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Transcrição:

SOCIUS Working Papers A emigração portuguesa hoje: o que sabemos e o que não sabemos João Peixoto Nº 05/2012 SOCIUS - Centro de Investigação em Sociologia Económica e das Organizações ISEG - Instituto Superior de Economia e Gestão UTL - Universidade Técnica de Lisboa R. Miguel Lupi 20 1249-078 Lisboa - Portugal URL: http://pascal.iseg.utl.pt/~socius/home.html

A emigração portuguesa hoje: o que sabemos e o que não sabemos * João Peixoto ** Resumo: Devido à assimetria existente, nas últimas décadas, entre o estudo da imigração e da emigração em Portugal a primeira foi objecto de muito maior atenção por parte da comunidade académica, e ao desequilíbrio existente entre a informação estatística sobre aqueles fluxos os dados sobre imigração são mais abundantes, o que não sabemos sobre a emigração portuguesa actual excede largamente o que sabemos. O objectivo deste breve ensaio é, exactamente, fazer um ponto de situação sobre o conhecimento e o desconhecimento desta realidade. Palavras-chave: Migrações internacionais, Emigração, Mercado de trabalho, Portugal JEL Classification Codes: F22 - International Migration, J61 - Geographic Labor Mobility; Immigrant Workers Abstract: Due to the asymmetry, in recent decades, between the study of immigration and emigration in Portugal - the first was the subject of much greater attention by the academic community - and the imbalance between the statistical information about those flows - data on immigration are more plentiful - what we do not know about the Portuguese emigration today far exceeds what we know. The purpose of this brief essay is to make a point about knowledge and ignorance of this reality. Keywords: International migration, Emigration, Labour market, Portugal JEL Classification Codes: F22 - International Migration, J61 - Geographic Labor Mobility; Immigrant Workers * Texto apresentado no Congresso CAIS/CEPCEP, Portugal Emigrante - Por um não-coagido fluxo migratório, Lisboa, 19 de Abril de 2012. ** Doutorado em Sociologia Económica e das Organizações. Professor Associado no Instituto Superior de Economia e Gestão (ISEG), Universidade Técnica de Lisboa, e investigador no SOCIUS. Email: jpeixoto@iseg.utl.pt. 1

1. Introdução Os estudos sobre migrações internacionais em Portugal nos últimos anos foram bastante assimétricos do ponto de vista do objecto. Um levantamento bibliográfico efectuado recentemente sobre a produção científica na área da imigração e etnicidade em Portugal, entre 2000 e 2008, concluiu pela existência de 836 referências (Machado et al., 2009). Tendo em conta a dimensão do país e da sua comunidade académica, este número demonstra a enorme importância que a investigação científica atribuiu aos fluxos de imigrantes. Embora não exista nenhum estudo congénere recente sobre a produção científica na área da emigração, as referências bibliográficas sobre este tema no mesmo período terão sido em número de poucas dezenas, pelo que podemos acreditar que não ultrapassaram 5% das anteriores. As causas desta assimetria são várias. Entre elas contam-se o crescimento indubitável da imigração estrangeira em Portugal que passou de cerca de 50.000 indivíduos em 1980 para quase 450.000 em 2010 (SEF, 2011) e, numa perspectiva mais pragmática, a maior facilidade em estudar as migrações para o país em relação aos fluxos dos que o abandonam. Mas o desequilíbrio deve-se também, certamente, à ilusão colectiva em que vivemos, anteriormente já designada como imaginação do centro (Santos, 1996). O facto de se ter acreditado na modernização do país e no seu acesso ao patamar de preocupações típico dos países desenvolvidos levou a desvalorizar as saídas. O facto de muita da emigração ser oriunda de regiões periféricas pode ter ainda contribuído para a não visibilidade do fenómeno. Se juntarmos a isto o desequilíbrio que, por razões diferentes, existe entre a informação estatística disponível em Portugal sobre imigração e emigração os dados sobre a primeira são mais abundantes, teremos motivos para acreditar que o que não sabemos sobre a emigração portuguesa actual excede largamente o que sabemos. O objectivo deste breve ensaio é, exactamente, fazer um ponto de situação sobre o conhecimento e o desconhecimento desta realidade. 2. O que sabemos A verdade é que a emigração portuguesa nunca desapareceu. Alguns textos científicos mantiveram o tema na agenda (ver, entre outros, Baganha e Góis, 1998/1999; Baganha et al., 2002; Marques, 2006 e 2009; Peixoto, 2007; Pires et al., 2010; Malheiros, 2011). 2

