Licenciatura em Direito Informática Jurídica. A Protecção dos Dados Pessoais

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Transcrição:

Universidade do Minho Licenciatura em Direito Informática Jurídica Docente: José Manuel E. Valença Discentes: Cláudio Domingues dos Santos Carvalho Elsa Renata Teixeira de Castro Neves Barbosa Sílvia Margarida Teixeira Silva Braga, 11 de Maio de 2005

Introdução Em Outubro de 1998 entrou em vigor a lei de protecção dos dados pessoais (Lei nº 67/98). Esta lei constituiu a transposição para o ordenamento jurídico português da directiva 95/46/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 24 de Outubro de 1995, relativa à protecção das pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais e à livre circulação de tais dados. Este tratamento deve, nos termos do diploma em causa, processar-se de forma transparente e no estrito respeito pela reserva de vida privada, bem como dos direitos, liberdades e garantias. Desde logo, somos questionados acerca do que se deve entender por dados pessoais. Dados pessoais são, nos termos do artigo 3º, alínea a) da Lei 67/98, qualquer informação de qualquer natureza e independentemente do respectivo suporte, incluindo som ou imagem, relativa a uma pessoa singular identificada ou identificável. Mas quando é que uma pessoa é identificável? Sê-lo-á se puder ser identificada por recurso a um número identificativo ou a um ou mais elementos específicos da sua identidade física, fisiológica, psíquica, económica, cultural ou social São diversas as circunstâncias em que nos vemos obrigados a fornecer os nossos dados. Imagine-se, como exemplos, o acto de matrícula numa universidade, a requisição de benefícios sociais, o preenchimento do formulário para obtenção do Bilhete de Identidade, o preenchimento de um formulário para nos tornarmos dadores de sangue, etc. Outras situações há em que as informações não são escritas mas registadas por recurso a suportes como o vídeo ou o áudio (quem é que nunca entrou numa superfície comercial ou mesmo nas instalações de uma instituição bancária?!). Em todas estas situações, é importante ter a noção daquilo que podemos fazer para evitar que esses dados, que nos dizem respeito, não se tornem públicos, sem razão legalmente justificada ou, pelo menos, sem que tal publicidade tenha sido por nós autorizada. Neste ensaio propomo-nos a analisar uma série de situações que sucedem diariamente e a assinalar os seus perigos e formas de reacção do cidadão perante a violação das disposições legais protectoras dos dados pessoais. Página 2 de 6

Incidiremos, em especial, sobre o tratamento dos dados clínicos, pela particular relevância que a estes está associada, sem contudo descurar a análise de outras situações, tais como, a imagem, o som e outras formas de apropriação de dados pessoais de pessoas singulares. Exposição Quando falamos do tratamento de dados pessoais e da sua protecção, pensamos num conjunto de operações que incidem sobre esses dados, maioritariamente com recurso a meios automatizados. Estas operações podem manifestar-se de diversas formas e ter os mais variados objectivos. Pode tratarse, desde logo, da recolha, registo, organização, conservação, adaptação ou alteração, consulta, utilização, comunicação por transmissão, por difusão ou por qualquer outra forma de colocação à disposição, como comparação ou interconexão, bem como o bloqueio, apagamento ou destruição. O legislador decidiu regular o exercício de todas estas actividades e esse facto não é injustificado. O que sucede é que, desde a recolha dos dados, até à sua destruição, passando pela sua difusão e tratamento, há um perigo constante de desrespeito pelos direitos fundamentais do cidadão a quem esses dados concernem. A CRP, no seu artigo 35º, dispõe que todos os cidadãos têm o direito de acesso aos dados informatizados que lhe digam respeito, podendo exigir a sua rectificação e actualização, e o direito de conhecer a finalidade a que se destinam. Nestes termos, o artigo 5º da Lei 67/98 dispõe que os dados pessoais devem ser tratados com respeito pelo princípio da boa fé; recolhidos para finalidades determinadas, explicitas, não podendo, posteriormente, ser tratados de forma incompatível com essas finalidades; adequados, pertinentes e não excessivos relativamente às finalidades para que são recolhidos e posteriormente tratados; exactos e, se necessário, actualizados, devendo ser tomadas as medidas adequadas para assegurar que sejam apagados ou rectificados os dados inexactos ou incompletos, tendo em conta as finalidades para que foram recolhidos ou para que são tratados posteriormente; conservados de forma a Página 3 de 6

