Pistas prosódicas, sintáticas e semânticas facilitadoras da identificação dos elementos das categorias N e ADJ

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Transcrição:

Pistas prosódicas, sintáticas e semânticas facilitadoras da identificação dos elementos das categorias N e ADJ Maria Cristina Name (UFJF) RESUMO: A identificação de itens lexicais das categorias N e ADJ por crianças brasileiras é focalizada, levando-se em conta informação prosódica, sintática e semântica, em uma perspectiva psicolingüística. A análise acústica de DPs complexos com adjetivos antepostos ou pospostos a N revelou que o envelope prosódico é sensível à posição de ADJ o que poderia ser usado pelo bebê para segmentar e distinguir elementos de categorias distintas. Um conjunto de atividades experimentais foi conduzido com crianças de dois a três anos, cujos resultados sugerem que ordem é uma pista robusta para o mapeamento de novas palavras nessas categorias. Ainda, conteúdo semântico robusto apresentado junto ao contexto de enunciação tem efeito facilitador. Os resultados são analisados considerando-se os modelos de Bootstrapping Fonológico e Sintático, aliados ao Programa Minimalista. Palavras-chave: aquisição lexical; nomes; adjetivos; modelos de bootstrapping; Programa Minimalista. Introdução Este trabalho focaliza a identificação de nomes e adjetivos por crianças adquirindo o PB, explorando (a) propriedades prosódicas do DP que poderiam ser usadas pela criança precocemente, durante o processo de aquisição lexical, como pistas para o reconhecimento de unidades distintas, (b) propriedades morfossintáticas facilitadoras da identificação, pela criança, de membros das categorias lexicais N e ADJ, e (c) informações semânticas relativas a distinções entre forma e textura relacionadas a entidades (nomes) e propriedades (adjetivos), respectivamente. Assume-se que o envelope prosódico do DP seria sensível à sua estrutura sintática e que ordem e afixos são reconhecidos como fonte de informação de natureza categorial. Em termos semântico-conceptuais, N remete a entidades e ADJ a propriedades de entidades. A categoria N se apresenta nas diferentes línguas, caracterizando-se como um universal lingüístico (COMRIE, 1989); quanto a ADJ, há controvérsias sobre sua presença em todas as línguas naturais. São vários os estudos apresentando línguas sem adjetivos, em que propriedades de entidades seriam veiculadas por outras categorias lexicais (ver COMRIE, 1989 para revisão). Para Baker (2003), no entanto, ADJ é uma categoria presente em todas as línguas naturais estudadas. A partir de uma série de argumentos de Pesquisa desenvolvida com apoio financeiro da FAPEMIG (Processo SHA 1885/06) e do CNPq (Processo no. 404865/2006-2), e aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da UFJF. cristina.name@ufjf.edu.br 125