Milhares Alguns indicadores estatísticos, incluindo os que são publicados regularmente pelas estatísticas oficiais portuguesas, confirmam que os fluxos de emigração sempre foram significativos. As estimativas do saldo migratório anual são um desses indicadores. É certo que os valores apurados anualmente pelo Instituto Nacional de Estatística (INE) têm indicado um saldo positivo (mais imigração do que emigração) desde 1993 até à actualidade (ver Gráfico 1). Porém, por um lado, a existência de emigração líquida não é um facto muito distante. Ainda nos finais dos anos 80 e início dos anos 90 no século passado o país conheceu um panorama de mais saídas do que entradas, apesar de já viver numa era de modernização económica e social (esse é o momento imediatamente posterior à adesão à União Europeia). Por outro lado, o volume do saldo migratório positivo tem vindo a diminuir desde 2003, até quase se anular na actualidade. Esta tendência indicia claramente o recrudescimento recente da emigração. 500 400 300 200 100 0-100 -200-300 Gráfico 1 Componentes do crescimento populacional, 1961-2010 Saldo total Saldo natural Saldo migratório Fonte: INE / Pordata Os fluxos anuais de emigração medidos no país de origem, neste caso Portugal, são outro indicador relevante. Estes dados são publicados regularmente pelo INE, que os recolhe através de um inquérito por amostragem, o Inquérito aos Movimentos Migratórios de Saída. Mesmo se estes números são limitados (o inquérito capta indirectamente os fluxos, questionando os indivíduos presentes nos alojamentos acerca de quem emigrou no último ano; apenas avalia uma amostra dos alojamentos; e apenas 3

1976 1978 1980 1982 1984 1986 1988 1990 1992 1994 1996 1998 2000 2002 2004 2006 2008 Número disponibilizou dados para os períodos 1992-2002 e, recentemente, 2008-2009), eles confirmam que a emigração sempre foi significativa e tem tendido a aumentar nos últimos anos (ver Gráfico 2). 35000 30000 25000 20000 15000 10000 5000 0 Gráfico 2 Emigração, 1976-2009 Emigração permanente Emigração temporária Fonte: INE É visível ainda nos números uma importante alteração: enquanto os movimentos permanentes (saídas com intenção de residência no estrangeiro superior a um ano) tenderam a diminuir até ao final do século passado, as saídas temporárias (intenções de residência no exterior entre três meses e um ano) aumentaram claramente até à viragem do século. Em 2002, quase 9.000 indivíduos emigraram de forma permanente e quase 19.000 de forma temporária. Mas em 2009 a emigração permanente duplicou, aumentando para cerca de 17.000 indivíduos, não sendo então disponibilizados números sobre emigração temporária. É possível acreditar que a emigração de longa duração voltou a ser uma realidade volumosa, embora as saídas sejam, numa proporção crescente, de curta ou média duração. Os dados que o INE publicou até 2002 revelam, também, algumas das características sociodemográficas dos emigrantes. Assim, sabe-se que a emigração total (permanente e temporária), naquele último ano, agrupava cerca de ¾ de homens, era composta sobretudo por adultos jovens e em 60% dos casos solteiros. Este perfil é típico de uma emigração económica. Quanto às regiões de origem, quase 50% dos emigrantes eram oriundos da região Norte. Embora não fosse disponibilizada informação geográfica mais 4

