EFEITO DO TRATAMENTO TÉRMICO DE ENVELHECIMENTO NA MICROESTRUTURA E PROPRIEDADES DE IMPACTO DO AÇO INOXIDÁVEL SUPERAUSTENÍTICO ASTM A 744 Gr.

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Transcrição:

EFEITO DO TRATAMENTO TÉRMICO DE ENVELHECIMENTO NA MICROESTRUTURA E PROPRIEDADES DE IMPACTO DO AÇO INOXIDÁVEL SUPERAUSTENÍTICO ASTM A 744 Gr. CN3MN Márcio Ritoni 1, Marcelo Martins 1, Paulo Roberto Mei 2 1 Sulzer Brasil S.A., Jundiaí, SP, marcio.ritoni@sulzer.com, marcelo.martins@sulzer.com 2 Faculdade de Engenharia Mecânica da Unicamp, Campinas, SP, pmei@fem.unicamp.br Resumo O aço inoxidável superaustenítico ASTM A 744 Gr. CN3MN é aplicado na fabricação de equipamentos que trabalham em ambientes sob corrosão severa com solicitação mecânica. Neste trabalho investigou-se a influência do tratamento térmico de envelhecimento na microestrutura e propriedades de impacto desse tipo de material. Foram realizados tratamentos térmicos de envelhecimento a 9 C por 1,5; 12; 24; 36 e 48 horas. Ensaios de impacto na temperatura ambiente e a -46 C foram realizados nas amostras tratadas termicamente. As análises microestruturais foram feitas por meio de microscopia eletrônica de varredura e difração de raios-x. Concluiu-se que quanto maior a o tempo de exposição do material à temperatura de 9 C, menor é a energia absorvida no impacto. Com 1,5 horas o material apresentou redução na resistência ao impacto de 128 para 25 Joules. O tratamento térmico a 9 C por 48 horas causou a precipitação de algumas fases na matriz austenítica, sendo as mais prováveis: sigma (σ), chi (χ) e carboneto M 23 C 6. Palavras chaves: aço inoxidável, aço superaustenítico, tratamento térmico, microestrutura, dureza, impacto. Abstract The superaustenitic stainless steel ASTM A 744 Gr. CN3MN is employed in the manufacture of equipments for severe corrosive environments under mechanical loads. In this work, an investigation was made on the influence of aging heat treatments on the microstructure and impact properties of this type of material. The aging heat treatments were carried out at temperature of 9 ºC for different periods of time: 1,5; 12; 24; 36 and 48 hours. Impact Charpy tests were conducted on the environment temperature and -46 C for all heat treated samples. The microstructural analyses were carried out by optical microscopy, scanning electron microscopy and X-ray diffraction. It was concluded that as longer as the steel was exposed at 9 ºC, lower was the energy absorbed during impact. After 1,5 hours at 9 ºC the material s impact strength dropped from 128 to 25 Joules. The samples heat treated at 9 ºC for 48 hours showed precipitation of some phases in the austenitic matrix: the most probable were sigma (σ), chi (χ) and M 23 C 6 carbide. Key Words: Stainless steel, superaustenitic stainless steel, heat treatment, microstructure, corrosion, precipitates. Metalurgia Física 22

