Caso prático 4 Direito Constitucional I (resolvido) Charles é doutorado por Oxford, residindo em Portugal há 10 anos. a) Poderá Charles candidatar-se a Reitor da Universidade de Lisboa? b) Poderá Charles organizar uma manifestação contra o servilismo do Governo português perante a Troika? c) Será relevante a sua união de facto com Margarida para efeitos naturalização? a) 1.ª questão: Poderá Charles candidatar-se a Reitor da Universidade de Lisboa? A CRP confere aos cidadãos estrangeiros residentes em Portugal os mesmos direitos que os portugueses (artigo 15.º-1 CRP). Porém, esta regra tem exceções, sendo uma delas a relativa ao acesso de cidadãos estrangeiros residentes em Portugal a cargos públicos. Com efeito, nos termos do artigo 15.º-2 CRP determina-se que só existe um direito fundamental destes cidadãos no acesso a cargos públicos quando estes postos tenham caráter predominantemente técnico. Quando não tenham caráter predominantemente técnico, tal direito não se encontra constitucionalmente consagrado. O reitor de uma universidade exerce um cargo com uma acentuada componente de gestão e de direção que em muito transcende e ultrapassa um cargo de natureza técnica. Sem dúvida que também engloba essa componente, mas as suas competências em matéria de gestão e direção são, sem dúvida, predominantes. Os artigos 85.º e 92.º-1 da Lei n.º 62/2007, de 10/9, que aprovou o regime jurídico das instituições de ensino superior, demonstram bem que as competências do reitor não são apenas técnicas, verificando-se a existência de uma forte componente de natureza decisória de nível gestionário e de direção. Artigo 85.º Funções do reitor e do presidente
1 - O reitor da universidade ou instituto universitário ou presidente do instituto politécnico é o órgão superior de governo e de representação externa da respectiva instituição. 2 - O reitor ou presidente é o órgão de condução da política da instituição e preside ao conselho de gestão. ( ) Artigo 92.º Competência do reitor e do presidente 1 - O reitor ou o presidente dirige e representa a universidade, o instituto universitário ou o instituto politécnico, respectivamente, incumbindo-lhe, designadamente: a) Elaborar e apresentar ao conselho geral as propostas de: i) Plano estratégico de médio prazo e plano de acção para o quadriénio do seu mandato; ii) Linhas gerais de orientação da instituição no plano científico e pedagógico; iii) Plano e relatório anuais de actividades; iv) Orçamento e contas anuais consolidados, acompanhadas do parecer do fiscal único; v) Aquisição ou alienação de património imobiliário da instituição, e de operações de crédito; vi) Criação, transformação ou extinção de unidades orgânicas; vii) Propinas devidas pelos estudantes; b) Aprovar a criação, suspensão e extinção de cursos; c) Aprovar os valores máximos de novas admissões e de inscrições a que se refere o artigo 64.º; d) Superintender na gestão académica, decidindo, designadamente, quanto à abertura de concursos, à nomeação e contratação de pessoal, a qualquer título, à designação dos júris de concursos e de provas académicas e ao sistema e regulamentos de avaliação de docentes e discentes; e) Orientar e superintender na gestão administrativa e financeira da instituição, assegurando a eficiência no emprego dos seus meios e recursos; f) Atribuir apoios aos estudantes no quadro da acção social escolar, nos termos da lei; g) Aprovar a concessão de títulos ou distinções honoríficas; h) Instituir prémios escolares; i) Homologar as eleições e designações dos membros dos órgãos de gestão das unidades orgânicas com órgãos de governo próprio, só o podendo recusar com base em ilegalidade, e dar-lhes posse; j) Nomear e exonerar, nos termos da lei e dos estatutos, os dirigentes das unidades orgânicas sem órgãos de governo próprio; l) Nomear e exonerar, nos termos da lei e dos estatutos, o administrador e os dirigentes dos serviços da instituição; m) Exercer o poder disciplinar, em conformidade com o disposto nesta lei e nos estatutos;
