Estúdio da Glória, década de 80: polo de produção eletroacústica no Brasil

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Transcrição:

IV Seminário Música Ciência Tecnologia: Fronteiras e Rupturas Estúdio da Glória, década de 80: polo de produção eletroacústica no Brasil Resumo: Esboço historiográfico do Estúdio da Glória, estúdio-cooperativa de música eletroacústica fundado no Rio de Janeiro em 1981 pelos compositores Rodolfo Caesar, Tim Rescala, Tato Taborda e a flautista Sandra Lobato. Depois de uma contextualização histórica, descreve-se as atividades e produções dos compositores envolvidos e associados. Palavras-chave: história da música eletroacústica no Brasil Estúdio da Glória in the 80 's: an electroacoustic production center in Brazil Denise H. L. Garcia Unicamp d_garcia@iar.unicamp.br Abstract: Historiographical sketch of Estúdio da Glória, a electroacoustic music studio from Rio de Janeiro co-founded in 1981 by the composers Rodolfo Caesar, Tim Rescala, Tato Taborda and the flutist Sandra Lobato. After an historical overview, the paper describes the activities and productions of the composers involved and associates. Keywords: history of electroacoustic music in Brazil Introdução Na escassa bibliografia sobre música eletroacústica brasileira há o testemunho de que a música eletroacústica se iniciou tardiamente em solo brasileiro, seja por falta de laboratórios e equipamentos, seja por falta de interesse das rádios e escolas de música. Ainda não se estudou devidamente o papel destrutivo que a ditadura militar teve sobre as iniciativas pioneiras de algumas escolas na abordagem das músicas experimentais, das quais podemos citar o Departamento de Música da Universidade de Brasília e o Instituto Villa-Lobos no Rio de Janeiro, ambos nos anos 60. Os trabalhos inovadores recém iniciados nessas escolas foram profundamente afetados quando se iniciaram as intervenções e demissões pelos militares: na Universidade de Brasília em 1965 e no Instituto Villa-Lobos no Rio de Janeiro em 1969 e 1972; seus professores foram empurrados para fora do país, para outras cidades ou para fora de sua atividade musical 1. Por outro lado, durante o período da ditadura militar no Brasil vigorou uma extensiva reserva de mercado na área de informática e restrições de importações a partir do início dos anos 70 que culminou na lei nº7232 de 1984, sobre uma política nacional de informática. A indústria fonográfica brasileira nos anos 60 e 70 se concentrava em uma produção de discos de diferentes gêneros de música popular, se restringindo, com raras excessões a reproduzir no Brasil, na área da música erudita, discos de gravações internacionais (Vicente, 2006 e 2010). Esses fatores [Type text]

2 [Type text] somados a uma crise econômica crescente nos anos 60 e 70, não abriram espaço para o surgimento de investimentos nas iniciativas pioneiras da música com suporte tecnológico 2. Apesar desses fatos nada despreziveis na história brasileira, a música experimental contemporânea floreceu nos anos 60 e junto dela a música eletroacústica na medida do possível, seguindo as tendências e influências dos gêneros desenvolvidos na Europa e Estados Unidos. Reginaldo Carvalho compôs a primeira música concreta em 1956 (Si bemol), Jorge Antunes compôs a primeira obra eletrônica em 1962 (Valsa Sideral), Gilberto Mendes concebeu a primeira obra mista para coro e tape em 1963 (Nascemorre) e Rogério Duprat e Damiano Cozzella compuseram a primeira obra assistida por computador em 1963 (Klavibm II). E se não foi possível implantar um laboratório bem equipado para composição eletroacústica nos anos 60 e 70 apesar das várias tentativas no Rio, Brasília e São Paulo, a atuação dos compositores pioneiros nesse período semeou o espírito experimental nas novas gerações de compositores que puderam ter melhores condições materiais de trabalho nas décadas seguintes. Podemos então dividir a história da música eletroacústica no Brasil em três fases: os primeiros experimentos nos anos 60; o início de uma produção efetiva nos anos 70 e 80 e a sua institucionalização nos anos 90 e 2000. Este artigo vai abordar o empreendimento de uma segunda geração de pioneiros que, na falta de iniciativas institucionais, criou espaço e condições no início dos anos 80 para realizar seu trabalho na área da música eletroacústica, o Estúdio da Glória. Para entender o caminho dos músicos que criaram o Estúdio da Glória, damos um passo atrás e encontramos o mesmo ponto original: todos estudaram ou se aproximaram do Instituto Villa-Lobos. Instituto Villa-Lobos O Conservatório Nacional de Canto Orfeônico, fundado por Villa-Lobos em 1942 foi transformado no Instituto Villa-Lobos em 1966, quando Reginaldo de Carvalho assumiu sua direção, implantando aí o Centro de Pesquisa do Som e da Imagem (Ventura). Apontado como o primeiro compositor de música concreta no Brasil, Carvalho fez daquela escola um centro de estudos e de divulgação da música experimental. (Neves, p.190). Convidado por Carvalho, Jorge Antunes inicia no IVL sua atividade docente, transferindo seu laboratório amador de música eletrônica para a escola (Antunes, apud Ventura). Apesar da carência de infraestrutura, segundo Neves, o espírito que pairava sobre aquele Instituto era, entretanto, o espírito da pesquisa, estando todos convencidos, alunos e professores, da importância de viver intensamente a música contemporânea.

