Focos de calor no sudoeste da Amazônia: indicadores de mudanças no uso da terra

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Transcrição:

Focos de calor no sudoeste da Amazônia: indicadores de mudanças no uso da terra Sumaia Saldanha de Vasconcelos 1 Irving Foster Brown 2,3 Philip Martin Fearnside 1 1 Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia - INPA Av. André Araújo, 2936 CEP 69.011-970 - Manaus - AM, Brasil sumaia_sv@hotmail.com, pmfearn@inpa.gov.br 2 Universidade Federal do Acre - UFAC, Parque Zoobotânico, Setor de Estudos do Uso da Terra e Mudanças Globais - UFAC/PZ/SETEM, Campus Universitário, BR-364 km 04, CEP 69.915-900, Rio Branco, Acre, Brasil 3 Woods Hole Research Center WHRC P.O. Box 296 Woods Hole MA, EUA fbrown@uol.com.br Abstract. The principal objective of this study was to compare the hot pixels detected by the GOES-10, GOES- 12, NOAA-12, NOAA-15, AQUA and TERRA satellites in municipalities (counties) in southwestern Amazonas State (Apuí, Boca do Acre, Canutama, Humaitá, Lábrea, Manicoré and Novo Aripuanã) and in the MAP area (Madre de Dios-Acre-Pando) during the period from 2003 to 2008. During the study period between 50 and 80% of the hot pixels detected by the satellites in the state of Amazonas occurred in the southwestern portion of the state, especially in the municipalities of Apuí, Boca do Acre and Lábrea. The highest number of hot pixels in the study area occurred in 2005, when a severe and prolonged drought provoked fire events contributing to the occurrence of forest fires and accidental fires in cleared areas and throughout southwestern Amazonia. In 2005 Acre was the burning champion, followed by southwestern Amazonas, Pando and Madre de Dios. In 2003, 2004, 2006, 2007 and 2008 the location with the highest number of hot pixels was the southwestern portion of Amazonas. This indicates that the use of fire in the area is intensifying and suggests that changes in land use and land cover are transforming the landscape with consequences for regional and global climate change. Understanding the evolution and the behavior of fire events in southwestern Amazonia is critical and requires the continual attention of the regional and national societies of the three countries that share the area. Palavras-chave: Amazon, fires, hot pixels, land-use change 6353

1. Introdução O uso do fogo no manejo da terra é quase onipresente nas propriedades rurais na Amazônia (Malhi et al., 2008), visto que essa atividade faz parte do paradigma de desenvolvimento dessa região. O fogo está arraigado na estrutura social e econômica da Amazônia e é a ferramenta básica pela qual agricultores de subsistência sobrevivem em regiões remotas da floresta, e os grandes proprietários de terra reclamam e defendem seus direitos de propriedade e previnem o ressurgimento da floresta em suas pastagens (Nepstad et al., 1999). Esse modelo tem contribuído para que o uso do fogo seja intensificado nas últimas décadas e tenha se tornado uma atividade cada vez mais preocupante devido à variabilidade climática que altera o padrão de chuvas na região (Pantoja e Brown, 2007). Em 2005, houve uma grande seca na parte leste do Estado Acre (Brasil), no Departamento de Pando (Bolívia) e no Departamento de Madre de Dios (Peru) (Marengo et al., 2008). A seca resultou em um desastre ambiental, causado por queimadas acidentais e incêndios florestais de grande magnitude, que ficou