permitir a identificação dos seus titulares apenas durante o período necessário para a prossecução das finalidades de recolha ou de tratamento posterior. Todas estas exigências encontram a sua razão de ser nos interesses legítimos que estão em causa. Por um lado, temos o cidadão, titular dos direitos que têm de ser protegidos. Por outro lado, temos determinadas actividades para as quais é necessário ter acesso a informações acerca do cidadão, sem as quais seria impossível qualquer tipo de organização. Este conflito de interesses leva, muitas vezes, a excessos. Na sociedade de informação em que vivemos, não podemos abrir mão dos nossos direitos à imagem, à reserva da vida privada, etc. Com a introdução de meios tecnológicos, todas estas questões ganharam um novo significado. Hoje, quando falamos do direito à imagem, não estamos a referir-nos à difusão da fotografia de um determinado individuo no meio onde este se relaciona. Os perigos são agora muito maiores. A Internet, a televisão, os telemóveis, e outros meios tecnologicamente avançados conferiram uma maior importância a estas questões. Imaginemos a situação de um indivíduo que, dirigindo-se a um hospital, com o intuito de fazer umas análises clínicas, vem a constatar que está infectado com o HIV. Que repercussões pode ter a difusão deste facto, nomeadamente no acesso ao emprego, em termos sociais e em outros aspectos da vida do cidadão visado? Imaginemos agora que uma seguradora tem acesso aos dados clínicos dos cidadãos e, com base nestes, procede à selecção dos seus clientes. Esta situação é de todo inadmissível uma vez que configura uma ingerência injustificada na intimidade do cidadão em causa. Imaginemos uma outra situação em que um individuo, dirigindo-se a uma entidade pública com o intuito de se candidatar a um posto de trabalho, se depara com uma exclusão do rol de candidatos, fundada em dados recolhidos pela entidade em causa (relativos à sua situação clínica, convicções politicas, religiosas, filosóficas, filiação partidária, vida privada, origem étnica, etc.) de uma base de dados de um outro ente público. Esta situação configuraria uma descriminação infundada do indivíduo em causa, sendo portanto inaceitável. A CRP e a Lei 68/98, com o intuito de impedir tais situações, proíbem, salvo mediante consentimento expresso do titular, de autorização prevista por lei com garantias de não descriminação ou para processamento de dados estatísticos não individualmente identificáveis, que a informática seja utilizada para tratamento de Página 4 de 6

dados referentes a convicções políticas, filosóficas, filiação partidária ou sindical, fé religiosa, vida privada e origem étnica, bem como relativos à saúde e à vida sexual, incluindo os dados genéticos. Mais uma vez ficam bem patentes os perigos associados ao tratamento de dados através de meios informáticos. Se, por exemplo, um paciente está infectado com uma doença contagiosa, esta informação, que constará certamente dos seus dados clínicos, deverá ser vedada a todos aqueles que não careçam de a conhecer de modo a proceder ao seu tratamento. Sobre estes impende um dever de sigilo profissional que não lhes permitirá revelar a informação em causa. Sucede que, sendo estes dados tratados por via informática, como, por exemplo, uma rede de saúde à qual todos os hospitais têm acesso, existe sempre o perigo de haver intrusos que se apropriem da informação e a divulguem, sem que seja possível agir de forma atempada para o impedir. Esta questão, contudo, sempre esteve presente. O que acontece é que, com a informatização dos dados pessoais, os perigos aumentaram e ganharam um novo significado. Neste sentido, o cidadão é hoje titular de uma série de direitos que visam impedir que os seus dados pessoais sejam utilizados de modo não autorizado. Exemplificando, se estamos perante um paciente, este, no momento em que os seus dados são recolhidos, tem o direito de ser informado acerca da finalidade do tratamento dos dados, da identidade do responsável pelo tratamento, dos possíveis destinatários dos dados, das condições para aceder e/ou rectificar os dados e, de quais os dados que tem, obrigatoriamente, de fornecer. Este conjunto de direitos é designado por direito de informação. Além do direito de informação, o paciente tem ainda o direito de acesso, o direito de rectificação e eliminação, o direito de oposição e outros direitos, tais como, exigir que os seus dados sejam recolhidos de forma lícita e leal, impedir que os dados sejam utilizados para um fim incompatível com o da sua recolha e exigir que os seus dados pessoais não sejam comunicados a um terceiro sem o seu conhecimento e consentimento. Conclusão Em face do exposto, concluímos que, tendo em conta a sociedade em que vivemos, repleta de meios de informação, urge assegurar o respeito pelos direitos Página 5 de 6

de protecção dos dados do cidadão pois, caso contrário, estar-se-ia a permitir uma violação de direitos fundamentais e correspondente devassa da vida privada. A sociedade de informação dos nossos dias não pode significar o desrespeito pela vida privada e por todos os direitos que lhe são inerentes. Não podemos permitir que o cidadão seja, por exemplo, alvo de discriminações apenas porque alguém teve acesso aos seus dados. Esta é uma área muito movediça, no sentido em que, se não há dúvida de que cada vez mais temos que fornecer os nossos dados em diversas situações (preenchimento de formulários, acesso a empregos, universidade e outras situações), a verdade é que não podemos permitir que, com tal, se ultrapassem fronteiras entre o que é privado e o que é público. O consentimento expresso do cidadão deve ser sempre requerido e necessário, o que implica que este esteja devidamente informado. Mas cada vez mais, em situações do dia-a-dia, vemos os nossos direitos fundamentais violados, e nada fazemos para o impedir. Como exemplo, podemos citar aquela situação de revistarem as bolsas à entrada dos hipermercados. Situações como esta são cada vez mais habituais e de certa forma aceites, o que é resultado da falta de informação que os cidadãos têm acerca dos seus direitos. Assim, somos da opinião que, paralelamente a toda a legislação que existe com intuito de proteger os nossos dados pessoais (CRP, Lei nº67/98), é necessário que o cidadão conheça os seus direitos, uma vez que só dessa forma, poderá se defender contra a violação dos mesmos. Página 6 de 6