natureza morfossintática 1, o autor defende que ADJ é uma categoria default, distinta de N e de V. Com respeito à ordem no DP, há duas ordens possíveis: NADJ (Adjetivo posposto ao Nome) e ADJN (Adjetivo anteposto). Tipologicamente, as línguas seriam divididas em dois grupos, cada um com predominância de uma ou outra ordem. O interessante é que línguas com predominância NADJ são mais flexíveis, pois admitem também ADJN (COMRIE, 1989, p.89). Do ponto de vista da criança adquirindo uma língua, a percepção e a identificação de nomes parecem depender da estrutura sintática em que se inserem - um sintagma nominal dominado pela Categoria D (NAME, 2002; NAME & CORRÊA, 2002). Aos noves meses, o bebê categoriza objetos quando nomeados por DPs, mas não quando são apresentados de sons não lingüísticos, ou ainda quando nenhum som acompanha sua apresentação (BALABAN & WAXMAN, 1997). Aos 13 meses, a criança é capaz de dirigir sua atenção ao objeto ou a propriedades do objeto em função do modo como uma nova palavra lhe é apresentada (apresentando propriedades morfofonológicas distintas) (WAXMAN, 1999, 2004; WAXMAN & BOOTH, 2001). O reconhecimento e a aprendizagem de nomes acontecem bem cedo no percurso de constituição do léxico pela criança, conforme atestam estudos em percepção e compreensão (ver WAXMAN, 2004 para revisão) e dados de produção inicial da criança apresentando majoritariamente nomes. Quanto aos adjetivos, sua presença na produção da criança é mais tardia, a partir dos dois anos de idade (GOLDIN-MEADOW, 2004; MINTZ & GLEITMAN, 2002). As pesquisas desenvolvidas acerca da aquisição de nomes e adjetivos, de maneira geral, focalizando o inglês, destacam propriedades morfossintáticas que a criança pode explorar a fim de identificar os elementos dessas categorias. Nosso propósito, no entanto, é estudar esse processo de aquisição lexical de forma mais abrangente, investigando tanto etapas anteriores ao conhecimento morfossintático da língua pela criança, em que propriedades prosódicas seriam exploradas, quanto etapas mais tardias, de mapeamento de sentido. Buscamos, dessa forma, dar conta de especificidades do português, tais como a não rigidez de ordem desses elementos, que poderiam ser um problema para a criança adquirindo a língua. Ausentes da língua focalizada nessas pesquisas, essas características não costumam ser investigadas. Nossa hipótese é que, a partir da prosódia do DP, a criança identifica a estrutura sintática e a posição estrutural reservada a seus elementos (N, Adj), o que a leva ao mapeamento (preliminar) desses itens em categorias sintático-conceptuais. Assumimos que 1 O autor considera que, em certos estudos, a dificuldade em se defender a existência da categoria ADJ na língua deve-se à própria caracterização das categorias lexicais na teoria lingüística, pois o sistema de traços que define essas categorias não estaria bem integrado ao framework gerativista. Os traços categoriais e seus valores pouco ou nada interagiriam com princípios ou com o modo de funcionamento do sistema como um todo, tais como apresentados atualmente, segundo Baker. Para ele, it [the adjective] appears in a nonnatural class of environments where neither a noun or a verb would do, including the attributive modification position, the complement of a degree head, resultative secondary predicate position, and adverbial positions (p. 21). 126

informação de natureza prosódica presente nos enunciados lingüísticos desencadearia o processo de aquisição de uma língua (Bootstrapping Fonológico: MORGAN & DEMUTH, 1996; CHRISTOPHE ET AL., 1997), tomando por base uma concepção de faculdade da linguagem ativada por sistemas perceptuais e conceptuais com os quais faz interface (Programa Minimalista (doravante, PM): CHOMSKY, 1995; 1999; 2001). Uma vez tendo início o mapeamento da estrutura sintática da língua e a constituição inicial do léxico, tais informações permitiriam a apreensão de informação semântica (cf. Bootstrapping Sintático: GLEITMAN, 1990). Assim sendo, essa pesquisa se pauta na conciliação entre tais modelos linguístico e psicolinguísticos nos moldes de Corrêa (2007; a sair). O artigo se desenvolve com a apresentação, na próxima seção, dos modelos de língua e de processamento que fundamentam a pesquisa; em seguida, são apresentados as atividades experimentais e seus resultados. Por fim, na conclusão, discutimos os resultados experimentais à luz dos modelos de língua e de aquisição de linguagem apresentados. 1. A faculdade da linguagem e seu desencadeamento 1.1. O Programa Minimalista A concepção de faculdade da linguagem no PM (CHOMSKY, 1995; 1999; 2001) permite uma maior aproximação com pesquisas em aquisição da linguagem entendida como processo. Em Hauser et al. (2002) são apresentadas duas perspectivas: a faculdade da linguagem no sentido estrito e no sentido amplo. No primeiro sentido (FLN Faculty of Language in the narrow sense), constitui-se de um sistema computacional estritamente lingüístico, universal (i.e., comum a todas as línguas naturais) e um léxico. No segundo sentido (FLB Faculty of Language in the broad sense), compreende FLN e sistemas cognitivos perceptuais e conceptuais com os quais faz interface. Dessa forma, o modelo explicita, de um lado, o caráter específico da capacidade lingüística humana e, de outro, a sua relação com outros sistemas cognitivos, integrada a uma noção mais ampla de cognição. FLN operaria a partir da seleção de itens previamente recuperados do Léxico em uma Numeração. Itens do Léxico são constituídos de traços formais, semânticos e fonológicos. Esses últimos são lidos pelos sistemas articulatórios e perceptuais, sendo invisíveis para o sistema computacional (não computados em suas operações); traços semânticos são lidos pelos sistemas conceptuais e intencionais; traços formais são fundamentais para o funcionamento do sistema computacional, já que as operações são desencadeadas por esses traços. Uma vez selecionados da Numeração, os itens são concatenados (Merge) em objetos sintáticos e operações como concordância (Agree) e movimento (Move) são realizadas, a fim de se eliminarem traços formais não legíveis nas interfaces. Finda a derivação (ou parte dela), os traços são enviados às interfaces com os sistemas cognitivos pertencentes a FLB, de modo que traços fonológicos vão para PF (Phonetic Form, em interface com os sistemas articulatórios e perceptuais) e traços 127