na historia da região. Somente no Acre, o saldo desse desastre foi entre 267.000 e 336.000 ha de florestas com copas afetadas pelo fogo e entre 374.000 e 566.900 ha de áreas abertas queimadas (Brown et al., 2006 a,b; Vasconcelos e Brown, 2007; Pantoja, 2008). O valor estimado dos custos econômicos, sociais e ambientais foi superior a 150 milhões de reais. Para as florestas com copas afetadas, as perdas podem ser superiores a 250 milhões de reais, considerando danos e perdas de serviços ambientais, usando a multa de mil reais por ha como indicador da perda de serviços ambientais (Brown et al., 2006b). No sudoeste do Estado do Amazonas também ocorreram incêndios florestais e queimadas acidentais contribuindo para o avanço de uma densa cortina de fumaça que comprometeu as atividades de pouso e decolagens de aviões em vários aeroportos de municípios localizados nessa região. As atividades de queimadas e incêndios florestais em distintas partes da Amazônia têm sido abordadas por diversos autores (Barbosa e Fearnside, 1999; Cochrane e Schulze, 1999; Cochrane, 2003; Nepstad et al., 1999; Fearnside, 2003; Vasconcelos et al., 2005; Brown et al., 2006a; Vasconcelos e Brown, 2007) e contribuem para embasar as iniciativas de monitoramento, fiscalização, controle e combate ao fogo, realizadas pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) e instituições de fiscalização e controle estaduais e municipais. Esse artigo visa fazer uma comparação dos focos de calor detectados no período de 2003-2008 na região MAP (Madre de Dios-Acre-Pando) e no sudoeste do Estado do Amazonas. Procuramos responder se o sudoeste da Amazônia está se tornando hotspots 1, uma vez que é uma área de rica diversidade e vem sofrendo anualmente elevados índices de degradação ambiental que estão intimamente relacionados às atividades de desmatamento e as queimadas. 2. Metodologia 2.1 Área de estudo A área de estudo compreende os municípios localizados no sudoeste do Estado do Amazonas (Apuí, Boca do Acre, Canutama, Humaitá, Lábrea, Manicoré e Novo Aripuanã) com áreas totalizando 297.000 km 2, e a região MAP (Madere de Dios-Acre-Pando) com 310.000 km 2 (Figura 1). 1 Hotspots são áreas consideradas prioritárias para conservação, que possuem altos índices de biodiversidade (pelo menos 1.500 espécies endêmicas de plantas) e estão ameaçadas no mais alto grau, tendo perdido mais de 70% de sua vegetação original. De acordo com Myers et al. (2000) no Brasil, a Mata Atlântica e o Cerrado são considerados dois grandes hotspots. 6354

Figura 1. Departamento de Madre de Dios no Peru, Estado do Acre no Brasil, Departamento de Pando na Bolívia (compreendem a região MAP) e os municípios de Apuí, Boca do Acre, Canutama, Humaitá, Lábrea, Manicoré e Novo Aripuanã (compreendem o sudoeste do Estado do Amazonas). Pontos em vermelho significam focos de calor detectados pelos satélites GOES-10, NOAA-15, AQUA e TERRA em 2008. Fonte: INRENA/Madre de Dios, IMAC/Acre, ZONISIG/Pando e CPTEC/INPE. A região de estudo abrange mais de 600.000 km 2 e tem uma população superior a 860.000 pessoas. O Estado do Acre é o mais populoso, com mais de 600.000 habitantes. Possui alta diversidade cultural e biológica com cerca de 80% de cobertura florestal ainda intacta. 