desagregada, é provável que a maioria das saídas ocorresse em regiões em reestruturação ou deprimidas economicamente (Queirós, 2011). Quanto aos níveis de instrução, cerca de ¾ dos emigrantes possuíam o ensino básico (1º a 3º ciclo), confirmando tratar-se de uma emigração pouco qualificada. Em síntese, em termos de perfil, não se encontra uma grande distância entre os novos emigrantes e as vagas de emigração clássica dos anos 60 e 70 do século passado. Uma outra forma de medir os movimentos migratórios é captar os fluxos de emigração medidos nos países de destino. No caso português, a grande vantagem deste procedimento é preencher as várias lacunas que a informação do INE comporta (no que se refere ao período disponível, variáveis observadas e carácter amostral de observação). Algumas importantes desvantagens também existem. As principais resultam das grandes diferenças metodológicas entre os números apurados nos diferentes países. As diferenças entre os conceitos e os sistemas de registo tornam dificilmente comparáveis as estatísticas disponíveis. Ainda assim, quando observamos a informação sobre emigrantes portugueses, as tendências são bastante consistentes: as entradas são significativas, por vezes em valor superior às estatísticas na origem, e revelam uma tendência de aumento nos últimos anos. No Gráfico 3 encontra-se um conjunto de valores. Aí é possível verificar que, entre 2003 e 2008 isto é, antes do agravamento da crise económica nacional e internacional, as saídas aumentaram de forma intensa para Espanha e conheceram aumentos ligeiros para Angola (apesar de uma redução de 2007 para 2008), Suíça, Reino Unido (aumento entre 2006 e 2007), Luxemburgo e Alemanha. Os fluxos anuais terão variado entre mais de 25.000 (Espanha) e perto de 5.000 (Luxemburgo e Alemanha). Uma estimativa dos valores acumulados da população portuguesa e de origem portuguesa em Angola estão ainda representados no Gráfico 4, mostrando que quase quadruplicaram entre 2003 e 2009. 5

Número Gráfico 3 Emigração, 2003-2008, países seleccionados 30000 25000 20000 15000 10000 5000 Angola Alemanha Espanha Luxemburgo Reino Unido Suíça 0 2003 2004 2005 2006 2007 2008 Fonte: Observatório da Emigração Gráfico 4 Estimativas da população portuguesa e de origem portuguesa em Angola, 2003-2009 80000 70000 60000 50000 40000 30000 20000 10000 0 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 Fonte: Observatório da Emigração As estatísticas sobre remessas de emigrantes confirmam também o carácter estrutural da emigração e o seu grande peso na economia nacional, sobretudo quando comparadas com as remessas relacionadas com a imigração. No Gráfico 5 encontra-se a distribuição anual destes fluxos financeiros. É certo que as remessas dos emigrantes portugueses caíram a partir de 2001, embora tenham estabilizado a partir de 2003. Na actualidade, os valores rondam os 2.500 milhões de euros por ano. Quanto às remessas enviadas para o estrangeiro pelos imigrantes em Portugal, aumentaram até 2006, tendo depois diminuído ligeiramente. O seu valor aproxima-se hoje dos 500 milhões de euros por ano. Não deixa de ser eloquente que as remessas relacionadas com as saídas sejam cerca 6

Milhares de euros de quatro vezes superiores às relacionadas com as entradas, o que desafia a imagem de Portugal como país de imigração. 4000000 Gráfico 5 Remessas de emigrantes e imigrantes, 1996-2009 3000000 2000000 1000000 0 Emigrantes Imigrantes Fonte: Banco de Portugal Embora a evolução anual das remessas não reflicta com rigor as dinâmicas anuais das migrações, pois aquelas são afectadas pela acumulação de fluxos e pelos comportamentos variáveis dos migrantes, estes números confirmam que os impactos da emigração têm sido em muitos aspectos bastante mais relevantes do que os da imigração. É ainda possível que o comprovado aumento dos fluxos de saída, na primeira década do novo século, não tenha tido correspondência num aumento equivalente das remessas devido ao carácter temporário de muitas dos novos movimentos. Entretanto, no caso de alguns países de destino, o contraste entre o peso das remessas enviadas para Portugal e as enviadas pelos nacionais desses países residentes em Portugal não poderia ser maior. O surgimento abrupto de Angola como novo país de destino da emigração portuguesa é muito claro no Gráfico 6, onde se nota a estabilização, a baixos níveis, das remessas enviadas a partir de Portugal e o aumento vertiginoso, entre 2004 e 2009, das remessas enviadas de Angola para Portugal. 7

