2007 (Ano da 1ª edição) Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República

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Transcrição:

2007 (Ano da 1ª edição) Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República Todos os direitos reservados. É permitida a reprodução parcial ou total desta obra, desde que citada a fonte e não seja para venda ou qualquer fim comercial. Série Bibliográfica Tiragem: 5.000 exemplares Presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva Ministro da Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República Paulo de Tarso Vannuchi Elaboração, distribuição e informações: COMISSÃO ESPECIAL SOBRE MORTOS E DESAPARECIDOS POLÍTICOS Esplanada dos Ministérios - Bloco T - Sala 420 70064-900 - Brasília - DF Fone: (61) 3429 3142 / 3454 Fax (61) 3223 2260 E-mail: direitoshumanos@sedh.gov.br Impresso no Brasil/Printed in Brazil Catalogação na publicação Brasil. Secretaria Especial dos Direitos Humanos. Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos. Direito à verdade e à memória: Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos / Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos - - Brasília : Secretaria Especial dos Direitos Humanos, 2007 400p. : il. (algumas color.) ; 23 x 30 cm ISBN 978-85-60877-00-3 1. Brasil História I. Título. II. Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos - Relatório.

DIREITO À MEMÓRIA E À VERDADE Com as devidas reservas que merece um documento produzido pelos próprios agentes dos órgãos de segurança e tortura do período ditatorial, cabe transcrever um trecho do Livro Negro produzido pelo Exército entre 1986 e 1988: Menos sorte teve o professor Francisco Jacques Moreira de Alvarenga. Antes de sua prisão, recebera de Júlio Rosas um pacote contendo algumas armas do lote roubado da Guarda Noturna do Rio de Janeiro, com a orientação de desfazer-se dele. Jacques passou as armas para Merival de Araújo terrorista da ALN de quem era um elemento de apoio. Durante os seus depoimentos na polícia, Jacques abriu um contato que teria com Merival, que, de forma previsível, se tratando de terrorista da ALN, foi morto ao reagir à prisão. No dia 28 de junho, Francisco Jacques Moreira de Alvarenga seria assassinado pela ALN em pleno Colégio Veiga de Almeida, no Rio de Janeiro, onde lecionava.. Esse mesmo documento inclui o nome de Merival como participante do Comando Getúlio de Oliveira Cabral, que matou o delegado Octavio Gonçalves Moreira Junior, agente do DOI-CODI/SP, em Copacabana, no dia 25/02/1973. Apesar de perfeitamente identificado desde o momento em que os agentes do DOI-CODI obtiveram a informação de Jacques, o corpo de Merival deu entrada no IML como desconhecido, com a versão de que fora morto em tiroteio, no dia 14 de abril, na Praça Tabatinga, sendo enterrado como indigente no Cemitério de Ricardo de Albuquerque em 24 de maio, 40 dias após a suposta data da morte. Foram localizadas algumas das 20 fotos da perícia feita no local pelo Instituto Carlos Éboli/RJ. Os peritos registram múltiplos ferimentos produzidos por armas de fogo, fazendo constar que, sobre este capítulo, melhor dirão os senhores médicos legistas em laudo próprio. Afirmam ainda que a pesquisa papiloscópíca resultou negativa face à impropriedade do local. Não foi recomendada nova pesquisa e tampouco registrados, seja pelos peritos, seja pelos legistas Roberto Blanco dos Santos e Helder Machado Pauperio, os inúmeros ferimentos visíveis nas fotos do corpo de Merival que foram localizadas pela CEMDP. Os legistas registram algumas escoriações, mas não que em seu corpo mutilado faltam pedaços de pele, arrancadas não se sabe por qual instrumento. Merival morou em Minas Novas, Vale do Jequitinhonha, onde era professor. No Rio de Janeiro, continuou a dar aulas até ser morto. Seu corpo nunca foi entregue aos familiares. Em 1978 seus restos mortais foram para o ossuário geral e, depois, para a vala clandestina no cemitério. Com base nos documentos apresentados, a CEMDP aprovou por unanimidade o voto do relator, favorável ao deferimento do pedido. MÁRCIO BECK MACHADO (1945-1973) Número do processo: 291/96 Filiação: Edena Beck Machado e Octavio Menezes Machado Data e local de nascimento: 16/01/1943, São Paulo (SP) Organização política ou atividade: MOLIPO Data e local do desaparecimento: maio de 1973, Rio Verde (GO) MARIA AUGUSTA THOMAZ (1947 1973) Número do processo: 039/96 Filiação: Olga Michel Thomaz e Aniz Thomaz Data e local de nascimento: 14/11/1947, Leme (SP) Organização política ou atividade: MOLIPO Data e local do desaparecimento: maio de 1973, Rio Verde (GO) Em maio de 1973, os militantes do Molipo Márcio Beck Machado e Maria Augusta Thomaz foi morto no sul de Goiás, na Fazenda Rio Doce, entre Rio Verde e Jataí, a cerca de 240 quilômetros de Goiânia, sem qualquer comunicação oficial dos órgãos de segurança. Ambos os nomes constam da lista de desaparecidos políticos anexa à Lei nº 9.140/95. 342