2.2 Focos de calor O Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (CPTEC/INPE) produz diariamente dados essenciais para a detecção de queimadas (como os focos de calor), riscos de fogo e previsão de chuvas. Diferentes sensores são utilizados na detecção de focos de calor pelo CPTEC/INPE. Neste estudo foram considerados: Geostationary Operational Environmental Satellite - GOES; National Oceanic and Atmospheric Administration - NOAA (que transporta o sensor Advanced Very High Resolution Radiometer - AVHRR); AQUA e TERRA (ambos transportam o sensor Moderate Resolution Imaging Spectroradiometer - MODIS). Como estes sensores se baseiam em emissões de radiação termal, os eventos de alta emissão desta radiação são chamados de focos de calor, porque nem sempre a fonte desta radiação é uma queimada (Pantoja e Brown, 2007). No momento da detecção podem ocorrer incertezas que estão associadas aos erros de omissão e inclusão de queimadas (Vasconcelos et al., 2005; Vasconcelos e Brown, 2007; Pantoja e Brown, 2007). 6355

Foram utilizados dados de focos de calor de seis satélites, sendo: NOAA-12, para os focos detectados no período de 2003 a 2007; NOAA-15, para os focos detectados em 2007 e 2008, tendo em vista que o NOAA-12 foi desativado em agosto de 2007; GOES-12 para focos detectados no período de 2003 a 2007; GOES-10 para focos detectados em 2007 e 2008, pois em outubro de 2007 o dispositivo "IMC" (Image Motion Compensation) que existe no satélite GOES-12 foi desligado, por não poder mais compensar as variações de inclinação do satélite e o movimento resultante das imagens em relação à sua posição nominal; e TERRA e AQUA, para focos detectados no período de 2003 a 2008. 3. Resultados e Discussão Durante o período de estudo, entre 50 a 80% dos focos de calor detectados pelos satélites no Estado do Amazonas, ocorreram nos cinco municípios localizados no sudoeste do Estado (Tabela 1). Em 2003, 60% (3.633) do total da soma de focos de calor detectados pelos satélites no Amazonas ocorreu nessa porção do Estado. Já em 2004, esse percentual caiu para cerca de 50% (3.108). No entanto, em 2005, o percentual de focos detectados foi de aproximadamente 70%, cerca de três vezes (10.856) o valor de 2004. Neste ano, o total de focos detectados foi de 15.640 para todo o Estado do Amazonas. Em 2006, ocorreu uma redução, comparando com 2005, onde 6.454 focos de calor (60% do total do Estado) foram detectados. Uma redução também ocorreu em 2007, sendo detectados 3.840 focos, correspondendo a cerca de 50% do total do Estado. Embora em 2008 tenham sido detectados 3.236 focos de calor no sudoeste do Amazonas, esse valor corresponde a mais que 80% do total de focos registrados para todo o Estado. Tabela 1. Distribuição espacial da soma dos focos de calor detectados pelos satélites GOES- 10 (somente 2007 e 2008) e GOES-12, NOAA-12 e NOAA-15 (somente 2007 e 2008), AQUA e TERRA nos municípios do sudoeste do Amazonas e no Estado do Acre, nos anos de 2003 a 2008. Fonte: http://www.dpi.inpe.br/queimadas. Município Focos de calor / Ano 2003 2004 2005 2006 2007 2008 Apuí 416 793 1.950 1.292 1.04 762 Boca do Acre 572 227 1.418 573 253 203 Canutama 267 310 856 546 476 208 Humaitá 336 162 216 160 185 107 Lábrea 1.433 856 4.632 2.244 1.549 844 Manicoré 416 514 1.128 1.028 786 655 Novo Aripuanã 193 246 656 611 487 457 Estado do Amazonas 5.974 5.944 15.640 10.668 7.454 3.917 Sudoeste do Amazonas 3.633 3.108 10.856 6.454 3.840 3.236 % Sudoeste do Amazonas ~60 ~50 ~70 ~60 ~50 ~80 Estado do Acre 3.570 2.470 12.670 2.573 1.906 1.906 Leste do Acre 2.945 2.185 11.097 1.841 1.353 1.352 % Leste do Acre ~80 ~90 ~90 ~70 ~ 70 ~70 Lábrea, Apuí e Boca do Acre são os municípios onde foram detectados os maiores números de focos de calor, sugerindo que o uso do fogo nessa parte do Amazonas, especificamente nesses três municípios, é mais intenso, podendo contribuir significativamente para uma acelerada mudança na paisagem dessa região. 6356

