FORMIGAS DE SERAPILHEIRA NA RESERVA BIOLÓGICA DO TINGUÁ, ESTADO DO RIO DE JANEIRO, BRASIL (HYMENOPTERA: FORMICIDAE)

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Transcrição:

VEIGA-FERREIRA, S.; MAYHÉ-NUNES, A. J.; QUEIROZ, J. M. 49 FORMIGAS DE SERAPILHEIRA NA RESERVA BIOLÓGICA DO TINGUÁ, ESTADO DO RIO DE JANEIRO, BRASIL (HYMENOPTERA: FORMICIDAE) SERGIO VEIGA-FERREIRA 1 ANTONIO JOSÉ MAYHÉ-NUNES 2 JARBAS MARÇAL QUEIROZ 3 1. Programa de Pós-Graduação em Biologia Animal. Instituto de Biologia. Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro. Rodovia BR 465, Km 7, 23890-000 Seropédica, RJ, Brasil. Bolsista da FAPERJ; 2. Professor Adjunto IB, UFRuralRJ. Bolsista do CNPq; 3. Professor Adunto Dept. Ciências Ambientais IF UFRuralRJ. RESUMO: VEIGA-FERREIRA, S.; MAYHÉ-NUNES, A. J.; QUEIROZ, J. M. Formigas de serapilheira na Reserva Biológica do Tinguá, Estado do Rio de Janeiro, Brasil (Hymenoptera: Formicidae). Revista Universidade Rural: Série Ciências da Vida, Seropédica, RJ: EDUR, v. 25, n.1, p. 49-54, jan.-jun., 2005. Este trabalho é o primeiro inventário das formigas de serapilheira da Mata Atlântica do Estado do Rio de Janeiro. Foram realizadas duas amostragens, durante o verão e o inverno de 2002, com extratores de Winkler para capturar formigas de 100 parcelas de 1 m 2 de serapilheira. Os 12.296 indivíduos coletados, estão distribuídos em 114 espécies. O total de espécies observado nas duas estações representou 79,6% do estimado pelo método Chao2 e 89,5% pelo Bootstrap, respectivamente, a menor e a maior estimativa de riqueza entre as análises estatísticas utilizadas. A riqueza de formigas por amostra foi significativamente maior no verão do que no inverno (Teste t, P < 0,001). O número médio de espécies por amostra e riqueza de espécies em Tinguá ajustou-se muito bem ao padrão descrito para formigas de serapilheira na região Neotropical. Palavras-chave: diversidade, distribuição de abundância, floresta tropical, método Winkler. ABSTRACT: VEIGA-FERREIRA, S.; MAYHÉ-NUNES, A. J.; QUEIROZ, J. M. Litter ants from Reserva Biológica do Tinguá, Rio de Janeiro State, Brazil (Hymenoptera: Formicidae). Revista Universidade Rural: Série Ciências da Vida, Seropédica, RJ: EDUR, v. 25, n.1, p. 49-54, jan.-jun., 2005. This is the first inventory of leaf litter ants from Atlantic forest in the Rio de Janeiro State. Samples were taken in the summer and winter 2002, using Winkler sacks to capture ants from 100 plots of 1 m 2 leaf litter. The total of 12296 specimens were collected; ants were distributed in 114 species. The total number of species observed in both seasons represented 79.6% and 89.5% of the estimated richness by the methods Chao2 and Bootstrap, respectively. The ant richness per sample was significantly greater in summer than in the winter (T test, P < 0.001). The mean richness of ants per sample in Tinguá fitted very well the Neotropical pattern of leaf litter ant richness. Key Words: diversity, abundance distribution, tropical rain forest, Winkler sacks method. INTRODUÇÃO Durante muito tempo o emprego de armadilhas de solo do tipo pitfall foi uma das técnicas mais utilizadas para a captura de formigas em inventários faunísticos, com eficiência comprovada em vários trabalhos (ROMERO & JAFFÉ, 1989). Entretanto, a utilização dos extratores de W inkler para a coleta da f auna de serapilheira mostrou-se mais eficiente para capturar um grupo de formigas que, por seu minúsculo tamanho e comportamento críptico, raramente era encontrado (PARR & CHOWN, 2001). Uma limitação desta técnica é que nos períodos secos as formigas de serapilheira movem seus ninhos para maiores profundidades no solo ou passam a forragear preferencialmente sobre a vegetação, o que pode influenciar o poder de captura das espécies (BESTELMEYER et al., 2000). Em geral, toda técnica possui suas limitações e a combinação de algumas delas é recomendada para se obter um retrato mais f idedigno da comunidade estudada

