CENTRO CRISTÃO DE ESTUDOS JUDAICOS



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Transcrição:

CENTRO CRISTÃO DE ESTUDOS JUDAICOS MARIVAN SOARES RAMOS ABRAÃO, COMO PORTADOR DA PROMESSA PARA TODA A HUMANIDADE (Um estudo de Gn 15,1-20; 25,7-8). Maio de 2014 São Paulo

RESUMO O presente artigo busca refletir, a partir de uma exegese dos textos que se encontram no livro de Gn 15,1-20; 25,7-8. Onde se encontra, nessas narrativas, a transmissão das promessas feitas por Deus através de uma aliança celebrada com Abraão. As promessas consistem em que Abraão tornar-se-ia pai de um numeroso povo e possuiria terra para morar. Todavia, se sabe que Abraão não alcançou, em vida, nenhuma dessas promessas. Entretanto, o autor do texto convida o ouvinte-leitor a se aproximar daquilo que marcaria de uma vez por todas a vida de Abraão: sua esperança. De modo que esta fé, que Abraão teve em Deus, mudaria a sua história para sempre. Palavras Chaves: Promessa; Esperança; Paz

ABSTRACT This essay reflects, from an exegesis of the texts found in the book of Genesis 15,1-20; 25,7-8. Where, in these narratives, the transmission of the promises made by God through a covenant with Abraham celebrated. The promises are that Abraham would become the father of a people to live and possess the land. However, we know that Abraham did not achieve in life, none of these promises. However, the author of the text invites the listener-reader to approach what would score once and for all Abraham's life: his hope. So this faith that Abraham had in God, change their history forever. Key Words: Promise; Hope; Peace

SUMÁRIO Introdução... 4 1 O texto de Gn 15,1-20... 5 1.1 Contextualização do texto.... 5 1.2 Exegese do texto... 6 2 O texto de Gn 25,7-8... 8 2.1 Contextualização do texto... 8 2.2 Exegese do texto... 8 3 Conclusão... 9 3.1 Reflexão pastoral para nossos dias... 11 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS... 12

Introdução Abraão é uma figura marcante na tradição bíblica. Sua fé no Deus único ganhou não só muitas páginas na Bíblia como também uma multidão de adeptos a sua mesma fé. Impressiona a força desse homem que, segundo a tradição bíblica, é o pai de todos os outros. Sua fé em Deus foi capaz de desinstalá-lo da sua segurança e do conforto da sua terra. De fazê-lo sair em busca de algo que à medida que parecia estar próximo, mais distante ficava. Curioso notar as peripécias pela qual ele passou frustrações, decepções, mas acima de tudo teve uma fé inabalável na promessa que seu Deus lhe havia feito. Convencido, dessa promessa, parte na grande aventura chamada fé. Entretanto, seu convencimento veio não através de provas concretas, mas sim através da busca daquilo que é o mais importante para o ser humano, a busca de uma vida repleta de significado. Onde o valor da vida não está meramente em suas complicadas equações numéricas, nem tão pouco em seus difíceis cálculos matemáticos, mas sim no núcleo, no mais íntimo do ser, o desejo de encontrar-se com a verdade. E a verdade liberta de toda forma de escravidão, liberta de todos os ídolos que insistem ainda em explorar e diminuir a vida. Ídolos que reclamam a sua parte na sociedade, mas o que ainda não se sabe é que, de verdade, não existe parte alguma para ser reclamada, pois o Senhor, o Deus de Abraão, desmascarou e revelou toda a sua estrutura pautada na mentira e na discórdia. Que a exemplo de Abraão, que foi em busca de uma promessa e deixou para trás as mais variadas formas de escravidão. Que também nós tenhamos coragem de deixar as correntes que nos aprisionam e saíamos de nossa terra. Coloquemo-nos em marcha em busca dessa promessa, em busca desse encontro com o Senhor. Ele que é o Deus da Esperança e da Vida.

