O ÓNUS DA RENOVAÇÃO ANUAL DA PROVA RABC INFERIOR A CINCO RMNA E MICROENTIDADE NRAU (Lei nº 6/2006, de 27/02, na redação da Lei 31/2012, de 14/08) No arrendamento para habitação, sobre o arrendatário que, na resposta a que se refere o artº 31º do NRAU (Lei nº 6/2006, 27/02, na redação da Lei nº 31/2012, de 14/08) invoque e comprove perante o senhorio que o RABC do seu agregado é inferior a cinco RMNA, recai o ónus de renovar anualmente essa prova, conforme expressamente determina o nº 5 do artº 35º, sob pena de não poder prevalecer-se da mesma. Por sua vez, no arrendamento para fim não habitacional, o arrendatário que alegue qualquer das circunstâncias elencadas no nº 4 do artº 51º, designadamente a de que no locado funciona um estabelecimento comercial aberto ao público que seja uma microentidade, está igualmente obrigado perante o senhorio a fazer a prova anual dessa especial circunstância, sob pena de idêntica cominação nº 5 do artº 54º. A invocação, no arrendamento para habitação, (por inquilino com menos de 65 anos ou sem incapacidade superior a 60%) de um RABC inferior a cinco RMNA ou, no arrendamento não habitacional, da existência de uma microentidade, assume especial importância para o arrendatário na mecânica dos procedimentos de transição, na medida em que, dentre outros, determinam para ele o importante benefício de impedir que o respetivo contrato de arrendamento transite, desde logo, para o NRAU, senão decorrido o prazo de cinco anos (artigos 35º nº 1 e 54º nº 1). No arrendamento para fim não habitacional, a invocação e comprovação da existência de uma microentidade não só confere ao arrendatário o direito de impor ao senhorio um período (transitório) de cinco anos de vigência do contrato antes da transição para o NRAU, como ainda, durante esse período, lhe permite impedir que a renda não supere 1/15 do valor do locado (artigos 54º nº 2 e alíneas a) e b) do nº 2 do 35º). Por sua vez, no arrendamento para habitação, a invocação e comprovação de um RABC inferior a cinco RMNA, atribuilhe, para além de igual prazo transitório de vigência, a faculdade de beneficiar, ao longo desse período, dos limites à atualização da renda discriminados no nº 2 do artº 35º. Qualquer das referidas circunstâncias devem, no entanto, não só serem necessariamente invocadas e comprovadas na resposta do arrendatário habitacional (artº 31º) ou não habitacional (artº 51º) à comunicação do senhorio, como a sua prova deverá renovar-se anualmente no mês correspondente àquele em que essa invocação haja sido feita, conforme
expressamente determinam os citados artigos 35º nº 5 e 54º nº 5, sob pena de o arrendatário, caso não cumpra essa obrigação, não poder prevalecer-se da circunstância alegada. O que significa, na redação da lei, não poder prevalecer-se da mesma (circunstância)? Salvo sempre melhor opinião, o nosso entendimento é o de que o arrendatário, não cumprindo com a obrigação de renovar a prova da circunstância, deixará de beneficiar dos efeitos que a sua invocação desencadeou, ou seja, por um lado, dos limites impostos à atualização da renda e, por outro, do período de transição para o NRAU. Em relação, pois, àquele arrendatário que, tendo invocado qualquer das mencionadas circunstâncias, venha posteriormente, no decorrer do período transitório, a não cumprir com a obrigação da renovação da prova (seja até porque a circunstância alegada tenha, entretanto, deixado de verificar-se), determina o legislador que deixará de poder auferir dos benefícios desse especial regime de transição. Se é pacífico que, nessa eventualidade e quanto ao regime de atualização da renda, este cessará nos moldes em que fora estabelecido para o período transitório, já quanto ao sentido e consequências da cominação legal em matéria da duração do contrato, a solução