COMISSÃO ESPECIAL SOBRE MORTOS E DESAPARECIDOS POLÍTICOS Maria Augusta tinha sido estudante da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras Sedes Sapientiae, em São Paulo, sendo indiciada em inquérito por sua participação no 30º Congresso da UNE em Ibiúna(SP), em 1968. Após a morte de seu namorado José Wilson Lessa Sabag, em setembro de 1969, teve de passar à clandestinidade e foi identificada como participante do seqüestro de um avião da Varig, em 4 de novembro daquele ano, desviado para Cuba durante a rota Buenos Aires-Santiago, conforme já mencionado neste livro-relatório. Em Cuba, depois de receber treinamento militar, alinhou-se no grupo dissidente da ALN que ficou conhecido como Grupo dos 28, depois MOLIPO, sendo uma das primeiras integrantes desse grupo a retornar ao Brasil, no início de 1971. Em 14/01/1970, foi expedido contra ela um mandado de prisão pela 2ª Auditoria da 2ª Região Militar, sendo condenada em 29/09/1972, à revelia, a 17 anos de prisão. Em outro processo na Justiça Militar, também julgado à revelia, foi condenada a mais cinco anos de reclusão. Márcio foi estudante de Economia da Universidade Mackenzie, em São Paulo, sendo preso pela primeira vez durante o 30º Congresso da UNE em 1968. Militante da ALN em 1969, escapou por pouco de ser preso em 30/09/1969, no extenso fluxo de prisões que atingiu os militantes dessa organização até chegar a Carlos Marighella em novembro. Essa passagem está registrada da seguinte forma no livro negro do terrorismo no Brasil, já referido: Márcio Beck Machado, militante do setor de apoio, foi detido, também no dia 30 de setembro, na rua Maria Antônia, em frente à Universidade Mackenzie. Quando era conduzido para a viatura policial, três elementos que faziam a sua cobertura intervieram, atirando e ferindo o agente do DPF/SP Cláudio Ernesto Canto. Aproveitando-se da confusão, Márcio evadiu-se junto com os demais militantes, enquanto Cláudio Ernesto Cantos, apesar do pronto atendimento, veio a falecer mais tarde em conseqüência dos ferimentos. Depois desse episódio, Márcio Beck seguiu para Cuba, onde fez treinamento militar, regressando ao Brasil como militante do Molipo. Em 01/04/1970, teve sua prisão preventiva decretada pela Justiça Militar, respondendo também ao processo judicial contra o MOLIPO, que teve início em 1972. Documentos dos órgãos de segurança o acusam, ao lado de Lauriberto José Reyes e João Carlos Cavalcanti Reis, como responsáveis pela morte do sargento da PM/SP Thomas Paulino de Almeida, em 18/01/1972, quando os três militantes tentavam evitar serem presos. O relatório do Ministério do Exército, apresentado em 1993 ao ministro da Justiça Maurício Corrêa, registra sobre ele: teria sido morto em tiroteio juntamente com Maria Augusta Thomaz, numa fazenda em Rio Verde/GO, no dia 17/5/73.. O relatório do Ministério da Marinha, do mesmo ano, confirma a mesma versão: em maio/73, foi morto em Goiás, em tiroteio, durante ação de segurança. Márcio e Maria Augusta chegaram à fazenda Rio Doce no dia 4 de maio e foram mortos no dia 16, quando o local foi cercado e metralhado por agentes de segurança, numa ação conjunta do DOI-CODI/II Exército, Polícia Federal de Goiânia, destacamento da Polícia Militar em Rio Verde, FAB e alguns agentes da Polícia Civil.. Os agentes determinaram ao proprietário Sebastião Cabral e seus empregados que enterrassem os corpos ali mesmo. Embora um documento dos órgãos de segurança, encaminhado em 1978 ao delegado Romeu Tuma, diretor do DOPS, registrasse claramente a informação sobre as mortes de Márcio e Maria Augusta, as autoridades do regime militar jamais informaram aos familiares sobre isso. No Boletim Informativo do Ministério do Exército de janeiro de 1976, os nomes de Márcio Beck e Maria Augusta foram retirados da lista de procurados por serem considerados mortos. Em 1980, foi localizado naquela região o local de sepultamento dos dois militantes, com a participação do advogado Luiz Eduardo Greenhalgh, conhecido advogado de presos políticos e uma das principais lideranças na luta pela Anistia, posteriormente vice-prefeito de São Paulo e deputado federal. No entanto, enquanto eram realizados os trâmites legais para resgate dos restos mortais, as ossadas foram subtraídas, presumivelmente por policiais ou agentes dos órgãos de segurança, visto que o país ainda se encontrava submetido ao regime ditatorial. Nos processos encaminhados à CEMDP foram anexados recortes dos jornais Folha de S. Paulo e Diário da Manhã, do período entre 14 e 20/08/1980, onde consta denúncia feita pelo CBA - Comitê Brasileiro pela Anistia de São Paulo, de que agentes da Polícia Federal violaram as sepulturas dos 343