IV Seminário Música Ciência Tecnologia: Fronteiras e Rupturas Entre 1967 e 1968 Antunes ministra o Curso de Introdução à Música Eletrônica, Concreta e Magnetofônica para 4 turmas no IVL, além de produzir lá seus primeiros trabalhos de música eletroacústica. No entanto em 1968, com a emissão do AI-5 pelo governo militar, Antunes foi convidado a sair do IVL e recomendou a Carvalho a contratação de Marlenes Fernandes para substituí-lo, recém chegada de Buenos Aires depois de período como bolsista do Instituto Torcuato Di Tella (Antunes, 1980). Entre os anos de 1970 a 1972 Rodolfo Caesar foi aluno no IVL, apontando sempre em seus dados biográficos ter sido aluno de Reginaldo de Carvalho e de Marlene Fernandes. Mas em 1972 Reginaldo de Carvalho se afasta do IVL, que passou a ser dirigido pelo general do exército Jayme Ribeiro da Graça. Rodolfo Caesar abandona os seus estudos no IVL nesse mesmo ano. José Maria Neves, que foi professor no então Centro de Artes (que uniu o IVL à Escola de Teatro nos anos 70, e que será vinculado à UNIRIO), relembra que depois que Reginaldo de Carvalho se retira, o Instituto Villa-Lobos muda completamente sua orientação. Em vez do gosto pelo experimental, predominou o apego às soluções consagradas (Neves, 1980). Vânia Dantas Leite, que teve sua formação na Escola de Música da UFRJ (piano em 1966 e composição e regência em 1972), aponta como sua primeira influência para a música eletroacústica a sua convivência com Jorge Antunes e suas atividades no IVL. Fez estágio no Electronic Music Studios de Londres em 1974. Em 1981 integra o corpo docente da da UNIRIO (que incorpora o IVL) e em 1986 introduz a disciplina Música Eletroacústica no Bacharelado em composição, sendo professora de Tim Rescala e Tato Taborda, co-fundadores do Estúdio da Glória. Reconhece-se então nesse rápido resumo, como as atividades inaugurais do Instituto Villa- Lobos com música experimental exerceram grande influência na formação dos músicos que lá estudaram ou freqüentaram 3. Estudio da Glória O Estúdio da Glória foi um polo de produção de música eletroacústica e de empreendedorismo cultural no Rio de Janeiro nos anos 80 e 90 com iniciativas que reuniam aquela que podemos chamar de segunda geração de pioneiros da música eletroacústica no Brasil: Rodolfo Caesar, Vania Dantas Leite e Tim Rescala 4. Como um estúdio privado não institucional, o Estúdio da Glória desenvolveu trabalhos em amplas esferas da vida cultural carioca, desde as produções comerciais que lhe davam o sustento, até os projetos mais experimentais que envolviam música eletroacústica, improvisação e instalações sonoras. Foi um espaço sem uma configuração fixa de [Type text]