nos parece controversa. Nos contratos de arrendamento habitacionais anteriores ao RAU (18/11/1990) e nos não habitacionais vigentes à data da entrada em vigor do Decreto-Lei nº 257/95, 30/09 (05/10/1995), desencadeados que sejam pelo senhorio os procedimentos de transição para o NRAU (salvo os casos do nº 1 do artº 36º em que essa transição não ocorre, no sentido da imposição de um prazo certo ao contrato), o legislador elegeu, na falta de acordo ou no silêncio de ambas as partes quanto à duração do contrato, um prazo de 5 anos artigos 31º nº 7, 33º nº 4 al. b) e 52º - salvo, evidentemente, o caso do senhorio, que não aceitando o valor da renda (contra) proposto pelo arrendatário, opte por denunciar o contrato (al. a) do nº 5 do artº 33º) pagando a respetiva indemnização. Não havendo lugar a período transitório, se não ocorrer a denúncia e desde que as partes se não pronunciem ou não estejam de acordo quanto à matéria da duração do contrato, o legislador resolveu intervir elegendo o prazo (certo) de 5 anos para a vigência do contrato sob o NRAU. De facto, quando iniciados os procedimentos de transição para o NRAU, o arrendatário (com menos de 65 anos e sem incapacidade superior a 60%) não alegue qualquer circunstância que implique estabelecer o período transitório (RABC inferior a cinco RMNA ou microentidade) e no decorrer das negociações de transição não alcancem acordo quanto à duração do contrato, o legislador estabeleceu um prazo de 5 anos para a duração do contrato de arrendamento.
Só assim não será se o senhorio, não concordando com a renda contraproposta pelo arrendatário, optar por denunciar o contrato. Por sua vez, invocadas e provadas pelo arrendatário qualquer daquelas circunstâncias e findo o período de transição que se lhe segue, o legislador estabeleceu em 2 anos a duração do contrato no caso em que as partes não estejam de acordo quanto a essa matéria. Do mesmo modo, só não será assim será se o senhorio, por não concordar com a renda contraproposta pelo arrendatário, optar por denunciar o contrato. Enunciado este princípio geral, vejamos o caso daquele arrendatário que, tendo invocado e comprovado qualquer daquelas circunstâncias (a do RABC inferior a 5 RMNA ou a da microentidade), não venha a renovar a prova no decorrer do período de transição. Supondo, assim, que, v.g., findo o 1º ano (transitório) de vigência o arrendatário não faça essa prova (seja por omissão pura, seja porque a mesma deixou de verificar-se), e estabelecendo o legislador que, nesse caso, o arrendatário deixará de poder prevalecer-se da circunstância invocada (rectius, dos seus efeitos) deve entender-se que cessará o período transitório e, por consequência, cessará também o seu efeito associado, qual seja o de obstar à transição para o novo regime antes que tivessem decorrido os cinco anos previstos pelo legislador. A duração do período transitório depende, portanto, da validação que o arrendatário faça de todos e cada um dos anos que o compõem, de um máximo de cinco, mediante a prova da circunstância inicialmente invocada. Na ausência dessa prova, ocorrerá a caducidade do período transitório, assistindo então ao senhorio o direito de (re) acionar os procedimentos de transição do contrato de arrendamento para o NRAU, sem que o arrendatário possa prevalecer-se (de novo) da circunstância que antes alegara. Findo aquele período e (re) iniciados os procedimentos de transição, que prazo mínimo de vigência, no nosso exemplo, pode o senhorio na falta de acordo impor ao arrendatário? Fazemos aqui um parêntesis para dizer que este prazo é um prazo novo tendo em conta que, quando o senhorio desencadeia os procedimentos de transição pela primeira vez, a duração do contrato então pretendida se refere ao prazo do contrato para vigorar no âmbito do NRAU.