50 Formigas de serapilheira... (DELABIE et al., 2000a; LONGINO et al., 2002). Nos últimos anos tem havido um aumento considerável de trabalhos enfocando comunidades de formigas (e.g. AGOSTI et al., 2000). Recentemente foi concluído um amplo projeto sobre a diversidade de formigas em um gradiente latitudinal da mata atlântica (www.biota.fapesp.br), concentrado em florestas do tipo ombrófila densa, cobrindo uma extensão latitudinal entre os estados de Santa Catarina e Paraíba; o presente trabalho é parte integrante deste esforço. Atualmente, apesar da mata atlântica ter sua cobertura original bastante reduzida, o Estado do Rio de Janeiro possui uma proporção elevada desses remanescentes florestais (17%), se comparado com a de outros estados brasileiros (ROCHA et al., 2003). Neste trabalho apresentamos os resultados do inventário das formigas de serapilheira na ReBio Tinguá, situada na região serrana central do Estado do Rio de Janeiro. Esta é a primeira contribuição para o estudo das formigas nos remanescentes florestais do Rio de Janeiro e servirá como referência para pesquisas envolvendo esses organismos em outras áreas do Domínio Mata Atlântica. MATERIAL E MÉTODOS As coletas de formigas de serapilheira foram realizadas em fevereiro e agosto de 2002, em Floresta Ombrófila Densa Submontana na ReBio Tinguá. Esta unidade de conservação possui uma área aproximada de 26.000 ha e o local da amostragem é conhecido como Barrelão (22 34 28' S 43 24 57' W), tendo altitude próxima aos 400 m. O clima da microregião enquadra-se no tipo Am, tropical úmido, pela classificação de Köpen, com meses mais quentes entre dezembromarço (em torno de 30 C) e os mais frios de maio a julho (entre 23 e 25 C); a média anual das máximas situa-se em 28 C e das mínimas em 16 C. A v ariação da precipitação anual está na faixa de 2.000 a 2.500mm, sendo que 45% deste total ocorre entre os meses de dezembro e fevereiro (IBAMA, 1996). Para a captura das formigas foi utilizada a técnica do extrator de W inkler (BESTELMEYER et al., 2000). Foram peneiradas 100 parcelas de 1 m 2 de serapilheira, 50 em cada estação, ao longo de um transecto com 1.200 m de comprimento, marcado com 25 pontos espaçados por 50 m. De cada ponto foram esticadas duas linhas perpendiculares de 25 m, uma para o lado esquerdo e outra para o direito do transecto, demarcandose as parcelas de serapilheira nas suas extremidades. O peneirado de cada parcela foi indiv idualizado e submetido aos extratores de Winkler por 48 h. Exemplares de cada espécie foram montados em via seca e depositados na Coleção Entomológica Costa Lima (CECL) do Instituto de Biologia da UFRRJ. Os gêneros foram identificados com base na chave de BOLTON (1994). Na análise dos dados foi utilizado o programa ESTIMATESÒ (COWELL, 2000) para calcular a riqueza estimada de espécies por dif erentes métodos estatísticos não-paramétricos. Para a comparação dos valores médios de riqueza entre as estações utilizou-se o teste estatístico paramétrico de Student (t). A distribuição de abundância das espécies foi testada pelo teste não-paramétrico Kolmogorov-Smirnov, com opção padronizada de Lilliefors. RESULTADOS Nas duas expedições de coleta foi capturado um total de 12.296 indivíduos, sendo 8.059 no verão e 4.237 no inverno, distribuídos em 114 espécies de formigas. O total de espécies observado nas duas estações representou 79,6% do estimado pelo método Chao2 e 89,5% pelo método