1 - INTRODUÇÃO O aço inoxidável superaustenítico ASTM A 744 Gr. CN3MN possui altas quantidades de cromo, níquel, molibdênio e nitrogênio e é largamente utilizado na fabricação de componentes para equipamentos que trabalham em ambientes sob corrosão severa. Os elementos de liga adicionados nesse aço têm como objetivo principal: o cromo para melhorar a resistência à corrosão, o níquel e o nitrogênio para estabilizar a austenita e o molibdênio para aumentar a resistência à corrosão por pites. Além de influenciar na resistência à corrosão, o nitrogênio e o molibdênio melhoram as propriedades mecânicas do referido aço [1]. Durante o processo de fabricação, cuidados devem ser tomados para se evitar a formação de alguns tipos de precipitados e fases, de maneira que o aço alcance as propriedades mecânicas e de resistência à corrosão desejadas. Embora a adição de nitrogênio ajude a retardar a formação de outras fases além da austenita, é inevitável a formação das mesmas, principalmente no processo de fundição de peças com grandes espessuras, onde o resfriamento é mais lento. Sabe-se que em temperaturas entre 65 e 98 C vários precipitados surgem na estrutura austenítica [2]. Os precipitados formados, ricos em cromo e molibdênio, deixam a matriz empobrecida destes elementos e suscetível à corrosão. Este fenômeno chama-se sensitização [3]. Este trabalho visa estudar a precipitação de fases e seu efeito nas propriedades de impacto deste aço, após envelhecimento a 9 ºC, por diferentes períodos de tempo. 2 - MATERIAIS E MÉTODOS Corpos de prova com diâmetro de 5 mm e comprimento de 26 mm foram moldados no processo cura a frio (areia aglomerada com resina orgânica) e preenchidos com o aço inoxidável ASTM A 744 Gr. CN3MN fundido em forno de indução a vácuo. A análise química foi realizada em amostras sólidas no espectrômetro de emissão óptica marca ARL 346. Foram usinados corpos de prova com 38 mm de diâmetro e submetidos a tratamentos térmicos de solubilização a 117 ºC por 1,5 hora e resfriamento em água. Após tratamento térmico de solubilização, foram feitos tratamentos isotérmicos a 9 ºC variando-se o tempo de patamar em 1,5; 12; 24; 36 e 48 horas. Para a análise da microestrutura foram cortadas amostras de 2 mm de diâmetro por 2 mm de espessura, lixadas e polidas com pasta de diamante. As amostras foram atacadas com água régia modificada (6 ml de HCL, 2 ml HNO 3 e 2 ml de HC 2 H 3 O 2 ) por, aproximadamente, 3 minutos. Utilizou-se um microscópio ótico modelo Union Met 8X e a fração volumétrica de precipitados foi determinada com uma rede de pontos conforme a norma E 562 [4]. Utilizou-se um Microscópio Eletrônico de Varredura LEO Stereoscan 44, com resolução de 4,5 nm a 3 kv, para observação da estrutura. As microanálises foram realizadas em Microscópio Eletrônico de Varredura, Philips XL3FEG, com resolução de 2 nm a 3 kv, acoplado a um equipamento de microanálise por Raios-X Oxford, Link ISIS 3, com janela fina de diamante com capacidade de detecção até o elemento boro. O ensaio de impacto (Charpy) foi realizado num equipamento OTTO WOLPERT com a metodologia descrita na norma ASTM A 37 (1997) [5]. Os corpos de prova foram usinados na geometria exigida, com entalhe em V, conforme norma ASTM A 37 item 19, fig. 11. Foram realizados quatro ensaios na temperatura ambiente e quatro ensaios na temperatura de -46 C para cada amostra. Exames por difração de raios-x foram realizados a partir de amostras cortadas com 2 mm de diâmetro por 2 mm de espessura, lixadas e polidas com pasta de diamante de granulometria 1μm. Os ensaios foram realizados em equipamento Rigaku Rotaflex, modelo RU2B utilizando a radiação do cobre Kα1 com comprimento de onda 1,5456 Ǻ. Os resultados foram comparados com as fichas padrão de cada estrutura com base no banco de dados internacional JCPDS (Joint Committee on Powder Diffraction Standards). Metalurgia Física 23

3 - RESULTADOS E DISCUSSÕES 3.1) Análise Química A composição química do aço utilizado é apresentada na Tabela 1 e foi balanceada de maneira a atender a especificação da norma ASTM A 744 Gr.CN3MN e ao valor mínimo do PRE, conforme especificado na própria tabela. 3.2) Análise microestrutural O aço inoxidável superaustenítico possui matriz austenítica com precipitados de diferentes morfologias. Tabela 1: Composição química do aço utilizado. C Mn Si P S Cr Ni Mo Cu N PRE* CN3MN (norma),3 2, 1,,4,1 2,- 22, 23,5-25,5 6,- 7,,75,18-,26 4 Amostra,19,88,69,2,6 21,98 24,84 6,35,1,23 46,6 *PRE=Cr%+3,3Mo%+16N% (ASTM A89/A89M, 1991) [6] A Figura 1 apresenta a microestrutura de uma amostra que foi submetida a tratamento térmico de solubilização a 117 C onde se nota que os precipitados estão dispersos pela matriz e não estão interligados nos contornos de grão formando uma rede de precipitados. Já a Figura 2 apresenta a microestrutura de uma amostra solubilizada a 117 C e envelhecida a 9 C por 1,5 horas, onde se notam precipitados nos contornos de grão formando uma rede de precipitados. As Figuras 3 e 4 apresentam uma microestrutura completamente sensitizada após 48 horas a 9 C com grande quantidade de precipitados espalhados na matriz austenítica e nos contornos de grão, formando uma rede de precipitados. O aquecimento a 9 C provoca um aumento apreciável na fração volumétrica de precipitados, passando de, aproximadamente 3 % na estrutura solubilizada a 117 C para 23 % após 48 horas de aquecimento a 9 C (Tabelas 2 e Figura 3). Figura 1: microscopia ótica - amostra solubilizada a 117 C - ataque com água régia. 3.3) Ensaio de impacto A Tabela 3 e Figura 6 mostram que quanto mais tempo o material ficou exposto à temperatura de 9 C, menor foi a energia absorvida no impacto na temperatura ambiente, que passou de 25, para 7,1 J, quando o tempo foi aumentado de 1 ½ para 48 horas. Figura 2: microscopia ótica - amostra envelhecida por 1,5 hora a 9 C ataque com água régia Metalurgia Física 24