semânticos e formais interpretáveis vão para LF (Logical Form, interface do sistema computacional com os sistemas conceptuais e intencionais). Assim sendo, o PM preserva a autonomia e a universalidade da capacidade lingüística e, ao mesmo tempo, destaca a necessidade de sua integração com capacidades cognitivas diversas e o caráter diversificado das línguas naturais. Propriedades comuns a todas as línguas seriam decorrentes do aparato universal (sistema computacional) e seu funcionamento, restringido pelas condições de interface com os demais sistemas cognitivos; as diferenças entre as línguas seriam explicadas pela forma como os traços constituintes dos itens do Léxico se apresentam. Ainda, o desencadeamento do sistema computacional partiria da constituição de um léxico inicial, com traços ainda precariamente especificados 2, captado pelo bebê via sistemas perceptuais, e especificidades de cada língua relativas ao modo como forma e sentido são mapeados seriam percebidas pelos sistemas de interface e armazenadas no Léxico sob a forma de traços. Observa-se, portanto, a compatibilidade dessa concepção de faculdade da linguagem com modelos de aquisição de língua que postulam habilidades perceptuais do bebê para o tratamento do sinal acústico de fala. 1.2. Modelos de Bootstrapping Os modelos de bootstrapping se baseiam na análise da fala desencadeando o processo de aquisição lexical e sintática. A partir de seu aparato perceptual, o bebê começaria a discriminar características prosódicas e fonéticas dos enunciados que lhe permitiriam segmentar a fala em unidades menores até identificar alguns elementos do léxico. Como defendido acima, a formação de um léxico inicial permitiria o desencadeamento do sistema cognitivo que, por sua vez, levaria à identificação de traços e seus valores, pertinentes à língua sendo adquirida. O Bootstrapping Fonológico ou Prosódico (MORGAN & DEMUTH, 1996; CHRISTOPHE et al., 1997) defende que propriedades acústicas do sinal de fala, analisadas fonologicamente pelo bebê, seriam suficientes para dar início ao processo de aquisição da linguagem. Com base em um conjunto de evidências experimentais acerca de suas habilidades perceptuais, esse modelo sustenta que o bebê é sensível a informações fonológicas e prosódicas dos enunciados e faz uso delas, depreendendo propriedades sintáticas de sua língua. O desencadeamento do processo de aquisição sintática a partir da prosódia/fonologia alavancaria, por sua vez, a aquisição lexical processo conhecido como Bootstrapping sintático (GLEITMAN, 1990). 2 Entende-se que, inicialmente, nem todos os traços e/ou seus valores seriam reconhecidos pelo bebê, mas somente aqueles indispensáveis ao desencadeamento do sistema computacional, já que a identificação plena dos traços e seus valores dependem de operações desse sistema, tais como Agree, o que leva a uma circularidade o léxico dependendo do sistema computacional para ser construído, e este dependendo do primeiro para entrar em operação. Para detalhamento dessa proposta, ver Corrêa (a sair). 128