Milhares de euros Gráfico 6 Remessas envolvendo Angola, 2004-2009 120.000 100.000 80.000 60.000 40.000 20.000 Enviadas para Portugal Recebidas de Portugal Saldo 0 2004 2005 2006 2007 2008 2009 Fonte: Observatório da Emigração Algumas das características dos novos fluxos de emigração foram apontadas acima. Infelizmente, nem o INE nem a maior parte das estatísticas no destino apuram ou divulgam informação sobre as características socioeconómicas dos migrantes. Porém, dados sobre emigração altamente qualificada trabalhados pela OCDE e pelo Banco Mundial há poucos anos dão algumas indicações acerca da dimensão deste fenómeno no país. Os números constantes do Quadro 1 confirmam que a emigração altamente qualificada (indivíduos detentores de formação de nível superior) aumentou entre 1990 e 2000. A percentagem de indivíduos nascidos em Portugal, com formação superior, que residiam no estrangeiro naqueles anos aumentou de 16% para 19,5%. Se considerarmos apenas os indivíduos que emigraram depois dos 22 anos (após concluída a formação), os valores passam de 10,1% para 13,1%, nas mesmas datas. Estes últimos números costumam ser usados para aferir a dimensão do brain drain (fuga de cérebros). Segundo a OCDE e o Banco Mundial, estes valores são dos mais altos da União Europeia (Beine et al., 2006; Docquier e Marfouk, 2006). O agravamento dos problemas económicos em Portugal após 2008 deverá ter levado a um aumento ainda mais substancial deste fluxo. 8

Quadro 1 Emigrantes altamente qualificados, em percentagem de todos os indivíduos altamente qualificados nascidos em Portugal, por idade de saída Brain drain 0+ Brain drain 12+ Brain drain 18+ Brain drain 22+ 1990 2000 1990 2000 1990 2000 1990 2000 16,0% 19,5% 13,1% 16,4% 11,4% 14,7% 10,1% 13,1% Fonte: Beine, M., F. Docquier e H. Rapoport (2006), Meas uring international s killed migration: new estimates controlling for age of entry, Policy Research Discussion Paper, World Bank. Quanto às causas dos novos fluxos de emigração, pouco se sabe se exceptuarmos alguns estudos pontuais (ver, por exemplo, Marques, 2006). Mas pode ser admitida a importância de alguns factores explicativos, que, por sua vez, permitem configurar três tipos principais de emigração. Em primeiro lugar, contam-se as dinâmicas contrastantes entre a economia portuguesa e outras, no que diz respeito a taxas de crescimento económico e taxas de desemprego, incluindo desemprego jovem e qualificado. Estas causas, ligadas à debilidade da economia portuguesa e ao seu maior nível de desemprego, dão origem ao que podemos designar como migrações por necessidade. Em segundo lugar, encontra-se a facilidade de movimentação no espaço europeu. Este tipo de causas está ligado ao que podemos denominar de migrações por proximidade referindo desta forma não apenas a proximidade física, mas também a liberdade política de circulação (cidadania europeia). Em terceiro lugar, figura o alargamento das expectativas de mobilidade social. Este último factor permite designar um terceiro tipo de fluxos como migrações por ambição. 3. O que não sabemos Como sublinhámos atrás, a verdadeira dimensão, características e causas da nova emigração portuguesa encontram-se, em larga parte, por conhecer. Os fluxos de saída têm sido subinvestigados por comparação com os mais visíveis, pelo menos até há pouco, fluxos de imigração estrangeira. Essa menor investigação não tem correspondência com uma muito inferior dimensão relativa dos fluxos. Antes pelo contrário, os números confirmam uma realidade sempre substancial da emigração, por vezes equivalente ou mesmo superior à imigração. Foram factores de outra ordem, 9