similares. A composição química dos precipitados das fases sigma e chi foram as que mais se aproximaram. Isso é um indício de que os precipitados que existem nas amostras podem ser destas duas fases. 3.5) Difração de raios-x Figura 3: microscopia ótica - amostra envelhecida por 48 horas a 9 C ataque com água régia. As Figuras 8, 9 e 1 apresentam os ângulos de difração de raios-x da amostra envelhecida a 9 C por 48 horas nas faixas do espectro compreendidas entre os ângulos que possuem maior intensidade de difração. Os planos da austenita foram identificados, porém os picos referentes aos ângulos 95,94 e 117,71, dos planos (2 2 2) e (4 ), respectivamente, não ficaram evidentes no ensaio. Além da austenita, surgiram outros planos difratados que pertencem à fase sigma, à fase chi e ao carboneto M 23 C 6, porém não foram encontrados todos os planos pertencentes a estas fases na faixa analisada do espectro. 4 CONCLUSÕES Figura 4: MEV - amostra envelhecida por 48 horas a 9 C ataque com água régia. Isso se deve ao aumento da fração volumétrica de precipitados conforme mostrado na Figura 5. 3.4) Análise química dos precipitados A Tabela 4 e Figura 7 mostram o percentual em peso dos principais elementos de liga presentes nos precipitados analisados na amostra envelhecida por 48 horas a 9 C. Nota-se que ocorreu o fenômeno da sensitização onde os precipitados são ricos em molibdênio e cromo retirados da matriz austenítica. A Tabela 5 apresenta uma comparação entre a composição química dos precipitados encontrados na amostra envelhecida por 48 horas a 9 C, com a composição química média de precipitados encontrados em trabalhos realizados por outros autores em materiais O tratamento térmico de envelhecimento a 9 C no aço inoxidável superaustenítico ASTM A 744 Gr. CN3MN causou alterações na microestrutura e nas propriedades de impacto, concluindo-se que: - Quanto mais tempo o aço ficou exposto à temperatura de 9 C, menor foi a energia absorvida no impacto na temperatura ambiente, que passou de 25 para 7 J, quando o tempo foi aumentado de 1 ½ para 48 horas e maior a fração volumétrica de precipitados, que passou de 3 % no aço antes do aquecimento, para 23 % após 48 horas de aquecimento. Assim, quando a fração de volumétrica de precipitados aumenta, ocorre uma redução da energia absorvida no ensaio impacto. - As amostras submetidas ao tratamento térmico de envelhecimento a 9 C por 48 horas apresentam precipitação de várias fases na matriz austenítica, onde as mais prováveis seriam: sigma (σ), chi (χ) e carboneto M 23 C 6. Metalurgia Física 25

Tabela 2: Influência do tempo de envelhecimento a 9 C nas frações volumétricas de precipitados. Tempo (h) de envelhecimento a 9 C % Precipitado encontrado Desvio Padrão 1,5 7 2 12, 12 2 24, 15 2 36, 21 2 48, 23 1 3, 25, % de precipitado 2, 15, 1, 5,, 1 2 3 4 5 Tempo (horas) de envelhecimento a 9 C Figura 5: Influência do tempo de envelhecimento a 9 C nas frações volumétricas de precipitados. Tabela 3: Influência do tempo de envelhecimento na absorção de energia ao impacto. Tempo (h) de envelhecimento a 9 C Energia absorvida (J) (temperatura ambiente) Média de 4 medições Desvio Padrão Energia absorvida (J) (temperatura -46 C) Média de 4 medições Desvio Padrão 1,5 25 5 2 4 12 18 4 17 5 24 13 3 8 1 36 9 7 1 48 7 3 6 1 Metalurgia Física 26

