História da Língua Portuguesa. Antônio Ponciano Bezerra

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Transcrição:

História da Língua Portuguesa Antônio Ponciano Bezerra São Cristóvão/SE 2007

História da Língua Portuguesa Elaboração de Conteúdo Antônio Ponciano Bezerra Projeto Gráfico e Capa Hermeson Alves de Menezes Diagramação Neverton Correia da Silva Ilustração Clara Suzana Santana Gerri Sherlock Araújo Revisão Magna Maria de Oliveira Ramos Lara Angélica Vieira de Aguiar Copyright 2011, Universidade Federal de Sergipe / CESAD. Nenhuma parte deste material poderá ser reproduzida, transmitida e gravada por qualquer meio eletrônico, mecânico, por fotocópia e outros, sem a prévia autorização por escrito da UFS. FICHA CATALOGRÁFICA PRODUZIDA PELA BIBLIOTECA CENTRAL UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE B574h Bezerra, Antônio Ponciano. História da Língua Portuguesa / Antônio Ponciano Bezerra -- São Cristóvão: Universidade Federal de Sergipe, CESAD, 2011. 1. Linguagem. 2. Língua portuguesa - História. I Título. CDU 821.134.3(091)

Presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva Ministro da Educação Fernando Haddad Secretário de Educação a Distância Carlos Eduardo Bielschowsky Reitor Josué Modesto dos Passos Subrinho Chefe de Gabinete Ednalva Freire Caetano Coordenador Geral da UAB/UFS Diretor do CESAD Antônio Ponciano Bezerra Vice-coordenador da UAB/UFS Vice-diretor do CESAD Fábio Alves dos Santos Vice-Reitor Angelo Roberto Antoniolli Diretoria Pedagógica Clotildes Farias de Sousa (Diretora) Diretoria Administrativa e Financeira Edélzio Alves Costa Júnior (Diretor) Sylvia Helena de Almeida Soares Valter Siqueira Alves Coordenação de Cursos Djalma Andrade (Coordenadora) Núcleo de Formação Continuada Rosemeire Marcedo Costa (Coordenadora) Núcleo de Serviços Gráficos e Audiovisuais Giselda Barros Núcleo de Tecnologia da Informação João Eduardo Batista de Deus Anselmo Marcel da Conceição Souza Raimundo Araujo de Almeida Júnior Assessoria de Comunicação Edvar Freire Caetano Guilherme Borba Gouy Núcleo de Avaliação Hérica dos Santos Matos (Coordenadora) Carlos Alberto Vasconcelos Coordenadores de Curso Denis Menezes (Letras Português) Eduardo Farias (Administração) Haroldo Dorea (Química) Hassan Sherafat (Matemática) Hélio Mario Araújo (Geografia) Lourival Santana (História) Marcelo Macedo (Física) Silmara Pantaleão (Ciências Biológicas) Coordenadores de Tutoria Edvan dos Santos Sousa (Física) Geraldo Ferreira Souza Júnior (Matemática) Ayslan Jorge Santos de Araujo (Administração) Priscila Viana Cardozo (História) Rafael de Jesus Santana (Química) Gleise Campos Pinto Santana (Geografia) Trícia C. P. de Sant ana (Ciências Biológicas) Vanessa Santos Góes (Letras Português) Lívia Carvalho Santos (Presencial) NÚCLEO DE MATERIAL DIDÁTICO Hermeson Menezes (Coordenador) Marcio Roberto de Oliveira Mendoça Neverton Correia da Silva Nycolas Menezes Melo UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE Cidade Universitária Prof. José Aloísio de Campos Av. Marechal Rondon, s/n - Jardim Rosa Elze CEP 49100-000 - São Cristóvão - SE Fone(79) 2105-6600 - Fax(79) 2105-6474

Sumário AULA 1 As línguas naturais como fenômenos históricos... 07 AULA 2 A família lingüística do latim... 15 AULA 3 A Península Ibérica pré-romana... 23 AULA 4 Origem e expansão do Império Romano... 33 AULA 5 Invasões bárbaras e os contatos lingüísticos... 45 AULA 6 Os árabes na Península Ibérica: legado cultural e lingüístico.... 55 AULA 7 A reconquista cristã da Península e a constituição do Reino Português...65 AULA 8 A língua portuguesa: autonomia, domínio territorial e cultural... 75 AULA 9 A constituição do léxico português: fatores interculturais e lingüísticos... 85 AULA 10 A língua portuguesa na transição entre Idade Média e Renascimento: bases do português moderno... 97 AULA 11 A codificação gramatical e o processo de latinização do português: aspectos culturais e linguísticos...109 AULA 12 A projeção da língua portuguesa no novo mundo: aspectos culturais e linguísticos...121 AULA 13 O portugues do Brasil entre os séculos XVI e XVIII....133