4 [Type text] ocupação, tendo por ele passado vários compositores e músicos entusiastas. Hoje em dia é finalmente o estúdio pessoal de Tim Rescala. Como começou? Começou do encontro entre Rodolfo Caesar e Tim Rescala. O primeiro havia voltado há poucos anos de uma formação em música eletroacústica no Conservatório de Paris, tendo sido discípulo de Pierre Schaeffer e buscava um espaço de trabalho na sua cidade, onde pudesse desenvolver suas pesquisa artísticas na área. O segundo era um jovem músico em formação no IVL, que possuía um espaço de estudo no atelier de seu pai. Além deles participaram desse início o compositor Tato Taborda e a flautista Sandra Lobato, na época alunos também do IVL. A participação de cada membro do Estúdio era selada com a cotização dos equipamentos necessários para o funcionamento do estúdio. Além disso, juntaram-se a eles outros colaboradores: o luthier José Eduardo Nascimento, que fez a configuração acústica do estúdio; o técnico Luiz Cruz, que realizou lá gravações pessoais e em colaboração com os compositores; e o engenheiro José Augusto Lima, que resolvia questões técnicas de equipamentos e desenvolvia aplicativos eletrônicos para o grupo. Essas colaborações não envolviam qualquer vínculo empregatício (mas alguma atividade comercial), sendo fruto de uma confluência de interesses comuns e afinidades fraternas. Além de estúdio de criação de música eletroacústica, os compositores e colaboradores do Estúdio da Glória trabalhavam com música para teatro e dança, alugavam o estúdio para gravações e utilizaram o estúdio também como espaço de formação em eletroacústica de jovens estudantes como Aquiles Pantaleão e Rodrigo Ciccheli. Os compositores do Estúdio da Glória formavam também parcerias com outros compositores, como por exemplo a compositora Vânia Dantas Leite, que tinha seu próprio estúdio já nos anos setenta. Juntos eles eram empreendedores culturais, organizando concertos nos quais divulgavam conjuntamente os seus trabalhos. Como Vânia Dantas não era associada diretamente ao Estúdio da Glória nos anos 80 5, eles firmavam essas parcerias com nomes de grupos musicais que foram sendo descartados e reinaugurados com novos nomes ao longo dos anos: primeiramente, nos anos 80, o Conjunto Vazio, formado por Vania Dantas, Rodolfo Caesar, Tim Rescala e Tato Taborda; nos anos 90 aparece o GME - Grupo de Música Eletroacústica do Rio de Janeiro, formado por Aquiles Pantaleão, Jocy de Oliveira, Rodolfo Caesar, Rodrigo Cicchelli, Tim Rescala e Vânia Dantas Leite; no final dos anos 90 foi fundado o Numexi - Nucleo de Música Experimental e Intermídia. Essas iniciativas que tornaram esses grupos ligados ao Estúdio da Glória verdadeiros empreendedores culturais foram realizações importantes no espaço artístico do Rio de Janeiro. Deve-se portanto reconhecer que o Estúdio da Glória não foi apenas um espaço de criação de

IV Seminário Música Ciência Tecnologia: Fronteiras e Rupturas música eletroacústica, mas também e igualmente importante, espaço que congregava interesses que resultavam em eventos artísticos singulares no Rio de Janeiro. Salienta-se que apenas na década de 80 os compositores do Estúdio da Glória produziram, organizaram ou participaram de mais de 40 eventos artísticos, 27 deles foram concertos de música eletroacústica nas cidades do Rio de Janeiro, São Paulo e Brasília. Outros trabalhos importantes desenvolvidos por esses grupos se deram em conjunto com as artes visuais e cênicas e eles atuaram junto com importantes artistas como Tunga, Yole de Freitas, Waltercio Caldas, Milton Machado, Regina Miranda, Eliane Carneiro, Celina José e Angela Leite. Outra observação importante a se fazer é que na década de 80, a música eletroacústica começava a construir seu espaço institucional: primeiramente, os compositores do E.G. participam efetivamente das Bienais da Música Brasileira Contemporânea, por exemplo em 1983, quando Vânia Dantas organiza o concerto de obras eletroacústicas dos compositores das duas gerações de pioneiros (Aylton Escobar, Jocy de Oliveira, Tim Rescala, Rodolfo Caesar, Guilherme Vaz, Xico Chaves e Vânia Dantas); nesse mesmo ano, é organizada em Brasília a I Mostra de Música Eletroacústica com ampla participação dos compositores do Estúdio da Glória; ainda nesse mesmo ano é promovido em São Paulo o Primeiro Encontro Paulista de Música Eletroacústica promovido pela Sociedade Brasileira de Música Contemporânea e com participação significativa de compositores, dentre os quais Rodolfo Caesar. E em 1986 o Festival Música Nova organiza dois concertos de música eletroacústica (com participação de Conrado Silva, Jocy de Oliveira e Rodolfo Caesar) 6. A partir dos anos 90, quando Caesar partiu para seus estudos de doutorado na Inglaterra, Aquiles Pantaleão e Rodrigo Cicchelli foram trabalhar no Estúdio da Glória ao lado de Tim Rescala, sendo considerados a segunda geração de compostores do EG. Com a disseminação dos computadores pessoais e desenvolvimentos da informática de áudio, a necessidade do trabalho em estúdio reduziu-se e os compositores naturalmente construiram suas estações de trabalho pessoais. Desta forma o Estúdio da Glória deixa de ser uma cooperativa. Obras para suporte solo e mistas produzidas no E.G. nos anos 80 por Rodolfo Caesar e Tim Rescala 7 compositor obra formação/fim ano Rodolfo Caesar Trêmola Impressão acusmática 1981 Rodolfo Caesar Harmonia dos Mistos multimídia 1982 Rodolfo Caesar Vibrata fita e percussão 1982 [Type text]