1 O texto de Gn 15,1-20 Depois destas coisas veio a palavra do SENHOR a Abrão em visão, dizendo: Não temas, Abrão, eu sou o teu escudo, o teu grandíssimo galardão. 2 Então disse Abrão: Senhor DEUS, que me hás de dar, pois ando sem filhos, e o mordomo da minha casa é o damasceno Eliézer? 3 Disse mais Abrão: Eis que não me tens dado filhos, e eis que um nascido na minha casa será o meu herdeiro. 4 E eis que veio a palavra do SENHOR a ele dizendo: Este não será o teu herdeiro; mas aquele que de tuas entranhas sair, este será o teu herdeiro. 5 Então o levou fora, e disse: Olha agora para os céus, e conta as estrelas, se as podes contar. E disse-lhe: Assim será a tua descendência. 6 E creu ele no SENHOR, e imputou-lhe isto por justiça. 7 Disse-lhe mais: Eu sou o SENHOR, que te tirei de Ur dos caldeus, para dar-te a ti esta terra, para herdá-la. 8 E disse ele: Senhor DEUS, como saberei que hei de herdá-la? 9 E disse-lhe: Toma-me uma bezerra de três anos, e uma cabra de três anos, e um carneiro de três anos, uma rola e um pombinho. 10 E trouxe-lhe todos estes, e partiu-os pelo meio, e pôs cada parte deles em frente da outra; mas as aves não partiu. 11 E as aves desciam sobre os cadáveres; Abrão, porém, as enxotava. 12 E pondo-se o sol, um profundo sono caiu sobre Abrão; e eis que grande espanto e grande escuridão caiu sobre ele. 13 Então disse a Abrão: Sabes, de certo, que peregrina será a tua descendência em terra alheia, e será reduzida à escravidão, e será afligida por quatrocentos anos, 14 Mas também eu julgarei a nação, à qual ela tem de servir, e depois sairá com grande riqueza. 15 E tu irás a teus pais em paz; em boa velhice serás sepultado. 16 E a quarta geração tornará para cá; porque a medida da injustiça dos amorreus não está ainda cheia. 17 E sucedeu que, posto o sol, houve escuridão, e eis um forno de fumaça, e uma tocha de fogo, que passou por aquelas metades. 18 Naquele mesmo dia fez o SENHOR uma aliança com Abrão, dizendo: À tua descendência tenho dado esta terra, desde o rio do Egito até ao grande rio Eufrates; 19 E o queneu, e o quenezeu, e o cadmoneu, 20 E o heteu, e o perizeu, e os refains, e o amorreu, e o cananeu, e o girgaseu, e o jebuseu. 1.1 Contextualização do texto. No capítulo doze do livro de Gênesis, o SENHOR disse para Abrão sair da sua terra e ir para a terra que Ele, o Senhor, lhe mostraria (v.1). Saíram de Harã, junto com Abrão, sua mulher Sarai e o seu sobrinho Ló (v. 5). O capítulo treze é marcado por uma disputa entre Abrão e o seu sobrinho Ló, a qual culmina com a separação entre os dois. O capítulo catorze apresenta uma disputa entre os reis de tribos locais, que ao final o rei vencedor seqüestra Ló, sobrinho de Abrão. Sabendo Abrão, do seqüestro, saí em campanha militar para resgatá-lo e sua missão é bem sucedida (v.14-16). Na volta, da

campanha militar, tem o encontro com o grande e misterioso Rei Melquisedec, a quem Abrão deu o dízimo de tudo (v. 20). Abrão está de volta para o lugar onde havia estabelecido sua Casa, 1 a terra de Canaã (cf. Gn 13,12), 2 e lá realiza um pacto com o SENHOR (vs. 7-18). Este pacto, que segue o costume dos povos antigos do Oriente Médio, consistia em um ritual. O ritual se dava da seguinte forma. Os contraentes tomavam alguns animais, como por exemplo, aves, animais miúdos, e sacrificavam-nos. Feito isto, os cortavam ao meio e, dispunham as partes cortadas de fronte uma com as outras. Em seguida, ambos os contraentes, deviam passar por entre as vítimas imoladas, como sinal de compromisso, isto queria dizer que a pessoa que não cumprisse sua parte no acordo seria imputado a ele o mesmo que acontecera aos animais, isto é, seria morto (cf. Jr 34,18). Segundo a mentalidade da época este rito assegurava que a: A divindade faz uma promessa, isto é, oferecer terra e descendência, e comprometeu-se com uma permanente obrigação de realizar aquilo que prometeu (FOHRER, 2008, p.48). Portanto, o foco da narrativa, para nosso estudo, está centrado nos versículos quinze a dezoito. São nesses versículos que o Senhor reitera a promessa a Abrão da posse da terra a sua descendência, a primeira havia sido em Gn 12,7, mas será aqui que aparecerá pela primeira vez a promessa do Senhor de conceder a Abrão uma vida plena de realizações. 1.2 Exegese do texto O v. 15 apresenta-se como a grande promessa de Deus para Abrão. Aqui merece atenção o termo ~Al+v'B (em paz). A raiz hebraica shlm é muito antiga e comum a todas as línguas semitas, expressando, como nas demais línguas semitas, uma idéia de perfeição, de estar completo, de estar perfeito, estar terminado. O Substantivo shalom, que se encontra 273 vezes no AT, traduzido em vernáculo, geralmente, pelo termo paz, é, certamente derivado da raiz shlm. Quem 1 Uma Casa equivale a cinqüenta pessoas e o superior da Casa chama-se Aba (Pai); cinqüenta Casas equivale a um Clã e o superior chama-se Adon (Senhor); cinqüenta Clãs equivale a uma Tribo e o superior chama-se Shofet (Juíz). 2 Mambré fica na região de Canaã, atualmente Hebron (cf. Gn 23,19)