O leste do Acre totaliza uma área de aproximadamente 62.000 km 2 e concentra cerca de 60% da população Estado. Nessa região ocorreram entre 70 a 90% do total dos focos de calor detectados pelos satélites em todo Estado (Tabela 1). No Acre, os eventos de queimadas não apresentam um padrão regular (Vasconcelos e Brown, 2007). Em 2003, foram detectados 2.945 focos de calor. Já em 2004, ocorreu uma redução, comparando com 2003, sendo detectados 2.470 focos. No ano de 2005, 12.670 focos foram registrados, uma explosão de focos de calor. Nesse período, ocorreram extensas queimadas acidentais e incêndios florestais no Acre. Em 2006, as atividades de queimadas foram proibidas pelo Ministério Público Estadual por 75 dias, contribuindo para uma redução das atividades de queimadas, sendo detectados 2.573 focos de calor. Em 2007 e 2008, coincidentemente os satélites detectaram 1.906 focos em cada ano. O percentual de focos detectados no leste do Acre foi de 80% em 2003, de 90% em 2004 e 2005, e de 70% em 2006, 2007 e 2008. Isso indica que na porção oeste do Acre está ocorrendo uma intensificação do uso do fogo nesses últimos três anos. Durante todo o período observado, o ano de 2005 foi de seca severa e prolongada e neste período foi detectado o maior número de focos de calor (Figura 2), evidenciando que secas prolongadas potencializam os eventos de fogo. O maior índice de focos de calor ocorreu no Acre, seguido pelo sudoeste do Amazonas, Pando e Madre de Dios. Durante esse período essa região foi afetada por queimadas acidentais e incêndios florestais rasteiros de grande magnitude. Considerando toda região, o Estado do Acre foi o campeão de queimadas somente em 2005. Porém, nos anos de 2003, 2004, 2006, 2007 e 2008, é no sudoeste do Amazonas que os eventos de queimadas ocorrem em maior quantidade, tendo em vista o maior número de focos de calor detectados nesses anos nesta região do Amazonas. 14000 12000 FOCOS DE CALOR 10000 8000 6000 4000 2000 0 2003 2004 2005 2006 2007 2008 ANO Sudoeste do Amazonas Estado do Acre Departamento de Madre de Dios Departamento de Pando Figura 2. Focos de calor detectados pelos satélites GOES-10 (somente 2007 e 2008) e GOES- 12, NOAA-12 e NOAA-15 (somente 2007 e 2008), AQUA e TERRA no sudoeste do Amazonas, no Acre, em Madre de Dios e em Pando, nos anos de 2003 a 2008. Fonte: http: //www.dpi.inpe.br/queimadas Do total de focos de calor registrados na área de estudo (sul da Amazônia) no período de 2003 a 2008, entre 41 e 60% dos focos de calor detectados ocorreram no sudoeste do Amazonas, de 24 a 48% no Estado do Acre, de 8 a 20% no Departamento de Pando e somente 2 a 7% no Departamento de Madre de Dios (Tabela 2). 6357