VEIGA-FERREIRA, S.; MAYHÉ-NUNES, A. J.; QUEIROZ, J. M. 51 Bootstrap, respectivamente, a menor e a maior estimativa de riqueza entre todos os métodos utilizados pelo programa estatístico. Dessas espécies, 96 foram encontradas no verão e 86 no inverno, sendo 28 exclusivas do verão, 18 do inverno e 68 espécies foram coletadas em ambas estações (Tab. I). De um total de 44 gêneros encontrados, 40 foram coletados no verão e 37 no inverno; 6 gêneros exclusivos do verão, quatro do inverno e 34 comuns às duas estações. O maior número de espécies coletado no verão pertence à subfamília Myrmicinae (57 spp), o mesmo acontecendo no inverno, quando essa subfamília foi representada por 51 spp. A riqueza de formigas por amostra variou consideravelmente, ficando entre 8 e 25 no verão e entre 6 e 23 no inverno (média de 14,4 ± 0,3). O número médio de espécies por amostra foi significativamente maior nas amostras de verão do que nas de inverno (Teste t, t = 4,03; P < 0,001). No verão a maioria das amostras situou-se acima do limite de 15 spp/m 2, enquanto no inverno ficaram abaixo deste limite. A distribuição de abundância das espécies de formigas revelou que 25% foram únicas (ocorreram em apenas uma das 100 amostras), sendo estatisticamente diferente de uma distribuição normal. A grande maioria das espécies (88 spp.) pode ser considerada rara (ocorrência em até 10% das amostras). Doze espécies estavam presentes com freqüência maior que 50%, em pelo menos uma das duas estações. Solenopsis sp1 (94%), Cyphomyrmex sp1(84%), Strumigenys sp1 (74%), Pheidole sp1 (71%)e Wasmannia sp3 (64%) foram as cinco espécies mais comuns encontradas nas amostras (pocentagem entre parênteses referem-se à média entre verão e inverno). DISCUSSÃO As diferenças no número de indivíduos e densidade de espécies entre as coletas realizadas em Fevereiro e Agosto em Tinguá sugerem a existência de um ou mais f atores sazonais inf luenciando as populações de formigas. As formigas são consideradas organismos termofílicos dev ido à preponderância do f ator temperatura sobre sua atividade (KASPARI, 2000). No entanto, em ambientes tropicais, as maiores v ariações sazonais de precipitação podem ter efeito destacado sobre as populações (DOBZHANSKI, 1950). Em Tinguá, segundo a classificação climática de Köppen, a estação seca é apenas moderada. Apesar da reduzida precipitação no mês mais seco, o total de chuvas mantém os solos excessivamente úmidos (IBAMA, 1996). Já a temperatura experimenta uma maior variação, de cerca de 12 0 C, entre a média das máximas e a média das mínimas, o que pode significar uma importância maior desse fator para explicar as diferenças observadas. Houve maior abundância e riqueza de formigas na coleta de Fevereiro, mas algumas espécies foram exclusivamente coletadas nas amostras de Agosto, sugerindo a existência de um mecanismo mais complexo para explicar a sazonalidade das populações de formigas em Tinguá. Freqüentemente, as espécies menos tolerantes às condições do inverno podem migrar para camadas mais profundas do solo ou para a vegetação, resultando em uma menor abundância e riqueza de f ormigas nas amostras coletadas nesta estação do ano (BESTELMEYER et al., 2000). Por outro lado, a diminuição da atividade destas espécies na serapilheira abre espaço para que outras, mais tolerantes, possam explorar os recursos tornando-se mais abundantes nesta época e podendo ser detectadas pelo método de coleta empregado (KASPARI, 2000). O número médio de espécies de formigas nas amostras em Tinguá foi quase duas vezes maior do que o encontrado em outra região de mata atlântica por DELABIE et al. (2000a). Apesar de terem coletado

52 Formigas de serapilheira... um número muito maior de amostras (500) do que o que foi coletado em Tinguá (100), a área coberta por eles foi cerca de sete vezes menor. Além disso, eles coletaram as formigas em área de mata atlântica com plantio de cacau (cabruca). Comparandose os resultados obtidos aqui com o padrão descrito por WARD (2000) para formigas de serapilheira na região Neotropical, vemos que as amostras em Tinguá ajustam-se muito bem. Embora a média de formigas por amostra que ele encontrou (27 spp) seja maior do que em Tinguá (15 spp), este último número está dentro do esperado para as localidades em torno da latitude 20 S. Em relação à composição, os quatro gêneros mais comuns encontrados em Tinguá estão entre os cinco mais comuns para amostras de serapilheira na região Neotropical (WARD, 2000). Um fato que chama a atenção é a raridade das espécies de Acromyrmex e ausência de registro