6 [Type text] Rodolfo Caesar Espiral 2 sintetizadores e fita 1982 Rodolfo Caesar Botafogo multimidia 1983 Rodolfo Caesar Sinfonia fita e dança 1984 Rodolfo Caesar Divertimento I live eletronics 1985 Rodolfo Caesar Ricercare e Fuga 2 atrizes e fita 1985 Rodolfo Caesar Divertimento II DX7 1986 Rodolfo Caesar Estudo de Causa e acusmática e cello 1986 Efeito Rodolfo Caesar A Descida acusmática 1986 Rodolfo Caesar Tempo Real instalação-música 1986 Rodolfo Caesar Heavy Metal instalação artes visuais 1986 Rodolfo Caesar Éguas da Noite Música para Teatro 1987 Rodolfo Caesar A Paisagem acusmática 1987 Rodolfo Caesar Antigonos música para dança 1987 Rodolfo Caesar Hi-Fi instalação-artes visuais 1987 Rodolfo Caesar O Deserto acusmática 1987 Rodolfo Caesar Presença acusmática e cello 1988 Rodolfo Caesar A Princesa Branca música para teatro 1988 Rodolfo Caesar O Sopro... música para vídeo 1988 Rodolfo Caesar Vivo (Diabolus in acusmática 1988 Machina) Tim Rescala Primeiro Estudo fita, percussão e metais 1981 Poético Tim Rescala Salve o Brasil p/ três atores e fita 1982 Tim Rescala Música para Peer música para teatro 1982 Gynt Tim Rescala Música para Bar doce música para teatro 1982 Bar Tim Rescala Música para Will música para teatro 1983 Tim Rescala Música para A Porta música para teatro 1983 Tim Rescala Cliché Music fita, barítono, flauta, clarineta, 1985 violoncelo, piano e percussão Tim Rescala Música para C de música para teatro 1985 Canastra Tim Rescala Música para O Pai música para teatro 1985 Tim Rescala Música para Alex música para filme de animação 1987 Tim Rescala A Ilha de Santa Cruz fita e live eletrônics 1988