sociais, políticos ou simbólicos, que inibiram um estudo mais aprofundado desta realidade. O que não sabemos sobre a emigração portuguesa é assim muito, o que justifica que nos próximos anos seja lançada uma agenda de investigação sobre os novos movimentos. Alguns dos tópicos que mais estudo deverão merecer são os seguintes: Dimensão rigorosa dos fluxos: quantos portugueses emigram realmente? Temporalidade dos movimentos: longa, média ou curta duração? Devemos falar em migração, mobilidade ou circulação? Características dos fluxos: qual a composição demográfica e socioeconómica dos novos emigrantes? Causas dos movimentos: existe mais emigração por necessidade, proximidade ou ambição? Porque há tanta necessidade de emigrar? E como vai variar essa necessidade? Contactos mantidos com Portugal: existem contactos de baixa intensidade ou de grande intensidade, dadas as maiores facilidades de transporte e comunicação? E, sobretudo: como vai Portugal evoluir? 4. Conclusão Em síntese, Portugal nunca deixou de ser um país de emigração. É certo que algumas mudanças sucederam. Entre elas, contam-se o carácter mais temporário dos fluxos, a recomposição dos destinos (novos destinos europeus e ressurgimento de África e Brasil) e a maior qualificação dos fluxos. Mesmo tendo em conta essas mudanças, é possível defender a manutenção do carácter estrutural da emigração em Portugal. O desafio é conhecer o panorama actual. Vai haver aumento ou diminuição das saídas? Qual é o perfil de quem sai? Vai existir ganho ou perda de qualificações (e de que dimensão)? Vai verificar-se afastamento, contacto frequente ou retorno dos emigrantes? O país caminha para uma centralidade ou para uma periferização crescente? Numa situação de tantas mudanças demográficas, sociais e económicas como aquelas que Portugal enfrenta na actualidade, não vai ser fácil aos investigadores conhecer em profundidade tudo o que se passa. Como sucede em períodos de grande turbulência, só passados alguns anos se poderão ver mais claramente as linhas de fundo que percorremos. Como na vida real os investigadores são também cidadãos, que pretendem 10

intervir no futuro do seu país, a dificuldade de estabelecer um conhecimento objectivo vai ser maior. Mas se acreditarmos que as boas decisões, pessoais e colectivas, dependem de boa informação, torna-se necessário estudar os caminhos da emigração actual para podermos construir os quadros sociais futuros. Referências bibliográficas Baganha, Maria Ioannis, João Ferrão e Jorge Malheiros (org.) (2002), Os Movimentos Migratórios Externos e a sua Incidência no Mercado de Trabalho em Portugal, Lisboa, Observatório do Emprego e Formação Profissional. Baganha, Maria Ioannis e Pedro Góis (1998/1999), Migrações internacionais de e para Portugal: o que sabemos e para onde vamos?, Revista Crítica de Ciências Sociais, nº 52/53, pp. 229-280. Beine, M., F. Docquier e H. Rapoport (2006), Measuring international skilled migration: new estimates controlling for age of entry, Policy Research Discussion Paper, World Bank. Docquier, Frederic e Abdeslam Marfouk (2006), International migration by education attainment, 1990-2000, in C. Özden e M. Schiff (eds.), International Migration, Remittances and the Brain Drain, Washington DC, World Bank e Palgrave Macmillan, pp. 151-199. Machado, F. L., J. Azevedo e A. R. Matias (2009), Bibliografia sobre Imigração e Minorias Étnicas em Portugal (2000-2008), Lisboa, F. C. Gulbenkian. Malheiros, Jorge M. (2011), "Portugal 2010: O regresso do país de emigração?", in JANUS - Anuário de Relações Internacionais, pp.143-132. Marques, José Carlos (2006), Os Portugueses na Suíça. Migrantes Europeus, Lisboa, ICS. Marques, José Carlos (2009), E continuam a partir: as migrações portuguesas contemporâneas, Ler História, nº 56, pp. 27-44. Peixoto, João (2007) Dinâmicas e regimes migratórios: o caso das migrações internacionais em Portugal, Análise Social, vol. 42, nº 183, pp. 445-469. Pires, Rui Pena (coord.), Fernando Luís Machado, João Peixoto e Maria João Vaz (2010), Portugal: Atlas das Migrações Internacionais, Lisboa, Tinta-da-China e Fundação Calouste Gulbenkian. Queirós, João (2011), entrevista ao Observatório da Emigração, 12/7/2011, consultado em http://www.observatorioemigracao.secomunidades.pt/np4/5 a 7/6/2012. 11

Santos, Boaventura de Sousa (1996), Pela Mão de Alice O social e o político na pósmodernidade, Porto, Afrontamento. Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) (2011), Relatório de Imigração, Fronteiras e Asilo 2010, Oeiras, SEF. 12