Tabela 2. Distribuição espacial da soma dos focos de calor detectados pelos satélites GOES- 10 (somente 2007 e 2008) e GOES-12, NOAA-12 e NOAA-15 (somente 2007 e 2008), AQUA e TERRA no leste do Acre e na região MAP (Madre de Dios/Peru, Acre/Brasil e Pando/Bolívia) nos anos de 2003 a 2007. Fonte: http://www.dpi.inpe.br/queimadas. Região Ano 2003 % 2004 % 2005 % 2006 % 2007 % 2008 % Sudoeste do Amazonas 3.633 44 3.108 48 10.856 41 6.454 60 3.840 49 3.236 55 Madre de Dios/Peru 301 4 227 4 626 2 310 3 555 7 274 5 Acre/Brasil 3.570 44 2.470 39 12.670 48 2.573 24 1.906 24 1.906 32 Pando/Bolívia 663 8 610 10 2.336 9 1.349 13 1.589 20 490 8 TOTAL 8.167 100 6.415 100 26.488 100 10.686 100 7.890 100 5.906 100 Essa dinâmica do uso do fogo evidencia uma característica inseparável das fronteiras de ocupação na Amazônia deixando claro que o uso do fogo nessa região está se intensificando. Isto sugere que mudanças estão ocorrendo na cobertura e no uso da terra ocasionado transformações na paisagem dessa região e conseqüentemente contribuindo para as mudanças climáticas regionais e globais. Com os incêndios florestais ocorridos em 2005, somente no Acre, entre 2.670 e 3.360 km 2 de florestas tiveram suas copas afetadas pelo fogo (Brown et al., 2006a,b; Vasconcelos e Brown, 2007; Pantoja, 2008). Em Pando, 2.410 km 2 de florestas foram atingidas pelos incêndios (Torrelles et al., 2006). A soma desses valores representa menos que 1% da área estudada. Porém, se não for contido esse ciclo vicioso de degradação, em um curto espaço de tempo essa área poderá ter perdido grande parte de sua cobertura original e só então ser considerada uma área prioritária para conservação. 4. Conclusões Do total de focos de calor detectados pelos satélites (GOES-10 [somente 2007 e 2008] e GOES-12, NOAA-12 e NOAA-15 [somente 2007 e 2008], AQUA e TERRA, de 2003 a 2008) entre 50 a 80% dos focos de calor detectados no Estado do Amazonas ocorreram nos cinco municípios localizados no sudoeste do Estado, sendo Lábrea, Apuí e Boca do Acre os municípios onde foram registrados os maiores números de focos de calor. O uso do fogo nessa parte do Amazonas é mais intenso, podendo contribuir significativamente para uma acelerada mudança na paisagem dessa região. O ano de 2005 foi de seca severa e prolongada, e neste período foi detectado o maior número de focos de calor em toda a região. O maior índice de focos de calor ocorreu no Acre, seguido pelo sudoeste do Amazonas, Pando e Madre de Dios. Durante esse período essa região foi afetada por queimadas acidentais e incêndios florestais rasteiros de grande magnitude. No entanto, o Estado do Acre foi o campeão de queimadas somente em 2005. Mas, nos anos de 2003, 2004, 2006, 2007 e 2008, foi no sudoeste do Amazonas que os eventos de queimadas ocorreram em maior quantidade. Entender a evolução e o comportamento dos eventos de fogo no sul da Amazônia é critico e requer atenção contínua por parte das sociedades regionais e nacionais dos três paises que compõem a área. 6358

Agradecimentos Ao Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA), a Universidade Federal do Acre (UFAC), ao Programa de Grande Escala da Biosfera-Atmosfera na Amazônia (LBA) por meio do projeto (LC-02), ao componente LBA-ECO, United States Agency for International Development (USAID), ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientifico e Tecnológico (CNPq) e a Fundação Moore pelo apoio financeiro aos autores. Também os autores agradecem o excelente sitio do CPTEC/INPE sobre queimadas que forneceu os dados usados nesta análise. Referências Bibliográficas Barbosa, R.I.; Fearnside, P.M. Incêndios na Amazônia brasileira: estimativa da emissão de gases do efeito estufa pela queima de diferentes ecossistemas de Roraima na passagem do Evento El Niño (1997/98). Acta Amazônica, v. 29, n. 4, p. 513-534, 