AULA 14 A contribuição nativa e o afl uente africano no português do Brasil. 143 AULA 15 A constituição da língua literaria entre os séculos XVII e XVIII... 157 AULA 16 A reforma pombalina e o ensino do Português do Brasil...169 AULA 17 O movimento romântico e a língua portuguesa no Brasil... 181 AULA 18 A questão da língua brasileira: separatistas e dialetistas...191 AULA 19 Antecedentes históricos do modernismo brasileiro e a língua portuguesa... 201 AULA 20 A língua literária do século XX e a constituição da norma lingüística do português do Brasil...211

Aula 1 AS LÍNGUAS NATURAIS COMO FENÔMENOS HISTÓRICOS META Apresentar conceitos básicos sobre a evolução e mudança das línguas. OBJETIVOS Ao fi nal desta aula, o aluno deverá: escrever as características e a natureza das línguas naturais e identifi car quais os tipos de mudanças, no tempo e no espaço, sofridas pelas línguas naturais. Antônio Ponciano Bezerra

História da Língua Portuguesa INTRODUÇÃO Para iniciar esta disciplina, gostaria de informar a você que toda língua natural tem a sua história. História que seus falantes, principalmente os estudantes de Letras, precisam e devem conhecer, pelos menos, em sua generalidade. Nesta aula, portanto, vamos conhecer um pouco sobre a origem das línguas, a maneira pela qual elas evoluem e se modificam no tempo e no espaço. Luiz Vaz de Camões (Fonte: http://lomba.blogs.sapo.pt). ORIGEM As línguas naturais, como os seres humanos, têm um berço, nascem e se desenvolvem, crescem e, às vezes, emigram para outros espaços geográficos, projetam-se no tempo e podem, inclusive, chegar a desaparecer, dando origem a outras línguas que também se expandem e formam famílias, grandes famílias lingüísticas. Esse processo dinâmico, experimentado pelas línguas naturais, espalha- 8

As línguas naturais como fenômenos históricos Aula 1 das por todo o globo terrestre, é explicado pelos estudiosos (historiadores, lingüistas, filólogos) de diversas maneiras. Uns acreditam que as mudanças são provocadas pelo clima, ou seja, o clima modifica o temperamento humano que, por sua vez, modificaria a língua. Outros estudiosos já afirmam que as causas podem estar na própria psicologia dos povos, ou ainda na configuração do território em que habitam, ou ainda nas condições materiais de vida e no estado de civilização dos falantes. Além dessas causas, há também os contatos lingüísticos mantidos historicamente, isto é, problemas de substrato, superestrato e adstrato que envolvem o próprio existir das línguas no planeta Terra. Tudo isto age em favor da evolução das línguas, o que nos garante afirmar que uma língua é um corpo vivo que se acha em constante mutação e que, nem sempre, avança de forma linear, mas em várias direções. E como as línguas mudam? Então, os fenômenos de mudança e de variação lingüística se manifestam, pelos menos, em três dimensões: a) a variação geográfica (também denominada de horizontal, regional ou diatópica): uma língua varia de acordo com a organização e distribuição dos seres humanos no espaço geográfico em que é falada, isto é, varia de localidade para localidade, de região para região e até de país para país. Nós que moramos no Nordeste, por exemplo, não falamos da mesma maneira que as pessoas que moram na região Sul. b) uma outra variação é a social (também denominada de vertical ou diastrática): uma língua varia, muda ou oscila, de acordo com as características das camadas sociais e da estrutura da comunidade que a fala. Você já deve ter percebido que toda sociedade moderna se acha dividida em camadas (classes) sociais hierarquizadas, tais como uma burguesia, às vezes até uma nobreza, uma classe média diversificada (média alta, média-média, média baixa) e uma classe operária ou trabalhadora também muito diferenciada em seu estatuto socioeconômico, profissional, intelectual, entre outros critérios. Em cada uma dessas posições, podemos atribuir um nível de linguagem. c) a variação temporal (também conhecida como histórica, cronológica, diacrônica ou de geração): uma língua varia ou muda à medida que o tempo vai passando, isto é, as gerações não se expressam da mesma maneira sobre hábitos, costumes, visão de mundo comuns ao contexto social em que vivem. Existe, por exemplo, a linguagem dos idosos, dos adultos e da juventude, entre outras possibilidades. No processo de mudança lingüística, atuam dois tipos de condicionamentos: um interno à própria língua 9