Por essa razão, a proposta desse prazo inicial deixará de vincular o senhorio se, na resposta, o arrendatário invocar as circunstâncias que lhe confiram o benefício do período transitório, uma vez que, no momento da sua proposta o senhorio desconhece (nem tem obrigação de conhecer) se o arrendatário reúne qualquer desses requisitos. Findo esse período transitório, o legislador concede ao senhorio, por via do (re) acionamento dos procedimentos de transição, a faculdade de fazer submeter o contrato ao novo regime, estabelecendo então que, na falta de acordo (ou no silêncio das partes) o prazo do contrato será de 2 anos (salvo denúncia do senhorio). Na verdade, dispõe o artigo 35º nº 6 al. b), quanto aos arrendamentos para habitação, e a al. b) do nº 6 do artº 54º quanto aos arrendamentos para fins não habitacionais, que findo o período de cinco anos o senhorio pode promover a transição do contrato para o NRAU, especificando que, no silêncio ou na falta de acordo das partes acerca do tipo ou duração do contrato, este se considera celebrado com prazo certo, pelo período de dois anos. A questão quanto a este prazo coloca-se, com pertinência, naqueles casos em que o período transitório venha a cessar, seja qual for a causa, por via do incumprimento do ónus da prova anual por parte do arrendatário, antes de decorrido o ciclo de cinco anos previstos pelo legislador. No exemplo que assinalamos, cessando o período transitório ao fim do curso de um ano por omissão de prova do arrendatário, parece poder considerar-se que esta nova fase de transição que entretanto se venha a abrir por iniciativa do senhorio, se regerá agora pelas alíneas b) dos números 6 dos citados artigos 35º e 54º do NRAU, fazendo recair sobre o arrendatário a eventualidade de vir a dispor apenas de mais dois anos de vigência contratual. A ser assim, o arrendatário, ao ano de que entretanto beneficiou ao abrigo do período de transição, passaria a dispor de apenas mais 2 anos de vigência do contrato, o que perfaz, no total, um prazo de 3 anos. A nosso ver, esta interpretação não se coaduna com o teor literal da lei, nem com o seu espírito. Muito embora a cessação do período transitório ocorra por facto não imputável ao senhorio, na medida em que o ónus da renovação da prova anual cabe exclusivamente ao arrendatário, o legislador não terá certamente querido que este, por virtude de ter exercido a prerrogativa legal de invocar qualquer daquelas circunstâncias, viesse a deixar de beneficiar do prazo de cinco anos que o legislador, afinal, lhe concederia caso as não alegasse, bastando para isso que, não as alegando, se mantivesse em desacordo quanto à duração do contrato durante as negociações de transição para o NRAU e o senhorio não viesse a optar pela denúncia em virtude de não aceitar a renda proposta pelo arrendatário. De facto e em tese, aquele arrendatário que, podendo embora invocar uma causa de transição, previsse, v.g., que a mesma corria sério risco de não vir a verificar-se nos anos subsequentes, ponderaria certamente não o fazer, criando
com isso as condições para beneficiar daquele prazo inicial de cinco anos (embora enfrentando o risco da denúncia por desacordo quanto à renda), ao passo que, fazendo-o e vindo posteriormente a cessar o período transitório, poderia ver o prazo global do seu contrato ser estabelecido em período inferior. A questão pode colocar-se até de forma curiosa e com mais acuidade no arrendamento para fins não habitacionais, na medida em que seria perverso imaginar que o titular de um contrato de arrendamento comercial, sendo uma microentidade e para beneficiar da totalidade do período transitório de cinco anos, tivesse que durante esse período conduzir os negócios da sua empresa de modo a não exibir um balanço ou a não ultrapassar o seu volume de negócios em 500 mil euros, ou até mesmo deixar de criar postos de trabalho, a fim de não exceder a média anual de cinco empregados nº 5 do artº 51º. Donde concluímos, portanto, que ainda que venha a ocorrer a cessação do período transitório iniciado por virtude da legítima invocação das circunstâncias previstas na lei, o arrendatário sempre deverá beneficiar daquele prazo de cinco anos de vigência, devendo para tanto o senhorio, nesta nova fase de transição para o NRAU que venha a desencadear na sequência da cessação prematura do período transitório, conceder-lhe na proposta, pelo menos, o tempo que estiver em falta para perfazer aquele prazo. Assim, caso o senhorio venha a propor um prazo inferior e não havendo acordo do arrendatário (ressalvada, obviamente, a opção do senhorio pela denúncia em virtude de não concordar com o valor da renda contraproposto pelo arrendatário), porque entendemos que deve ser observado aquele prazo contratual que o legislador elegeu para vigorar no âmbito do NRAU (5 anos), ao arrendatário deverá ser concedido, pelo menos, o tempo que se encontrar em falta para completar esse período de cinco anos. Em abono desta interpretação encontra-se o teor literal da lei, visto que o prazo de dois anos se encontra estipulado apenas para o caso em que se ache findo o período de cinco anos artº 35º nº 6 e artº 54º nº 6 e não também para quando o período transitório venha a cessar antes desse prazo. A previsão do legislador assenta, portanto, no pressuposto de que o prazo transitório, rectius, cinco anos, haja decorrido na íntegra, e já não que tenha decorrido somente em parte devido a qualquer causa de cessação.