1999. Brown, I. F.; Schroeder, W.; Setzer A.; Maldonado, M. J. R.; Pantoja, N.; Duarte, A. F.; Marengo, J. Monitoring fires in Southwestern Amazonia rain forest. EOS, Transaction American Geophysical Union, v. 87, n. 26, p. 253-264, 2006a. Brown, I. F.; Moulard, E. M. N. P.; Nakamura, J.; Schroeder, W.; Maldonado, M. J. R.; Vasconcelos, S. S. de; Serlhost, D. Relatório preliminar do mapeamento de áreas de risco para incêndios no leste do Estado do Acre. Rio Branco, UFAC/FUNTAC, 2006b. Cochrane, M.A.; Schulze, M.D. Fire as a recurrent event in tropical forests of the eastern Amazon: Effects on forest structure, biomass, and species composition. Biotropica. v. 31, n. 1, p. 2-16, 1999. Cochrane, M. A. Fire science for rainforests. Nature, v. 421, p. 913-919, 2003. Fearnside, P. M. A floresta amazônica nas mudanças globais. Manaus, INPA, 2003. 134p. Malhi, Y.; Roberts, J. T.; Betts, R. A.; Killeen, T J.; Li, W.; Nobre, C. A. Climate Change, Deforestation, and the Fate of the Amazon. Science V. 319, 2008. Marengo, J. A.; Nobre, C. A.; Tomasella, J.; Oyama, M. D.; Sampaio, de O. G.; Oliveira, R. de; Camargo, H.; Alves, L.; Brown, I. F. The Drought of Amazonia in 2005. Journal of Climate, 2008. Myers, N.; Mittermeier, R. A.; Mittermeier,, C. G.; Fonseca, G. A. B.; Kent, J. Biodiversity hotspots for conservation priorities. Nature. v.403, p.853-858, 2000. Nepstad, D. C.; Moreira, A. G.; Alencar, A. A. A floresta em chamas: Origens, impactos e prevenção de fogo na Amazônia. Brazil Pilot Program to Conserve the Brazilian Rain Forest. Brasília, 1999. 202p. Pantoja. N. V. Acurácia de produtos de satélites nas estimativas de incêndios e queimadas no leste do acre em 2005. Monografia. Departamento de Ciências Agrárias, Universidade Federal do Acre, Rio Branco. 53p. 2008. Pantoja, N. V.; Brown, I. F. Acurácia dos sensores AVHRR, GOES e MODIS na detecção de incêndios florestais e queimadas a partir de observações aéreas no Estado do Acre, Brasil. In: Simpósio Brasileiro de Sensoriamento Remoto (SBSR), 13., 2007, Florianópolis. Anais... São José dos Campos: INPE, 2007. Artigos, p. 4501-4508. CD-ROM, On-line. ISBN 978-85-17-00031-7. Disponível em: <http://marte.dpi.inpe.br/col/dpi.inpe.br/sbsr@80/2006/11.16.00.40.54/doc/4501-4508.pdf>. Acesso em: 10 out. 2008. Vasconcelos, S. S.; Brown, I. F. The use of hot pixels as an indicator of fires in the MAP region: tendencies in recent years in Acre, Brazil. In: Simpósio Brasileiro de Sensoriamento Remoto (SBSR), 13, 2007, Florianópolis, Anais... São Jose dos Campos: INPE, 2007. Artigos, p. 4549-4556. DE-ROM, On-line. ISBN 978-85-17-00031- 7. Disponível em: http://marte.dpi.inpe.br/col/dpi.inpe.br/sbsr@80/2006/11.01.20.14/doc/4549-4556.pdf>. Acesso em 15 out. 2008. 6359

Vasconcelos, S. S.; Rocha, K. da S.; Selhorst, D.; Pantoja, N. V.; Brown, I. F. Evolução de focos de calor nos anos de 2003 e 2004 na região de Madre de Dios/Peru-Acre/Brasil-Pando/Bolívia (MAP): uma aplicação regional do banco de dados do INPE/IBAMA. In: Simpósio Brasileiro de Sensoriamento Remoto (SBSR), 12., 2005, Goiânia. Anais... São José Dos Campos: INPE, 2005. Artigos, p. 3411-3417. CD-ROM, On-line. ISBN 85-17-00018-8. Disponível em: http://marte.dpi.inpe.br/col/ltid.inpe.br/sbsr/2004/11.22.22.47/doc/3411.pdf>. Acesso em: 15 out. 2008. Torrellhes, R. C.; Pons, E. C. Alerta: Fuegos em Pando. Impacto de lãs quemas de 2005 em el Departamento. Cobija: Herencia. 2006. 35p. 6360