História da Língua Portuguesa Ver glossário no final da Aula que caracteriza a sua história interna, isto é, o conjunto de mudanças ocorridas na organização estrutural da língua em questão, no eixo do tempo ou diacronicamente, e outro externo, isto é, que diz respeito à história externa da língua, por considerar o contexto histórico, social, político, econômico e cultural da sociedade com a qual a língua em foco se acha relacionada. Quando tomamos a palavra bodega, por exemplo, verificamos que ela é uma transformação da palavra latina apotheca. Mas, de que maneira essa mudança aconteceu? Vejamos: as consoantes surdas desta palavra são: /p/, /t/ e /k/ (na palavra em questão, a escrita é com /c/, mas a pronúncia é /k/). Em certa época da passagem da língua latina para o português, quando em situação intervocálica, ou seja, quando as consoantes surdas se encontravam entre vogais, elas se sonorizavam, passando de /p/, /t/ e /k/ para /b/, /d/ e /g/, respectivamente. Assim, a palavra passa a ser abodega e depois, por aférese, bodega, como hoje conhecemos. Ao se focalizar tal situação, estamos fazendo história interna da língua portuguesa, uma vez que nos referimos, essencialmente, a um aspecto de mudança pela qual passou a estrutura desta língua considerada em si mesma, sem recorrer a nenhum fator externo de ordem social ou histórica. Por outro lado, abordar a história externa das línguas naturais é estudar, por exemplo, os estágios de ocupação romana na Península Hispânica e a resultante formação de diversas línguas românicas faladas nesse território. Circunstâncias históricas, mudanças sociais ou políticas podem, então, condicionar as mudanças lingüísticas. Uma causa externa (ou condição externa) de mudança lingüística é, por exemplo, a fragmentação política que levou à formação de vários reinos independentes, na Península Ibérica. Este fato permitiu a criação inevitável de novas fronteiras políticas, contribuindo, decisivamente, para a fragmentação dialetal do latim hispânico (isto é, a variedade do latim falado na Península Hispânica ou Ibérica), de que resultaram, como veremos mais adiante, as várias línguas ibéricas, entre elas, o português. Todos esses fatores históricos (internos e externos) funcionam como condições de mudança lingüística, pois agem como selecionadores de inovações e limites, controles e criatividade lingüística. As línguas são entidades abertas, sempre em elaboração, exatamente para permitir a dinâmica da comunicação entre os seus usuários e também para garantir a sua própria continuidade e adequação às necessidades de seus falantes. Aparentemente, pode parecer uma contradição, mas as línguas naturais mudam porque mudaram as necessidades expressivas de seus falantes. Essa mudança, porém, não é desenfreada, é controlada, porque não pode permitir a incomunicação, isto é, não pode afetar a comunicação entre os indivíduos falantes. Em última análise, como bem frisou a professora portuguesa Maria Helena Mira Mateus, a língua muda porque é um sistema em perpétua 10

As línguas naturais como fenômenos históricos Aula 1 adaptação às necessidades das comunidades que as utilizam e essas necessidades também mudam. Segundo ainda o raciocínio da mesma professora, se, em certas épocas, as circunstâncias históricas e sócio-culturais mudam lentamente, e, em outras, essas mudanças acontecem aceleradamente, as necessidades expressivas dos falantes também se modificarão. Vale, ainda, chamar a atenção para o seguinte fato: cada nova fase da língua consiste não só na inovação, mas primordialmente na escolha ou seleção de variedades (variantes) lingüísticas já existentes nessa mesma língua, aceitas e determinadas pelo segmento social prestigiado que se encarrega de sua disseminação (expansão) por toda a comunidade. Assim, edifica-se um novo estágio de evolução da língua que continuará sujeito a novos e perpétuos sobressaltos. Essa é a dinâmica que se imprime em toda e qualquer língua natural, no seu existir histórico e concretamente determinado. ATIVIDADES Após a leitura cuidadosa e atenta deste texto introdutório à disciplina História da Língua Portuguesa, você, aluno desta matéria, encontra-se em condições para desenvolver algumas atividades complementares para uma melhor fixação do conteúdo exposto no texto em pauta. Não se esqueça de reforçar as informações oferecidas nesta primeira aula com consultas à bibliografia apresentada e ao glossário comentado. 1. Estabeleça uma distinção entre mudança e variação lingüística. Redija uma resposta sucinta, apresentando exemplificação. 11