vive, portanto, o shalom está com saúde, sente-se bem em um ambiente de tranqüilidade, encontra-se em estado de perfeição. O ser humano que vive o shalom sente-se realizado, completo, perfeito. (BOUZON, 2005, p. 113-114) Ou ainda: Nesse caso, paz significa muito mais do que mera ausência de guerra. Pelo contrário, o significado da raiz verbal shalem expressa muito melhor o verdadeiro conceito de shalom. Inteireza, integridade, harmonia e realização são idéias mais próximas do significado da palavra. Em shalom se acha implícita a idéia de relacionamentos não abalados com outras pessoas e de sucesso da pessoa nas suas empreitadas. (Dicionário, verbete 2401a) Mas, também, é importante notar que a mesma raiz shlm se diz para, reparar, indenizar, reembolsar, pagar, restituir, etc. 3 Portanto, tem haver também com a questão econômica. É interessante notar que, segundo o texto (vs. 12.17), Abrão não passa entre as vítimas, pois, segundo o texto, ele caiu num profundo sono. 4 Neste caso, o texto nos acena para a impossibilidade de Abrão conseguir se manter fiel ao compromisso celebrado com Deus. Pois, assim como Abrão, o que teríamos para oferecer a Deus? Ou ainda, qual seria a carência de Deus a qual somente o ser humano possa preenchê-la? Por isso passará, 5 entre as vítimas imoladas, uma fogueira fumegante e uma tocha de fogo (v. 17). 6 No v.18 temos o ápice do pacto. Aqui duas palavras devem nos chamar a atenção: estabelecer e aliança. 7 a) tr:k' Verbo, cortar (17 ocorrências), este é o verbo usado na Bíblia Hebraica para literalmente cortar uma aliança. Como por exemplo, Ex 24,8; Dt 4,23; 5,8 etc. b) tyrib. Substantivo, aliança, pacto (116 ocorrências), este substantivo é usado na Bíblia Hebraica para falar da aliança entre Deus e a humanidade (cf. Gn 9,13). 3 Cf. Mt 6,12, perdoa-nos as nossas dividas. 4 hm'der>t;, este mesmo substantivo aparece no texto de Gn 2,21, no relato da criação da mulher. 5 rb;[' verbo passar, aqui indicando a própria presença de Deus no fogo. Este mesmo verbo aparece no importante relato do Êxodo, quando o texto diz que Deus passará pelo Egito (Ex 12,12). 6 vae este substantivo (fogo) é o mesmo que aparece na narrativa do povo no deserto onde durante a noite Deus os guiava através de uma coluna de fogo (Ex 13,21). Portanto a presença do SENHOR junto ao seu povo (Cf. II Cr 7). Lembrar ainda da Teofania no Sinai, fogo no monte (Shavuot, Ex 20) e da Teofania no monte Sião e as línguas de fogo (Pentecostes, At 2). 7 Sigo aqui a tradução da Bíblia de Jerusalém,