Buscando explicar a aquisição de verbos, esse modelo explora a idéia de que a estrutura sintática em que se apresenta um dado verbo apresentando seu(s) argumento(s) em dada ordem, em relação(ões) direta(s) ou indireta(s) é fonte de informação semântica. Assim, o parsing sintático inicial poderia levar a criança a identificar o significado do verbo. No que concerne ao foco dessa pesquisa, e com base nos modelos brevemente apresentados, defende-se que a aquisição de elementos das categorias N e ADJ implica (a) que propriedades dessas categorias sejam expressas nos enunciados, e (b) que o bebê/a criança seja capaz de identificar tais propriedades. Focalizam-se informação prosódica relativa à posição dos elementos no DP (adjetivo anteposto ou posposto ao nome) e informação sintática decorrente da ordem e de afixos. Observa-se, também, a contribuição que informação de natureza semântica pode dar facilitando o reconhecimento de novas palavras como N ou ADJ. 2. A identificação de Nomes e Adjetivos no PB No português, mesmo havendo uma ordem preferencial para a posição do adjetivo em relação ao nome (NADJ), esse padrão posicional não é suficientemente robusto para permitir a distinção entre nomes e adjetivos, pois esse últimos podem vir antepostos ao nome, sem necessariamente gerar mudança de sentido. Há mudança, por exemplo, entre um amigo grande e um grande amigo, mas não entre uma linda menina e uma menina linda. Destaque-se que esse fenômeno não é comum em outras línguas (p.ex., inglês, mandarim, árabe etc.), nas quais o adjetivo não apresenta ou apresenta pouca mobilidade na estrutura. Além disso, costuma haver, e não só no português, uma certa mobilidade de elementos entre tais categorias, com o uso e a cristalização do uso da identificação da entidade por alguma propriedade, num processo metonímico (como o pobre para o (homem) pobre ). Assim sendo, há um grupo considerável de itens que podem ser identificados com uma ou outra categoria em função de sua posição estrutural, sintática, como deserto N em um imenso deserto, ou ADJ em um planeta deserto. Há, ainda, freqüentemente, uma sobreposição de marcas fônicas na terminação nesses elementos decorrente, na maioria das vezes, do estabelecimento da concordância de gênero (e de número) do adjetivo com o nome, tornando suas formas opacas quanto à categoria. Excetuando-se casos de adjetivos que apresentam sufixos, como -oso/-a (gostoso/-a etc.), a terminação fônica de nomes é a mesma de adjetivos (cf. livro raro, bolsa linda, pente verde). Assim, as características apresentadas levariam facilmente à previsão de dificuldade na identificação dos elementos dessas categorias por crianças adquirindo o português. No entanto, ainda que as pistas posicionais e fônicas aparentemente não sejam claras, a identificação de membros dessas categorias não parece ser um problema. Defendemos que pistas de natureza prosódica podem sinalizar as categorias dos elementos do DP e poderiam 129

ser identificadas e usadas pela criança antes mesmo que ela possa usar outras fontes de informação, como a sintaxe e o sentido. 2.1. O contorno prosódico do DP pleno Investigamos a Fala Dirigida à Criança (FDC), particularmente DP complexos com adjetivos antepostos ou pospostos a nomes, buscando alterações em seu envelope prosódico em função da posição do adjetivo. A partir dos resultados de Serra (2005), que encontrou diferenças na duração, intensidade e freqüência fundamental em dados de leitura de sentenças por adultos brasileiros, Matsuoka (2007) investigou se na FDC a posição do adjetivo também seria marcada prosodicamente e de maneira ampliada, em relação à fala dirigida ao adulto 3. Com efeito, o adjetivo apresentou sílabas mais longas, marcando sua posição; quando anteposto, tem a tônica marcadamente mais longa do que a tônica do nome em primeira posição (Gráficos 1 e 2). O adjetivo anteposto tem peso (intensidade) maior nas sílabas tônica e pré-tônica que o nome na mesma posição (Gráficos 3 e 4); no que concerne à freqüência fundamental, houve uma elevação da tônica do primeiro elemento quando este era um adjetivo (Gráficos 5 e 6). Os gráficos abaixo apresentam os resultados. Média da Duração - Fala Femnina Média da Duração - Fala Feminina 0,35 0,312 0,35 0,3 0,25 0,2 0,15 0,163 0,176 0,142 0,168 0,22 0,3 0,25 0,2 0,15 0,236 0,146 0,139 0,254 0,204 0,167 0,1 0,1 0,05 0 Nome Adjetivo 0,05 0 Adjetivo Nome pre ton pos pre ton pos pre ton pos pre ton pos Gráfico 1: Duração média Nome Adjetivo Gráfico 2: Duração média Adjetivo Nome 3 A literatura sugere que propriedades da FDC facilitariam a aquisição de uma língua pela criança, por destacar um conjunto de características prosódicas. Ver Matsuoka, 2007, para discussão. 130