DIREITO À MEMÓRIA E À VERDADE dois militantes. Esse novo crime, segundo as denúncias, foi perpetrado para evitar que o CBA conseguisse identificar e provar judicialmente a morte de desaparecidos, cujo paradeiro as autoridades do regime alegavam ignorar. Seus corpos nunca mais foram encontrados. Mais recentemente, o ex-agente do DOI-CODI/SP Marival Chaves do Canto declarou à revista IstoÉ,, de 24/03/2004, que a operação de exumação e ocultação das ossadas desses dois militantes foi comandada por André Pereira Leite Filho, oficial do Exército que estava no CIE de Brasília em 1981, depois de ter atuado no DOI-CODI/SP sob o condinome Dr. Edgard. A matéria descreve: segundo Marival, em 1980 o Doutor Edgar comandou, por exemplo, uma expedição que retirou de uma fazenda em Rio Verde, em Goiás, as ossadas de Márcio Beck Machado e Maria Augusta Thomas, integrantes do Molipo (Movimento de Libertação Popular), mortos em 1973 num confronto com agentes do CIE. De acordo com o fazendeiro Sebastião Cabral,os corpos enterrados em sua propriedade foram exumados por três homens em 1980, que deixaram para trás pequenos ossos e dentes perto das covas. EDGARD DE AQUINO DUARTE (1941 1973) Número do processo: 029/96 Filiação: Francisca Maria Duarte e José Geraldo Duarte Data e local de nascimento: 22/02/1941, Bom Jardim (PE) Organização política ou atividade: não definida Data e local do desaparecimento: junho de 1973, em São Paulo (SP) Seu nome integra a lista de desaparecidos políticos anexa à Lei nº 9.140/95. Foi visto pela útima vez em junho de 1973, preso no DOPS/SP. Edgard ingressou na Marinha, onde chegou a cabo do Corpo de Fuzileiros Navais, logo após terminar o segundo grau. Em 1964, participou da Associação dos Marinheiros e Fuzileiros Navais do Brasil posicionando-se ao lado dos que se opuseram ao Golpe de Estado que depôs João Goulart. Em conseqüência de sua atuação na revolta dos marinheiros de 1964 se exilou no México e, mais tarde, viajou para Cuba. Retornou ao Brasil em outubro de 1968 e viveu clandestino em São Paulo, mesmo sem militância política, até ser preso pelo DOPS/SP em 03/06/1971. No livro Brasil Nunca Mais consta que, retornando ao Brasil, Edgard entrou em contato com os pais em Recife e, depois, permaneceu dois meses em Bom Jardim (PE), antes de seguir para São Paulo, onde montou uma imobiliária em sociedade com um amigo. Em São Paulo, manteve contato com o agente infiltrado cabo Anselmo, recém chegado de Cuba, que lhe disse estar sem trabalho e moradia. Edgard o levou, então, para morar em seu apartamento na rua Martins Fontes, 268, apto 807, no centro da capital paulista. Nesse endereço, Edgard foi preso e levado para o DOPS/SP, onde permaneceu sob a responsabilidade do delegado Sérgio Paranhos Fleury. Após a fase de interrogatórios, foi confinado na cela n 4 do fundão (conjunto de celas individuais, isoladas). Até junho de 1973, ele passou por vários órgãos de repressão política e, durante esse período, conheceu diversos outros presos políticos, a quem relatou as torturas a que foi submetido e sua ligação com o cabo Anselmo. Entre esses presos políticos, que denunciaram sua prisão, estavam José Genoino Neto, Ivan Akselrud Seixas, Paulo Vannuchi, Manuel Henrique Ferreira e o casal Maria Amélia de Almeida Teles e César Augusto Teles. Edgard esteve no DOPS/SP, DOI-CODI/SP, DOI-CODI/Brasília e no Batalhão de Caçadores de Goiânia. Visto pela última vez em junho de 1973, no DOPS/SP, estava barbudo, cabeludo e muito debilitado fisicamente. Os carcereiros o retiravam periodicamente da cela no fundão e o levavam para um corredor para tomar sol, quando Edgar comentava com os outros presos que fatalmente seria morto. Numa dessas vezes foi conduzido encapuzado para a carceragem e espancado. Um dos algozes gritou: Você mexeu com segredo de Estado, você tem que morrer. Em julho de 1973, foi impetrado um hábeas-corpus em favor de Edgard. Alcides Singilo, delegado do DOPS/SP, informou em resposta às autoridades judiciais que ele havia sido libertado. Ao ser desmentido, retrucou: talvez ele tenha medo de represálias dos elementos de esquerda e por isso tenha evitado contatos com a família. Ou talvez já tenha sido morto por esse pessoal. Numa ficha da Coordenação de Execução da OBAN, encontrada no arquivo do DOPS/SP, consta que ele foi preso no dia 13/06/1971. No relatório do Ministério da Marinha, de 1993, consta um registro de 10/08/1968 com o nome de soldado Fuzileiro Naval Edgard de Aquino Duarte. Seu nome estava entre as 17 fichas encontradas no arquivo do DOPS/PR numa gaveta identificada como falecidos. 344