Aqui o texto hebraico berith não significa aliança, pois, como foi observado na narrativa, só o SENHOR se compromete no pacto. Num semelhante contexto religioso, ela se refere ou à própria obrigação do Iahweh na forma de uma promessa ou à obrigação imposta ao homem por Iahweh. (Fohrer, 2008, p. 100) 2 O texto de Gn 25,7-8 7 Estes, pois, são os dias dos anos da vida de Abraão, que viveu cento e setenta e cinco anos. 8 E Abraão expirou, morrendo em boa velhice, velho e farto de dias; e foi congregado ao seu povo. 2.1 Contextualização do texto Já se sabe, nesta altura da narrativa, sobre a morte de Sara, esposa de Abraão (cf. Gn 23,1). E do casamento do filho de Abraão, Isaac, com Rebeca (cf. Gn 24,67). O capítulo 25 de Genesis inicia com a narrativa dos filhos de Abraão nascidos de Centura, sua outra esposa. Nesta mesma narrativa o texto nos traz a informação que, Abraão deu todos os seus bens ao seu filho Isaac e enviou seus outros filhos para longe de Isaac (v.5-6). 2.2 Exegese do texto Observando a narrativa da morte dos patriarcas bíblicos, Abraão, Isaac, percebe-se certa similaridade para suas mortes. Quando a narrativa traz o mesmo adjetivo [;bef', saciado, satisfeito, para expressar o fim da vida desses dois patriarcas. É possível perceber que esse adjetivo é empregado dez vezes no Antigo Testamento. E cada caso transmite a idéia de estar repleto de alguma coisa e satisfeito. Em Gênesis 25,8 Abraão morre velho e cheio [de anos] (lit.) (Dicionário, verbete 2231d).

Abraão expirou; morreu numa velhice feliz (chama atenção o adjetivo [;bef'), isto é, saciado, satisfeito e depois foi reunido aos seus. E falando da morte de Jacó: Ele morreu e reuniu-se aos seus, velho e farto de dias ([;bef') que também levou uma vida saciada (Gn 35,29). Já, para Jacó e José, nas narrativas da suas mortes não aparece o adjetivo feliz, saciado : expirou e foi reunido aos seus (Gn 49,33). E José deu ordem aos médicos para embalsamá-lo (cf. Gn 50,2a). O mesmo aconteceu com o patriarca José que foi embalsamado (cf. Gn 50,26). Uma possível questão após a narrativa da morte de Abraão poderia nos inquietar. Como Abraão morreu satisfeito se ainda não tinha a realização da promessa da terra (cf. Hb 11,13)? É interessante perceber a importância da terra que até mesmo o patriarca José fez os filhos de Israel jurarem: Quando Deus vos visitar, levarei os meus ossos daqui. (Gn 30,25). Portanto, o tema da terra ocupa uma centralidade na promessa de Deus para Abraão. 3 Conclusão Pode-se inferir que a promessa de Deus feita a Abraão foi plenamente realizada, ainda que não tivesse a posse definitiva da terra. Pois, essa promessa foi o que motivou toda sua existência em busca de um novo ideal. Foi esta fé em Deus que fez com que Abraão não se conformasse com a maneira que se vivia na Mesopotâmia e fosse em busca de algo novo. O texto de Gn 15,15 que nos diz que Abraão morreu com uma vida feliz e cheia de dias, pode ser apresentado pela palavra SHALOM (que foi a quitação dos encargos de sua idade). Uma vida repleta de alegria por ter a certeza da amizade e da companhia de seu Deus. Neste sentido, a realização da promessa não está ligada ao bem material, seja pela não realização de um povo numeroso (cf. Gn 12,2), seja pela não realização da posse da

terra (cf. Gn 12,7). A realização encontra-se na sensação do dever cumprido, da missão realizada, das expectativas alcançadas. A fé como certeza da posse antecipada daquilo que se espera (cf. Hb 11,1). Abraão quanto saiu da sua terra, ele na verdade estava empreendendo algo muito maior do que poderia imaginar, ele saiu de si mesmo, fez a passagem. Pois o conceito do verbo rb;[' (Avar), tem como idéia básica movimento de uma coisa ou pessoa em relação a algum outro objeto que está parado, movendo-se ou motivando ou ainda, o conceito de movimento pode ser usado no sentido metafórico (Dicionário, verbete 1556). A esperança de Abraão ultrapassava suas expectativas meramente terrenas e quantitativas, realizando-se numa vida cheia de significados e sentidos. Em geral, entende-se que a realização da promessa se dá por meios de bens materiais alcançados. Entretanto, ao morrer Abraão não tem nem um povo numeroso, como tão pouco terá uma terra segura para morar. Aqui Abraão, segundo a narrativa, transcende a essas expectativas ao entender que a realização das promessas de Deus se deu através de uma vida repleta de significado. E a definitiva realização, quando se percebe que aqui nesta terra somos peregrinos, se dará ao aspirar por uma terra definitiva (cf. Hb 11,13). Dessa maneira, entendendo nossa passagem por essa vida, através da perspectiva de Abraão teria muito mais sentido uma vida de partilha e de identificação com o próximo. E cada vez se tem muito menos sentido, em uma vida abastada de tudo aquilo que não é necessário para se viver feliz. Leia esse belíssimo texto e perceba o que deve ser a nossa real esperança. Vi então um novo céu e uma nova terra...vi também descer do céu, de junto de Deus, a Cidade santa, uma Jerusalém nova, pronta como uma esposa que se enfeitou para o seu marido. Nisto ouvi uma voz forte que, do trono, dizia: Eis a tenda de Deus com os homens. Ele habitará com eles; eles serão o seu povo, e ele, Deus-com-eles, serão seu Deus. Ele enxugará toda lágrima dos seus olhos, pois nunca mais haverá morte, nem luto nem clamor, e nem dor haverá mais. Sim! As coisas antigas se foram!