Média da Intensidade - Fala Feminina Média da Intensidade - Fala Feminina 7,6 7,4 7,2 7 6,8 6,6 6,4 6,2 7,3 7,2 7,1 Nome Adjetivo 7,2 7,2 6,4 7,6 7,4 7,2 7 6,8 6,6 6,4 6,2 7,2 7,4 7 Adjetivo Nome 7,2 7 6,5 pre ton pos pre ton pos Gráfico 3: Intensidade média Nome Adjetivo pre ton pos pre ton pos Gráfico 4: Intensidade média Adjetivo Nome Média da Freqüência Fundamental - Fala Feminina Média da Freqüência Fundamental - Fala Feminina 300,0 250,0 200,0 224,8 228,6 227,0 225,1 204,9 205,6 300,0 250,0 200,0 221,6 284,0 281,8 243,1 210,7 182,9 150,0 150,0 100,0 Nome Adjetivo 100,0 Adjetivo Nome pre ton pos pre ton pos pre ton pos pre ton pos Gráfico 5: F0 média Nome Adjetivo Gráfico 6: F0 média Adjetivo Nome Com base nessas análises, podemos defender que a posição dos nomes e adjetivos no DP tem implicações na estrutura prosódica, o que poderia ser usado pela criança para a identificação da estrutura sintática. Dessa forma, ainda que haja alguma flutuação na posição do adjetivo no português, isso provavelmente não dificultaria o reconhecimento dos itens dessa categoria pela criança, pois o contorno prosódico do DP sinalizaria a ordem dos elementos, permitindo, em uma etapa posterior, que esses elementos sejam categorizados como membros de N ou ADJ. Ainda não temos resultados apontando para a sensibilidade do bebê a essas variações do contorno prosódico no DP, mas nossa hipótese é que são variações robustas o suficiente para permitir a discriminação entre DPs com adjetivo posposto e anteposto. Além disso, tais informações poderiam ser usadas, 131

igualmente, para a identificação do conteúdo semântico, quando há variação de sentido decorrente da posição do adjetivo, anteposto ou posposto a N. 2.2. A ordem dos itens no DP pleno Outra fonte de informação importante, e que poderia ser explorada pela criança, diz respeito à estrutura sintática. Como o português apresenta como ordem preferencial o nome seguido de adjetivo (NADJ), assume-se que, uma vez identificada essa ordem, ela seria privilegiada pela criança na aprendizagem de nomes e adjetivos, em contextos em que ambos fossem novos. Ou seja, o parsing sintático seria guiado pela ordem [Det N ADJ], a menos que informação robusta de outra natureza interfira no processamento default (p.ex., informação prosódica, semântica) 4. Para testar essa hipótese, uma série de experimentos com crianças de dois e três anos foram conduzidos (Almeida, 2007). Em um experimento, foram apresentadas imagens de objetos novos, criados especialmente para a atividade e, portanto, desconhecidos da criança, que apresentavam propriedades não nomeadas por adjetivos do PB. Um exemplo de apresentação das imagens, associada a enunciados, é mostrado a seguir. 4 A discussão acerca do status da informação prosódica no parsing sintático não será desenvolvida aqui, i.e., se a prosódia guia o processamento sintático ou o complementa. O ponto que merece destaque é o peso da ordem estrutural da língua no seu processamento, conforme atestam vários estudos no campo do processamento de sentenças (ver, p.ex., Maia & Finger (2005). No que se refere especificamente à posição de ADJ relativa a N em tarefa de leitura auto-monitorada, ver Lawall & Name, neste volume. 132

