos dias transcorridos em Nazaré, entre a casa simples e a oficina de José, Jesus aprendeu a alternar oração e trabalho, e a oferecer a Deus também a fadiga para ganhar o pão necessário à família. O mistério da existência cristã está fundado na oração Há outro episódio que vê a Sagrada Família de Nazaré reunida numa ocasião de oração. Aos doze anos, Jesus vai com seus pais ao templo de Jerusalém. Esse episódio insere-se no contexto da peregrinação, como ressalta São Lucas: Seus pais iam todos os anos a Jerusalém, para a festa da Páscoa. Tendo ele atingido doze anos, fizeram a peregrinação, segundo o costume (2, 41-42). A peregrinação é uma manifestação religiosa que se nutre de oração e, ao mesmo tempo, a nutre. Trata-se aqui da peregrinação pascal, e o Evangelista faz-nos observar que a família de Jesus a realiza todos os anos, para participar nos ritos na Cidade Santa. A família judaica, como a cristã, reza na intimidade doméstica, mas ora igualmente com a 4/7
comunidade, reconhecendo-se parte do Povo de Deus a caminho. A Páscoa é o centro e o ápice de tudo isso, e envolve a dimensão familiar e a do culto litúrgico e público. No episódio de Jesus com doze anos são registradas também as suas primeiras palavras: Por que Me procuráveis? Não sabíeis que devo ocupar-me das coisas de meu Pai? (Lc 2, 49). Após três dias de procura, seus pais O encontraram no templo sentado entre os mestres, enquanto os ouvia e interrogava (cf. Lc 2, 46). Quando Lhe perguntaram por que agira assim com seu pai e sua mãe, Ele respondeu que fez unicamente o que o Filho deve fazer, ou seja, permanecer junto ao Pai Assim, Jesus mostra quem é o verdadeiro Pai, onde é sua verdadeira casa, que Ele nada fez de estranho, que não foi desobediente. Ele permaneceu no lugar onde deve estar o Filho, ou seja, junto ao Pai, e frisou quem é seu Pai. A palavra Pai domina, assim, o tom dessa resposta e faz emergir todo o mistério cristológico. Essa palavra abre, portanto, o mistério, ela é a chave do mistério de Cristo, que é o Filho, e é também a chave de nosso mistério de cristãos, que somos filhos no Filho. Ao mesmo tempo, Jesus nos ensina a ser filhos, precisamente no gesto de estar com o Pai na oração. O mistério cristológico, o mistério da existência cristã está intimamente ligado, fundado na oração. Um dia, Jesus ensinará os seus discípulos a rezar, dizendo-lhes: quando orardes, dizei Pai. E, naturalmente, não o digais apenas com as palavras, mas também com vossa existência, aprendei cada vez mais a dizer com vossa existência: Pai ; e assim sereis de fato filhos no Filho, autênticos cristãos. 5/7
Jesus nos ensina a ser filhos, precisamente no gesto de estar com o Pai na oração Encontro de Jesus no Templo Santuário do Sagrado Coração de Jesus, São Paulo A Sagrada Família é o ícone da Igreja doméstica Aqui, quando Jesus ainda está plenamente inserido na vida da Família de Nazaré, é importante observar a ressonância que pode ter tido nos corações de Maria e de José o fato de ouvir dos lábios do Menino a palavra Pai, de ouvi-lo revelar, sublinhar quem é o Pai, de ouvir de seus lábios essa palavra na consciência de ser o Filho único, o qual precisamente por isso quis permanecer três dias no templo, que é a casa do Pai. A partir de então, podemos imaginar que a vida na Sagrada Família ficou ainda mais cheia de oração, porque do Coração de Jesus menino, depois adolescente e jovem, não deixará mais de se difundir e refletir nos corações de Maria e de José esse sentido profundo da relação com Deus Pai. Esse episódio mostra-nos a verdadeira situação, a atmosfera do fato 6/7
Powered by TCPDF (www.tcpdf.org) Artigos de estar com o Pai. Assim, a Família de Nazaré é o primeiro modelo da Igreja no qual, em torno da presença de Jesus e graças à sua mediação, todos vivem a relação filial com Deus Pai, que transforma também as relações interpessoais, humanas. Queridos amigos, é em razão desses diversos aspectos os quais evoquei sucintamente à luz do Evangelho que a Sagrada Família é o ícone da Igreja doméstica, chamada a rezar em conjunto. A família é a Igreja doméstica e deve ser a primeira escola de oração. Nela as crianças, desde a mais tenra idade, podem aprender a perceber o sentido de Deus, graças ao ensinamento e ao exemplo dos pais: viver numa atmosfera caracterizada pela presença de Deus. Uma educação autenticamente cristã não pode prescindir da experiência da oração. Se não se aprende a rezar em família, depois será difícil conseguir preencher esse vazio. Por isso, eu gostaria de convidar- vos a redescobrir a beleza de rezar juntos como família, na escola da Sagrada Família de Nazaré. E a vos tornardes assim um só coração e uma só alma, uma verdadeira família. (Excertos da Audiência geral de 28/12/2011 Tradução: Arautos do Evangelho) (Revista Arautos do Evangelho, Fev/2012, n. 122, p. 6 à 8) 7/7