35 3 25 impacto (J) 2 15 1 5 1 2 3 4 5 Tempo (horas) de envelhecimento a 9 C Valores: Ambiente Valores : -46 C Tabela 6: Comparação da composição química dos precipitados com a composição química da matriz para a amostra envelhecida 48 horas a 9 C. Figura 4: Influência do tempo de envelhecimento na absorção de energia de impacto. Elemento Composição média dos precipitados (EDS) DP dos precipitados Composição média da Matriz DP* da matriz Fe 32 2 48,3 Ni 16 2 25,2 Cr 27 2 22,1 Mo 22 1 5,4 *DP: desvio padrão % do elemento em peso 6 5 4 3 2 1 Fe Ni Cr Mo Composição média dos precipitados (EDS) Composição média da Matriz Figura 7: Comparação da composição química dos precipitados com a composição química da matriz para a amostra envelhecida 48 horas a 9 C. Metalurgia Física 27

Tabela 5: Comparação dos resultados da micro-análise com valores da literatura. Elemento químico Ferro Cromo Molibdênio Níquel Composição química das fases encontradas neste trabalho (mín. e máx. % em peso), liga 22Cr-25Ni-7Mo-,3N. Composição química da fase chi (χ) encontrada por Heino (1999a), (% em peso), liga 24Cr-22Ni-7Mo-,5N [7]. 2,1 a 37,1 19,6 a 32, 16,1 a 3,8 11,2 a 24,3 36, 27,5 21,8 1,8 Composição química da fase sigma (σ) encontrada por Heino (1999b), (% em peso), liga 2Cr-18Ni-6Mo-,2N [8]. 33,7 29, 27, 8,3 intensidade (cps) 3 25 2 15 1 5 Os picos das fases χ, σ e γ não ficaram evidentes nesta faixa do espectro 3 4 5 6 7 8 9 1 11 12 ângulo (2θ) Figura 8: Difração de raios-x da amostra envelhecida a 9 C por 48 horas faixa do espectro compreendida entre os ângulos de difração 3 a 12. intensidade (cps) 7 6 5 4 3 2 1 σ (22) χ (321) M23C6 (42) M23C6 (422) σ (33) χ (321) σ (22) γ (311) σ (411) χ (42) σ (331) 35 36 37 38 39 4 41 42 43 44 45 46 47 48 49 5 51 52 53 54 55 ângulo (2θ) Figura 9: Difração de raios-x da amostra envelhecida a 9 C por 48 horas faixa do espectro compreendida entre os ângulos de difração 35 a 55. σ (222) χ (332) γ (2) M23C6 (531) χ (422) REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS [1] Padilha A. F.; Rios P. R., Decomposition of Austenite in Austenitic Stainless Steel, USP Departamento de Engenharia Metalúrgica e de Materiais, BR, p. 325-337, 22. [2] Grubb, J. F.; Deemer, D. E. AL-6XN Alloy, Allegheny Ludlum, USA, p. 2-7, 22. [3] Silva, A. L. C.; Mei, P. R. Aços e Ligas Especiais. Villares Metals S.A., 26. p. 433-435. [4] American Society for Testing and Materials ASTM E- 562-9. Practice for determining volume fraction by systematic manual point count. USA, 199, 15 p. [5] ASTM A37. Standard Test Methods and Definition for Mechanical Testing of Steel Products. American Society for Testing and Materials, USA, 1997, p. 7-1. Metalurgia Física 28

intensidade (cps) 3 25 2 15 1 5 σ (313) M23C6 (422) χ (622) γ (22)σ (333) χ (71) M23C6 (66) M23C6 (751) σ (551) χ (64) χ (721) χ (642) γ (311) 65 67 69 71 73 75 77 79 81 83 85 87 89 91 93 95 ângulo (2θ) Figura 1: Difração de raios-x da amostra envelhecida a 9 C por 48 horas faixa do espectro compreendida entre os ângulos de difração 65 a 95. [6] ASTM A89/A89M 91. Standard practice for castings, iron-chromium-nickel-molybdenum corrosion-resistant, duplex (Austenitic/ferritic) for general application. American Society for Testing and Materials. Easton. V.1.2. Ferrous Castings; Ferroalloys, p.556-569. [7] Heino, S., Knutson, M., Karlsson, B., Precipitation in a high nitrogen superaustenitic stainless steel. Materials Science Forum, Chalmers University of Technology, Sweden, p. 143-148, 1999a. [8] Heino, S., Knutson, M., Karlsson, B., Precipitation behavior in heat affected zone of welded superaustenitic stainless steel. Materials Science and Technology, Chalmers University of Technology, Sweden, 11 p., 1999b. Endereço do autor: Paulo Roberto Mei Professor Titular Departamento de Engenharia de Materiais Faculdade de Engenharia Mecânica Universidade Estadual de Campinas Caixa Postal 6122 1383-97 Campinas - São Paulo - Brasil Fone: 19-3521.3323 Fax: 19-3289.3722 E-Mail : pmei@fem.unicamp.br http://pmei.unicamp.googlepages.com Metalurgia Física 29