Figura 1: Exemplo de imagens As imagens aparecem paulatinamente para a criança, começando do alto à esquerda, em sentido horário. A cada imagem, o experimentador faz um comentário: (1) Olha, um mibo bado; (2) Olha quantos mibos bados; (3) Esse não é um mibo; (4) E esse não é bado. Na tela seguinte, as duas últimas imagens são apresentadas no mesmo quadro e pede-se à criança para apontar qual é bado ou qual é o mibo. Este é um exemplo da condição canônica (NADJ). O objetivo foi verificar se a ordem de apresentação das pseudopalavras seria usada pela criança para identificar a nova palavra à categoria N (referente ao novo objeto) ou à categoria ADJ (remetendo à nova propriedade do novo objeto). A ordem de apresentação do pseudo-adjetivo foi a variável independente, com dois níveis, relativos às condições NADJ (Det N ADJ) e ADJN (Det ADJ N), e tomou-se a taxa de acerto na seleção da imagem correspondente à informação previamente dada como variável dependente (i.e., se era pedido à criança que mostrasse o mibo e este tivesse sido apresentado relacionado ao objeto ou à propriedade, a criança acertaria ao escolher o objeto compatível com o objeto anterior ou o objeto compatível com a propriedade anterior, respectivamente). As crianças de ambos os grupos etários (dois e três anos) identificaram preferencialmente a nova palavra depois de Det como nome, mesmo na condição ADJN, com análise estatística marginalmente signiticativa (p=.06). Tais resultados sugerem que a ordem canônica do português (NADJ) guiou a aquisição lexical das crianças nessa atividade, já que o elemento 133

imediatamente após Det foi reconhecido como N a despeito de sua apresentação mapeando a propriedade do objeto na condição ADJN. Experimento semelhante foi feito, também com crianças de dois e três anos, mas usando-se objetos no lugar de imagens. Foram criados e confeccionados novos objetos, apresentando propriedades também novas. Nessa atividade, as crianças puderam manipular livremente os objetos, sentido suas formas e texturas. Um exemplo de apresentação é mostrado a seguir. Figura 2: Exemplo de objetos Os objetos são apresentados paulatinamente para a criança, começando do alto à esquerda, e depois embaixo à esquerda. A cada objeto, o experimentador faz um comentário: (1) Olha, um tebo mapo; (2) Olha esse mapo; (3) Esse é tebo; (4) Olha outro tebo mapo. No teste, são apresentados novos objetos um objeto familiarizado com propriedade nova, um objeto novo com propriedade familiarizada e um distrator (flor). Pede-se à criança para apontar qual é o mapo ou qual é tebo. Este é um exemplo da condição não canônica (ADJN). Objetivo, hipótese e variáveis independente e dependente foram os mesmos do experimento anterior. A apresentação acompanhada dos enunciados sofreu algumas alterações, como mostrado nos exemplos. Observou-se uma maior participação das crianças durante a atividade. Os resultados não seguiram o mesmo padrão do experimento com imagens. Tanto crianças de dois anos quanto de três anos identificaram o novo adjetivo, 134

mesmo quando apresentado anteposto a N (condição ADJN) e nessa condição, a taxa de acertos geral foi um pouco maior do que na condição NADJ (91,5% vs. 75,8%, p=.12). O conjunto de resultados sugere que, quando teve acesso aos objetos, i.e., quando informação semântico-conceptual foi apresentada claramente, crianças de dois e três anos fizeram uso dela para classificar as novas palavras como N ou ADJ; na ausência de informação clara dessa natureza, as crianças privilegiaram a informação sintática, relacionando o primeiro elemento depois de Det à entidade, atribuindo-lhe o traço categorial de N, a despeito de ter sido apresentado como um adjetivo anteposto. Informação semântica, portanto, é usada pela criança em contexto em que se apresentam de forma explícita. Nessa atividade, as crianças interagiram com o experimentador e com os objetos, manipulando esses últimos conforme iam sendo apresentados. Isso não significa, no entanto, que informação semântica tenha afetado o processamento sintático, já que a tarefa utilizada não permite avaliar especificamente o parsing sintático. A conclusão a que se pode chegar, com base nesses resultados, é que a ordem é uma pista importante para o reconhecimento das categorias lexicais de palavras desconhecidas no processo de aquisição lexical (cf. resultados do experimento com imagens); em contexto em que o conteúdo semântico é apresentado de modo explícito (o experimentador pegava o novo objeto enquanto falava), o mapeamento da nova palavra como nome/objeto ou como adjetivo/propriedade do objeto leva em conta informação semântica, mesmo no caso de DP com ordem não canônica (Det ADJ N) (cf. resultados do experimento com objetos) 5. Ressalte-se que os pseudoadjetivos apresentados nessas atividades experimentais não apresentavam sufixos marcadores da categoria ADJ, como oso/a, ento/a etc., os quais parecem facilitar a identificação de itens dessa classe. Teixeira & Corrêa (2006), por exemplo, investigaram tanto a ordem dos elementos no DP, manipulando a posição de ADJ em relação a N, quanto a presença ou ausência do sufixo no adjetivo, em tarefa de seleção de objetos com crianças 20 meses. Seus resultados apontam que as crianças privilegiaram a ordem para a identificação do primeiro elemento após Det como N e o segundo como ADJ, mas que, na presença de sufixos, os pseudoadjetivos foram mais facilmente reconhecidos. Esses resultados são corroborados também pelo estudo conduzido por Azevedo & Name (neste volume; Azevedo, 2008). Novos adjetivos, relativos a novas propriedades apresentadas em objetos familiares à criança (como bola, carro, peixe etc.) foram identificados por crianças de dois e três anos quando antecedidos do nome conhecido (p.ex., é uma bola tapoja) ou quando apresentavam sufixo (é uma coisa jufosa). A nomeação por nome vago ( coisa ) de objetos conhecidos dificultou o reconhecimento da nova palavra como ADJ, apesar de o objeto apresentado ser conhecido da criança. Conhecimento semântico atrelado à nomeação e sufixo categorial (no caso, de adjetivo) 5 Esses resultados são compatíveis com a pesquisa sobre aquisição verbal conduzida por Snedeker & Gleitman (2004). Segundo os autores, em contextos em que o sentido dos verbos não é apresentado claramente, a criança se vale de informação sintática. Para eles, a sintaxe é fonte segura, i.e., independente de variáveis interacionais e contextuais, para guiar a criança na aquisição lexical. 135