História da Língua Portuguesa COMENTÁRIO SOBRE AS ATIVIDADES Comentários: Caro aluno, você já percebeu que existe uma diferença entre mudança e variação lingüística. A mudança lingüística é conseqüência da variação lingüística. Em outras palavras, inicialmente, temos uma variação que é verificada conforme o tempo, o lugar, a condição social do falante e da situação ou circunstância em que este falante se encontre. Quando essa variação se reflete na fala atingindo o sistema da língua, ela deixa de ser apenas uma variação e passa a ser uma mudança lingüística. Por isso, a mudança é também conhecida como alteração. lingüística. ATIVIDADES Escreva um pequeno texto sobre a importância do conteúdo apresentado aqui para o conhecimento do português. COMENTÁRIO SOBRE AS ATIVIDADES Comentários: Converse com seu tutor acerca de algumas mudanças ocorridas na língua portuguesa. Não deixe de levar em conta que as variações podem se dar no âmbito geográfico, social e temporal. Depois que fizer seu texto, troque idéias com seus colegas no chat. CONCLUSÃO As pesquisas atuais e passadas têm demonstrado a importância de se considerar a influência direta ou indireta de fatores sociais (externos) no processo de mudança lingüística. No entanto, não se defende o tratamento da mudança como se a língua em causa fosse uma realidade isolada, autônoma ou debruçada, centrada apenas nela mesma (abordagem interna). O estudioso da evolução das línguas, no espaço e no tempo, deve adotar uma metodologia de trabalho que procure integrar (dialogar) os elementos estruturais (internos) e os elementos sociais (externos), a fim de fornecer uma visão mais completa, mais em conformidade com as operações de mudança que as línguas experimentam em sua trajetória histórica de existência. Na próxima aula, vamos apresentar como as línguas se organizam em famílias lingüísticas e demonstrar o ramo lingüístico que deu origem à língua latina. 12

As línguas naturais como fenômenos históricos Aula 1 RESUMO As línguas naturais são entidades dinâmicas. Elas experimentam fases evolutivas no curso de sua existência. Daí estarem sujeitas a mudanças para uma adaptação mais conforme às exigências de comunicação presentes em uma cada uma de suas etapas de desenvolvimento. Nesta trajetória, as línguas podem emigrar para outras áreas geográficas e entrar em contato com outras línguas e, desse contato, podem ainda dar origem a outros idiomas como aconteceu com a língua dos romanos, o latim, que ao ser transplantado para a colônias do Império Romano, possibilitou o surgimento de línguas como o português e o galego, na Península Ibérica. AUTO-AVALIAÇÃO 1. Com esta aula introdutória, tornei-me capaz de conceber as línguas em geral e o português em particular como fenômenos dinâmicos, evolutivos, portanto, sujeitos à mudança? 2. A partir de agora posso imaginar que as línguas não são entidades isoladas, mas sujeitas a influências externas? 3. Com esta aula de abertura, tenho condições de identificar variáveis internas e externas que atuam no processo de mudança lingüística? REFERÊNCIAS CÂMARA JR., J. Mattoso. História e estrutura da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Livraria Padrão, 1975.. Dicionário de Filologia e Gramática. Rio de Janeiro: J. Ozon Editora, s.d. COUTINHO, Ismael de Lima. Gramática histórica. Rio de Janeiro: Ao Livro Técnico S/A, 1976. TARALLO. Fernando. Tempos lingüísticos: itinerário histórico da língua portuguesa. São Paulo: Ática, 1992. GLÓSSARIO Península Hispânica: Península situada no sudoeste da Europa, onde se localizam Portugal, Espanha e Andorra. Hispânia foi o nome dado pelos antigos romanos a toda a Península Ibérica, desde que foi conquistada por Otávio César Augusto. 13