IV Seminário Música Ciência Tecnologia: Fronteiras e Rupturas Tim Rescala Midistudo live 1989 Tim Rescala Psiu live, trombone-baixo, contrabaixo e percussão 1989 Referências ANTUNES, Jorge. Instituto Villa-Lobos, impressões e lembranças, Revista Ensaio/Teatro, Nº 3. Rio de Janeiro: Edições Muro, 1980. BÉHAGUE, Gerard. Music in Latin America: an introduction. New Jersey: Prentice- Hall, 1979. CAESAR, Rodolfo. Memorial para Concurso de Professor Assistente. Rio de Janeiro: Escola de Música da UFRJ, 1996. GARCIA, Denise. Faces da Música Eletroacústica Brasileira: O Estúdio da Glória nos anos 80 e 90. Relatório de Pesquisa CNPq, Rio de Janeiro:Escola de Música da UFRJ, 2007. GARCIA, Denise, MANZOLLI, Jônatas. Composição Assistida por computador na obra Klavibm II de Duprat e Cozzella, 11th Brazilian Symposium on computer music. São Paulo: IME/ECA - USP, 2007b. LINZ MAUÉS, Igor. Música eletroacústica no Brasil: composição utilizando o meio eletrônico (1956 1981). Dissertação de Mestrado. São Paulo: Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo,1989. NEVES, José Maria. Música contemporânea brasileira. São Paulo: Ricordi Brasileira, 1981.. Conheça hoje a música do seu tempo..., Revista Ensaio/Teatro, Rio de Janeiro: Edições Muro, nº3, 1980. PALOMBINI, C. The Brazilian Group for Computer Music Research: a Proto-History, Leonardo Music Journal, v. 10, Cambridge: Mass.: MIT Press, 2000. PEDROSO, João Carlos. Música eletroacústica no Sérgio Porto, Jornal o Globo, Rio de Janeiro, 27/09/1990. SANTOS, Robinson Nelson dos. Reserva do mercado de informática: a experiência brasileira de 1971 a 1992, 2008. Disponível em http://www.scribd.com/doc/14468186/reserva-de-mercadode-informatica-no-brasil-19711992. Acessado em 20/05/2012. VENTURA, Ricardo. O Instituto Villa-Lobos e a música popular. Disponível em: http://brazilianmusic.com/articles/ventura-ivl.html. Acessado em maio de 2012. VICENTE, Eduardo. Organização, crescimento e crise: a indústria fonográfica brasileira nas décadas de 60 e 70. Revista de Economia Política de las Tecnologias de la Información y Comunicación, Vol.VIII, n.3, sep-dic.2006. Disponível em: http://www.eptic.com.br/arquivos/revistas/v.viii,n.%203,2006/revista%20eptic%20viii- 3_EduardoVicente.pdf. Acessado em 23/05/2012 [Type text]

8 [Type text] VICENTE, Eduardo. Chantecler: uma gravadora popular paulista. Revista da USP, nº87, nov. 2010. Disponível em http://www.revistasusp.sibi.usp.br/scielo.php?pid=s0103-99892010000400007&script=sci_arttext. Acessado em maio de 2012 Filmes e Audios BARRA 68: Sem Perder a Ternura. Direção: Vladimir Carvalho. Produção Folklino, 2001 RESCALA, Tim. Entrevista concedida a Denise Garcia. Gravação digital. Rio de Janeiro, março de 2007 Notas 1 Claudio Santoro saiu de Brasília para a Alemanha; Reginaldo de Carvalho foi de Brasília para França, voltou para o Rio de Janeiro e de lá para o Piauí; Lins Jaceguay abandonou o Rio de Janeiro e a música; Jorge Antunes foi do Rio de Janeiro para a Argentina; Rogério Duprat e Damiano Cozzella foram de Brasília para São Paulo, abandonando suas atividades na música experimental. 2 Os primeiros estúdios institucionais de música eletroacústicas - LLS da Puc-SP (1994), Estúdio PANaroma UNESP (1995) e LAMUT da UFRJ (1992-1995) estavam vinculados a universidades e foram implantados no Brasil apenas depois que o governo brasileiro abriu o mercado para importação de equipamentos de áudio e informática. 3 Tim Rescala e Tato Taborda por outro lado citam como ponto nevrálgico de sua formação as aulas que tiveram com Koellreutter e os Cursos Latinoamericanos de Música Contemporânea. 4 Jocy de Oliveira participou de vários projetos culturais junto com os compositores do EG mas não trabalhou no Estúdio da Glória, sendo ela considerada compositora da primeira geração de pioneiros da m.e. no Brasil. 5 Nos anos 90 Vânia Dantas Leite compôs Sforzatto/piano no Estúdio da Glória. A compositora, em entrevista conta que a associação direta ao Estúdio da Glória cobriu esse período pontual. 6 Os levantamentos dos eventos foram feitos a partir de programas de concertos, catálogos de exposições, programas de peças teatrais e reportagens de jornais. 7 Quadro montado a partir de catálogo inédito dos compositores.