Detenhamo-nos, agora, no caso daquele arrendatário em relação ao qual, v.g., a omissão de prova tenha ocorrido no início do último ano do período de transição, ou seja, depois de terem decorrido já quatro anos completos ao abrigo desse período. Neste caso, cessados os efeitos do período transitório antes do decurso do seu prazo de cinco anos, assistirá ao arrendatário, com base naqueles normativos legais, o direito de exigir que a proposta do senhorio preveja, pelo menos, os dois anos de vigência previstos nos artigos 35º nº 6 e 54º nº 6 para além dos quatro entretanto decorridos? A resposta afirmativa à questão implicará que o contrato beneficie de um prazo total de seis anos, o que constitui, a nosso ver, violação daquele prazo de cinco anos. Na verdade, se pelas razões que assinalamos, defendemos que o arrendatário não pode sair prejudicado em matéria de duração total do contrato pelo facto de ver o período de transição cessado durante o seu curso, também por iguais razões não se vê que haja de sair beneficiado. Portanto, seguindo o mesmo critério, o arrendatário deverá dispor de apenas mais um ano de vigência do seu contrato, tendo em conta o prazo de quatro anos entretanto decorrido ao abrigo do precocemente cessado período transitório, ficando, desse modo, garantido o tempo total de cinco anos de duração inicial que o legislador teria querido na falta de acordo ou no silêncio de ambas as partes e na ausência de denúncia por parte do senhorio. Na ausência de acordo das partes, somos, portanto, de opinião que naqueles casos em que o tempo decorrido à luz do período transitório, somados aos dois anos a que se referem os artigos 35º nº 6 e 54º nº 6, não chegue para perfazer o referido prazo de cinco anos, a interpretação condizente com o teor literal e o espírito da lei deverá ser aquela que assegure a observância desse prazo. Assim, e no exemplo que referimos, na eventualidade de o período de transição não ter durado mais de 2 anos, o arrendatário deverá dispor, ao menos, do tempo em falta (3 ou 4 anos estes já no âmbito do NRAU), de modo a perfazer, respeitando, aquele período mínimo elegível de cinco anos. Podemos, portanto, enunciar que, nos arrendamentos para habitação e nos para fins não habitacionais subsumíveis ao NRAU, o legislador, na ausência de denúncia do senhorio e no silêncio ou desacordo das partes, elegeu os seguintes prazos mínimos de vigência típicos: - 5 anos nos casos em que não haja lugar a período transitório; e
- 7 anos para os casos em que, havendo lugar a período transitório, este venha a completar-se (5+2); A estas situações legalmente previstas, acrescem, dizemos nós, aqueles casos atípicos em que, tendo-se iniciado o período transitório, este venha a cessar durante o seu curso, por omissão, lato sensu, da prova anual da circunstância alegada, caso em que defendemos que no âmbito do processo de transição que posteriormente se inicie, o arrendatário deva beneficiar (na falta de acordo e não ocorrendo denúncia) do prazo que estiver em falta para, pelo menos, completar o ciclo de vigência contratual de 5 anos, para o qual deverá ser levado em conta o tempo que haja decorrido ao abrigo do período de transição. Póvoa de Varzim, 11 de Fevereiro de 2014. João Viana (Advogado)