parecem, portanto, ser fontes importantes de informação para a criança durante o processo de identificação categorial de novas palavras. Conclusão Neste artigo, focalizamos o processo de aquisição de nomes e adjetivos, defendendo que um conjunto de informações pode auxiliar o bebê/a criança adquirindo o PB. Assumindo o Programa Minimalista, a faculdade da linguagem é desencadeada a partir de informações percebidas através dos sistemas de interface entre o sistema computacional e outros sistemas cognitivos. Tomando por base o Bootstrapping Fonológico, investigamos a Fala Dirigida à Criança no PB, relativa aos DPs com adjetivos antepostos ou pospostos a nomes, e verificamos que uma série de parâmetros acústicos leva a diferentes contornos prosódicos do DP em função da posição de ADJ. Defendemos que essas pistas podem ser exploradas pelo bebê, sinalizando elementos com propriedades distintas que poderão, mais adiante, ser classificados em categorias específicas, como N e ADJ. Além disso, outras fontes de informações também são usadas em etapas posteriores. A estrutura sintática default (i.e., mais recorrente), identificada pela criança provavelmente a partir da prosódia, seria uma fonte robusta para a aquisição lexical. De acordo com o Bootstrapping Sintático, a sintaxe guiaria o reconhecimento de novas palavras como nomes (elemento imediatamente seguinte a Det) ou adjetivos. Os resultados de nossas atividades experimentais vão ao encontro dessa hipótese, mas ressaltam que o conteúdo semântico claramente apresentado também é usado pela criança. Buscamos, dessa forma, contribuir para o entendimento do processo de aquisição de nomes e adjetivos de forma mais ampla, observando desde processos iniciais de análise perceptual dos enunciados a processos mais complexos de compreensão. Nossa pesquisa encontra-se em desenvolvimento, com vistas a obtermos resultados referentes à sensibilidade do bebê às propriedades prosódicas, e resultados relativos à consolidação do processo de aquisição lexical, a partir de atividades de produção de novas palavras, previamente apresentadas. ABSTRACT: This paper focuses the identification of N and ADJ lexical items by Brazilian children concerning prosodic, syntactic and semantic information. Acoustic analyses of complex DPs (with adjectives before or after nouns) show different prosodic patterns as regard to ADJ position. This would be explored by babies to segment and distinguish items from these lexical categories. Experimental activities are conducted with two and three year-old children and the results suggest that syntactic order is a strong cue for the identification of new words and semantic information facilitates this task. Taken together, the results are discussed based on Minimalist Program and Phonological and Syntactic Bootstrapping Models. Keywords: lexical acquisition; nouns; adjectives; bootstrapping models; Minimalist Program 136

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