de Atta nas amostras em Tinguá. Durante as coletas foram observadas várias trilhas de forrageamento dessas formigas cortadeiras no chão da floresta, corroborando as observações sobre a abundância desses insetos em v ários ecossistemas neotropicais (FOWLER, 1983). Talvez isto possa ser explicado por outro tipo de limitação da técnica de amostragem, pois estas formigas são muito ativas e provavelmente escapem da área de 1m 2, demarcada na serapilheira, durante a peneiração (BESTLEMEYER, 2000). Outro caso ainda a ser esclarecido é a raridade de Paratrechina nas amostras em Tinguá, já que o gênero está entre os mais comuns em amostras de serapilheira na região Neotropical (WARD, 2000). As limitações das técnicas de coleta empregadas na maioria dos trabalhos, inclusive aqui, pode ajudar a explicar o grande número de espécies nas categorias de baixa abundância (LONGINO et al., 2002). Esse deve ser claramente o caso de espécies de Acromyrmex e Atta, citado acima, que são pobremente amostradas com a técnica de retirada da serapilheira. LONGINO et al. (2002) obtiveram uma distribuição lognormal das espécies de formigas de La Selva (Costa Rica), pois utilizaram diferentes técnicas de amostragem. Eles sugerem que é muito pouco provável a existência de um grande número de espécies raras de formigas em La Selva. Sobre a mata atlântica, este estudo não permite concluir sobre a abundância e raridade das espécies de formigas, pois foi utilizada apenas uma técnica de coleta. Já a análise dos dados de DELABIE et al. (2000b) revelam uma distribuição normal. Apesar dos autores terem utilizado apenas uma técnica, eles fizeram uma amostragem cinco vezes maior do que a realizada em Tinguá. Portanto, espera-se que com o aumento do número de amostras de serapilheira em Tinguá a proporção de espécies únicas diminua.

VEIGA-FERREIRA, S.; MAYHÉ-NUNES, A. J.; QUEIROZ, J. M. 53 Tabela 1. Lista das espécies de formigas coletadas em 100 parcelas de 1m² de serapilheira, submetidas ao extrator de Winkler por 48 horas (ReBio Tinguá, Nova Iguaçu, RJ, 2002). VERÃO (96 spp) VERÃO/INVERNO (114 spp) INVERNO (86 spp) Acromyrmex sp1 Acanthoponera sp1 Octostruma sp1 Acromyrmex sp3 Brachymyrmex sp2 Acromyrmex sp2 Octostruma sp2 Acromyrmex sp4 Brachymyrmex sp3 Acropyga sp1 Odontomachus sp1 Apterostigma sp4 Ectatomma sp2 Amblyopone sp1 Pachycondyla sp1 Brachymyrmex sp4 Gnamptogenys sp1 Amblyopone sp2 Pachycondyla sp2 Brachymyrmex sp5 Gnamptogenys sp2 Anochetus sp1 Pachycondyla sp4 *Centromyrmex sp1 *Heteroponera sp1 Anochetus sp2 Pachycondyla sp5 *Cerapachys sp1 Hypoponera sp4 Apterostigma sp1 Pheidole sp1 Cyphomyrmex sp3 *Leptothorax sp1 Apterostigma sp2 Pheidole sp2 Hypoponera sp6 Megalomyrmex sp1 Apterostigma sp3 Pheidole sp3 Leptogenys sp2 Megalomyrmex sp3 Basiceros sp1 Pheidole sp5 Megalomyrmex sp5 Megalomyrmex sp4 Brachymyrmex sp1 Pheidole sp6 Megalomyrmex sp6 *Monomorium sp1 Camponotus sp1 Pheidole sp10 *Myrmicocrypta sp1 *Mycetarotes sp1 Carebara sp1 Pheidole sp12 *Oxypoecus sp1 *Nomamyrmex sp1 Crematogaster sp1 Procryptocerus sp1 Pachycondyla sp6 Odontomachus sp2 Cyphomyrmex sp1 Pyramica sp1 Pheidole sp13 Pachycondyla sp3 Cyphomyrmex sp2 Pyramica sp2 Pheidole sp14 *Paratrechina sp1 Discothyrea sp1 Rogeria sp2 Trachymyrmex sp4 Pheidole sp4 Discothyrea sp2 Rogeria sp3 Pheidole sp7 Ectatomma sp1 Rogeria sp4 Pheidole sp8 Gnamptogenys sp3 Sericomyrmex sp1 Pheidole sp9 Gnamptogenys sp4 Sericomyrmex sp2 Pheidole sp11 Gnamptogenys sp5 Sericomyrmex sp3 Pyramica sp3 Gnamptogenys sp6 Solenopsis sp1 Rogeria sp1 Gnamptogenys sp7 Solenopsis sp2 Solenopsis sp3 Hylomyrma sp1 Solenopsis sp4 Trachymyrmex sp3 Hypoponera sp1 Solenopsis sp5 Wasmannia sp2 Hypoponera sp2 Solenopsis sp6 Hypoponera sp3 Strumigenys sp1 Hypoponera sp5 Thaumatomyrmex sp1 Lachnomyrmex sp1 Trachymyrmex sp1 Leptogenys sp1 Trachymyrmex sp2 Linepithema sp1 Wasmannia sp1 Megalomyrmex sp2 Wasmannia sp3 Exclusivas: 28 spp Comuns: 68 spp Exclusivas: 18 spp (*) gêneros exclusivos de cada estação do ano.