n) Assegurar o cumprimento das deliberações tomadas pelos órgãos colegiais da instituição; o) Aprovar os regulamentos previstos na lei e nos estatutos, sem prejuízo do poder regulamentar das unidades orgânicas no âmbito das suas competências próprias; p) Velar pela observância das leis, dos estatutos e dos regulamentos; q) Propor as iniciativas que considere necessárias ao bom funcionamento da instituição; r) Desempenhar as demais funções previstas na lei e nos estatutos; s) Comunicar ao ministro da tutela todos os dados necessários ao exercício desta, designadamente os planos e orçamentos e os relatórios de actividades e contas; t) Tomar as medidas necessárias à garantia da qualidade do ensino e da investigação na instituição e nas suas unidades orgânicas; u) Representar a instituição em juízo ou fora dele. O que é dito apenas significa que a Constituição não garante o acesso de cidadãos estrangeiros residentes a cargos públicos de natureza eminentemente não técnica. Daqui decorre que uma lei que reserve o acesso a esses cargos a cidadãos portugueses não será inconstitucional. No entanto, nada impede que a lei ordinária (como a Lei n.º 62/2007, de 10/9), alargue também a estes cidadãos o acesso a cargos de natureza não técnica. Ou seja, a lei poderá aumentar o leque de direitos conferidos a cidadãos (estrangeiros) que não se encontrem constitucionalmente assegurados. A esta luz é interessante notar que a Lei n.º 62/2007, de 10/9 pode ser interpretada no sentido de permitir o acesso ao cargo de reitor a cidadãos estrangeiros, uma vez que aí se estabelece que podem ser eleitos reitores professores e investigadores da própria instituição ou de outras instituições, nacionais ou estrangeiras, de ensino universitário ou de investigação (artigo 86.º-3). Ou seja, não é descabido admitir que a lei pretendeu, ao referir a possibilidade de candidatura de profissionais de universidades estrangeiras, que tanto cidadãos portugueses como estrangeiros (mesmo que não residentes) se pudessem candidatar. Em suma, a Constituição não garante a Charles o acesso ao cargo de reitor, mas admite-se que a lei ordinária o possa fazer, alargando o leque de direitos assegurados. A ser assim, Charles poderia candidatar-se se a lei ordinária fosse interpretada no sentido de abranger a candidatura de cidadãos estrangeiros. Por último, note-se que, estando Charles em Portugal há mais de dez anos e caso se considere que este não se poderia candidatar ao cargo de reitor por ser estrangeiro, este poderia tentar obter a nacionalidade portuguesa por via do artigo 6.º-1 da LN, o que conseguiria, desde que i) provasse conhecer a língua portuguesa, ii) não tivesse sido
condenado a pena de prisão superior a três anos e iii) não constituísse perigo ou ameaça para a segurança nacional pelo seu envolvimento em práticas terroristas. Dá-se por adquirido que Charles é maior e reside legalmente em Portugal há mais de seis anos, tendo em conta os termos do caso prático apresentado. Se obtivesse a nacionalidade portuguesa poderia, sem qualquer dúvida, candidatar-se ao cargo de reitor. b) 2.ª questão: Poderá Charles organizar uma manifestação contra o servilismo do Governo português perante a Troika? Tal como se referiu, a CRP garante aos cidadãos estrangeiros residentes em Portugal os mesmos direitos que aos cidadãos portugueses (artigo 15.º-1 CRP), embora contenha exceções. Os direitos políticos não se encontram assegurados aos cidadãos estrangeiros residentes em Portugal da mesma forma que aos cidadãos portugueses. Eles não se encontram assegurados nos mesmos termos (artigo 15.º-2 CRP), mas existem várias situações em que a Constituição prevê a atribuição de direitos políticos a cidadãos estrangeiros residentes em Portugal (artigos 15.º-3, 4 e 5 CRP). O direito de manifestação encontra-se garantido pela Constituição no seu artigo 45.º, sendo por esta encarado como um direito, liberdade e garantia pessoal (ver epígrafe do Capítulo I do Título II da Constituição). Ou seja, este direito não é considerado pela Constituição como um direito, liberdade e garantia de participação política (ver epígrafe do Capítulo II do Título II da Constituição), os quais se encontram consagrados nos artigos 48.º e segs. Não sendo o direito de manifestação um direito político, mas antes pessoal, o seu exercício por cidadãos estrangeiros residentes em Portugal não se encontra limitado pelo artigo 15.º- 2 CRP. Pelo contrário, estes cidadãos, como Charles, beneficiam desse direito nos mesmos termos que os cidadãos portugueses (artigo 15.º.-1 CRP). Charles pode, por isso, organizar a referida manifestação. c) 3.ª questão: Será relevante a sua união de facto com Margarida para efeitos naturalização? Sem dúvida que sim.
O artigo 3.º-3 da LN determina que pode obter a nacionalidade portuguesa quem viva em união de facto com um nacional português, o que é o caso. Porém, é necessário promover uma ação judicial no tribunal cível competente para que se comprove a existência da união de facto. Uma vez reconhecida a mesma, Charles pode adquirir a nacionalidade portuguesa.