Elas se realizaram! O que está sentado no trono declarou então: Eis que eu faço nova todas as coisas Mostrou-me depois um rio de água da vida...nunca mais haverá maldições. Nela estará o trono de Deus e do Cordeiro, e seus servos lhe prestarão culto; verão sua face, e seu nome estará sobre suas fontes. Já não haverá noite; ninguém mais precisará da luz da lâmpada, nem da luz do sol, porque o Senhor Deus brilhará sobre eles, e eles reinarão pelos séculos do séculos. (Apc. 21,1-5-22,1.3-5) 3.1. Reflexão pastoral para nossos dias 1) Como Abraão, também nós somos chamados a viver com responsabilidade nossa fé diante de tantas ameaças a vida e uma fé engajada numa comunidade. 2) Viver à escuta da palavra de Deus no diálogo com ele através da oração, cultivando, em nosso coração aquela fé inquebrantável. 3) Assumir com coragem a caminhada pelo deserto da vida, na certeza que assim como um dia Deus acompanhou seu povo pelo deserto, também nos acompanhará. 4) Combater os ídolos que estão dentro e fora de nós impedindo e sufocando Deus de ocupar seu espaço na vida humana. 5) Confiar sempre em Deus, mas ter a consciência de uma vida pautada na responsabilidade e no compromisso perante o próximo, a criação e o mundo, como manifestação autêntica do sagrado. Acredito que ao assumirmos estes desafios, que foram o de Abraão, humanizando nossas relações, nos tornamos mais humanos. Pois, se o divino tornou-se humano, foi para elevar nossa humanidade em divindade. Por isso dizemos que, que a teologia é a busca do sagrado no humano.

Pois, também nós, assim como Abraão, somos portadores da promessa de Deus que nos ama de maneira incondicional (cf. Jo 3,16). Mesmo que ainda não consigamos alcançar a terra aqui prometida, mas já temos a certeza dessa conquista. Por que Ele, o Senhor, já a conquistou para nós através do seu amor. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BÍBLIA HEBRAICA STUTTGARTENSIA BOUZON, Emanuel. A possibilidade da paz na perspectiva bíblica. In: Instituto Nacional de Pastoral Centro Loyola Rio (organizadores). Violência e paz à luz da Pacem in Terris. SP: Paulinas. 2005. COMBLIN, José. Vocação para a liberdade. São Paulo: Paulus, 1988. FOHRER, Georg. História da Religião de Israel. Tradução: Josué Xavier. SP: Academia Cristã, Paulus. 2008.. Estruturas teológicas do Antigo Testamento. São Paulo: Academia Cristã, 2006. GRENZER, Matthias. O projeto do Êxodo. São Paulo: Paulinas, 2007. HARRIS, R. L. & ARCHER, G. L. & WALTKE, B. K. Dicionário internacional de teologia do Antigo Testamento. São Paulo: Vida Nova, 2005 HORÁCIO, S. Y. GARGANO, I. SKA, J. L. STEPHEN, P. Metodologia do Antigo Testamento. São Paulo: Loyola, 2000. MANCINI, Roberto. Existência e gratuidade. Antropologia da partilha. São Paulo: Paulinas, 2000. SCHWANTES, Milton. História de Israel. Vol. 1: local e origens. São Leopoldo: Oikos, 2008.

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