54 Formigas de serapilheira... REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AGOSTI, D.; J.D. MAJER; L. ALONSO & T. SCHULTZ. Ants: standard methods for measuring and monitoring biodiversity. Washington, Smithsonian Institution, 2000, 280p. BESTELMEYER, B.T.; D. AGOSTI; L.E. ALONSO; C.R.F. BRANDÃO; W.L. BROW N Jr; J.H.C. DELABIE & R. SILVESTRE. Field techniques for the study of ground-dwelling ants: an overview, description, and evaluation, p. 122-144. In: D. AGOSTI; J.D. MAJER; L. ALONSO & T. SCHULTZ (eds). Ants: standard methods for measuring and monitoring biodiversity. Washington, Smithsonian Institution, 2000, 280p. BOLTON, B. Identification Guide to the Ant Genera of the World. Harvard University Press, London, 1994, 222p. COW ELL, R.K. EstimateS: statistical estimations of species richness and shared species from samples. Version 6.0b1. User s guide and application published at: http://viceroy.eeb.uconn.edu/estimates, 2000. DELABIE, J.H.C.; D. AGOSTI & I.C. NASCIMENTO. Litter ant communities of the brazilian atlantic rain forest region, p 1-15 In: D AGOSTI; J.D. MAJER; L. ALONSO & T SCHULTZ. Sampling ground-dwelling ants: case studies f rom the worlds rainforest. Curtin University School of Environmental Biology Bulletin No. 18, Perth, Australia, 2000a, 75p. DELABIE, J.H.C.; B.L. FISHER; J.D. MAJER & I.W. WRIGHT. Sampling effort and choice of methods, p. 145-154. In: D. AGOSTI; J.D. MAJER; L. ALONSO & T. SCHULTZ (eds). Ants: standard methods for measuring and monitoring biodiversity. W ashington, Smithsonian Institution, 2000b, 280p. DOBZHANSKI, T. Evolution in the tropics. American Scientist, v. 38, p. 209-221, 1950. FOWLER, H. G. Latitudinal gradients and diversity of the leaf-cutting ants (Atta and Acromyrmex) (Hymenoptera: Formicidae). Rev. Biol. Trop. v. 31, n. 2, p. 213-216, 1983. IBAMA. Plano de ação emergencial. Reserva Biológica do Tinguá. Diretoria de Ecossistemas. Dept. de Unidades de Conservação. Brasília, 1996, 114p. KASPARI, M. A Primer on Ant Ecology, p 9-24. In: D. AGOSTI; J.D. MAJER; L. ALONSO & T. SCHULTZ (eds). Ants: standard methods for measuring and monitoring biodiversity. Washington, Smithsonian Institution, 2000, 280p. LONGINO, J.T.; J. CODDINGTON & R.K. COLWELL. The ant fauna of a tropical rain forest: estimating species richness three different ways. Ecology, v. 83, p. 689-702, 2002. PARR, C. L. & S.L. CHOWN. Inventory and bioindicator sampling: testing pitfall and Winkler methods with ants in South African savanna. Journal of Insect Conservation, v. 5, p. 27-36, 2001. ROCHA, C.F.D.; H.G. BERGALLO; M.A.S. ALVES & M.A. VANSLUYS. Biodiversidade nos grandes remanescentes florestais do Estado do Rio de Janeiro e nas restingas da Mata Atlântica. RIMA editora, São Carlos, 2003 134p. ROMERO, H & JAFFE, K. 1989. A comparison of methods for sampling ants (Hymenoptera: Formicidae) in savannas. Biotropica, v. 21, n. 4, p. 348-352, 1989. WARD, P. 2000. Broad-scale Patterns of Diversity in leaf litter ant communities. p. 99-121. In: D. AGOSTI; J.D. MAJER; L. ALONSO & T. SCHULTZ (eds). Ants: standard methods for measuring and monitoring biodiversity. Washington, Smithsonian Institution, 2000, 280p.